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Depois de relatar as vidas do grego Címon (510-450 a.C.) e do romano Lúculo (117-56 a.C.), Plutarco traça aqui uma comparação dessas duas personalidades do mundo antigo. Esse texto faz parte da série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos.
I. Lúculo, a meu ver, deve ser considerado muito feliz de, embora destituído do comando, mas no gozo de sua liberdade, ter falecido em sua terra a tempo de não presenciar a transformação por que passaram os negócios públicos, por meio de sedições e de guerras civis entre os romanos, que o destino fatal já havia traçado. Esta é uma das semelhanças que ele apresenta com Címon, que faleceu quando os gregos se achavam na maior harmonia e não desavindos e em luta uns contra os outros. É verdade que foi em seu acampamento, e como comandante-chefe de seu país, e não recolhido em sua casa, por fastio e mandrice, nem com o fim preestabelecido de levar uma vida voluptuosa, em festas e banquetes, à custa de seus triunfos e vitórias, como, zombando, Platão censura em Orfeu, que promete aos que viveram impecavelmente nesta vida, como recompensa à sua virtude, uma embriaguez eterna no outro mundo. Isto não deixa de ser um honestíssimo consolo e satisfação espiritual a um indivíduo atacado de velhice, que a idade obriga a afastar-se da direção dos negócios, tanto da paz como da guerra, e a gastar seu tempo em agradável e tranquilo repouso, no estudo das letras, nas quais encontra deleite e profunda meditação. O que não me parece digno, nem decente a um adepto da doutrina de Xenocrates, e sim a um indivíduo propenso e arrastado à disciplina de Epicuro, é vê-lo concluir suas ações virtuosas em volúpias e prazeres de toda espécie, e enterrar a sua velhice e a sua vida em festas a Vênus, após haver provocado guerras e comandado exércitos.
II. É admirável, em ambos, que a juventude de um haja sido reprovável e viciosa, e do outro, pelo contrário, honesta e virtuosa; mas melhor é o que se vai aperfeiçoando e tudo faz por honrar a natureza, na qual o vício envelhece e a virtude robustece, do que o que pratica o contrário. Além disso, ambos enriqueceram pelos mesmos meios, mas não fizeram igual uso de suas riquezas. Sim, porque seria descabido querer comparar a construção da muralha, ao sul do castelo de Atenas, levada a efeito à custa do dinheiro que Címon levou para ali, com os aposentos aprazíveis e os soberbos edifícios rodeados de canais repletos de água, que Lúculo mandou construir junto de Nápoles, com os despojos dos bárbaros. Do mesmo modo, não se deve comparar a mesa de Címon, que era sóbria e simples, mas à disposição de todo o mundo, com a de Lúculo, suntuosa e condizente com a sua condição de sátrapa, porque aquela, embora muito modesta, alimentava diariamente numerosas pessoas, e esta despendia exageradamente, para nutrir poucos indivíduos com superfluidades deliciosas. Isto não quer dizer que o tempo não haja contribuído nesta diferença, pois não se pode garantir que Címon, afastado das guerras e de toda ingerência nos negócios públicos, não gastasse a sua velhice numa vida faustosa e dissoluta, sendo por natureza amante do vinho, das festas, dos divertimentos e das mulheres. A prosperidade e a felicidade dos negócios satisfazem aos homens por natureza ambiciosos, nascidos para os grandes cometimentos, que os fazem esquecer de todos os prazeres. Se Lúculo tivesse falecido ao tempo em que manejava as armas e comandava exércitos, ninguém, por mais cuidadoso e severo que fosse na busca e censura das faltas alheias, encontraria coisa alguma a condenar-lhe, quanto ao seu modo de vida.
III. Quanto aos assuntos guerreiros, é inegável que ambos foram excelentes comandantes, tanto em terra como no mar. Ora, sendo uso, na Grécia, denominar de vitoriosos e não vencedores aos que vencem, no mesmo dia, no mar e em terra, para dar-lhes maior glória, parece-me que Címon, tendo dado à Grécia as duas vitórias no mesmo dia, deve ser colocado em plano superior a qualquer outro comandante. Além disso, Lúculo recebeu do governo o comando das forças quando seu país já dirigia os povos aliados e confederados, com o auxílio dos quais derrotou seus inimigos. Címon, ao contrário, assumiu-o por si, quando seu país marchava sob a bandeira de outrem, e conduziu-se de tal modo que, graças à sua virtude, presidiu seus aliados e triunfou sobre seus inimigos, obrigando os persas a entregar-lhe o domínio dos mares, pela força, e convencendo os lacedemônios a se desterrarem voluntariamente.
IV. Se a maior qualidade que um excelente comandante deve possuir é a de fazer-se amar por seus soldados, a ponto que eles sintam satisfação em obedecê-lo, Lúculo foi desprezado por sua própria gente e Címon foi estimado e admirado até pelos aliados. Aquele regressou ao seu país abandonado pelos que com ele haviam partido; este voltou comandando os que com ele foram mandados para obedecer a outrem, tendo realizado, num repente, três coisas importantes e difíceis, em favor de sua terra: paz com os inimigos, soberania sobre os aliados, e proteção aos lacedemônios. Ambos empreenderam arruinar os grandes impérios e conquistar toda a Ásia, não conseguindo levar a termo o seu propósito: um, porque a morte surpreendeu-o, no posto de comandante-chefe, com todos os seus empreendimentos em bom andamento; o outro, por algumas faltas indesculpáveis que cometera, e por não querer satisfazer às queixas e súplicas da sua gente, o que lhe acarretou grande e lastimável malquerença.
V. Este defeito também poder-se-ia atribuir a Címon, que foi frequentemente submetido a julgamento pelos seus concidadãos, sendo por fim banido de sua terra por espaço de dez anos, a fim de não lhe ouvirem a voz durante esse tempo, conforme declara Platão. Em verdade, raramente acontece que a severidade das pessoas de bem agrade à multidão ou a uma comuna, embora se trate de endireitar o que está errado. O desagrado é sempre certo. É, nem mais, nem menos, o que acontece com as vendas e ataduras dos médicos e cirurgiões, que, embora se destinem a repor no lugar devido as juntas dos membros deslocados, causam grande dor ao paciente. Eis porque, sobre o acontecido, não se deve condenar a nenhum dos dois.
VI. Além disso, Lúculo levou suas armas mais distante que Cimon, pois foi o primeiro comandante romano que transpôs, com seu exército o monte Taurus e o no Tigre. Ele tomou e incendiou, quase sob as vistas dos próprios reis, as cidades régias da Ásia, Tigranocerta, Cabira, Sínope e Nísibis; foi ter ao norte, até o no Fasis, a leste até à Média, e ao sul até o mar Vermelho e reinos da Arábia, submetendo tudo ao império romano; e, tendo desbaratado as forças dos dois poderosos reis, apenas deixou de apoderar-se de suas pessoas, que fugiram e se esconderam em desertos longínquos e florestas virgens, como animais selvagens. A diferença existente entre as realizações de um e de outro é evidente, porquanto os persas, não tendo sofrido perda alguma, nem tendo sido dominados por Címon, entraram logo depois em guerra contra os gregos e destruíram a maior parte do seu exército no Egito, onde Mitrídates e Tigrano nada fizeram digno de nota, depois das vitórias de Lúculo; sim, porque aquele, sentindo-se enfraquecido e derrotado nas primeiras lutas, não ousou mais ir ao encontro de Pompeu com seu exército, e fugiu para o reino do Bósforo, onde faleceu; Tigrano foi pessoalmente prosternar-se aos pés de Pompeu, desarmado e nu, e, arrancando da cabeça o emblema real, entregou-lho, elogiando-o não pelas vitórias por ele alcançadas, mas pelas em que Lúculo havia triunfado. Deste modo ele considerou-se muito bem vingado, e sentiu-se sumamente feliz, quando Pompeu deu-lhe somente a insígnia e o título de rei, que lhe havia arrancado antes. Logo, maior comandante, e melhor lutador, é o que enfraquece seu adversário, em proveito de quem deve combater depois dele.
VII. Além disso, Címon encontrou o poder do rei da Pérsia bastante abatido, e a bravura dos persas aniquilada pelas diversas grandes derrotas que Temístocles, Pausânias e Leotiquides lhes infligiram; pelo que, atacando-os, foi-lhe fácil vencer os que já se achavam com o moral extremamente abatido. Lúculo atacou Tigrano quando este não havia sido ainda vencido e se achava com o moral elevado por numerosas e grandes vitórias realizadas, além de grandes conquistas. Quanto à quantidade de inimigos, não há comparação entre os que atacaram Címon e os que se puseram em luta contra Lúculo, pelo que, bem pesado e compreendido, seria desavisado decidir qual dos dois foi maior homem, mesmo porque parece que os deuses favoreceram a ambos, avisando a um do que devia fazer e a outro do que devia se abster. Fica assim demonstrado, por este testemunho dos próprios deuses, que ambos foram pessoas de bem, e que tiveram uma existência divina.