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Notas

562 - Dionisio, o Jovem, expulso por Dion no quarto ano da centésima-quinta Olimpíada, 356 anos antes de Jesus Cristo.
563 - Siracusa era, efetivamente, uma colônia dos coríntios. Era o segundo estabelecimento dos gregos na Sicília, depois da fundação de Naxe pelos calcidianos. O núcleo foi estabelecido por Arquias, coríntio, da família dos Heráclides, no terceiro ano da quinta Olimpíada, 757 A. C. e 21.« do arcontado perpétuo de Ésquilo em Atenas, segundo os mármores de Oxford. Dodwell, na sua cronologia de Tucídides, transporta este acontecimento para o 4.» ano da 11.’ Olimpíada. (N ota da trad. fr.).
564 - A Grécia se achava ent ão às voltas com Filipe, pai de Alexandre, o Grande.
565 - No grego: Emariste. (Nota da trad. fr.).
566 - O grego acrescenta: «e Timeu». Ver cap. 14.
567 - Habitante da Lócrida. região da Grécia antiga.
568 - Rege. atu almente Régio, na Calábria.
569 - Foi representada sobre uma medalha de Adrana, publicada por M. Pellerin, Medalhas dos Povos e das Cidades, tome 3, pág. 97. Acredita-se que seja o deus Marte.
570 - O grego traz: 340 estádios, que perfazem um pouco mais de catorze léguas.
571 - Trin ta estádios, um pouco mais de uma légua.
572 - Não há nenhum bastão no original grego. Bastões na antiga lingu agem francesa é tomado por armas, tais como alabardas, lanças, etc. (Nota da trad, fr.).
57 3 - No original grego: "que se dizem seus amigos, não ousam", etc. (Nota da trad. fr.).
574 - O texto grego ajunta: "ele já estava morto". Com efeito, havia morrido antes que Dionísio deixasse Siracusa, o terceiro ano do reino de Filipe, isto é. na centésima-oitava Olimpíada. Filipe havia subido ao trono no primeiro ano da centésima-quinta, segundo Diodoro da Sicília.
575 - "Ao bom Gênio".
576 - Ajuntai segundo. O grego: "E porque não satisfez esse ressentimento, que tinha há muito tempo no coração, no momento em que a sorte parecia haver reservado para ser o instrumento de salvação de Timoleon". (Nota da trad. fr.).
577 - Sem dúvida que havia ainda navios de transporte. Vede o embarque do qual se fala no cap. XXIV.
578 - Parece que isso se refere a sicilianos, gregos de origem. A continuação nos faz ver que são a gregos propriamente ditos, pois ele lhes diz que deveriam desejar ter mais Sicílias entre eles e os cartagineses. Também o original grego não diz: — "vós que tendes", mas somente: — "que vos, que sois gregos, quere is livrar dos bárbaros uma cidade", etc.
579 - O ori ginal grego traz: "perto de nós".
580 - «A bílis esquentada, o primeiro fogo».
581 - Não é talvez fora de propósito faze r notar, para a honra desta espécie de filosofia que não põe sua glória na impiedade, que o autor e o chefe desta infame deserção, chamado Trásio, era um dos principais cúmplices do sacrilégio cometido quinze anos antes pelos fenícios contra o templo de Delfos, do que Plutarco fala mais adiante e que Diodoro da Sicília coloca no segundo ano da centésima sexta Olimpíada.
582 - No grego, o mês Targélion, que Amyot tão bem colocou aqui pelo mês de maio e não pelo mês de abril, como faz ordinariamente.
583 - Diodoro da Sicília diz que eles pilharam uma cidade de Brutium, vizinha do mar, e então os bruti nos os atacaram, forçaram e massacraram todos. Este acontecimento deu-se no ano seguinte, o segundo ou o terceiro da centésima décima Olimpíada, 338 anos antes de Jesus Cristo.
584 - Diodoro da Sicília chama-o Filomelo. Este acontecimento foi para Filipe um dos mais poderosos meios para escravizar a Grécia.
585 - Grego: Peloponésia.
586 - Ajuntai: Eutimoo.
587 - É o começo da tragédia de Medéia de Eurípides. Amyot.
588 - É o rio Alabo, que se lança no mar em Megare.
589 - O verdadeiro nome deste rio é Halico; corre entre as cidades de Agrigento e de Selinonte, banhando os muros de Héracles, denominada Minoa, que os habitantes chamam hoje Platani.
590 - Agrigento, a algumas léguas de Heracléia do lado Oriente, sobre o rio que traz seu nome. Gela, a algumas léguas também de Agrigento, no Oriente, sobre o rio do mesmo nome. Essas três cidades estão sobre a costa meridional da Sicília.
591 - Eléia, antigamente chamada Vélia, cidade da Lucânia, província da Itália sobre a costa oci dental.
592 - Céo, uma das ilhas Cíclades, pátria de Simônides. Os antigos chamavam-na Ceia ou Céos. Está no meio-dia da Eubéia, ao Oriente da Ática, em face do promontório Sunio.
593 - Todo o mundo sabe que Epaminondas e Pelópidas, os dois maiores estadistas e guerreiros e talvez os únicos que Tebas haja pr oduzido, eram contemporâneos. Pelópidas morreu na Tessália varado de ferimentos num combate onde venceu Alexandre, tirano de Feres, 364 anos antes de Jesus Cristo. Epaminon das teve a mesma sorte um ano depois da batalha de Mantinéia contra os lacedemônios. Agesilau, rei da Lacedemônia, não o sobreviveu senão um ano. Timóteo, filho de Conon, ele mesmo um dos melhores g enerais de Atenas, não levou sua carreira muito mais longe.
594 - Automatia, a deusa que preside os casos fortuitos. Veja a nota de Dacier sobre este trecho de Plutarco.
595 - Ao «gênio sagrado».
596 - Miles, c idade situada sobre a costa meridional da Sicília, do lado do Oriente, junto ao promontório Pelorio.
597  - O quarto ano da centésima-décima Olimpíada, 337 anos A. C, depois de ter governado durante oito anos a Sicília , onde entrou no quarto ano da centésima-oitava Olimpíada 345 anos A. C

Fontes   >    Grécia Antiga

Vidas Paralelas: Timoleón, de Plutarco

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Timoleón de Siracusa, 344 a.C.. Gravura em xilogravura, publicada em 1882. Via iStock.

Sobre a fonte

Timoleón (c. 411-337 a.C.) foi um general e estadista nascido em Corinto, que liderou uma força grega que ajudou a libertar a cidade de Siracusa da constante pressão do Império Cartaginês e da ditadura de Dionísio II. A biografia de Timoleón faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Timoleón foi comparado ao cônsul romano Emílio Paulo Macedônio.

I. Situação da Sicília

I. A situação dos siracusanos, antes de Timoleón ser enviado à Sicília, era deplorável. Tinha sido assassinado a traição o patriota Dion, que havia conseguido derrubar e expulsar o tirano Dionísio562, seguindo-se um período de desorientação e desatinos, pois mesmo aqueles que haviam auxiliado na conquista da liberdade, agora se dividiam e se hostilizavam mutuamente. A cidade, mudando de governo continuamente, sem qualquer segurança administrativa, assistindo’ a ascensão e derrocada de novas tiranias, como que se tornou o alvo de toda a sorte de calamidades. Pouco faltou para que não ficasse inteiramente despovoada. Toda a Sicília, aliás, se encontrava em condições semelhantes, com as suas cidades destruídas pela guerra e o que restava de pé encontrava-se em poder dos bárbaros e outros estrangeiros, na maioria gente que, em virtude mesmo das diferenças de nacionalidade, não poderia formar uma coletividade unida. Isto criou justamente o clima propício a usurpações e arremetidas contra o poder constituído, que assim vacilava, sem qualquer firmeza ou estabilidade.

Desse ambiente favorável, aproveitou-se habilmente Dionísio, conseguindo galgar novamente o poder, dez anos depois de sua expulsão por Dion, após vencer e derrubar, o tirano Niseo, que dominava Siracusa. De maneira estranha, ele o cr iador da mais poderosa tirania como jamais houve no mundo, que havia sido expulso por uma força e poder relativamente pequenos, agora recuperava o antigo prestígio, de forma ainda mais estranha, após um período de inatividade, na pobreza e no exílio, tornando-se repentinamente o senhor absoluto daqueles mesmos que o haviam expulsado. Eis assim os habitantes de Siracusa defrontando uma situação ainda pior que a anterior, obrigados a servir ao tirano, que além de possuir uma natureza desumana, mais cruel se mostrava agora, devido aos males e desgraças que havia suportado. Alguns, porém, resolveram enfrentar o ditador e se puseram às ordens de ícetes, o qual dominava na cidade dos leontinos, elegendo-o seu capitão, não porque ele possuísse melhores qualidades do que os demais tiranos daquele tempo, mas porque não tinham a quem recorrer. Também confiavam nele pelo fato de ter nascido e m Siracusa e possuir a seu lado forças militares que o capacitavam a fazer frente a Dionísio.

II. Invasão dos cartagineses. A Sicília pede socorro a Corinto

II. Entretanto, enquanto assim se decidiam os inimigos do tirano, os cartagineses, animados pela sorte de suas campanhas militares, desceram impetuosamente sobre a Sicília. Diante de mais esta calamidade, os siracusanos resolveram pedir o auxílio dos coríntios, para o que enviaram embaixadores credenciados à Grécia. O socorro foi solicitado a Corinto, não somente porque os siracusanos eram seus descendentes563, tendo antes recebido vários benefícios daquela cidade, como também porque era notório o amor dos coríntios pela liberdade dos povos, bem como o ódio que alimentavam contra toda a casta de tiranos. Por isso mesmo quase todas as suas guerras foram empreendidas, não pela cobiça e pelo desejo de conquistar e dominar, mas para manter e defender a liberdade.

Contrastando com a forma de agir dos coríntios, ícetes, a quem haviam dado o comando das forças contrárias a Dionísio, já estava tramando secretamente com os cartagineses em detrimento dos siracusanos, pois o que visava era justamente a opressão de Siracusa. Assim, quando o Conselho representante do povo oprimido deliberou enviar embaixadores ao Peloponeso, ele também, por sua vez, mandou pedir socorro aos coríntios, não porque quisesse ou esperasse auxílio, mas porque tinha certeza da recusa, como parecia verossímil, pois também a Grécia se achava conturbada por inquietações e tumultos de guerra564. Seu plano era bandear para os cartagineses, os quais se tornariam assim seus amigos e aliados, tanto contra os siracusanos, como contra Dionísio. Isto se tornou evidente depois.

III. Corinto atende e Timoleón é enviado

III. Entretanto, os embaixadores dos Siracusa-nos chegaram a Corinto e se desincumbiram de sua missão. Ora, em todos os tempos, os coríntios tiveram o cuidado de tomar sob sua proteção as cidades oriundas de sua gente, como era Siracusa e, assim, foi deferido o angustioso apelo que lhe foi dirigido. Tanto mais que não havia nenhuma anormalidade em sua vida naquela época, estando a cidade em repouso e desfrutando de completa tranquilidade. A questão era somente encontrar um comandante à altura da missão que lhe seria confiada, de ir em socorro dos siracusanos. Quando se tratava desse assunto, os magistrados e oficiais da cidade propuseram nomes de alguns cidadãos que desejavam se projetar e se pôr em evidência. Um home m do povo, porém, levantou-se e clamou pelo nome de Timoleón, filho de Timodemo, o qual não tinha nenhuma ambição e não se intrometia nos negócios públicos. A lembrança daquele homem simples, de condição humilde, propondo o nome de Timoleón, foi interpretada como inspiração de algum deus, cujo resultado foi a sua eleição para o elevado cargo de condutor dos exércitos que deveriam livrar Siracusa. E a sua sorte, favorável na eleição, continuou a seu lado, coroando seus atos e seus feitos com a prosperidade e a felicidade, a que aliás fazia jus pelas suas virtudes.

IV. Nascimento e nobreza de Timoleón. Seu valor

IV. Timoleón era filho de nobres, sendo seu pai chamado Timodemo e sua mãe Demareta565. Era homem devotado ao bem público e portava-se de maneira cordial e humana para com todos, embora odiasse extremamente os tiranos e os maus. Bem analisada sua personalidade, via-se que era portador de todas aqu elas qualidades indispensáveis a um bom militar, pois tendo mostrado em sua mocidade grande dose de bom senso, não menos coragem e valor demonstrou em sua velhice. Seu irmão Timófanes, entretanto, era uma perfeita antítese, pois além de sua desmedida ambição, que o levava a querer conquistar o poder a todo o transe, perdido mesmo pelo desejo de reinar, era um indivíduo que vivia às voltas com pessoas de b aixa condição, entre as quais muitos soldados, que viviam a lhe inculcar na cabeça essas ideias de conquista. Como era de natureza impetuosa e ativa, sempre lhe deram cargos de responsabilidade, no que Timoleón o ajudava, ora encobrindo as faltas que cometia, ora fazendo-as parecer menores e mais leves do que eram na realidade, quando não procurava aumentar e embelezar o pouco de bom que sua natureza produzia. Numa batalha que os coríntios estavam travando contra os argienos e cleonianos, Timoleón lutava como soldado de infantaria e seu irmão Timófanes entre os cavalarianos. Num dado momento, este último se viu em grande perigo, necessitando ser socorrido com urgência, pois tendo sido ferido o cavalo que montava, foi ele cair por terra mesmo no meio dos inimigos. Aqueles que se achavam a seu lado, vendo o que acontecera, debandaram imediatamente, separando-se dele. Ficaram, porém, alguns dos seus companheiros, que mesmo em pequeno número, deram de lutar denodadamente, procurando defendê-lo e sustando o esforço do adversário. Timoleón, percebendo de longe o que estava acontecendo, precipitou-se em socorro do irmão e, cobrindo-o com seu escudo, recebeu no corpo diversos golpes, mas conseguiu com grande perigo de sua vida, salvar Timófanes e fazer retirar os inimigos.

V. Seus conselhos a Timófanes, seu irmão

V. Ora, os coríntios, que de certa feita tinham visto sua cidade perdida, pela falta de um aliado que os ajudasse na defesa, deliberaram, em conselho, manter quatrocentos estrangeiros pagos para esse fim e deram o comando dos mesmos a Timófanes. Este, entretanto, esquecendo seus deveres e calcando aos pés os sentimentos de justiça que deveriam pautar suas ações, cego pela desmedida ambição, resolveu apoderar-se da cidade como senhor absoluto. Não trepidou em fazer morrer diversas pessoas de influência, pondo a descoberto, sem mais nem menos, sua vocação de ditador e de tirano. Timoleón, descontente, reputava ser a maldade do irmão uma grande desgraça e um infortúnio para ele. A princípio tentou demovê-lo de seus propósitos, pedindo e admoestando, tentando por todas as formas fazê-lo abandonar aquele furioso apetite de domínio e aquela desgraçada paixão de reinar. Procurou mesmo reabilitá-l o e corrigir as faltas que o irmão havia cometido contra os seus concidadãos.

VI. Timoleón sacrifica o amor fraternal ao amor da pátria. Morte de Timófanes

VI. Timófanes não fez caso algum das observações feitas por Timoleón porque este se achava acompanhado então de um de seus aliados de nome Ésquilo, cunhado do próprio Timófanes, pois que era irmão de sua mulher e também de um adivinho que o historiador Teopompo chamou Sátiro e que Éforo566 nomeia Ortágoras. Estes três voltaram novamente à presença de Timófanes e suplicaram-lhe insistentemente a que desistisse da ideia de submeter o povo de Corinto à sua tirania. Mas a resposta que obtiveram, de começo, foi uma gargalhada de Timófanes. Esta, porém, logo se transformou em tremenda fúria contra aqueles três intermediários que se opunham às suas ambições. Timoleón, diante da recusa do irmão em atender suas súplicas, retirou-se a um canto e pôs-se a chorar. Os outros dois, no entanto, revoltados diante de tão grande teimosia e de tão intenso desejo de glória, desembainharam suas espadas e mataram o ambicioso Timófanes, naquele mesmo local. A notícia correu célere pela cidade e logo foi louvada a magnanimidade e patriotismo de Timoleón, que colocou o bem da pátria acima da voz do próprio sangue, que elevou bem alto o senso do dever e da justiça acima da afinidade carnal, embora fosse ele homem benigno por natureza e que sabia amar entranhadamente os seus. Entretanto, diante de tal alternativa, ele que havia salvo a vida de seu irmão quando este combatia em favor de seu país, agora não trepidava em fazê-lo morrer quando este mesmo irmão tentava escravizar e fazer-se senhor absoluto de sua pátria.

VII. Retiro de Timoleón

VII. Mas aqueles que não estavam acostumados a desfrutar o clima da liberdade e se achavam habituados a fazer curvaturas diante dos senhores absolutos, começaram a reprovar continuamente Timoleón, acusando-o de ter cometido um fratricídio execrável e abominável aos deuses e aos homens. Tanto falaram que Timoleón foi aos poucos se deixando vencer por um remorso terrível, o que era agravado pela atitude de sua própria mãe que não quis vê-lo mais nunca, fechando-lhe a porta de sua casa. Cheio de dor, perturbado, ele ficou como que obcecado pela ideia do suicídio, deixando de alimentar-se até que morresse de inanição. Nesse ponto seus amigos fiéis intervieram e fizeram-no abandonar esse propósito. Tomou então a resolução de viver afastado, na solidão dos campos para onde se retirou, deixando inteiramente os negócios públicos. Vivia vagando por lugares ermos, sem nenhum convívio, consumindo-se na sua melancolia e no seu desespero.

VIII. Eis como o sentido do homem e seu entendimento, quando não está bem fortalecido pela razão e pelo estudo da filosofia, pode vacilar. facilmente, colocando-o fera da diretriz anteriormente traçada, levado muitas vezes pelas censuras e outras vezes pelo próprio louvor, mesmo leves que sejam. Não é necessário, pois, que o ate seja honesto em si mesmo, somente, mas também é preciso que a resolução de onde ele parte seja firme e não sujeita à mudança, a fim de que não façamos nada sem que primeiramente tenhamos pensado e aprovado, para que não nos suceda come aos gulosos, que desejam intensamente um pedaço de carne, com grande apetite e quando conseguem satisfazer-se, tornam-se fartos e nada mais querem. Assim, quando atingirmos um objetivo, devemos proceder de maneira a não nos arrependermos, levados pela debilidade de nossa imaginação e pelo grau de honestidade que nos levou a executá-la. O arrependimento torna mau o ato que por si mesmo era bom, mas a determinação, que se baseia na ciência e no raciocínio, não muda nunca, ainda que não chegue a bom final a ação empreendida.

Eis porque Focion, o Ateniense, tendo se oposto formalmente, o quanto pôde, aos projetos do capitão Leóstenes e que, entretanto, contra sua opinião, vinham a ter bom resultado, e vendo que os atenienses sacrificavam aos deuses publicamente para lhes dar graças, glorificando-se da vitória que haviam tido, exclamou: — "Serei muito feliz por haver feito isto, mas eu não queria haver aconselhado aquilo." Nesse mesmo propósito, porém mais violentamente, respondeu Aristides, o Locridense 567, que era um dos familiares e amigo de Platão, a Dionísio, o Velho, tirano de Siracusa, ao lhe pedir este uma de suas filhas em casamento: — "Verei com mais prazer minha filha morta do que casada com um tirano". Algum tempo depois, Dionísio, fazendo com que morressem suas filhas, perguntou em tom de censura para lhe causar ainda maior desgosto, se ele conservava a mesma opinião que havia tido antes com respeito ao casamento de suas filhas. "Estou, respondeu-lhe, muito descontente com o que fizeste, mas não me arrependo do que falei". Atitudes como esta, procedem do advento da perfeita virtude.

IX. Timoleón aceita a direção da guerra na Sicília

IX. Mas, voltando a Timoleón, seja pela dor que sentiu com a morte do irmão ou pela vergonha que o dominou diante de sua mãe, o que quer que seja, isto rompeu e abateu de tal forma o seu coração, que durante vinte anos ele não tomou parte em nenhuma atividade pública. Naquela hora entretanto, nomeado para chefiar o socorro que queriam enviar à Sicília, aceito e eleito voluntariamente pelo povo, Teleclides, que na ocasião era quem tinha mais autoridade e crédito nos negócios de Corinto, erguendo-se nos pés diante da multidão, fez uma prédica a Timoleón pela qual o exortou a se portar como homem de bem e valente comandante naquela missão. "Pois se te portas bem, disse ele, julgar-te-emos como aquele que matou um tirano, e se te portas mal julgar-te-emos como o. assassino de teu irmão". Enquanto Timoleón estava recrutando gente e preparando seu equipamento, trouxeram aos coríntios cartas de ícetes, pelas quais aparecia claramente que este era um traidor, pois apenas despachou seus embaixadores, colocou-se do lado dos cartagineses, fazendo tudo abertamente por eles, com intenção de expulsar Dionísio e se fazer ele mesmo tirano de Siracusa. Mas, temendo que viesse socorro de Corinto antes de poder executar seus planos, escreveu cartas aos coríntios, pelas quais dizia-lhes não ser necessário que eles se expusessem a despesas e perigo para vir à Sicília, mesmo porque os cartagineses estavam descontentes, e vigiavam suas armas com uma grande frota de navios, e que ele, vendo que demorava muito a vir o socorro pedido, havia feito aliança com os cartagineses para ir ao encontro do tirano Dionísio. Estas cartas, lidas ao povo, fizeram com que os coríntios pouco entusiasmados com a empreitada, se é que os havia, fossem aguilhoados pelo ódio que sentiram contra ícetes, de tal forma que providenciaram voluntariamente para Tímoleon tudo quanto ele necessitava e o ajudaram a preparar seu equipamento para levantar vela.

X. Sua partida

X. Quando os navios ficaram prontos e os soldados tinham tudo que era necessário para partir, as sacerdotisas da deusa Prosérpina disseram ter tido uma visão à noite, quando dormiam, pela qual as deusas Ceres e Prosérpina lhes apareceram vestidas como pa ra viajar e lhes disseram que queriam ir com Timoleón para a Sisil. Por isso, os coríntios equiparam uma galera, a qual denominaram a galera de Ceres e Prosérpina, e Timoleón, ele mesmo, antes de sair no mar, foi à c idade de Delfos, onde fez um sacrifício a Apolo, e assim que entrou no santuário onde são recebidas as respostas do oráculo, deu-se um sinal milagroso, pois dentre os votos e oferendas que estão suspensas do teto e paredes do santuário, correu uma faixa sobre a qual havia coroas e vitórias impressas e pintadas em bordado, a qual caiu direito sobre a cabeça de Timoleón de maneira que parecia ser Apolo que o estava enviando a esta expedição desde já corcada, antes mesmo de começada. Embarcou e fez-se à vela com sete galeras de Corinto, duas de Corfu e uma décima que os leucadianos forneceram.

XI. Quando estavam ao largo, em pleno mar, tendo o vento pela popa, à noite, sucedeu que o céu fendeu-se de repente e pela abertura expandiu-se no ar, sobre o navio, uma grande quantidade de chamas muito claras e visíveis, como se fosse uma tocha ardente, semelhante àquelas que se usam nas cerimônias de mistérios. Essa tocha os acompanhou e guiou em todo o percurso da viagem e no fim foi se fundir e desaparecer no próprio lugar da costa da Itália, onde os pilotos haviam deliberado chegar. Os adivinhos, inquiridos sobre o significado deste presságio, responderam que esta aparição milagrosa confirmava o que as religiosas de Ceres haviam sonhado e que as deusas favoráveis à empresa haviam mostrado o caminho por meio da luz enviada do céu, tanto mais que a ilha da Sicília é sagrada e dedicada à deusa Proserpina, pois segundo se conta, o seu rapto ali se verificou e que a terra lhe foi entregue como dote no dia de suas núpcias.

XII. Aborda em Régio

XII. Assim, pois, os sinais dos deuses vindos do céu, deram segurança àqueles que tomaram parte na viagem, os quais se apressaram com a melhor diligência que lhes foi possível, até que atravessaram o mar e chegaram ao longo da costa da Itália. Ali, entretanto, as novas que ouviram da Sicília puseram Timoleón em grande perplexidade e desencorajaram bastante os guerreiros que havia levado. Segundo as notícias, ícetes havia vencido numa batalha o tirano Dionísio e tinha ocupado a maior parte da cidade de Siracusa, enquanto mantinha o tirano sitiado dentro do castelo, no bairro da cidade que se chama "Ilha", encerrado com muralhas. Nesse ínterim, tinha pedido aos cartagineses que impedissem Timoleón de descer e desembarcar na Sicília. Atendido o pedido, os cartagineses enviaram a Rege568 vinte de suas galeras conduzindo os embaixadores que ícetes enviava a Timoleón credenciados pelos seus feitos, portadores de belas palavras para encobrir a má intenção com que iam agir. Assim, disseram a Timoleón que devia seguir sozinho, se bem lhe parecesse, ao encontro de ícetes, para o aconselhar e acompanhar em todos os negócios, os quais já estavam bem encaminhados e que poderia reenviar seus navios e seus soldados a Corinto, atendendo que faltava muito pouco para que a guerra estivesse por completo terminada, adiantando mais que os cartagineses não desejavam, de forma alguma que sua gente passasse pela Sicília e que estavam mesmo deliberados a combatê-los se persistissem no seu propósito.

XIII. Os coríntios, aportando à cidade de Rege, tendo ali encontrado os embaixadores e vendo também a frota de navios cartagineses que estava fundeada não muito longe, ficaram por um lado despeitados por se verem desta forma ridicularizados por ícetes. Não houve ninguém em toda a tropa que não ficasse deveras indignado contra ele e penalizados com a sorte dos pobres sicilianos, vendo evidentemente que ficariam como presa de ícetes, como recompensa de sua traição e também como presa dos cartagineses, como recompensa da tirania que eles permitiriam ali se estabelecesse. Por outra parte, também, parecia-lhes impossível pudessem forçar os navios dos cartagineses, que os espreitavam numa passagem bem próxima, atendendo que tinham forcas duas vezes superiores às deles, bem como enfrentar o exército que estava nas mãos de ícetes na Sicília, que não tinha vindo senão para ajudá-los a conduzir a guerra. Não obstante, Timoleón falou atenciosamente aos embaixadores e aos capitães dos navios cartagineses, dando-lhes a entender que faria tudo o que quisessem, pois mesmo que desejasse proceder de maneira contrária, não ganharia nada. Entretanto, desejava, por desencargo de consciência, que na presença do povo de Rege, que era cidade grega, amiga comum das duas partes, fizessem eles em público a mesma proposta que lhe haviam feito em segredo. De sua parte, lhes daria a mesma resposta anterior, alegando que assim agia, sobretudo pela seriedade de sua incumbência e também porque eles guardavam mui inviolavelmente o que lhes prometera com relação aos siracusanos. Todo o povo de Rege, assim, ficaria como testemunha.

XIV. Timoleón engana os cartagineses e apodera-se de Tauromênio

XIV. Ora, isto não passava de um ardil do qual se utilizava para cobrir sua passagem, no que era secundado e favorecido por todos os capitães e governadores de Rege, ainda mais desejando que os negócios da Sicília caíssem entre as mãos dos coríntios, pois temiam ter os bárbaros por vizinhos. Por isso convocaram uma assembleia geral, durante a qual fizeram fechar as portas da cidade, dando a entender que era para que os burgueses não se ocupassem durante a mesma com outros negócios Mas, quando todo o povo se reuniu, deram de proferir propositalmente longos discursos, sem nada concluir, deixando sempre um orador para o outro o mesmo tema, com o objetivo de ganhar tempo até que as galera s dos coríntios pudessem partir. Divertiram assim os cartagineses na assembleia, sem que de nada desconfiassem, ainda mais vendo Timoleón presente, o qual a custo se continha, com desejo de falar também. Entretanto, alguém foi secretamente adverti-lo de que as demais galeras já se haviam feito à vela e que não tinha ficado senão a sua que o esperava no porto. Ele saiu então, secretamente, em meio aos apertões da multidão, com a ajuda dos régios que estavam à volta da tribuna de onde eram proferidas as arengas. Descendo ao porto, embarcou incontinente, pôs-se também à vela e, tendo alcançado sua frota, juntou-se aos outros, desembarcando na cidade de Tauromênio, na Sicília. Ali foram bem acolhidos por Andrômaco, que os havia convidado, onde governava a cidade como senhor. Era este o pai de Timeu, o Historiador, e o homem mais honrado entre todos aqueles que até então tinham dominado na Sicília, pois governava seus concidadãos com justiça e equidade, mostrando-se sempre, abertamente, inimigo dos tiranos. Por isso mesmo não trepidou em pôr sua cidade à disposição de Timoleón para aí assentar seu quartel, ao mesmo tempo que persuadia seus concidadãos a cerrar fileiras ao lado dos coríntios para ajudá-los a libertar a Sicília.

XV. Mas os capitães cartagineses que estavam em Rege, quando souberam que Timoleón havia se feito à vela, depois de terminada a assembleia do conselho, ficaram furiosos por se verem assim ridicularizados. Os habitantes da cidade se divertiram, a valer, vendo que os fenícios não ficaram satisfeitos com o embuste que lhes haviam pregado. Entretanto, apesar de tudo, resolveram enviar em uma de suas galeras, um embaixador a Tauromênio. Esse embaixador falou audaciosamente, colérico mesmo a Andrômaco, terminando por mostrar-lhe a palma e depois as costas da sua mão, querendo significar, com esse gesto, que a sua cidade seria assim revolvida debaixo para cima, se prontamente não pusesse fora dali os coríntios. Andrômaco, que não fazia outra coisa senão rir, estendeu-lhe as costas da mão e depois, de repente, mostrando-lhe a palma, disse-lhe que saísse imediatamente da cidade se não quisesse que sua galera fosse assim virada.

XVI. Entrementes, ícetes, advertido da passagem de Timoleón e ficando receoso, mandou buscar um bom número de galeras cartaginesas. Perderam, então, os siracusanos, toda a esperança de salvação, vendo que seu porto estava tomado pelos navios dos invasores, a melhor parte de sua cidade ocupada por ícetes, e o castelo pelo tirano Dionísio. Quanto a Timoleón, só dispunham de uma pequena extremidade da Sicília com a cidadezinha de Tau romênio, quase desamparada. Maior pessimismo apoderava-se dos espíritos, ao verificarem que ele não tinha outro meio de levar adiante a guerra, senão dispondo de mil homens a pé e uma provisão de víveres e dinheiro, estritamente o necessário, para cuidar deles e aliment á-los. Além disso, as outras cidades da Sicília não confiavam mais nele, devido as violências e extorsões que haviam experimentado não fazia muito tempo e por isso desejavam mal a todos os chefes e condutores de tropas, lembrando a deslealdade de Calipo e de Farax, dos quais, um ateniense e o outro lacedemônio, ambos alardeando terem vindo para libertar a Sicília e expulsar os tiranos, entretanto, ali causaram tanto mal aos pobres sicilianos que as misérias e calamidades por que eles haviam passado sob o poder dos tiranos parecia-lhes como ouro ao lado daquelas que os capitães os tinham feito sofrer. Dessa forma, reputavam mais felizes aqueles que voluntariamente haviam se colocado sob o jugo da servidão do que aqueles que eram remidos e restituídos à liberdade. Portanto, não podiam acreditar que esse coríntio pudesse ser melhor que os outros, pois pensavam que fossem os mesmos ardis, as mesmas amarras de boa esperança e as mesmas belas palavras que lhes haviam apresentado antes para os atrair ao despotismo de novos tiranos. Suspeitando dos coríntios, recusaram todas as suas admoestações e solicitações, exceto os adranitanos, os quais, tendo sua cidadezinha dedicada e consagrada ao deus Adrano569, muito honrado e reverenciado por toda a Sicília, estavam então em dissensão uns com os outros. Uma das partes aclamava ícetes e os cartagineses e a outra havia enviado mensageiros a Timoleón, sabendo que o s dois exércitos tinham pressa, procurando cada qual chegar primeiro. O que aconteceu é que os dois se aproximaram quase ao mesmo tempo. ícetes dispunha de cinco mil comba tentes e Timoleón não tinha ao todo senão uns mil e duzentos, com os quais partiu para ir à cidade de Adrano, distante de Tauromênio mais ou menos vinte léguas e meia570.

No primeiro dia não fizeram grande caminhada, pois acamparam cedo, mas no dia seguinte andaram mais ativamen te, embora em caminho áspero. Quando chegou a tarde e o dia começou a escurecer, tiveram notícias de que ícetes não fazia questão de chegar na hora diante de Adrano e que havia acampado. Isto ouvindo, os capitães e chefes de guarnição fizeram parar aqueles que marchavam na vanguarda, a se refazerem e descansarem um pouco, para que ficassem mais dispostos para o combate. Timoleón, entretanto, avançou ao encontro deles e pediu-lhes que não procedessem daquela forma e procurassem levar vantagem, com a maior diligencia que lhes fosse possível, a fim de poderem surpreender seus inimigos em confusão, como era provável que eles se encontrassem, tendo chegado de pouco e estando preocupados em preparar seu alojamento e a refeição. Enquanto ia lhes expondo essas razões, tomou seu escudo sob o braço e se pôs a marchar na frente, em primeiro lugar, alegremente, como se houvesse assegurado a si mesmo, de ir a uma vitória certa. Os outros, vendo seu exemplo, seguiram-no com igual certeza. Ora, restava-lhes ainda para fazer, mais cu menos, duas pequenas léguas571, as quais, vencidas, carregaram incontinente sobre o inimigo, que encontraram em desordem. Estes se puseram em fuga logo que sentiram a aproximação dos coríntios, de maneira que não foram mortos senão uns trezentos, mas foram feitos prisioneiros mais do dobro, e seu campo tomado.

XVII. A cidade de Adrane abre-lhe as portas e ele recebe as homenagens de outras cidades

XVII. Então os adranitanos, abrindo suas portas, renderam-se a Timoleón, contando-lhe com grande terror e, ao mesmo tempo maravilhados, como no mesmo instante e sobre a pontaria de sua carga, as portas do templo de seu deus se tinham aberto, por si mesmas, e o dardo, que sua imagem tinha na mão, havia tremido, mesmo na ponta onde estava o ferro, e toda sua face tinha ficado molhada de suor, o que significava, num aviso, que não era somente aquela a vitória que ele ganharia, mas também, cometeria belos feitos mais tarde, dos quais este primeiro encontro era um feliz começo. De fato, logo diversas cidades procuraram Timoleón para se unir com ele. Mamerco, o tirano de Catana, homem afeito às lides da guerra e poderoso em dinheiro, procurou sua aliança. O próprio Dionísio, o tirano de Siracusa, que estava cansado e desiludido, achando que era chegado o momento, devido à duração do cerco, não fez mais caso de ícetes, quando soube como este havia sido derrotado tão vergonhosamente e, ao contrário, estimando muito o valor de Timoleón, dispôs-se a entregar sua pessoa e seu castelo nas mãos dos coríntios.

XVIII. Dionísio, o Tirano, entrega-se a Timoleón

XVIII. Timoleón, muito contente com estes sucessos não esperados, enviou, para se apossar do castelo, Euclides e Telêmaco, dois capitães coríntios, com quatrocentos homens, não todos de uma vez, nem a descoberto, pois era impossível, estando os inimigos à espreita dentro do porto, mas por pequenas tropas e às escondidas, de tal maneira que todos penetraram no reduto de Dionísio. Assim, os soldados apoderaram-se da praça e do palácio do tirano, com todo o mobiliário e todas as provisões necessárias para a guerra, que lá havia, como bom número de cavalos de serviço, grande, quantidade de bastões572, armas ofensivas de toda espécie, baterias de tiro à distância e outras armas de defesa, que ali haviam sido reunidas de longa data, o bastante para armar setenta mil homens. Ali se achavam ainda mais de dois mil guerreiros, os quais, juntamente com Dionísio, entregaram-se nas mãos de Timoleón. Dionísio, levando seu dinheiro e alguns de seus amigos, saiu por mar sem que ícetes se apercebesse, dirigindo-se ao acampamento de Timoleón.

XIX. Foi ali naquele campo que o tirano foi visto pela primeira vez como homem comum, de onde alguns dias depois foi enviado em um navio a Corinto, ele que havia nascido e havia sido criado no ambiente formado pela maior e mais famosa tirania conquistada pela força que jamais houve no mundo. Ele mesmo, que havia mantido, pelo espaço de dez anos depois da morte de seu pai, aquela conquista, da qual depois Dion o expulsou, ele, que foi forçado a preparar uma guerra pelo espaço de doze anos, durante os quais praticou muitos males, tendo sofrido outros tantos, pois viu a morte de seus filhos que já estavam crescidos e na idade de trazer armas, viu violar suas filhas que estavam para casar, viu sua própria irmã, que era também sua mulher, primeiramente desonrada e ultrajada pelas mais infames práticas dissolutas, de que seus inimigos se poderiam lembrar, depois trucidada cruelmente com suas crianças e seus corpos atirados por fim no mar, como descrevemos ao discorrer sobre a vida de Dion, eis a situação de Dionísio ao se entrega r prisioneiro.

XX. Dionísio é enviado a Corinto. Sua vida particular

XX. Chegado que foi a Corinto, não houve um homem em toda a Grécia que não tivesse desejo de ir vê-lo e falar-lhe pessoalmente. Uns pareciam estar à vontade com sua desgraça, como se desejassem calcar aos pés aquele que a sorte havia abatido, tanto o odiavam amargamente. Outros, doendo-se em seus corações ao verem tão grande mudança, olhavam-no com um não sei quê de compaixão, considerando o grande poder das coisas ocultas e divinas sobre a falibilidade dos homens. Aquele século, que não produziu nenhuma obra-prima nem pela natureza, nem pela mão do homem, mostrou ao mundo como foi mudada a sorte de um homem que pouco depois de ter sido senhor de quase toda a Sicília, ali dentro da cidade de Corinto, agora, detinha-se ordinariamente a entreter as vivandeiras, ou ficava o dia todo sentado na loja de um perfumista, quando, na maioria das vezes, não passava horas e horas bebendo em lugares mal frequentados. Costumava também repreender e discutir no meio da rua, diante de toda gente, com aquelas mulheres que faziam publicamente mercadoria de seus corpos, ou passava a ensinar às cantoras ambulantes, discutindo com elas, sobre a harmonia de algumas das canções que cantavam nos teatros. Alguns afirmam que ele assim fazia porque não sabia como passar o tempo, porque por sua natureza era um homem covarde de coração, amando todas as volúpias pouco honestas. Outros são acordes em dizer que ele assim agia para ser desprezado, temeroso de que os coríntios alimentassem dúvida e desconfiança sobre a sua pessoa, tendo muitos a opinião de que ele sentia de tal modo a mudança de sua vida, que lhe restava alguma intenção de recuperar seu estado e que por isso fazia e fingia de propósito muita coisa contra sua natureza, para dar a impressão de ser um grande idiota.

XXI. Recordam-se ainda, entretanto, de algumas respostas suas, que parecem testemunhar não ser por covardia nem por estupidez, que ele praticava essas coisas, mas para se acomodar à sorte, pois tendo chegado a Lêucade, uma antiga cidade fundada pelos coríntios, como a de Siracusa, disse aos seus habitantes, "que se achava assim como os meninos, que quando erram, fogem da presença de seus pais, envergonhados por se encontrarem em sua frente, ficando mais à vontade com seus irmãos". "Assim, disse ele, estou mais contente pelo fato de morar aqui convosco e não ir representar em Corinto, que é vossa cidade metropolitana".

Uma outra vez que estava em Corinto, houve um estrangeiro que zombou com bastante impertinência dele, pois estando em seu distrito, onde tinha prazer de ver à sua volta literatos e filósofos, acabou por lhe perguntar, no final, de que lhe servia a sabedoria de Platão. Respondeu-lhe: — "Parece-te que não me serviu de nada, ao ver c omo suporto a mudança de minha sorte?" E ao musicista Aristoxeno e alguns outros que lhe perguntaram que debate houve entre Platão e ele e de onde procedeu, respondeu: — "Que a condição dos tiranos era verdadeiramente desgraçada, seu estado cheio de males, mas que entre estes não havia nenhum tão grande como o que era praticado por aqueles573 que chamam queridos a quem os governam e não ousam francamente falar deles, nem lhes dizer abertamente a verdade, e que era justamente por culpa destes que se achava agora privado da companhia de Platão".

XXII. Uma outra vez houve alguém que, pensando fazer-se de engraçado a sua custa, com muito espírito, entrando em seu quarto, sacudiu a roupa como fazem quando entram na casa dos tiranos para mostrar que não havia mais armas escondidas por debaixo, mas Dionísio deulhe o troco prazenteiramente, pois lhe disse: — "Faze isso outra vez quando saíres daqui para ver se não roubaste nada". Certa ocasião, Filipe, rei da Macedónia, à mesa, comentando as canções, poesias e tragédias que Dionísio, o pai, havia composto, fingindo maravilhar-se e perguntando como tivera ele tempo disponível para semelhantes composições, respondeu-lhe bem a propósito: — "Era nas horas em que tu e eu e todos os outros senhores que se reputam grandes e felizes, empregamos em brincadeiras e em bebedeiras". Ora, quanto a Platão, não viu nunca Dionísio em Corinto574, mas Diógenes, o Sinópio, a primeira vez que o encontrou em seu caminho, disse-lhe: — "Estás bem agora, num estado indigno de ti". Dionísio parou de repente e lhe disse: — "Verdadeiramente, Diógenes, sou agradecido pela tua compaixão para com a minha miserável sorte". "Como? replicou Diógenes, o que tenho é despeito ao ver um escravo como tu, digno de envelhecer e morrer no desgraçado estado de tirano, como fez teu pai, agora brincando com segurança e passando calmamente teu tempo entre nós". Quando venho a comparar estas palavras de Diógenes com o que escreveu o historiador Filisto, lastimando a sorte das filhas de Léptino, dizendo que das alturas de seus bens e de todas as honras mundanas, c que não falta nunca no estado de domínio tirânico, estavam reduzidas agora a uma vida baixa e humilhante, parece-me propriamente que a falta que uma mulherzinha delicada sente diante da perda dos guardados onde estavam seus objetos de "toillete" ou de seus belos vestidos de púrpura ou de seus anéis e alfinetezinhos de ouro, pode ser comparada e se aplica ao tirano Dionísio e, assim, não seria muito impertinente nem fora de propósito intercalar esta semelhança em sua vida, o que não seria nada mau nem inútil aos leitores, a menos que tenham muita pressa ou que estejam impedidos pelos afazeres.

XXIII. Todavia, se o infortúnio do tirano Dionísio parecia estranho, a prosperidade de Timoleón não foi menos maravilhosa, pois dentro de cinquenta dias após haver tomado pé na Sicília, teve entre suas mãos o castelo de Siracusa e enviou Dionísio desterrado a Corinto, o que deu tanta coragem aos coríntios, que mandaram um reforço de dois mil homens a pé e duzentos a cavalo, os quais desembarcaram na Itália no país dos turinos. Vendo, porém, que lhe era impossível passar dali para a Sicília porque os cartagineses tinham no mar grande frota de navios, por esta razão, estando constrangidos a esperar melhor ocasião, empregaram esse descanso em um outro digno feito, porque os turinos, que na ocasião estavam em guerra contra os brutinos, depositaram sua cidade entre suas mãos, a qual guardaram tão leal e tão fielmente como se fosse seu próprio país.

XXIV. Cerco do castelo de Siracusa por Icetes e pelos cartagineses

XXIV. Entrementes, ícetes tinha sempre o castelo de Siracusa cercado, impedindo, o mais que lhe era possível, que pelo mar chegasse trigo para os coríntios que ali se encontravam. Depois encarregou dois soldados estrangeiros, que enviou para a cidade de Adrano, de matar por traição Timoleón, o qual não costumava manter nenhuma guarda à sua volta e estava sempre no meio dos adranitas, de nada temendo, pela confiança que depositava na guarda do deus daquela cidade. Esses soldados, enviados para cometer tal assassinato, foram avisados de que Timoleón devia um certo dia, sacrificar àquela divindade. Entraram dentro do templo levando suas adagas sob as vestes e, pouco a pouco, aproximaram-se, passando por entre a multidão até bem perto do altar, mas no instante mesmo em que se tomaram de coragem, para executar sua incumbência, surgiu um terceiro que deu um tão grande golpe de espada na cabeça de um dos dois, que ele caiu por terra. Aquele que deu o golpe fugiu incontinente, mantendo sempre sua espada nua em punho e foi escalar uma alta rocha. O outro soldado, que tinha vindo com o que estava ferido, encostou-se a um canto do altar e pediu perdão a Timoleón com a promessa de descobrir-lhe toda a trama que estava urdida contra ele.

Timoleón acedeu e então declarou-lhe como ele e seu companheiro haviam sido enviados para o matar. Nessa ocasião trouxeram também aquele que havia fugido sobre a rocha, o qual bradava em alta voz que não havia feito nada mais do que o seu dever, pois havia morto o que havia matado seu pai na cidade dos leontinos. Alguns dos assistentes testemunharam que ele dizia a verdade e se maravilharam grandemente dos artifícios da sorte, de como conduz uma meada pelo meio de outra e por fim reúne todas as coisas, por mais longe que estejam, e as encrava e acorrenta de tal modo que elas, embora diferentes e sem que haja nada de comum que as identifique, acaba fazendo que o fim de uma venha a ser o começo da outra. Os coríntios, tendo compreendido tal fato, fizeram presente àquele que deu o golpe de espada, de uma coroa no valor aproximado de cem escudos de ouro, pois a sua paixão pela justiça se ajuntava à proteção do bom575 espírito que havia guardado Timoleón576. Afinal, este encontro não serviu para o presente, mas foi útil no futuro, porque aqueles que o presenciaram, encheram-se de esperança e tiveram em grande consideração e maior cuidado a pessoa de Timoleón, como sendo homem santo* amado dos deuses e enviado expressamente para livrar a Sicília do cativeiro.

XXV. Mas ícetes, tendo falhado este primeiro ensaio e vendo que diversos se colocavam do lado de Timoleón, lamentou-se a si próprio, pois tendo um forte exército de cartagineses, todos a postos, sob seu comando, deles não se servia senão por pequenas parcelas, como se tivesse vergonha, usando de sua aliança às escondidas. Mandou chamar o general Mago cem toda a sua frota, o qual, a seu pedido, trouxe uma armada considerável, de cento e cinquenta velas577, ocupando e cobrindo todo o porto, depois pôs em terra sessenta mil combatentes, que alojou dentro mesmo da cidade de Siracusa, de maneira que toda a gente achava que havia chegado o tempo, do qual antigamente se falava que ameaçava a Sicília há muito tempo, de que ela seria um dia toda habitada e possuída pelos bárbaros, pois apesar das guerras que os cartagineses vinham sustentando na Sicília, jamais lhes sucedeu tomar a cidade de Siracusa e agora, pela traição de ícetes, que os havia recebido, ali estavam acampados.

XXVI. Do outro lado, os coríntios, que estavam dentro do castelo, encontravam-se em grande desolação e em grande perigo porque os víveres os apeteciam bastante e começavam a fazer falta por causa dos portos que estavam estreitamente guardados, sendo necessário que ficassem sempre em guarda, armados, defendendo suas muralhas, que estavam sendo assaltadas em diversos lugares, com toda a sorte de engenhos de bateria e de invenções de ataque, razão pela qual também eram obrigados a se repartir em diversos grupos. Todavia, do lado de fora, Timoleón socorria da melhor forma possível, enviando de Catana trigo sobre pequenos barcos de pesca, os quais entravam no castelo, a maioria das vezes em tormenta, passando por entre as galeras dos bárbaros, que se separavam umas das outras por causa do vento e da agitação das ondas do mar. Mago e ícetes, percebendo isso, resolveram tomar a cidade de Catana, da qual vinham os víveres aos sitiados, levando com eles os melhores combatentes de seu exército e, partindo de Siracusa, singraram para Catana. Mas, nessa ocasião, Leão Corintio, capitão daqueles que estavam de guarda no castelo, vendo de dentro que os inimigos faziam má emboscada e não se tinham em guarda, irrompeu de repente sobre eles, surpreendendo-os e matando, no primeiro assalto, uma parte e expulsado a outra, de tal forma que se apoderou de um quarteirão chamado Acradino, que era a melhor parte da cidade e que havia sido menos estragado, pois a cidade de Siracusa parecia estar composta de diversas cidades unidas, em conjunto. Ali encontrou grande quantidade de trigo, de ouro e de prata e não querendo mais abandonar esse quarteirão e nem voltar para dentro do castelo, fortificou com diligência aquele recinto e juntando-o ao castelo com algumas fortificações feitas às pressas, deliberou ficar e guardar um e o outro.

XXVII. Mago e ícetes já estavam muito perto de Catana, quando chegou à frente deles um cavaleiro vindo de Siracusa, que lhes trouxe a notícia de que o bairro de Acradino havia sido tomado, o que os surpreendeu e resolveram voltar rapidamente, com grande presteza, tendo falhado porém em querer tomar o que pretendiam e guardar o que possuíam. Quanto a isso, é ainda duvidoso se se deve atribuir à prudência e ao valor, ou bem ao favor da sorte. É que os dois mil soldados coríntios haviam ficado na cidade dos turinos, parte com receio das galeras cartaginesas que os espreitava de passagem sob o comando de Hanon e parte por causa do mar que por muitos dias esteve bastante alto e sempre furioso. Afinal, resolveram correr o risco de passar pelo país dos brutinos e, esforçando-se, tanto fizeram que alcançaram a cidade de Rege, embora o mar estivesse ainda muito irritado. Entrementes, o almirante dos cartagineses, Hanon, julgando que não poderiam passar, e persuadido de que ficariam sempre por lá, sem fazer nada e perdendo tempo, imaginou que havia consumado uma boa força, de sutil finura, para abusar dos inimigos: ordenou a toda a sua gente que pusesse à cabeça, chapéus de triunfo, fez ornamentar suas galeras com "boucliers", armaduras e arreios gregos e com este equipamento figurado, voltou singrando para Siracusa, indo passar, a poder de remadas, ao largo do castelo, os soldados dando grandes risadas e batendo as mãos e gritando para os de dentro que havia sido desfeito o socorro que lhes vinha de Corinto, que eles cuidavam vir das costas da Itália, na Sicília, convencidos de que assim desencorajariam grandemente aqueles que estavam cercados.

XXVIII. Timoleón apodera-se de Messina

XXVIII. Mas, enquanto ele se divertia com esta infantilidade, que cuidava ser hábil engano, os coríntios haviam chegado, através do país dos brutinos, à cidade de Rege, pois ninguém mais guardava a passagem do mar e a tormenta, como por milagre, estava inteiramente apaziguada e o mar calmo e tranquilo. Embarcaram assim repentinamente, sobre barcas de passageiros e barcos de pescadores com os quais passaram à Sicília com tanta segurança e em tão grande bonança, que puderam puxar os cavalos pelas rédeas, que os seguiram nadando. Quando todos haviam passado, Timoleón recolheu-os, indo imediatamente apossarse de Messina e de lá, marchando em formação, tomaram o caminho direito a Siracusa, confiando mais na boa sorte que o conduzia do que na força que levava, pois não tinha consigo mais do que quatrocentos combatentes. Mago, percebendo sua vinda, assustou-se e quedou atordoado, sentindo-se apossar da maior dúvida justamente numa ocasião tão difícil.

XXIX. À volta de Siracusa há charcos que recebem grande quantidade de água doce, tanto das fontes e riachos como dos lagos e rios que ali vão desaguar no mar, e por isso na região se encontra grande quantidade de enguias, dando ensejo, em qualquer tempo, a atraentes pescarias. Os gregos que viviam a soldo de uns e de outros, quando tinham descanso, no intervalo das batalhas, distraíam-se pescando e, como falavam a mesma língua e não tinham inimizades pessoais uns contra os outros, assim quando estavam na época de combater, cumpriam seu dever, mas durante as tréguas, entretinham-se e se davam familiarmente uns com os outros, entregando-se aos prazeres da pesca, maravilhando-se com a beleza do local ao longo da costa. Houve entre eles alguns que recebiam soldo dos coríntios e deram de murmurar: — "Será possível, que vós outros, que sois de nação grega, que possuís578 tão bela e tão grande cidade, dotada de tanta comodidade e conforto, quereis torná-la bárbara, alojando perto de579 vós esses maus cartagineses que são os mais cruéis matadores que podem existir no mundo? Devíeis desejar, antes, que houvesse mais Sicílias entre eles e a Grécia. Sereis vós tão pouco avisados para acreditar que tenham reunido um exército de toda a África até as colunas de Hércules e até o Oceano Atlântico, a fim de vir aqui combater para estabelecer a tirania de ícetes? Este, se tivesse senso e juízo de bom capitão, não teria rejeitado aqueles que são seus antepassados e seus fundadores, para introduzir em seu país os antigos inimigos de sua pátria, mas teria tido honra e autoridade que seria razoável ele desejar, de acordo com a vontade e consentimento dos coríntios e de Timoleón".

XXX. Fuga de Magon, general dos cartagineses

XXX. Os soldados, que haviam ouvido a respeito, espalharam a notícia, em seus acampamentos, dando ocasião a Mago de suspeitar de alguma traição. E, com isso, ele não esperava senão alguma oportunidade para se ir, e mesmo que ícetes lhe pedisse para ficar, mostrando-lhe o quanto estavam mais fortes do que o inimigo, todavia, estimando que era a sorte mais a favor de Timoleón, que não o superava em número de combatentes, embarcou e voltou vergonhosamente à África, deixando escapar de suas mãos, sem nenhuma justificativa, a conquista de toda a Sicília. No dia seguinte ao de sua partida, Timoleón se apresentou à batalha diante da cidade e, quando os gregos e ele souberam como os cartagineses tinham fugido, o que verificaram, vendo o porto sem navios, começaram a rir e a zombar da covardia de Mago, mandando proclamar pela cidade que dariam uma boa recompensa àquele que lhes desse notícias do local para onde havia fugido o exército dos cartagineses.

XXXI. Timoleón apodera-se da cidade de Siracusa

XXXI. Não obstante isso, ícetes insistia ainda em querer combater, não querendo mais largar a presa que segurava, mas defender até o fim os bairros da cidade que havia ocupado. Talvez confiasse por estarem eles estabelecidos em local de acesso difícil e por verificarem que Timoleón havia dividido seu exército, ordenando que urna das tropas se dirigisse a um lugar que era considerado inacessível, onde passa o rio Anapo, enquanto outra coluna de guerreiros se preparava para assaltar ao mesmo tempo, pelo lado de Acradino sob o comando de Ísias Corintio. Afinal, uma terceira tropa do último reforço que havia vindo de Corinto, conduzida por Dinarco e Demarato, preparou-se para assaltar o bairro denominado Epípoles. Assim, o ataque sendo feito por todos os lados e ao mesmo tempo, os homens de ícetes ficaram em pouco tempo aniquilados e fugiram. É bem razoável atribuir à proeza dos combatentes e à prudência e sabedoria do capitão, ser a cidade tomada tão repentinamente e se ver entre as mãos de Timoleón, com a fuga dos inimigos, não havendo na luta nenhum coríntio morto nem ferido. É de se conjecturar que fosse propriamente obra e efeito da sorte que havia passado a favorecer Timoleón como querendo estribar e pôr à porfia a sua virtude, a fim de que aqueles que ouvissem falar de seus feitos, tivessem mais ocasião de o admirar mais como um homem feliz, do que louvá-lo como virtuoso, pois a fama dessa grande proeza não correu tão somente em poucos dias por toda a Itália, mas também pela Grécia, de maneira que os coríntios, que não podiam ainda crer que sua gente se tornasse a salvação da Sicília, compreenderam de uma vez que haviam chegado ao porto do livramento, com a vitória sobre aqueles inimigos, tanto sucederam felizmente os acontecimentos e tanto a sorte ajudou, com presteza e rapidez na beleza de seus feitos.

XXXII. Destruição do castelo e de tudo o que pertenceu aos tiranos

XXXII. Tendo então Timoleón o castelo e a fortaleza de Siracusa entre suas mãos, não fez como Dion, pois não a perdoou levando em conta a beleza e esplendor de sua construção, mas evitando aquela mesma suspeita que havia sido a causa da calúnia contra Dion e que no fim foi causa de sua morte, fez gritar, ao som da trombeta, que os siracusanos que quisessem, que viessem com alguma ferramenta para ajudar a demolir e arruinar a fortaleza dos tiranos. Não houve homem em toda a cidade de Siracusa que não subisse incontinente e que não reputasse ser esse grito e esse dia, o início certo da recuperação de sua liberdade. Arrasaram não somente a fortaleza do castelo mas também os palácios, as sepulturas e tudo o mais que pudesse servir de lembrança dos tiranos. Tendo a praça, em poucos dias, ficado limpa e aplainada, Timoleón fez edificar salas e auditórios para manter a justiça, a pedido dos habitantes da cidade e assim restabeleceu a liberdade, suprimindo o domínio tirânico. Mas, vendo que havia recuperado uma cidade onde não havia mais habitantes, porque uns estavam mortos pelas guerras e dissensões civis, e outros haviam fugido com o medo de ter que viver sob o domínio dos tiranos, de tal forma se despovoara a cidade, que na grande praça de Siracusa o capim havia crescido tão alto que os cavalos ali pastavam e os palafreneiros dormiam.

As outras cidades, exceto algumas poucas, estavam cheias de veados e javalis, de tal forma, que muitas vezes, aqueles que se achavam de repouso, caçavam dentro dos arrabaldes e das fossas próximas das muralhas. Não havia ali ninguém dos que habitavam os castelos e praças fortes dos campos, que quisesse sair para voltar a morar nessas cidades, tanto estavam assustados e tamanho era o ódio e horror às assembleias do conselho, às arengas e à intervenção do governo, do qual havia saído tantos tiranos. Verificando Timoleón esta desolação e também o pequeno número de siracusanos que havia escapado, que estes mesmos foram de aviso que se escrevesse aos coríntios, pedindo-lhes enviassem habitantes da Grécia para povoar a cidade de Siracusa, porque, do contrário, as terras ficariam inúteis sem ser cultivadas. Além de tudo, esperavam já uma grande guerra da África, estando avisados como estavam, de que os cartagineses haviam pendurado numa cruz o corpo de seu capitão general Mago, que se matara por causa de seu mau comportamento naquela incumbência, e preparavam um outro poderoso exército para voltar no ano seguinte e recomeçar a guerra na Sicília.

XXXIII. Restabelecida a liberdade na Sicília

XXXIII. As cartas de Timoleón estavam sendo levadas a Corinto quando ali chegaram também os embaixadores de Siracusa, que suplicaram ao povo para tomar a seus cuidados e proteger sua pobre cidade. Os coríntios não se mostraram nada avarentos, nem mesmo tentados pela cobiça em ser senhores de tão bela e tão grande cidade, mas enviaram primeiramente, a todas as assembleias, festas solenes e jogos públicos da Grécia, ao som da trombeta, a notícia de que tinham desfeito a tirania de Siracusa e expulso os despotas e, assim, chamavam os siracusa nos fugitivos de seu país, bem como os sicilianos que ali quisessem voltar a habitar, num ambiente de liberdade, com promessa de serem divididas as terras, justa e equitativamente, tanto a uns como a outros. Depois enviaram também mensageiros à Ásia e por todas as ilhas onde julgavam existir banidos de Siracusa, admoestando-os e aconselhandoos a virem a Corinto, onde lhes seriam dados navios, capitães e meios para, com segurança, se conduzirem até dentro de Siracusa. A cidade de Corinto se tornou digna, assim, de gl orioso louvor e da bênção de cada um, livrando a Sicília da servidão dos tiranos, preservando-a para que não caísse nas mãos dos bárbaros e repondo os seus cidadãos em seu país e em suas casas. Todavia, os da Sicília que, atendendo aquela proclamação, se reuniram em Corinto, não se julgando em número suficiente, solicitaram aos coríntios em receber com eles também outros habitantes, tanto de sua própria cidade, como de todos os lugares da Grécia. Isto foi feito e reuniram-se então cerca de dez mil, os quais embarcaram para Siracusa, onde já havia outro grande número que se havia reunido diante de Timoleón, tanto da Sicília como de toda a Itália, de maneira que todos reunidos formavam até o número de sessenta mil, conforme Atanis escreve e entre os quais ele dividiu todo o território, vendeu as casas, até o valor de seiscentos mil escudos, facultando aos cidadãos naturais da cidade recuperar as suas posses por esse meio, para que o povo, que era extremamente pobre, tivesse dinheiro em comum para fazer frente, tanto aos negócios e necessidades públicas como às despesas da guerra. Até as estátuas foram vendidas, dando o povo sua sentença por maioria, sobre cada uma delas, pois foram levadas à justiça e acusadas, como se fossem homens vivos. Dizem que os siracusanos reservaram então a estátua de Gelon, antigo tirano de sua cidade, honrando sua memória, por causa de uma grande vitória que havia ganho perto da cidade de Himere sobre os cartagineses, mas condenaram todas as outras a serem retiradas dos lugares públicos e vendidas.

XXXIV. Os cartagineses tentam nova investida

XXXIV. Assim começou a cidade de Siracusa a ser povoada, pouco a pouco, para ali acorrendo gente de todos os lados. Por esse meio Timoleón pensou livrar também as outras cidades, para destruir e tirar as raízes, em todos os pontos, da tirania da Sicília, para o que chegou mesmo a guerrear dentro de suas casas. O primeiro a quem se dirigiu foi ícetes, que obrigou a abandonar a aliança com os cartagineses, o qual prometeu que demoliria as fortalezas que possuía e viveria como um cidadão qualquer, dentro da cidade dos leontinos. Também Léptino, que foi tirano da cidade de Apolônia e de diversos outros vilarejos dos arredores, vendo-se em perigo de ser preso, rendeu-se, o que fez com que Timoleón lhe salvasse a vida, enviando-o a Corinto, apreciando que seria coisa honrosa para o seu país que os outros gregos vissem na cidade metropolitana os tiranos da Sicília vivendo pobre e abertamente como banidos. Isto feito, voltou Timoleón a Siracusa para ali tomar parte no estabelecimento da administração, ajudando Céfalo e Dionísio, dois grandes personagens que haviam mandado de Corinto para reformar as leis e organizar os negócios públicos. Entrementes, como os soldados queriam tirar qualquer proveito dos inimigos e não ficarem inativos, enviou-os sob a direção de Dinarco e Demarato às regiões que se achavam debaixo da obediência dos cartagineses e lá fizeram rebelar contra os bárbaros diversos vilarejos, e não somente vasculharam e pilharam com abundância todos os seus bens, mas ainda juntaram dinheiro para manutenção da guerra. Enquanto isto, os cartagineses desceram em Lilibéia com um exército de setenta mil combatentes, duzentas" galeras e mil outros navios que traziam engenhos de bateria, carriolas, víveres e outras provisões e munições necessárias para um acampamento, com intenção, não de guerrear assim a miúdo, mas de expulsar de uma só vez os gregos de toda a Sicília, inteiramente, pois era também uma força suficiente para subjugar os sicilianos, ainda que não estivessem avisados, embora unidos uns com os outros. Avisados de que percorriam suas terras e país, eles correram incontinente, encolerizados580, e se colocaram sob o comando de Asdrúbal e de Amílcar, os dois chefes de seu exército.

XXXV. Nova vitória de Timoleón

XXXV. Logo que a no tícia da incursão chegou a Siracusa, os habitantes da cidade ficaram sobremaneira amedrontados, ao terem conhecimento de uma força tão grande, que teria de ser enfrentada apenas com três mil homens, que tiveram coragem de pegar armas ao lado de Timoleón. Havia, é verdade, quatro mil aliciados estrangeiros, dos quais mil debandaram na metade do caminho e voltaram correndo, covardemente581, dizendo que Timoleón se achava fora do seu bom senso e temerário em excesso para sua idade, ao pretender enfrentar, com cinco mil combatentes a pé e mil cavalarianos, cerca de setenta mil guerreiros, afastados de Siracusa na distância de oito dias de viagem. Assim, no caso de se dar uma fuga, não teriam onde se esconder nem se salvar, bem como não teriam quem tomasse o cuidado de os amortalhar e enterrar, se fossem mortos. Todavia, Timoleón achou de maior benefício para ele, que aqueles desertores se tivessem mostrado tais como eram, em boa hora, antes da batalha. Esperando o inimigo, falou e encorajou os seus soldados e os fez marchar apressadamente em direção ao rio Crimisa onde, segundo fora avisado, estavam acampados os cartagineses. Escalada uma pequena encosta, viu do alto, efetivamente, o acampamento inimigo do outro lado. Chegando nessa ocasião, por acaso, ao seu acampamento, alguns burros carregados com a verdura denominada aipo, os soldados se encolerizaram, dizendo que aquilo significava um mau presságio, devido ao costume de se coroar com aquela verdura as sepulturas dos mortos, do que derivou o provérbio citado quando alguém se achava muito doente, de que não era preciso mais senão o aipo, isto é, a sepultura. Timoleón, desejando destruir em seus espíritos esta superstição, bem como reanimá-los com uma nova coragem, fez parar as tropas e, depois de fazer aos seus comandados algumas observações sobre o tempo, o descanso e aquela ocasião, disse que a coroa se apresentava por si mesma diante deles, nas suas mãos, antes da vitória, pois os coríntios costumavam premiar em sua terra, coroando-os com chapéus de aipo, aqueles que vencem nos jogos ístmicos. Seria então aquela, a oportunidade de receberem também eles, o prêmio da vitória dos jogos solenes, a coroa de aipo de Nemeu, pois não fazia muito tempo que estavam usando, para tal fim, dos ramos da árvore do pinho.

XXXVI, Tendo assim se dirigido a sua gente, Timoleón fez, ele mesmo, um chapéu de aipo e cobriu a cabeça, no que foi seguidamente imitado pelos soldados. No mesmo instante em que isto se dava, os adivinhos perceberam duas águias que voavam para sua direção, uma das quais tinha, em suas garras, uma serpente que apertava de quando em vez, enquanto a outra, voando, crocitava agudamente e com firmeza, como que inspirando segurança. Mostradas aos soldados, começaram todos, a uma voz, a invocar os deuses em sua ajuda. Ora, como estavam no começo do verão, quase no fim do mês de maio582, e o sol já se aproximava do solstício, levantou-se no rio uma grossa cerração, de sorte que todo o campo ficou coberto pelo nevoeiro e o acampamento inimigo desapareceu completamente. Ouviam-se, porém, as vozes confusas dos soldados cartagineses, em grande alarido, que subiam até a encosta onde se encontravam os coríntios. Quando estes colocaram em terra seus broqueis e escudos para respirar um pouco, o sol foi aos poucos levantando o nevoeiro até acima dos outeiros, onde o ar começou a ficar espesso e grosso, de maneira que os cumes das montanhas ficaram cobertos de nuvens enquanto que em baixo, a planície se tornava limpa, o ar purificado. Assim, podia-se ver claramente o rio Crimisa e suas adjacências, onde os inimigos passavam em ordem. À frente, colocaram eles as carretas de guerra, armadas e equipadas assustadoramente. Atrás, vinham dez mil homens a pé, conduzindo boucliers brancos, o que demonstrava, mesmo de longe, pelo equipamento, a boa ordem e maneira grave como estavam marchando, que eram cartagineses, depois dos quais vinham os guerreiros de outras nações, misturados, em grande desordem.

XXXVII. Timoleón, observando o que acontecia, concluiu que o rio lhe daria oportunidade de alcançar a metade do exército, com grandes possibilidades de vitória. Apontando aos seus soldados o inimigo assim dividido em dois pelo rio, porquanto uns já o haviam atravessado e outros não, ordenou a Demarato que dirigisse a cavalaria e começasse a carregar sobre os primeiros para impedi-los de formar linha para a batalha, enquanto que a infantaria, descendo à planície e cedendo aos outros sicilianos duas pontas de seu batalhão e misturando entre eles certo número d e soldados estrangeiros, no meio dos quais se encontrava o próprio Timoleón, que retinha em torno de si os naturais de Siracusa com a elite dos legionários de outros países, não cessaram os infantes sua arremetida contra os cartagineses, pois também verificaram que a cavalaria pouco estava fazendo. É que as carriolas armadas, que corriam e volteavam constantemente diante dos cavalarianos, os obrigavam também a reviravoltas contínuas, se não quisessem se expor ao perigo de uma completa exterminação. Timoleón, então, tomando um escudo sobre o braço, bradou em alta voz aos infantes que o seguissem valentemente e nada temessem. Os que o ouviram, acharam sua voz como que fora do natural, mais forte e poderosa do que de costume, talvez porque o ardor e vontade de combater lhe forçassem assim a voz, ou então devia ser algum deus que justamente naquela hora o ajudava a gritar. O fato é que seus soldados, impressionados com o que acontecia responderam da mesma forma e pediram que os conduzisse. Ordenou então Timoleón aos cavaleiros que se retirassem da frente das carretas, pois que a infantaria se preparava para atacar os cartagineses pelos flancos. Juntando escudo com escudo, broquel a broquel, os que se achavam na vanguarda do batalhão, ao som das trombetas, investiram contra os inimigos, os quais apararam valentemente esse primeiro ataque, pois estavam bem armados e traziam o corpo defendido por uma espécie de colete de ferro e capacetes de cobre, e, com os seus grandes escudos, repeliam os golpes dos dardos e das lanças.

XXXVIII, Mas, ao ser iniciado o combate a espada, quando mais vale a destreza e a arte do que a força, sobreveio repentinamente uma forte tempestade acompanhada de relâmpagos e trovões, pois as nuvens escuras e espessas que antes cobriam os cumes das colinas, vieram descarregar na planície um temporal impetuoso, com ventania violenta e granizo. A tempestade vinha do lado dos gregos e alcançava pela frente os bárbaros, dando-lhes a chuva nos rostos e ofuscando-lhes os olhos. Assim, continuamente fustigados por aquela torrente e pelo vento cortado de relâmpagos, desapareceu de momento a cooperação, pois ninguém esperava pelo outro. Isto trazia sérios contratempos àqueles que não estavam habituados às armas. O barulho que fazia o vento impetuoso e o granizo batendo sobre seus arreios, atrapalhavam de tal forma os guerreiros, que não podiam ouvir as ordens de seus capitães. Também a lama prejudicava bastante os cartagineses, que não se tinham livrado de seus arreios, mas pesadamente armados como já dissemos, quando as dobras de suas alabardas foram embebidas de água, encheram-se ainda mais, impedindo-os de combater à vontade, o que auxiliou os gregos a pô-los facilmente por terra e, uma vez caídos na lama com suas armas pesadas, não podiam mais se levantar.
 
O rio Crimisa, muito cheio, não só devido a esta grande devastação das chuvas como pela multidão de soldados que o atravessava, transbordou na planície, a qual, situada abaixo de um grande número de fossas, vales e cavernas, foi incontinente inundada e cortada de riachos e torrentes, que corriam pelo campo sem nenhum leito ou canal certo. No meio dessas águas, os cartagineses encontravam-se como que embrulhados, sem poderem se desprender e, finalmente, por força da tormenta que caía sempre e cada vez mais forte, foram mortos desde a chegada dos gregos quatrocentos dos melhores homens que possuíam e que formavam a primeira linha na frente da batalha. O resto das tropas começou então a se pôr em fuga por todos os lados e, muitos deles, seguidos de perto, foram espetados pela espada inimiga na planície mesmo. Outros, embaraçando-se no meio daqueles que ainda atravessavam o rio, foram levados e afogados pela impetuosidade da corrente. O maior número, procurando ganhar os outeiros dos arredores, foi atingido e passado ao fio da espada. Dizem que dos dez mil homens que ficaram mortos nessa batalha, três mil eram burgueses naturais de Cartago, o que causou um grande luto e uma grande perda para aquela cidade, pois não se encontravam ali mais nobres, mais ricos nem mais amáveis companheiros e nem mais valentes homens do que aqueles. Não havia mesmo, na lembrança do seu povo, nenhum desastre igual nas guerras precedentes em que tivessem morrido, em um só dia, tantos cartagineses como daquela vez, porque estavam acostumados a se servir, em suas guerras, de líbios, espanhóis e nômades, e por esse meio recebiam as derrotas e perdas das batalhas a expensas e prejuízo de outrem. Identificaram-se bem o estado e a qualidade dos mortos pelos seus despojos, pois aqueles que os pilharam, não se divertiram muito em recolher e guardar o cobre e o ferro, porque acharam bastante ouro e prata, pois ganha a batalha, os gregos passaram o rio e tomaram o acampamento dos bárbaros com seus animais e sua bagagem. Quanto aos prisioneiros, os soldados os roubaram e consumiram muitos deles, mas assim mesmo se apresentaram cerca de cinco mil, tendo também sido tomadas duzentas carriolas de guerra.

XXXIX. Despojos de guerra enviados a Corinto

XXXIX. Um espetáculo magnífico, porém, foi a tenda do capitão-general Timoleón, em volta da qual se viam despojos de toda sorte, entre os quais se achavam mil coletes de manufatura sem igual e dez mil boucliers. Sendo os vencedores em pequeno número para despojar os mortos e vencidos, que eram em grande quantidade, acharam bem como se enriquecer, no que gastaram três dias. No fim do terceiro dia depois da batalha, levantaram, o troféu da sua vitória. Timoleón enviou a Corinto, com a notícia da vitória, os mais belos e melhores arr eios e equipamentos que foram encontrados na pilhagem, a fim de os entregar a seu país e à cidade de seu nascimento, naquela hora a mais digna de ser abençoada por todo o mundo e toda a Grécia, atendendo ao fato do que ela era a única, entre todas as cidades gregas, onde se viam os principais templos ornados e decorados, não de despojos do povo grego nem de oferendas conquistadas por homicídios e efusão de sangue daqueles que eram da sua mesma língua e mesma nação, o que na verdade implica numa das piores lembranças, mas de armas tiradas aos bárbaros com inscrições que testemunhavam a valentia e a justiça daqueles que os haviam vitoriosamente conquistado, isto é, os coríntios e seu capitão Timoleón que, tendo livrado os gregos habitantes da Sicília da escravidão dos cartagineses, haviam feito essas oferendas aos deuses para lhes render graças pela vitória.

XL. Isto feito, Timoleón, deixando os estrangeiros que tinha a seu soldo nas províncias dos cartagineses para que ali tratassem de pilhar, estragar e arruinar tudo, voltou com o restante de sua armada a Siracusa, onde de início expulsou os mil soldados que o haviam abandonado, com uma ordem expressa de saírem da cidade antes do pôr do sol. Assim passaram esses mil desleais sediciosos à Itália, para onde foram sob promessa de paz583, porém todos foram despedaçados pelos brutinos, tal foi o castigo que os deuses os fizeram pagar pela sua traição.

XLI. Mamerco, tirano de Catana e ícetes, por inveja que tivessem pela glória dos belos feitos de Timoleón ou por medo dele, vendo que os tiranos não podiam encontrar ambiente no país nem acordo com ele, fizeram aliança com os cartagineses e lhes escreveram que enviassem um outro exército e um capitão, rapidamente, se não quisessem ser expulsos de toda a Sicília, inteiramente. Os cartagineses então enviaram Giscão, com setenta barcos, o qual, à chegada, pôs a seu soldo um bom número de soldados gregos, que foram os primeiros dentre aqueles que os cartagineses tiveram até então a seu serviço e que eram considerados homens invencíveis e os melhores combatentes de todo o mundo. Ainda mais, os habitantes do território de Messina, tendo feito uma conspiração secreta entre eles, mataram quatrocentos homens que Timoleón lhes havia enviado e nas terras de jurisdição dos cartagineses, junto de um lugar chamado Híera, houve uma outra emboscada dirigida a Eutímio Leocádio, na qual ele e todos os seus soldados foram cortados em pedaços. A derrota daqueles, porém, tornou ainda mais famosa a prosperidade e a boa sorte de Timoleón, porque pertenciam eles ao grupo que, pela força, havia ocupado o templo de Apolo na cidade de Delfos, com Filodemo584 e com Onomarco, e haviam participado de um sacrilégio, sendo por isso odiados de todo o mundo e foragidos como gente excomungada e maldita, errantes daqui e dali pelo país da Moreia585.

Timoleón, na sua partida, os havia recolhido na falta de outros. Na Sicília, eles haviam sempre vencido em todas as batalhas e encontros onde Timoleón se achava, mas no fim, depois que o objetivo principal da guerra foi atingido, foram enviados por ele com a incumbência de socorrer outras províncias, onde morreram todos, não juntos, mas em diversas vezes, de tal forma, que parece propriamente que a justiça divina agiu em favor de Timoleón, escolhendoos, para os fazer pagar o castigo devido a sua maldade e separando-os para que os bons não sofressem algum dano com o castigo dos maus. Assim, a benevolência dos deuses para com Timoleón, era admirável, sendo em menor número as coisas que se davam contra ele do que aquelas que sucediam para o seu bem. Todavia, a comuna de Siracusa suportava com pouca paciência alguns toques de crítica que lhes faziam e diziam os tiranos, pois Mamerco, entre outros, com muito apreço a si próprio, porque sabia fazer versos e compunha algumas tragédias, tendo tido em alguns encontros vantagem sobre os estrangeiros que os siracusanos mantinham a seu soldo, fazia disso grande alarde, dedicando os boucliers que havia ganho aos templos dos deuses e anexando estes versos picantes de desprezo e de crítica aos vencidos:

Esses belos escudos de púrpura coloridos,
De marfim e de ouro ricamente lavrados,
Havíamos ganho por força, e tomados
Com boucliers de bem pequeno preço.

XLII. Isto feito, Timoleón levou seu exército para diante da cidade de Calábria enquanto ícetes, entrando à mão armada nas terras dos siracusanos, correu toda a parte baixa onde fez grande quantidade de presa. Depois de ter devastado aquela zona, voltou, passando ao longo da Calábria para agastar Timoleón, sabendo, como sabia, que ele tinha pouca gente consigo. Este deixou-o passar e depois foi atrás com sua cavalaria e sua infantaria. ícetes, avisado, atravessou o rio Damirias e parou do outro lado como para combater, confiando na firmeza do curso do rio e na altura de ambas as suas margens. Deu-se então uma contenda interessante entre os chefes de grupos de Timoleón, pois não houve um que quisesse ficar atrás de seu companheiro, pois queriam todos ser os primeiros a ter a honra de começar a carga, de maneira que não havia necessidade de ordem para o combate, tanto eles se empurravam e desejavam passar cada um à frente de seu companheiro. Diante disso, Timoleón resolveu tirar a sorte para ver quem passaria primeiro. Tomou de cada um deles um anel, jogou-os todos juntos dentro da dobra de sua túnica, misturou-os e tirou por acaso um, no qual havia a figura de um troféu gravada. Vendo isto, os jovens capitães gritaram de alegria e, sem esperar mais, começaram a atravessar o rio o mais depressa que cada um podia e deram logo de carregar sobre os inimigos, os quais não podendo sustentar o ímpeto do ataque, começaram a fugir e foram despojados inteiramente de suas armas, deixando cerca de mil cadáveres sobre o campo.

XLIII. Icetes é aprisionado e condenado

XLIII. Poucos dias depois Timoleón, conduzindo seu exército à frente da cidade dos leontinos, aprisionou ícetes vivo com seu filho Eupolemo e586 o general de sua cavalaria, os quais foram entregues em suas mãos pelos seus próprios soldados. Foram ícetes e seu filho condenados a morte como traidores e tiranos e Eutidemo, embora fosse homem valente e corajoso na guerra, não encontrou misericórdia devido uma palavra injuriosa que o incumbiram de dizer contra os coríntios. Pois, segundo dizem, quando estes vieram a p rimeira vez à Sicília para ali combater os tiranos, em uma arenga que fez diante dos leontinos, disse entre outras coisas que não deviam mais ter medo nem se assustar, pois lá fora estavam as mulheres co ríntias587. É que a maioria dos homens de bem muitas vezes se ofende mais com as palavras maldosas e suportam com paciência uma ofensa que não é acompanhada de injúria e perdoam aos inimigos quando estes se vingam com atos, mas as palavras injuriosas parecem proceder de um ódio e de uma maldade excessivas.

XLIV. Submetem-se os remanescentes da tirania na Sicília

XLIV. Na espera, retornando Timoleón a Siracusa, os habitantes da cidade conduziram perante a justiça as mulheres de ícetes, seu filho e suas filhas, os quais, feito o processo, foram todos por sentença do povo condenados a morte. É de todos os atos de Timoleón aquele que parece o mais desagradável, pois se quisesse, poderia muito bem impedir que essas pobres mulheres fossem mortas, mas pouco se incomodou, abandonando-as ao furor de seus concidadãos, que queriam vingar sobre elas os danos que haviam feito a Dion, depois de ter sido expulso pelo tirano Dionísio, pois foi ícetes que afogou no mar Areta, a mulher de Dion, sua irmã Aristomaca e seu filho que era ainda criança, como escrevemos alhures na vida de Dion. Isso feito, Timoleón marchou contra Mamerco, em Catana, que o esperou junto do rio Abolo588, onde foi derrotado, aí morrendo mais de dois mil homens, que na maior parte eram cartagineses que Giscão havia enviado em seu socorro. Depois garantiu a paz aos cartagineses, que a tinham pedido e concedeu, sob condição, que ficassem com o que se achava além do rio Lico589. Contudo, poderiam os habitantes que quisessem sair para ir morar no território dos siracusanos, podendo igualmente transportar, quando quisessem, seus bens, suas mulheres e suas crianças. Além disso, daí em diante os cartagineses renunciaram a toda confederação e toda aliança com os tiranos. Diante disso Mamerco resolveu ir para a Itália, procurou convencer os lucanianos contra Timoleón e contra os siracusanos, mas aqueles que estavam em sua companhia voltaram com suas galeras do meio do caminho e, lego de volta à Sicília, entregaram a cidade de Catana nas mãos de Timoleón, de tal forma que Mamerco foi obrigado a se salvar e refugiar-se em Messina, onde Hipon era tirano, mas Timoleón ali o perseguiu e assediou a cidade por mar e por terra. Hipon, temeroso, cuidou de fugir em um navio, mas foi preso na saída e os messinianos, tendo-o entre suas mãos levaram as crianças da escola para o teatro, para que pudessem ver um dos mais belos espetáculos jamais vistos, a saber, o castigo do tirano, o qual foi chicoteado publicamente e depois condenado a morte.

XLV. Quanto a Mamerco, rendeu-se a Timoleón para ser julgado pelos siracusanos, contanto que Timoleón não fosse seu acusador. Foi levado a Siracusa onde experimentou proferir diante do público uma arenga que de há muito havia pensado e composto, mas vendo que o povo gritava e fazia barulho para não ouvir, verificou que não havia a menor esperança de ser perdoado. Pôs-se então a correr através do teatro e foi dar com a cabeça, o quanto pôde, contra um dos degraus de assento, tentando quebrá-la para morrer logo, mas não conseguiu o seu intento, pois foi preso ainda vivo e punido com a mesma pena com que se castigam os malfeitores e ladrões.

XLVI. Reconhecimento da ilha a Timoleón

XLVI. Assim Timoleón ia cortando e arrancando pela raiz as tiranias da Sicília e abolindo as guerras, pois no lugar onde havia encontrado a ilha assustada, selvagem e odiada mesmo pelos, nativos, pelos males e misérias que haviam suportado, tornou-a tão doce e tão desejada aos estrangeiros, que vinham de longe para ali morar, nos mesmos lugares de onde os habitantes naturais fugiam antes. Agrigento590 e Gela, duas grandes cidades que desde a guerra dos atenienses estavam inteiramente desoladas e destruídas pelos cartagineses, foram repovoadas, uma por Megelo e Feristo, dois capitães que vieram de Eléia591 e o outra por Gorgo que veio da ilha de Céo592, os quais reuniram o mais que puderam dos primeiros cidadãos e velhos burgueses das referidas cidades. A eles Timoleón deu não somente segurança, paz e tranquilidade para poderem morar e se estabelecer à sua vontade como também ajudou-os afetuosamente em todas as outras coisas, segundo o poder e os meios que tinha a seu alcance, pelo que foi amado e honrado por todos, como seu pai e seu fundador. Esta afeição era comum em todos os outros povos sicilianos, de maneira que não havia em toda a Sicília conhecimento de guerras, nem leis estabelecidas, nem departamento de terras ou instituição de polícia e de governo que fosse julgado bom, se Timoleón não lhe houvesse posto a mão, come mestre principal da obra, à qual anexava uma graça especial que a fazia como que amada dos deuses e do agrado universal de todos os homens.

XLVII. Timoleón passa a residir na Sicília

XLVII. Por esse tempo passaram por ali outros grandes personagens da Grécia que realizaram grandes feitos, entre os quais, Timóteo, Agesilau, Pelópidas e Epaminondas593. A este último Timoleón parecia mais se confundir e parecer-se do que com qualquer outro, mas em todos os cometimentos desses outros grandes capitães, onde se encontra sempre um esplendor misturado de violência, luta e trabalho, de tal forma que alguns de seus atos foram seguidos de admoestações, outros de arrependimento. Ao contrário, os feitos de Timoleón, exceto somente o que foi constrangido a fazer na pessoa de seu irmão, não há nada onde não se possa em verdade confirmar, como disse Timeu, a sentença desses versos de Sófocles:

Qual Vénus, qual Cupido humano
(Ó deus do céu) tem aqui posto a mão?

E assim, tanto a poesia de Antímaco como a pintura de Dionísio, todos os dois colofonianos, são plenos de vida e de vigor, mas vê-se logo que foram obras trabalhadas e feitas com penas e trabalho. Em oposição, os trabalhos de Nicômaco e os versos de Homero, embora a graça e perfeição que neles se encontram, nota-se logo à primeira vista que foram produzidos à vontade e sem grandes lutas. Também quem quiser comparar as guerras e as batalhas laboriosas e sangrentas de Epaminondas e de Agesilau com as de Timoleón, as quais, além da justiça e da equidade, foram ganhas com grande comodidade e facilidade, encontrará, pesando as coisas na balança do direito e da razão, que não foram produzidas pela sorte simplesmente, mas pelas suas virtudes, o que ele atribuiu à sorte, pois nas cartas familiares que escreveu a seus amigos de Corinto e em alguns discursos que fez diante do povo de Siracusa, disse por diversas vezes que rendia graças aos deuses, porque tendo procurado salvar e libertar da escravidão a Sicília, teve prazer em se servir de si mesmo e ligar o seu nome a tal evento. Tendo mandado construir dentro de sua residência um templo, dedicouo 594 à sorte e sacrificou-lhe. Mas ainda, consagrou e dedicou também toda a sua casa à595 sagrada sorte, casa esta que os siracusanos reservaram e lhe deram como recompensa pelos bons e grandes serviços que lhes havia prestado, da qual fazia parte um grande terreno, onde ficavam ele e os seus quando em descanso, a maior parte do tempo, pois não voltou jamais a Corinto, mas fez vir sua mulher e seus filhos para junto de si.’ Não se intrometeu mais nas disputas que depois surgiram entre os gregos, nem se expôs mais à inveja de seus concidadãos, à qual, a maior parte dos governadores e capitães, ordinariamente entregavam a cabeça, levados pela grande e insaciável cobiça de honrarias e de autoridade, e assim se manteve, no resto de seus dias na Sicília, aproveitando dos bens que ele mesmo havia produzido, dos quais o principal e o maior era ver tantas cidades e tantos milhares de criaturas felizes com o auxílio que lhes tinha prestado.

XLVIII. Mas, assim como, segundo se diz, não pode faltar às andorinhas as penas sobre a cabeça, como diz Simonides, assim também, em todas as cidades dirigidas por um governo popular, não fazem falta os caluniadores. Encontraram-se dois destes em Siracusa, que estavam acostumados a produzir discursos diante do povo. Um chamava-se Lafistio e o outro Demeneto, dos quais o primeiro pretendia discutir diante da multidão alguns casos, porém, seus concidadãos amotinaram-se e não quiseram mais que a reunião tivesse lugar. Timoleón acalmou-os e, lembrou-lhes o que havia sofrido e os perigos a que estivera exposto, justamente para que os siracusanos pudessem livremente usar da franqueza e da liberdade das leis. Uma outra vez Demeneto, em plena assembleia do povo, reprovou diversas coisas por ele praticadas quando era capitão. Timoleón a isso não respondeu nada, mas somente disse ao povo que rendia graças aos deuses de lhes haver concedido o que muitas vezes suplicou e pediu em suas orações, isto é, que pudesse ver os siracusanos em plena franqueza e liberdade poder dizer tudo o que lhes aprouvesse.

XLIX. Timoleón perde a vista

XLIX. Timoleón, portanto, na opinião de todo o mundo, praticou as mais belas e as maiores ações, como nenhum outro capitão grego de seu tempo, e levantou, sozinho, os prêmios dessas gloriosas empresas, as quais os retóricos estavam acostumados a instigar aos gregos nos seus discursos pronunciados em assembleias, festas e jogos públicos da Grécia. Assim, foi ele transportado puro e limpo pela sorte, antes das perturbações das guerras civis entre os gregos, que se sucederam logo após, fez as provas de conhecimento nas artes da guerra, de sua coragem contra os bárbaros e contra os tiranos e, para com seus amigos e geralmente para com todos os gregos, mostrou-se homem reto e clemente. Ainda mais, tendo ganho a maior parte de suas vitórias e de seus troféus, sem que os seus derramassem lágrimas, nem vestissem luto e tendo tornado a Sicília, no espaço de menos de oito anos, livre das misérias e calamidades que aí reinaram tão longo tempo, estando já bem avançado em anos, sua vista começou primeiro a diminuir e pouco depois perdeu-a completamente. Não que houvesse feito qualquer coisa que tivesse dado ocasião a esta doença, nem que a sorte o tenha assim casualmente ultrajado, mas foi, em minha opinião, um acidente derivado de um mal hereditário de sua família, pois segundo se diz, muitos de seus parentes haviam semelhantemente perdido a vista, que pouco a pouco, com a idade, lhes ia diminuindo. Todavia, o historiador Atanis escreve que, ainda durante a guerra que teve contra Mamerco e Hipon, quando se achava em seu acampamento em Miles596, sobreveio-l he como que uma teia sobre os olhos, que lhe escureceu a vista de tal sorte, que cada um percebeu que bem cedo a perderia completamente. Mas, nem por isso levantou seu cerco, mas continuou sua empreitada até que finalmente aprisionou os dois tiranos. Logo que chegou a Siracusa, demitiu-se ele mesmo do cargo de capitão-general, suplicando os cidadãos de se contentarem com o que havia feito até então, atendendo mesmo que os negócios estavam conduzidos ao fim, tal como eles podiam desejar.

L. Honras que Siracusa lhe presta. Sua morte e seus funerais

L. Ora, que tenha suportado tão pacienteme nte este seu sofrimento, ao perder inteiramente a vista, não é coisa pela qual se possa maravilhar tanto. Mas, o que merece ser admirado é a demonstração de honra e de reconhecimento pelos benefícios que lhe fizeram os siracusanos depois de ter ficado cego, indo eles mesmos com frequência visitá-lo, levando os visitantes estrangeiros até sua casa na cidade e até a propriedade que tinha nos campos, para que vissem seu benfeitor, alegrando-se e tendo em grande honra o ter ele escolhido terminar o resto de seus dias com eles e ter desdenhado a gloriosa volta que estava preparada na Grécia pelas grandes e felizes batalhas que havia ganho na Sicília. Mas, entre muitas outras coisas que os siracusanos fizeram e ordenaram em sua honra, aquela que a meu ver é uma das principais, foi o decreto, por edital perpétuo, segundo o qual, todas as vezes que tivessem guerra contra povos que não fossem da mesma nação, servir-se-iam de um capitão coríntio.

LI. Era também digno de se ver o que faziam para honrá-lo em suas assembleias de conselho. Quando a questão tratada se referia a algum negócio de pequenas consequências, julgavam e despachavam eles mesmos sozinhos, mas se o assunto requeria maior deliberação, mandavam chamá-lo e lá se ia ele dentro de sua liteira, através da praça, até o teatro onde se achava a assembleia do povo, ali penetrando assim mesmo como estava, sentado. O povo, a uma só voz, saudava-o e ele lhes retribuía também seu cumprimento e depois de consentir, durante algum tempo, em ouvir os louvores e bênçãos que toda a assembleia lhe rendia, propunham-lhe o negócio em discussão. Dada a sua palavra a respeito, a qual era passada depois ao povo, que a sufragava, seus servidores o colocavam novamente em sua liteira e lá se ia ele, atravessando de volta o teatro. Os cidadãos acompanhavam-no algum tempo com exclamações de alegria e batendo as mãos e depois voltavam e punham-se a despachar como antes o resto dos negócios públicos.

LII. O monumento denominado «Timoleóntium»

LII. Estando sua velhice assim mantida em tal honra, com o amor e a boa vontade de todos, como se fosse um pai comum, por fim sobreveio-lhe um leve acidente de enfermidade do qual morreu597. Foram dados aos siracusanos alguns dias para fazerem os aprestos de seus funerais e aos vizinhos dos arredores para poderem vir assisti-los. Dessa forma, o cortejo fúnebre foi de rara magnificência em todos os detalhes e também porque, por ordem do povo, foram escolhidos os mais honestos jovens nobres da cidade para carregarem sobre seus ombros o caixão bem ornado e ricamente enfeitad o, dentro do qual estava o corpo, com o qual atravessaram assim a praça onde havia antes o palácio e o castelo do tirano Dionísio, agora demolido. Diversos milhares de pessoas o acompanharam, todas coroadas com chapéus de flores e trajadas de belas vestes, de maneira que parecia mais ser a procissão de alguma festa solene. Todos os comentários, louvores e palavras de bênção sobre o defunto, eram proferidas com lágrimas quentes nos olhos, as quais testemunhavam que aquela demonstração de pesar não era uma espécie de quitação que lhe davam, nem porque ele houvesse assim ordenado, mas pela justa falta que sentiam de sua pessoa e por uma liberal afeição de verdadeiro amor e reconhecimento que lhe devotavam.

LIII. Finalmente, o leito mortuário, tendo sido depositado sobre a fogueira onde devia ser queimado, Demétrio, um dos arautos que tinha a voz mais alta e mais altiva, pronunciou o decreto, que tinha sido ordenado pelo povo, cuja substância era esta: — O povo de Siracusa ordenou que aqui presente, o corpo de Timoleón coríntio, filho de Timo-demo, seria exumado às custas do Estado, até a soma de dois mil escudos e que seria honrada sua memória com jogos e tomada de música, corridas de cavalo e exercícios físicos, os quais celebrarão anualmente no dia de sua morte para todo o sempre; e isto por haver expulso os tiranos da Sicília, derrotado os bárbaros, repovoado diversas grandes cidades que tinham ficado desertas e devastadas pelas guerras e finalmente por haver restituído aos sicilianos a franqueza e liberdade de viver segundo suas leis". Depois sua sepultura foi edificada sobre a praça, à volta da qual edificaram, algum tempo depois, clausuras e pórticos para exercitar a juventude. O parque e o recinto foram denominados Timoleóntium e, enquanto observaram as leis e o governo que havia estabelecido, viveram por muito tempo em grande e contínua prosperidade.

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