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Notas

1608 - Dionisio de Halicarnasso e Dion negam-no formalmente.
1609 - No ano 244 de Roma, antes de J. C., 510.
1610 - Psokrélata, isto é, batido a frio de palavra a palavra. — Amyot.
1611 - No ano de Roma, 315 antes de Cristo, an o 439.
1612 - grego diz, filho de um certo Bruto, ecónomo, i.e., intendente de uma casa.
1613 - Chamados por Tito Lívio, Tito e Tibério. Não os matou, mas em sua qualidade de cônsul, presidiu ao seu suplício.
1614 - Não para servi-lo, mas para viver junto.
1615 - Pátaro, cidade da Lícia, pelo que Apolo é cogno minado Patarino. Aí ele dava seus oráculos durante os seis meses de inverno e em Delos, durante os seis do verão. Estava na parte meridional da Ásia, na embocadura do Xanto do lado do oriente.
1616 - A cidade de Xanto estava na Lícia acima da embocadura do Xanto,. ao ocidente. Este Xanto não é, como se vê, o mesmo fio da Trôade.
1617 - Veja a Vida de Catão da Útica, Cap. XLVII e XLVIII.
1618 - Ou Canídio. — Amyot. Na vid a de Catão da Útica sempre se escreve Canídio1619 - Célebre historiador da cidade de Megalopolis, nascido no ano 548 de Roma e morto no ano 631 de Roma.
1620 - Uma das maiores cidades da Tessália, perto do rio Peneu.
1621 - Era Juba, mas é certo que Bruto intercedeu também por Dejotaro, rei da Galácia, que no entretanto foi privado por César de uma grande parte de seu país. E por isso aqui seria melhor entendermos que é dele que se trata. — Amyot. Pode-se consultar sobre essa dificuldade a nota da edição de Plutarco, por M. Reiske. É certo que não pode haver questã o aqui, sobre o rei Juba, mas sim, sobre Dejotaro, rei da Galácia.
1622 - Sete escudos e meio. — Amyot. 57 l ibras, 12 shilings e 11 ludinheiros da nossa moeda.
1623 - Lola, cidade do Lácio, perto do mar, hoje Netuno na Campanha de Roma.
1624 - Ilíada, L. VI. v . 429.
1625 - Ilíada, L. VI. v. 491.
1626 - Esta ilha é invenção de Amyot. O texto grego diz simplesmente até Caristo. É uma cidade da Eubéia aos pés do monte Ocha.
1627 - Homero, Ilíada, L. XVI. v. 849.
1628 - 50.000 escudos. — Amyot. 389.062 1. e 10 s. de nossa moeda.
1629 - Vimos na Vida de Demétrio que, para lhe faze r honra, tinha-se dado esse nome à nova cidade de Sicíone.
1630 - A Bitínia est á na Ásia, ao sul do Ponto Eúxino, é Cizicó, na Mísia, voltando-se para o ocidente, sobre o Héleosponto.
1631 - O Xanto, como já dissemos há pouco.
1632 - Leia-se: "e tendo seu filho morto amarrado ao seu pés …… e na mão um archote aceso para incendiar sua casa".
1633 - Quatro milhões e oitocentos mil es cudos. — Amyot. 37.330.000 libras de nossa moeda.
1634 - 700.312 libras, 10 s. de nossa moeda.
1635 - Imperatores, isto é, generais soberanos: — Amyot.
1636 - Ilíada, L. I, V. 259.
1637 - Como quem diz, na extremidade da mesa. — Amyot
1638 - A ilha de Tassos que está abaixo da Trácia.
1639 - É outra coisa, muito dif erente: é o nome de um porto de mar. Veja Estrabão, livro 7. — Amyot. Veja as Observações.
1640 - Cinco escudos. — Amyot. 38 lib. 18 s. 1 d. % de nossa moeda.
1641 - Esta passagem está corrompida, no texto grego. — Amyot. Eu creio, com Reiske, que é assim que se deve traduzir: "agradecendo à fortuna, pelo que de pois do sacrifício que eu tinha feito de minha vida nos idos de março, ela me deixou ainda viver algum tempo livre e coberto de glória".
1642 - A 15 de março, dia em que ele matou César.
1643 - 556 libras, 5 s. de nossa moeda.
1644 - Eurípides, Medeia, v. 332.
1645 - Appiano julga que se trata de Antônio. — Amyot.
1646 - Em grego: Apoiando, com ambas as mãos, o punho da sua es pada no chão.
1647 - L. IV. cap. 6. Ele vivia sob Augusto e Tibério.

Fontes   >    Roma Antiga

Vidas Paralelas: Bruto, de Plutarco

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Bruto foi interpretado pelo ator Tobias Menzies na série Roma da HBO. Não há imagens da época romana que sejam comprovadamente de Bruto, embora alguns bustos anônimos sejam, ocasionalmente, identificados como sendo desse famoso personagem da república romana.

Sobre a fonte

Marco Júnio Bruto (85-42 a.C.), foi um líder político, militar e patrício conservador da republicana romana. Foi um dos assassinos de Júlio César. Essa biografia faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Brutus foi comparado a Díon, tirano de Siracusa do século 4 a.C..

I. Nascimento de Bruto

I. Marco Bruto era descendente daquele Júnio1608 Bruto ao qual os antigos romanos erigiram uma estátua de bronze no Capitólio, entre as dos reis, com uma espada desembainhada na mão, porque ele tinha valorosamente expulsado e derrotado os tarquínios do trono de Roma1609 ; mas ele, tendo da natureza costumes austeros e não temperados pela razão, assemelhando-se às espadas1610 de têmpera muito forte, deixou-se levar pela ira e pelo ódio que tinha contra os tiranos, até matar seus próprios filhos. E, ao contrário, este, de quem escrevemos agora, tendo mitigado seus costumes pelo conhecimento das letras e pela razão adquirida nos estudos da filosofia e tendo dominado seu natural, que por si mesmo era manso e grave, para fazer e executar grandes coisas, parece-me ter sido bem trabalhado para a virtude; de modo que aqueles mesmos que lhe queriam mal, porque ele conjurou contra César, se houve alguma coisa feita com generosidade durante a conjuração, a atribuem a Bruto, e todos os atos ásperos e duros, a Cássio, o qual era muito amigo de Bruto, não porém tão perfeito em seus hábitos nem tão completo como ele. Servília, sua mãe, dizia-se descendente do sangue de Servílio Hala, o qual, como Espúrio Mélio, tentasse fazer-se rei e para seus intentos solicitasse o povo à rebelião, tomou um punhal que escondeu sob as axilas, e foi à praça, onde fingiu ter alguma coisa a lhe comunicar, e para isso, aproximou-se bem perto dele, mas, assim que o outro abaixou a cabeça para ouvir o que ele queria dizer, deu-lhe uma punhalada, que o matou1611 : quanto a isso, não há ninguém que diga o contrário; mas, quanto ao lado paterno, houve alguns que por ódio e malquerença contra Bruto, por causa da morte de Júlio César, sustentaram que ele não descende daquele que expulsou os tarquínios, porque nada ficou da sua raça, visto que ele matou seus filhos, e que este era descendente de uma família popular1612, a qual depois de pouco tempo tinha começado a se intrometer nos estados e nas honras dos negócios públicos. Ao contrário, o filósofo Possidônio escreve que Júnio Bruto matou deveras seus dois filhos1613, que já tinham certa idade, como está escrito nas histórias, mas que ficou ainda um terceiro, que então estava na sua primeira infância, do qual a descendência depois teve sua origem; e ainda mais, que, no seu tempo, havia alguns homens ilustres daquela família, dos quais os traços do rosto muito se assemelhavam aos da estátua de Bruto. Mas já falamos bastante a este propósito.

II. Seus estudos filosóficos

II. Marcos Catão, o Filósofo, era irmão de Servília, mãe de Bruto, ao qual, de todos os romanos, mais ele se propôs imitar, sendo seu tio, e do qual, ao depois, desposou uma filha. Quanto aos filósofos gregos não há seita alguma, por assim dizer, da qual ele não tenha frequentado alguma, nem da qual não tenha sido adversário: mas sobre todos os outros, ele mais apreciou os platônicos, e não se aplicando muito nem à nova, nem à média Academia, como a chamam, ele se tinha de todo entregue à antiga; por isso ele teve sempre grande admiração pelo filósofo Antíoco, da cidade de Ascalon, mas tornou-se amigo e familiar de seu irmão Ariston, e o quis ter por dom éstico1614, o qual em letras e em saber não era tão excelente como foram muitos outros filósofos, mas em sabedoria e em doçura ele competia com os primeiros. No que diz respeito a Empilo, do qual ele mesmo faz menção em suas Epístolas, e seus amigos também em vários lugares, era um orador, que deixou um pequeno livro que não é mau, da morte de César, intitulado Bruto. Era bastante prático na língua latina, que podia fazer um longo discurso, como para disputar e defender uma causa; mas na língua grega nota-se e se observa mesmo em algumas das suas cartas, que ele usa daquela concisão grave e sentenciosa no falar, própria dos lacedemônios; tendo já a guerra começado, ele escreveu aos pergamenses deste modo: "Eu ouvi dizer que entregastes dinheiro a Dolabela; se o fizestes voluntariamente, vós confessais que me ofendestes, e se contra vontade, declarai-o, entregando-mo voluntariamente". Outra vez, aos sânios: "Vossos conselhos são longos, vossos efeitos são lentos, pensai qual será o fim disso". E uma outra, em que lhes escreveu dos patarinos1615, os xantenses1616 "por terem desprezado minha graça, fizeram de seu país um sepulcro de d esespero: e os patarinos por se terem posto em minha defesa, não perderam um ponto sequer de sua liberdade. Pelo que, enquanto vos é possível, escolhei ou o julgamento dos patarinos ou a fortuna dos xantenses". Eis a maneira como são as cartas de Bruto, que se fazem notar pela concisão.

III. Vai a Chipre com seu tio Catão

III. Estando ainda na adolescência foi a Chipre com seu tio Catão, que havia sido enviado contra o rei Ptolomeu1617 o qual foi derrotado, e Catão, tendo alguns negócios que o retinham necessariamente na ilha de Rodes, havia já mandado adiante um de seus familiares, de nome Canínio1618 para guardar o dinheiro e os outros bens; mas, temendo que ele o roubasse, escreveu a Bruto que viesse a Chipre imediatamente, da Panfília, onde estava convalescente de uma enfermidade; ele o fez, mas muito a contragosto, quer pela vergonha que tinha de Canínio, que Catão deixava ao seu cuidado, ignominiosamente, quer também porque este encargo e administração lhe pareciam demasiado vis e impróprios a ele, que era um jovem dedicado aos estudos; todavia, saiu-se tão bem e tão diligentemente que Catão o louvou; e depois que todos os bens foram vendidos, tomou a maior parte dos últimos, com os quais voltou a Roma.

IV. Toma o partido de Pompeu

IV. Depois, quando o poder romano foi dividido em duas ligas, que César e Pompeu tomaram as armas um contra o outro, e que todo o império de Roma se viu conturbado, esperava-se que ele seguisse o partido de César, porque algum tempo antes Pompeu havia feito morrer seu pai; mas, julgando que se deviam pospor os interesses particulares aos públicos e persuadindo-se de que a causa pela qual Pompeu tomava as armas era melhor e mais justa que a de César, se pôs do lado de Pompeu, embora tendo, algumas vezes, se encontrado com Pompeu, não se dignou saudá-lo, pensando que seria isso para ele um pecado, falar com o assassino de seu pai; mas depois, submetendo-se a ele como chefe dos negócios públicos, partiu para a Sicília, como lugar-tenente de Séstio, ao qual coubera o governo daquela província; e vendo que lá não havia a ocasião de fazer grandes coisas, e que já César e Pompeu estavam perto um do outro, combatendo, para decidir quem seria o maior, ele foi voluntariamente para a Macedónia, sem ser mandado, para tomar parte no perigo, e por isso se diz, que Pompeu, alegrando-se e admirando-se de sua chegada, quando o viu aproximar-se, levantou-se do seu trono, e foi abraçá-lo diante de todos, com tanta demonstração de honra, como ele o teria feito a algum outro dos maiores da sua liga. No acampamento, durante o dia, exceto o tempo em que ele estava com Pompeu, entregava-se aos livros e aos estudos, não somente nos dias precedentes, mas também antes do da grande batalha de Farsália. Era o forte do verão, fazia muito calor, acrescente-se ainda que o acampamento estava colocado bem junto de terrenos pantanosos, e os que traziam sua tenda estavam demorando para chegar: por isso, cansado e esgotado, como ele estava, a muito custo quis ao meio-dia comer alguma coisa; depois, quando todos os demais dormiam e descansavam ou imaginavam o que poderia acontecer no dia seguinte, ele estava estudando e escreveu durante o dia todo, até a tarde, compondo um sumário de Políbio1619.

V. César ordena aos seus soldados que poupem a vida de Bruto. Por que

V. Diz -se que César não lhe votou desprezo e pouco caso, e que ele disse antes da batalha, diante de seus generais e oficiais, que evitassem matar Bruto na batalha, e se ele se entregasse voluntariamente, que o levassem a ele; mas que se se pusesse na defensiva, para não ser apanhado, que eles o deixassem, sem lhe fazer violência alguma; e diz-se que o fazia por amor de Servília, mãe de Bruto, pois sendo ainda muito jovem ele tinha conhecido Servília, que tinha se apaixonado ardentemente por ele; e porque Bruto ao depois nascera quando o seu amor estava no auge, persuadiu-se que ela havia concebido dele. A este propósito conta-se que no tempo em que se tratava no senado do assunto da conjuração de Catilina, que esteve a ponto de destruir e arruinar toda a cidade de Roma, César e Catão encontraram-se, sustentando opiniões contrárias, e que, nesse ínterim, trouxeram de fora alguns escritos a César. Ele tomou-os e os leu, à parte, em voz baixa; Catão, então, se pôs a gritar que César fazia mal de receber avisos e cartas dos inimigos pelo que muitos dos presentes murmuraram. César então deu a carta como estava a Catão, que a leu, e viu que era uma carta amorosa e lasciva de sua irmã Servília; restituiu-a a César e disse: Toma, bêbado! Continuou depois o assunto e prosseguiu com o discurso como antes, tanto era conhecido e sabido de todos o amor e o afeto de Servília para com César.

VI. Vai ter com César. Com que distinção César o trata

VI. Depois da derrota de Farsália, quando Pompeu fugiu para o mar, e que seu campo foi cercado, Bruto saiu pelas portas, sem ser notado, e se lançou num pantanal cheio de água e de caniços palustres; depois, quando chegou a noite, ele saiu e foi para a cidade de Larissa1620, de onde escreveu a César, que ficou muito contente por saber que ele estava salvo, e mandou dizer que viesse ter consigo; e quando ele chegou, não somente o perdoou, mas o conservou perto de si, com tantas honras, como a nenhum outro que lá se encontrasse. Ninguém sabia para onde Pompeu havia ido, e estava-se em dificuldade para sabe-lo; pelo que César, caminhando um certo tempo, sozinho, com Bruto, perguntou-lhe o que ele pensava, e pareceu-lhe por algumas palavras que ele disse que ele sabia muito bem, por conjeturas de sua fuga; e, por isso, deixando todo e qualquer conselho ou advertência, rumou para o Egito.

Mas Pompeu, que, como Bruto havia conjeturado, se tinha ocultado no Egito, lá foi surpreendido pela hora do seu destino. Finalmente, Bruto impetrou ainda, de César, graça para Cássio; e defendendo a causa do rei da Líbia1621 é verdade que ele sucumbiu ante a multidão e o peso dos encargos, que lhe confiavam, mas intercedendo e rogando por ele, salvou-lhe ainda grande parte de seu reino e de suas terras. E diz-se que a primeira vez que César o ouviu discursar diante dele, disse aos seus amigos: "Eu não sei o que este jovem deseja, mas, tudo o que ele quer, ele o quer com maravilhosa veemência". Pois, como sua gravidade não se comunicava facilmente a todos os que lhe vinham pedir que lhes fizesse um favor, mas sendo movido pelo conselho e pela razão, ela tendia sempre a fazer coisas louváveis e honestas; também quando se punha a realizar alguma coisa, usava de uma instância veemente e urgente, que não desistia jamais, antes de ter conseguido o objetivo de sua empresa; pois pela adulação nunca se pôde conseguir dele alguma coisa, nem obrigá-lo a fazer algo injusto, e julgava que, deixar-se vencer pelos rogos e pedidos daqueles que, sem vergonha, atormentam e importunam àqueles dos quais querem obter alguma coisa irrazoável, o que alguns fazem por vergonha de nada ousar recusar, era uma coisa bem má e muito inconveniente a um grande personagem; e por isso ele tinha o costume de dizer que lhe parecia que aqueles que nada podiam recusar, tinham governado muito mal a flor da própria juventude.

VII. César lhe dá o governo da Gália Cisalpina

VII. Quando César resolveu passar o mar, para ir à África, contra Catão e Cipião, deixou-o no governo da Gália, que está para cá dos Alpes, do lado da Itália, o que foi uma felicidade singular para aquela província, pois, quando as outras eram assaltadas e saqueadas, pela insolência e avareza dos governadores, como se fossem países de conquista, Bruto foi para os gauleses descanso e conforto dos trabalhos que eles antes haviam suportado; e a graça desse tratamento era por ele inteiramente atribuída a César, de sorte que ao seu regresso da África, visitando a Itália, o que ele viu com mais satisfação e prazer, foram as cidades governadas por Bruto, e o mesmo Bruto, que lhe fazia a honra da sua pessoa e cuja companhia lhe era assaz agradável.

VIII. Ele lhe dá a pretoria urbana

VIII. Havia em Roma várias espécies de pretorias e esperava-se que Bruto ou Cássio teriam aquela que é a de maior dignidade, a que chamavam de pretoria urbana, porque, aquele que a ocupava exercitava o direito e a justiça entre os da cidade; por essa razão eles se indispuseram, um com o outro, embora alguns digam que por outras causas precedentes, já havia uma certa divergência entre eles e este fato aumentou ainda mais a dissensão, embora eles fossem parentes: pois Cássio tinha desposado Júnia, irmã de Bruto. Outros dizem que esta questão entre eles vinha do mesmo César, o qual, secretamente, dava a esperança do seu favor, ora a um, ora a outro; continuou a briga e eles se indispuseram de tal modo um contra o outro, que instauraram um processo. Bruto combatia com sua virtude e boa fama, contra vários e grandes feitos de armas que Cássio tinha realizado contra os partos; e César, depois de ter ouvido as suas declarações, disse aos seus amigos, aos quais ele se aconselhava sobre este negócio: "É verdade que as razões que Cássio alega são mais justas; mas, no entretanto, é necessário preferirmos Bruto". E assim Bruto teve a primeira e Cássio a segunda, o qual não lhe quis tanto bem por aquela que ele obtivera, do que mal, pela qual havia perdido.

IX. O que César pensava de Bruto e de Cássio

IX. Mas Bruto, era muitas outras coisas usufruiu ainda do poder de César, tanto quanto quis; pois se ele tivesse querido, ele poderia ter sido o primeiro dentre os seus amigos e tido maior prestígio ante ele; mas os da facção de Cássio dissuadiam-no disso, (pois, Cássio não tinha ainda voltado às boas graças com ele, depois da dissensão) e estavam incessantemente junto dele, a admoestá-lo e a rogar-lhe que não se deixasse enganar, nem ceder pelas insinuações de César, mas fugisse de todas as demonstrações de afeto e de suas graças tirânicas, das quais diziam que César usava para com ele, não para honrar a sua virtude, mas para enfraquecer a força de sua coragem. César mesmo tinha alguma suspeita disso e ouvira algumas declarações, mas temia sua grande coragem, sua autoridade e seus amigos; mas, por outro lado, confiava na bondade de seus costumes e de seu natural, pois, como lhe narraram um dia, que Antônio e Dolabela maquinavam algo contra ele, respondeu, que os gordos e os papagaios, não lhe causavam temor, mas os pálidos e magros, sim, entendendo falar de Bruto e de Cássio. Outra vez, quando acusavam a Bruto contra ele, e advertiam-no que tivesse cuidado, ele respondeu, pondo a mão sobre o estômago: "Como, parece-vos que Bruto não terá a paciência de esperar que este pobre corpo tenha completado o seu tempo?" Como se quisesse dizer que não tocava a nenhum outro, senão a Bruto, ter também junto dele tanto poder quanto ele.

X. O que levou Bruto a conspirar contra César

X. Parece-me a mim, que ele teria podido ser com certeza o primeiro homem da cidade, se tivesse conseguido secundar a César, por algum tempo, e tivesse, por assim dizer, deixado fenecer um pouco a flor da sua autoridade e passar a glória que havia adquirido com suas grandes vitórias; mas Cássio, homem colérico, que odiava mais a César como particular do que como tirano, incitou-o e o fez apressar os acontecimentos, diz-se que Bruto suportava a dominação com impaciência, mas que Cássio odiava o dominador, queixando-se de várias injustiças que ele tinha cometido, e dentre outras; que ele lhe havia tirado uns leões. Cássio tinha feito provisão deles, para seus jogos, quando fosse edil; foram eles encontrados na cidade de Megara, quando tomada por Caleno, e César os conservou para si. Diz-se que esses animais trouxeram grande prejuízo aos megarenses, pois quando a cidade foi tomada, eles arrebentaram as jaulas em que estavam encerrados, e os soltaram, pensando que eles impediriam os inimigos de atacá-los: mas os leões voltaram-se contra eles mesmos, quando fugiam cá e lá, todos desarmados: e esquartejaram a alguns tão cruelmente que os próprios inimigos sentiram piedade ante aquele espetáculo. Eis o que alguns dizem ter sido a causa principal de Cássio conspirar contra César; mas eles não dizem a verdade. Porque Cássio tinha desde o seu nascimento uma natureza impaciente e detestava toda sorte de tiranos, como o demonstrou sendo ainda criança quando ia à escola juntamente com Fausto, filho de Sila. Fausto, gloriando-se dentre os demais meninos, engrandecia a monarquia de seu pai; Cássio, pondo-se de pé, deu-lhe duas bofetadas: os tutores de Fausto quiseram exigir reparação e punir esta injúria com a justiça; mas Pompeu os dissuadiu disso e mandou chamar os dois meninos à sua presença, aos quais perguntou como o fato se havia passado.

Cássio, então, como encontramos por escrito, disse ao outro: "Vamos, Fausto, quero ver se tens a coragem de dizer outra vez na presença deste personagem as mesmas palavras que me irritaram contra ti, para que de novo eu te quebre a cabeça a socos", tal era o natural de Cássio. Mas os seus familiares amigos, por várias solicitações, e seus cidadãos, por vários boatos da cidade e vários cartazes, o chamavam nomeadamente e o incitavam a fazer o que ele fez: pois por baixo daquele seu antigo parente Júnio Bruto, que aboliu a dominação dos reis em Roma, escreveu-se: "Prouvesse a deus, que tu então existisses, Bruto": e uma outra vez: "Oh! Se vivesse ainda hoje, Bruto!" O mesmo tribunal, no qual ele dava audiências durante o tempo da sua pretoria, estava pela manhã cheio desses escritos: "Bruto, tu dormes, e não és verdadeiro Bruto". Os aduladores de César eram causa disso, pois, além das honras excessivas e exageradas que inventavam todos os dias, colocavam, à noite, coroas, sobre: a cabeça das estátuas, esperando com isso incitar o povo a chamá-lo de rei, era vez de ditador, mas aconteceu o contrário, como já o dissemos na Vida de Júlio César.

XI. Cássio propõe-lhe ficar à testa da conjuração

XI. E como Cássio andava incitando e solicitando seus amigos contra César, todos unanimemente prometiam-lhe entrar nessa conjuração, contanto que Bruto fosse o chefe, dizendo que tal empresa tinha necessidade, não tanto de coragem, nem de quem pusesse mão à espada, como de um indivíduo de tal reputação como Bruto, para que cada qual acreditasse, com certeza, pela sua presença unicamente, que se tratava de uma ação santa e justa; do contrário, para realizá-lo, eles teriam menos coragem, e depois de tê-lo realizado, seriam mais objeto de suspeita, porque cada qual julgaria que tal indivíduo ter-se-ia recusado a participar de tal execução, se a causa não fosse boa. Pelo que Cássio, depois de ter considerado estas razões, consigo mesmo, falou com Bruto, depois da divergência que haviam tido; tendo-se reconciliado, abraçaram-se; ele perguntou-lhe se tinha determinado estar no se nado no primeiro dia do mês de março, porque tinha ouvido dizer que os amigos de César deviam naquele dia apresentar ao conselho a proposta, para que César fosse chamado e declarado rei, pelo senado, Bruto respondeu que ele não estaria lá. "Mas, disse Cássio, se nos chamam para lá". — "Então, respondeu Bruto, eu não me calarei, mas hei de resistir, até mesmo a morrer, antes que perder a liberdade". Cássio, então, encorajado por estas palavras, disse: "E quem será dentre os romanos que te queira deixar morrer pela liberdade? Ignoras que és Bruto? Julgas que são tecelões, garçãos e outros operários e trabalhadores que escrevem esses bilhetes e cartazes que nós encontramos todos os dias em teu assento pretorial e não os maiores homens e os mais nobres da cidade? Pois é bem que saibas que eles esperam dos outros pretores, dons e presentes populares, brinquedos e lutas de esgrima, como diversão, ao povo; eles, porém, te pedem a ti, nomeadamente, como uma dívida hereditária, à qual tu estás obrigado, a abolição da tirania, estando bem dispostos a fazer e a suportar todas as coisas por amor de ti, contanto que te queiras mostrar tal como eles julgam que tu deves ser, e esperam que sejas". Disse isto, e beijou Bruto, abraçou-o, e assim despediram-se e foram cada qual ter com seus amigos.

XII. Como ela se organiza

XII. Havia, então, um dos amigos de Pompeu, chamado por ter seguido seu partido tinha sido acusado perante César e César o tinha absolvido; mas, não sabendo muito bem do como da sua absolvição, e estando ainda indignado de que por sua tirânica dominação ele estivera em perigo, tinha-se conservado como áspero inimigo, em seu coração, e sendo muito amigo de Bruto, o qual foi visitá-lo quando doente, de cama, e lhe disse: "Ó Ligário, em que tempo estás doente?" Ligário, então, levantou-se e tomando-lhe a mão direita, disse: "Se tens vontade, Bruto, de empreender uma coisa digna de ti, eu estou curado". Depois disso começaram a conquistar todos os seus conhecidos, nos quais confiavam, e a lhes comunicar a sua deliberação, escolhendo não somente seus amigos e familiares, mas todos os que eles julgavam ter coragem bastante para tentar coisas perigosas, e que não temiam a mesma morte; por esse motivo nada disseram a Cícero, embora ele fosse uma pessoa a quem muito eles estimavam, e em quem confiavam, de medo que, além de, por natureza, ter falta de coragem, tinha-lhe ainda a idade trazido mais temor, ele não rebatesse, por assim dizer, e não amassasse a ponta de sua deliberada afeição e não esfriasse o ardor de sua empresa, a qual tinha principalmente necessidade de ser calorosamente executada, querendo, por discursos da razão, reduzir todas as coisas a tal segurança, que não houvesse dúvida alguma. Bruto abandonou mesmo alguns de seus amigos, como Estatílio, o Epicúrio, e Faônio, que fazia voto de imitar e seguir a Marco Catão, porque, tendo-lhes dirigido algumas palavras encobertas, disputando com ele sobre filosofia, para sondar-lhes a vontade, Faônio respondeu que uma guerra civil era pior que um principado de monarquia usurpado contra as leis; e Estatílio tinha dito que não é próprio de um homem prudente e sensato pôr-se em perigo e risco de sua vida, para loucos e ignorantes. Labeo estava presente a esta disputa, o qual era da opinião contrária a ambos; mas Bruto calou-se como se tivesse tido naquilo alguma dúvida e alguma dificuldade a se resolver naquele assunto; mas depois, fora dali, ele comunicou sua deliberação a Labeo, o qual de boa vontade se ofereceu para tomar parte, e deliberaram ainda receber um outro Bruto, de nome Albino, não que ele fosse um homem extraordinário nem muito valente, mas porque ele podia muito, por razão de um grande número de servos lutadores que ele conservava e nutria, para dar divertimentos ao povo, que os via combater; ainda se acrescente que ele tinha prestígio junto de César. Cássio e Labeo falaram-lhe primeiramente juntos, aos quais ele nada respondeu, mas quando ele falou com Bruto, à parte, e Bruto declarou-lhe que ele era o chefe e responsável por todo o empreendimento, então de boa vontade prometeu ajudar como melhor pudesse.

XIII. Inquietação de Bruto

XIII. Em suma, a melhor e a maior parte dos conjurados foi levada a tomar parte no movimento pela dignidade e reputação de Bruto; e sem jamais terem jurado em comum, sem terem jamais dado ou pedido garantias nem se terem obrigado uns aos outros por algum juramento religioso, todos conservaram o maior segredo, todos souberam tão bem conservá-la oculta, e tão ocultamente movimentar-se e articular-se entre si, que embora os deuses a descobrissem por predição dos adivinhos, por sinais e prodígios celestes, e por presságios dos sacrifícios, jamais se acreditou nela. Mas Bruto, bem sabendo que ante sua palavra e por seu amor todos os mais nobres, os mais virtuosos da cidade e os mais magnânimos dentre todos, tomariam parte nesse movimento, considerando em si mesmo a grandeza do perigo, quando estava fora de sua casa, procurava conter-se, e proceder de modo que sua atitude e suas maneiras nada revelassem daquilo que ele tinha em mente; mas à noite, em sua casa, assim não podia ele fazer, ou porque a sua inquietação o despertava, e o impedia de conciliar o sono, ou então punha-se ele mesmo a pensar com tanta insistência em seus negócios, e discorria mentalmente examinando todas as dificuldades que ainda deviam ser vencidas, tão fortemente, que sua esposa, estando deitada perto dele, percebia que ele estava oprimido por grande angústia e tristeza, tanta preocupação de sua mente, que não lhe era habitual, e que ele remoía em seu espírito alguma deliberação que muito lhe pesava e que ele sentia grande dificuldade em resolver e desenvolver.

XIV. Como sua mulher lhe mostra que ela era assaz corajosa para ser digna de ter parte no seu segredo

XIV. Sua esposa Pórcia era, como já dissemos, filha de Catão, e desposou Bruto, que era seu primo, não moça, mas viúva nova, depois da morte de seu primeiro marido Bíbulo, do qual tivera um filho, chamado também Bíbulo, que depois escreveu um pequeno livro dos feitos e empresas de Bruto, que ainda hoje pode ser encontrado. Essa jovem era instruída em filosofia, amava seu marido, e tinha um coração grande, unido a bom senso e grande prudência; não quis interrogar seu marido a respeito do que ele tinha no ânimo, sem antes ter feito uma experiência, consigo mesma; apanhou uma pequena ferramenta com a qual os barbeiros costumam raspar as unhas e tendo feito sair todas as criadas e senhoras do seu aposento, fez uma ferida profunda em sua coxa, de modo que imediatamente dali brotou grande quantidade de sangue, e logo pela dor daquela incisão ela começou a sentir muita febre; vendo que seu mando muito se atormentava e estava em grande agitação, no auge da dor, ela lhe falou deste modo: "Eu — disse ela — Bruto, sendo filha de Catão, te fui dada, não para ser participante de teu leito e de tua mesa somente, como uma concubina, mas também para ser tua companheira era todas as vicissitudes alegres ou tristes de tua vida. Quanto a ti, não há o que lamentar nem repreender, de tua parte em nosso casamento, mas da minha parte, que demonstração posso dar de meu dever para contigo, e de quanto eu quisera fazer por teu amor, se eu não sei suportar constantemente contigo um secreto acidente, ou uma inquietação que se deve ocultar fielmente? Bem sei que o natural de uma mulher parece comumente muito fraco, para poder com segurança guardar uma palavra de segredo; mas o bom alimento, Bruto, e o contacto com pessoas virtuosas, têm o poder de reformar um vício da natureza; quanto a mim, isso tenho bastante, pois sou filha de Catão e esposa de Bruto, no qual, no entretanto, eu não confio absolutamente, daqui por diante, pois que agora eu soube, que a mesma pena e a mesma dor não me saberiam vencer". E dizendo estas palavras ela mostrou-lhe a ferida e lhe contou como a havia feito para experimentar a si mesma. Bruto ficou pasmado quando ouviu estas palavras e levantando as mãos ao céu, rogou aos deuses que lhe dessem a graça de levar a bom termo a sua empresa, tão bem quanto ele fora julgado digno de ter como esposa uma mulher tão nobre como Pórcia, a qual então procurou confortar o melhor que pôde.

XV. Os conjurados marcam o dia da execução

XV. Por fim, tendo sido marcado um dia para o conselho, no qual se esperava que César não deixaria de vir ao senado, deliberaram então executar a empresa, porque então todos os conjurados se podiam reunir sem suscitar suspeitas, e lá teriam também os primeiros homens da cidade, os mais nobres e ilustres, que, quando vissem executado tão grande empreendimento, estender-lhe-iam também a mão, em defesa da liberdade: e pareceu-lhes ainda vantajoso, que o lugar onde se deveria reunir o conselho, era um lugar expressamente designado pela providência divina, que o fazia para eles, pois era um dos pórticos que estão em volta do teatro, dentro do qual havia uma sala em forma de auditório, provista de assentos em redor, e uma imagem de Pompeu, que a cidade tinha colocado em sua honra, quando ele embelezou e adornou aquele quarteirão da cidade, com o teatro que mandou construir e com os pórticos que estão em redor dele. Para tal lugar, foi então marcada a assembleia do senado, no dia quinze do mês de março, que os romanos chamam Ido de Março, de modo que parecia mesmo que algum deus guiava expressamente a César para lá para ser morto, como vingança pela morte de Pompeu.

XVI. Tranquilidade de espírito de Bruto

XVI. Quando chegou o dia, Bruto deixou sua casa depois de ter escondido sob sua túnica uma longa espada, sem que ninguém o soubesse, exceto sua mulher: os outros conjurados estavam todos reunidos em- casa de Cássio, para acompanhar e levar até a praça o seu filho, que naquele dia tomava a veste viril; e de lá dirigiram-se todos juntos para dentro do pórtico de Pompeu, esperando que César também chegasse ao senado; foi certamente admirável a constância destes homens, cheia de segurança, em coisa de tão grande perigo, visto que era realmente grave o que eles intentavam, pois vários deles, por dever de seu ofício, eram pretores, sendo obrigados a fazer justiça às partes, não somente escutaram doce e pacientemente o que lhes queriam dizer, ou pleitear alguma causa perante eles, de ânimo tão tranquilo como se não tivessem outra qualquer preocupação na mente, e, o que é ainda mais, deram sentenças graves, de julgamento calmo, procedendo mui atenciosamente. Houve partes que tendo sido condenadas não queriam pagar, mas gritando e protestando diziam que apelavam para César: e Bruto, então, olhando para os assistentes: "César — disse — não me impedirá de fazer o que mandam as leis".

XVII. Diversos acidentes próprios para desnortear e assustar os conjurados. Pórcia desaparece

XVII. E, todavia, aconteceu, por acaso, que sobrevieram vários acidentes, para atrapalhá-los, dos quais o primeiro e principal foi que César demorou muito para chegar, de modo que era já bem tarde, quando ele veio ao senado, porque, não se julgando os sinais dos sacrifícios bons nem propícios, sua mulher o reteve em casa e os adivinhos não o queriam deixar sair. O segundo foi que um tal, aproximando-se de Casca que era um dos conjurados, tomando-o pela mão direita, disse-lhe: "Casca, tu me ocultaste bem o teu segredo, mas Bruto me contou tudo"; Casca ficou muito admirado com estas palavras e o outro continuou dizendo: "Como é que de repente ficaste tão rico que pretendes ser edil?" Pouco faltou para que Casca, enganado pela ambiguidade das palavras que o outro lhe havia dito, não revelasse todo o segredo da conjuração. Um outro senador, chamado Pompílio Lena, depois de ter cumprimentado mais afetuosamente que de costume a Bruto e a Cássio, disse-lhes baixinho ao ouvido: "Rogo aos deuses que possais levar a cabo vossa empresa; mas eu vos aconselho e aviso de vos apressardes, pois vossa intenção não é desconhecida". Tendo-lhe dito estas palavras foi-se embora imediatamente e deixou-os em grande dúvida de que a sua conspiração não fosse descoberta.

XVIII. Nesse ínterim, veio correndo a toda pressa um dos criados de Bruto, para dizer-lhe que sua mulher estava morrendo; Pórcia, levada pela dúvida incerta do futuro, não se sentindo forte bastante para suportar tão grande agonia de espírito, apenas podia permanecer em sua casa, mas estremecia de medo a cada rumor ou grito que ouvia, como aqueles que são tomados pelo espírito do furor das bacantes, perguntando a todos os que voltavam da praça, que fazia Bruto, e mandando continuamente mensageiros, uns após outros, para saber das novidades. Finalmente, tornando-se a coisa demasiado longa, sua força corporal não pôde mais resistir, deixou-se tomar pelo desânimo e desfaleceu; e quase não pôde entrar em seu quarto; foi tomada de tal fraqueza e teve de ficar sentada no meio da casa, onde perdeu totalmente os sentidos; vendo isso, os criados puseram-se a gritar, os vizinhos correram à porta e por isso o barulho aumentou e espalhou-se a notícia de que ela tinha morrido, mas ela bem depressa voltou a si do desmaio, foi posta na cama e tratada por suas camareiras. Quanto a Bruto, tendo sabido desta desgraça, ficou muito perturbado, com se pode imaginar; todavia, não deixou o público, nem se retirou para sua casa, não obstante tudo o que havia acontecido.

XIX. Circunstância inquietante. Como Bruto a julga

XIX. Dizia-se que César já estava a caminho, trazido numa liteira, pois havia determinado não se deter no senado, naquele dia, por causa dos sinistros presságios, que ele temia, e adiou os negócios de urgência para outra assembleia do conselho, fingindo achar-se incomodado. Ao sair da liteira, Pompílio Lena, o mesmo que há pouco tinha dito a Bruto que rogava aos deuses que ele pudesse chegar a bom termo com sua empresa, foi encontrá-lo, e ficou muito tempo conversando com ele. César escutou-o, com muita atenção, pelo que os conjurados (se assim podemos chamá-los) não ouvindo as suas palavras, mas conjeturando pelo que ele lhes havia dito um pouco antes, que aquela conferência outra Gisa não era senão a revelação da conjuração, ficaram muito admirados, entreolhando-se, e dando muito bem a conhecer pela expressão de suas fisionomias, que todos eles estavam prevenidos, pois não deveriam esperar até que os agarrassem, mas estavam dispostos a se suicidar, matando-se com suas próprias mãos; e como Cássio e alguns outros pusessem já a mão sobre o punho da própria espada, escondida por baixo de seus mantos, para desembainhá-las, Bruto observando os gestos e a atitude de Lena e considerando que ele tinha a aparência de um homem que roga humilde e afetuosamente, e não de quem acusa, não falou com seus companheiros porque ah havia muitos que não eram da conspiração, mas com rosto alegre e sorridente, tranquilizou a Cássio e logo depois Lena afastou-se de César, beijando-lhe a mão, o que indicava que ele estivera tratando de algum negócio.

XX. Morte de César

XX. Tendo o senado entrado por primeiro no lugar onde se devia realizar a assembleia do conselho, todos os outros conjurados rodearam imediatamente o trono de César, como se lhe quisessem Dizer alguma coisa. E conta-se, então, que Cássio, olhando para a estátua de Pompeu, dirigiu-lhe uma prece como se ela tivesse inteligência. Trebônio, por outro lado, retirou-se à parte com Antônio, à entrada do auditório, e conversou com ele sobre um assunto, qualquer, para conservá-lo do lado de fora. Quando César entrou na sala, todo o senado se pôs de pé, para homenageá-lo e, depois que ele se sentou, os conjurados rodearam-no de todos os lados, apresentando-lhe um de nome Túlio Cimber, que lhe rogava pela restituição de seu irmão, que fora exilado, e todos fingiam interceder por ele, tocando-lhe nas mãos, beijando-lhe o peito e a cabeça; César a princípio repeliu as carícias e os rogos; mas depois, vendo que eles não desistiam e que continuavam a importuná-lo, afastou-os à força; Cimber, então, com as duas mãos agarrou-lhe as vestes por cima dos ombros e Casca, que estava perto, por trás, desembainhou a espada e por primeiro lhe deu um golpe perto do ombro, mas a ferida não foi profunda e César sentindo-se atacado, agarrou-lhe imediatamente a mão, que ainda sustinha a espada e exclamou em voz alta, em língua romana: "Miserável traidor Casca, que estás fazendo?" E Casca, por sua vez, respondeu em língua grega, chamando seu irmão em seu auxílio; e como já muitos na multidão o atacassem, olhando em redor de si e querendo fugir, viu a Bruto que tinha também uma espada em punho pronto para ferir; então soltou a mão de Casca que ainda conservava presa, e cobrindo o rosto com seu manto, abandonou-se a quem o quisesse matar; então os conjurados, apressando-se e apertando-se uns contra os outros, pelo desejo que tinham de não poupá-lo, feriram-no com inúmeros golpes de espadas, a muitos dentre eles mesmos, inclusive Bruto que foi atingido numa das mãos, querendo também participar do assassínio e todos os outros também se mancharam de sangue.

XXI. Bruto se opõe ao assassínio de Antônio

XXI. Depois de César ter sido morto deste modo, Bruto apresentou-se no meio da sala, fez sinal de que ia falar e prender todos os outros senadores, que não estavam na conspiração, para dar razão do seu ato; mas eles fugiram assustados em grande desordem, empurrando a porta apressadamente, para saírem logo, sem que ninguém, no entretanto, os perseguisse; pois haviam espalhado entre eles a notícia de que somente César seria sacrificado, mas que convinha, afinal, a todos os outros, procurar conquistar a liberdade. Todos tinham sido de opinião, deliberando sobre este assunto, que se deveria também matar a Antônio, porque era um homem insolente e por sua natureza favorecia a monarquia, além de ter grande prestígio e autoridade entre os soldados, pela longa convivência que tivera com eles, e do mesmo modo porque, sendo homem de natureza empreendedora e ambicioso de grandes coisas, ele tinha ainda então a autoridade do consulado, sendo cônsul com César; mas Bruto impediu que isso se fizesse, primeiro, porque a coisa seria em si mesma injusta, e depois, porque esperava alguma mudança nele, pois, sendo Antônio homem magnânimo e por natureza desejoso de honras e de glória, pensava-se que quando ele visse César morto, desejaria também ajudar o seu país a reconquistar a liberdade, sendo atraído pelo exemplo deles mesmos a seguir e a amar a virtude. Assim Bruto salvou a vida de Antônio, o qual, no momento, pelo temor que o invadiu, disfarçou-se, mudando suas vestes, trocando-as por um hábito pobre e afastou-se; mas Bruto e seus companheiros, tendo as mãos ainda cheias de sangue, suas espadas desembainhadas, foram direito ao Capitólio, incitando os romanos, pelos lugares por onde passavam, a reconquistar sua liberdade.

XXII. Discurso de Bruto ao povo. Como o povo o recebe

XXII. Logo no começo, houve um princípio de tumulto na cidade, levantaram-se clamores e muita gente corria apavorada de um lado para outro. Isso veio aumentar a confusão e o tumulto, mas quando perceberam que não matavam a ninguém, nem saqueavam as casas, nem se cometiam atos de violência, então alguns senadores e vários homens do povo tranquilizaram-se e dirigiram-se também ao Capitólio, onde muita gente já se encontrava reunida: Bruto fez-lhes um discurso para conquistar a simpatia do povo e justificar o que se havia feito. Todos os assistentes disseram que tinham feito bem e aclamaram-nos, dizendo que descessem sem temor; por isso, Bruto e seus companheiros criaram ânimo e desceram à praça e todos os seguiram agrupados, mas Bruto caminhava rodeado pelos mais conspícuos personagens da cidade, que o acompanharam e o levaram do monte Capitólio através de toda a cidade, até a tribuna dos oradores. Quando o povo o viu no alto da tribuna, embora um grupo de gente houvesse que provinha de todos os lados, os quais estavam decididos a provocar um tumulto, contudo teve vergonha de o fazer, pela reverência que votava a Bruto, e fez silêncio para ouvir o que ele queria dizer-lhes; quando ele começou a falar, escutaram pacientemente o discurso; todavia, logo depois manifestaram bem claramente que o fato não lhes agradava, absolutamente, a todos, pois quando um outro, chamado Cinna, quis falar e começou a acusar a César, fizeram grande alvoroço, manifestando sua cólera, dizendo-lhe muitas injúrias, de modo que os conjurados retiraram-se novamente para o monte Capitólio, onde Bruto, temendo ser cercado, despediu vários grandes personagens que lá tinham ido com ele, julgando que não era razoável que aqueles que não tinham tomado parte na conjuração fossem participantes do perigo.

XXIII. Decreto do senado em honra de Bruto e de seus conjurados

XXIII. Todavia, no dia seguinte, estando o senado reunido no templo da deusa Tellus, isto é, a Terra, naquela assembleia estavam Antônio, Planco e Cícero, que propuseram, como necessária, uma anistia geral, um esquecimento e um perdão de todas as coisas passadas e maior concórdia para o futuro, determinou-se que não somente eles teriam impunidade pelo delito, mas ainda os cônsules poriam à deliberação do senado quais honras lhes seriam decretadas. Feito isto, o senado levantou-se e o cônsul Antônio, para tranquilizar todos os que estavam no Capitólio, enviou-lhes seu filho como refém. Com esta fiança, Bruto e seus companheiros desceram e cada qual, confusamente, os saudava, felicitava e abraçava» dentre os quais estava Antônio, o qual recebeu em sua casa e fez cear com ele a Cássio e Lépido fez o mesmo com Bruto, e assim os demais, de acordo com a amizade ou familiaridade que tinha com os outros amigos. No dia seguinte, estando o senado reunido novamente em conselho, louvou primeiro a Antônio pelo que sabiamente tinha feito, abafando um princípio de guerra civil; depois, teceu ainda grandes elogios a Bruto e aos seus companheiros, que lá estavam presentes; finalmente encarregou-os de governos nas províncias: a Bruto foi dada a Cândia; a Cássio a Líbia e a Trebônio a Ásia, a Cimber a Bitínia, e ao outro Bruto a Gália aquém dos Alpes.

XXIV. Elogio de César, feito por Antônio

XXIV. Feito isto, falaram do testamento de César, de seus funerais e de sua sepultura; Antônio era de opinião que se devia ler seu testamento em público, do alto da tribuna, e também sepultar o corpo com todas as honras, e não ocultamente, de medo que isso desse ocasião ao povo de se irritar e zangar-se mais ainda se se fizesse de outro modo; Cássio contradisse áspera e fortemente; mas Bruto estava de acordo e consentiu; nisso parece que ele cometeu uma segunda falta, pois a primeira foi quando ele impediu que se matasse a Antônio, porque, com razão, acusaram-no de ter, com esse seu modo de proceder, salvo e fortalecido um inexpugnável e feroz inimigo da sua conspiração; e a segunda foi quando ele consentiu que se fizesse o funeral de César do modo que Antônio desejava; isso foi causa de que tudo se perdesse e se arruinasse. Pois, em primeiro lugar, quando se leu publicamente o testamento pelo qual se vinha a saber que ele dava a cada cidadão romano setenta e cinco dracmas de prata1622 por cabeça, e que ele deixava para o povo o jardim e os pomares, que ele possuía, aquém da margem do Tibre, no lugar onde agora está o templo da Fortuna, o povo amou-o e lamentou-o muito; depois, quando o corpo foi levado pela praça, Antônio, que fez o discurso em louvor do falecido, segundo o antigo costume de Roma, vendo que o povo comovia-se pelas suas palavras, voltou seu discurso, para incitá-lo ainda mais a comiseração, e, tomando as vestes de César, todas ensanguentadas, desdobrou-as perante a assistência, mostrando os cortes, para fazer ver que inúmeros haviam sido os golpes que ele recebera.

XXV. Furor do povo contra os seus assassinos

XXV. Por isso, o povo irritou-se e revoltou-se muito, havendo então grande desordem, porque uns gritavam que se devia matar a todos os conjurados assassinos, outros corriam a arrancar mesas, cadeiras e bancos das casas e vendas da vizinhança e, levando-as à praça, depois de as ter amontoado atearam-lhes fogo, como haviam feito nos funerais de Cláudio, sobre o qual colocaram o corpo, que queimaram no meio de vários laços sacros, invioláveis e santificados, e logo que o fogo estava bem aceso, uns de cá, outros de lá, tomaram tições acesos, com os quais correram às casas dos que o haviam matado para incendiá-las e matá-los a todos; no entretanto, eles, que estavam bem prevenidos, salvaram-se facilmente do perigo; mas um poeta de nome Cinna, que não tinha participado da conjuração, mas sempre fora amigo de César e na noite anterior tinha sonhado que César o convidara para cear com ele, e ele tinha se recusado; César havia insistido fortemente, até mesmo forçando-o, tanto que finalmente ele o levara pela mão a um lugar grande, vazio e tenebroso onde, espantado, tinha sido obrigado a segui-lo contra a vontade. Esta visão lhe causara febre durante toda a noite e, no entretanto, de manhã, quando ele soube que levavam seu corpo para sepultar, tendo vergonha de acompanhar o seu enterro, saiu de sua casa e foi meter-se no meio do povo, que já estava rebelado e irritado. Aí alguém o chamou pelo nome e o povo, pensando que fora ele, o mesmo que ainda há pouco havia feito um discurso injuriando publicamente a César, atirou-se para cima dele e furiosamente o fez em pedaços ali mesmo.

XXVI. Bruto sai de Roma

XXVI. Isso espantou muito a Bruto e aos seus companheiros, mais que qualquer outra coisa, depois da mudança de Antônio, por isso eles saíram de Roma, permanecendo a princípio na cidade de Ântio1623, na esperança de voltar a Roma, quando o furor do povo tivesse acalmado, o que eles pensavam haveria de suceder dentro de pouco tempo, visto que eles tinham que se haver com uma multidão inconstante e fácil de se comover, e o senado estava com eles, porquanto ele não tomara em consideração castigar os que haviam matado a Cinna, e, ao invés, cuidava em castigar os que haviam lançado fogo nas casas dos conspiradores. O mesmo povo estando já cansado da insolência de Antônio, o qual fazia quase todas as coisas com poder absoluto, como se fosse rei, desejava que Bruto voltasse e esperava-se que ele viria em pessoa organizar os jogos que divertiam o povo, por causa do seu ofício de pretor; mas, tendo sido avisado de que vários soldados, dos que tinham estado na guerra com César e que tinham herdado dele casas na cidade, onde eles haviam habitado, o vigiavam para matá-lo, e que todos os dias em pequenos grupos eles desfilavam ocultamente pelas ruas de Roma, ele não se atreveu a voltar, mas teve o povo 0 divertimento e assistiu, em sua ausência, aos jogos e outros divertimentos que foram bem e magnificamente prodigalizados e provistos de todo o necessário, sem que ele nada tivesse poupado; pois havia leito comprar um grande número de animais estranhos, dos quais ele não quis que se desse nem mesmo um, a qualquer pessoa, nem que se deixasse um só, mas quis que todos fossem usados nos jogos, e foi ele mesmo a Nápoles para falar a alguns comediantes e músicos e escreveu a seus amigos sobre um certo Canúcio, que era exímio artista, que insistissem com ele de qualquer modo, para que ele viesse tomar parte nos seus jogos, porque não era razoável, dizia ele, forçar a nenhum dos gregos, se eles não viessem de boa vontade; e escreveu ainda a Cícero, rogando-o insistentemente que viesse também assistir aos espetáculos.

XXVII. Bruto censura as manobras de Cícero em favor de Otávio

XXVII. Estando as coisas neste pé em Roma, sobreveio outra mudança, quando o jovem César chegou; ele era filho da sobrinha de Júlio César, que o tinha adotado por filho e instituído seu herdeiro universal por testamento; mas, quando seu pai adotivo foi morto, ele estava na cidade de Apolônia, onde estudava, esperando-o, porque ele tinha determinado levar a guerra aos partos; logo que teve notícias da morte, voltou a Roma, onde, para começar a se insinuar nas boas graças do povo, primeiramente tomou o nome de seu pai adotivo e distribuiu o dinheiro que ele lhe havia deixado por testamento; e desse modo ele atrapalhou bastante a Antônio, e, à força de dinheiro, retirou um grande número de soldados que tinham estado na guerra com seu pai. E Cícero mesmo, pelo grande ódio que votava a Antônio, favorecia as suas empresas, de que Bruto o censurava e lastimava muito, escrevendo-lhe que ele mostrava, com seu proceder, de não estar ansioso por ter um senhor, mas somente por ter alguém que o odiasse e que seus conselhos na administração das coisas públicas testemunhavam que ele procurava e preferia submeter-se a uma servidão graciosa e humana, dizendo e escrevendo que esse jovem César era homem manso e de boa índole e os nossos predecessores, dizia ele, não quiseram jamais servir a senhor algum por mais mansos e afáveis que eles fossem. E que de sua parte ele jamais tinha determinado firmemente consigo mesmo, de querer, nem a paz, nem a guerra, mas que sua resolução e sua deliberação tomada era de jamais servir; e que ele se admirava, como Cícero temia uma guerra civil, por ser perigosa, e não temia uma paz ignominiosa, e, que, para derrubar Antônio da tirania que ele usurpara, procurava colocar a este jovem César como tirano, em recompensa. Tal é o resumo das primeiras cartas que Bruto escreveu a Cícero.

XXVIII. Despedida de Bruto e de Pórcia

XXVIII. Estando já a cidade de Roma dividida em duas partes, uns do lado de Antônio e outros do lado do jovem César; os soldados vendiam seu serviço, como num leilão, a quem mais lhes oferecia, e Bruto, perdendo a esperança de que os negócios pudessem ser levados a bom termo, deliberou sair da Itália e foi a pé pela região da Lucânia, à cidade de Élea, que está à beira-mar, onde Pórcia estando para partir, separando-se dele, para regressar a Roma, procurava o mais que podia dissimular a dor que trazia no coração, mas um quadro a manifestou, por fim, embora ela até então sempre a tivesse constante e virtuosamente suportado. O assunto da pintura era tirado de narrações gregas, como Andrômaca acompanhava seu mando Heitor, logo que ele saiu da cidade de Tróia, para ir à guerra, e como Heitor lhe restituía seu filho; mas ela tinha os olhos fixos nele, a semelhança daquele quadro com o seu sofrimento a fez derramar lágrimas e, voltando várias vezes por dia para ver esse quadro, ela se punha sempre a chorar. Vendo o isso Acílio, um dos amigos de Bruto, recitou os versos que Andrômaca disse a este respeito, em Homero1624:

Heitor, tu ocupas o lugar de pai e de mãe
e em meu lugar, de marido e de irmão.

Bruto, então, sorrindo, disse: "É verdade, eu não posso de minha parte dizer a Pórcia o que Heitor responde a Andrômaca, no mesmo lugar, do poeta1625:

Não te é necessário cuidar de outras coisas,
Mas somente ensinar tuas mulheres a fiar.

Pois é bem verdade que a fraqueza natural do seu corpo não lhe permitia poder fazer os mesmos atos de bravura, que nós poderíamos bem fazer, mas com coragem ela procederá tão virtuosamente em defesa do país como um de nós". Bíbulo, o filho de Pórcia, assim o escreveu em sua história.

XXIX. Bruto vai a Atenas

XXIX. Ao partir de lá, Bruto, pondo-se ao mar, navegou diretamente para Atenas, onde o povo o recebeu de boa vontade, com muitos decretos honrosos era seu louvor e ele hospedou-se em casa de um amigo, indo todos os dias ouvir a leitura e as disputas de filosofia acadêmica de Teomnesto, e de Cratipo Peripatético, e conversando com eles sobre filosofia, de modo que parecia que tinha posto de lado todos os seus encargos, pensando unicamente nos estudos; todavia, ocultamente, ele fazia preparativos para a guerra; enviou Herostrato à Macedónia, para aliciar e conquistar os generais e os soldados que estavam naquela marca, atraía e conquistava todos os jovens da nobreza romana, que estavam em Atenas, para o estudo das letras e da filosofia, entre os quais estava também o filho de Cícero, que ele louva de maneira especial, dizendo que, quer ele estivesse acordado, quer estivesse dormindo, o achava sempre de ânimo tão gentil, tanto ele odiava naturalmente os tiranos.

XXX. Apodera-se de alguns navios que levavam dinheiro a Roma

XXX. Algum tempo depois, começou a tratar do assunto às claras e, sendo avisado de que vinha da Ásia uma frota de navios romanos, onde havia dinheiro, e que o comandante, que era homem de bem e seu familiar, tomava o caminho de Atenas, ele continuou até quase a ilha de1626 Caristos, onde, tendo falado, fez de modo que o outro ficasse contente por lhe entregar os navios; por esse motivo, Bruto quis tratá-lo magnificamente em sua casa, visto que era mesmo o dia do seu aniversário. No meio da festa, quando todos bebiam à vontade, os convidados brindavam à vitória de Bruto e à liberdade dos romanos. Bruto querendo ainda mais confirmar e encorajar, pediu uma copa maior e, antes de beber, pôs-se a dizer em voz alta, sem motivo aparente algum, estas estrofes:

1627Mas todavia, meu triste destino
E Febo, terminaram a minha vida.

Segundo esta determinação, diz-se que, no dia em que ele travou sua última batalha, perto da cidade de Filipes, ao sair de sua tenda, ele deu aos soldados, como palavra de ordem para a batalha, este nome: Febo, de tal modo que depois julgaram que esta repentina exclamação era um presságio da infelicidade que lhe devia acontecer. Depois disso Antístio entregou-lhe1628 quinhentas mil dracmas de prata, que ele levava à Itália, e todos os soldados de Pompeu, que ainda erravam cá e lá, pela Tessália, se reuniram de boamente a ele, que tirou de um certo Cinna quinhentos cavaleiros, que ele levava para a Ásia a Dolabela; depois foi por mar à cidade de Demetriada1629, onde se apoderou de grande quantidade de armas, que se levavam a Antônio, e que, por ordem de Júlio César, lá tinham sido forjadas e feitas para servir na guerra contra os partos; o que é mais, Hortênsio, governador da Macedónia, entregou-lhe o governo e todos os príncipes, reis e senhores dos arredores se uniram e entraram na liga com ele, quando este foi avisado de que Caio, irmão de Antônio, vindo da Itália, tinha passado o mar e dirigia-se rapidamente para as cidades de Dirráquio e de Apolônia para se apoderar dos soldados que lá Gabínio ainda conservava.

XXXI. Acidente que acontece a Bruto

XXXI. Por isso, Bruto querendo passar-lhe à frente e chegar antes, se pôs incontinente em campo, com os poucos homens que tinha consigo, tomando a estrada por lugares ásperos e difíceis, em pleno inverno, quando nevava muito, e apressou-se tanto que se adiantou muito dos animais que levavam os víveres, de modo que, quando estava perto da cidade de Dirráquio, apanhou uma doença que os médicos chamam de bulimia, isto é, fome, por causa do trabalho e do frio suportado. Isto acontece frequentemente aos homens e aos animais que trabalham quando neva, ou porque o calor natural é todo retirado e encerrado dentro do corpo pelo frio do ar, que torna espesso o couro, digere e consome imediatamente o alimento, ou um vento fraco, agudo e cortante, que sai da neve quando ela se derrete, penetra dentro do corpo e expulsa o calor natural, que se expande fora: pois parece que o calor, extinto pelo frio que encontra ao sair da pele do corpo, seja causa dos suores que aparecem em tal doença, das quais coisas já falamos muito difusamente em outro lugar. Bruto, porém, tendo-se tornado tão fraco e não encontrando em seu acampamento coisa alguma que lhe pudessem dar para comer, seus homens foram obrigados a recorrer aos próprios inimigos; chegando perto da porta da cidade, pediram, por favor, pão aos guardas; sabendo eles da grande dificuldade e embaraço em que se encontrava Bruto, foram eles mesmos e lhe deram de beber e de comer; como recordação disso, depois, quando ele teve a cidade em seu poder, tratou com muita humanidade e bondosamente, não somente a eles, mas a todos os outros habitantes, por amor deles.

XXXII. Caio Antônio entrega-se a ele com suas tropas

XXXII. Tendo então Caio Antônio chegado à cidade de Apolônia, ordenou aos soldados que estavam nos arredores que se retirassem para juntar-se a ele; mas sabendo que, ao contrário, eles se retiravam para o lado, de Bruto e, além disso, que os habitantes de Apolônia favoreciam-no também, ele abandonou a cidade e foi para Butrotus; no entretanto, pelo caminho perdeu três bandeiras, que foram despedaçadas; depois tentou conquistar, pela força, alguns lugares fortes e vantajosos para acampar, que estão nas proximidades de Bilis, e expulsar os homens de Bruto que os tinham ocupado antes. Para fazer isso, deu combate a Cícero, filho, pelo qual foi vencido; pois Bruto já se servia dele, como de um general, e realizou alguns feitos de valor por seu meio e com sua cooperação. Daí a algum tempo, tendo surpreendido Caio, em alguns lugares pantanosos, bastante afastados e isolados do seu retiro, não o quis atacar de uma vez, mas somente o fez cercar pela cavalaria, ordenando aos soldados que os poupassem a ele e aos seus homens pois, dentro de pouco, esperava que, sem feri-los, todos seriam feitos prisioneiros, como de fato aconteceu; pois eles todos se entregaram e seu general com eles; de tal modo que Bruto tinha j á uma grande multidão de soldados em seu seguimento. Por muito tempo ele honrou a esse Caio sem lhe tirar nem mesmo as insígnias de magistrado, embora muitos, e dentre outros também Cícero, lhe escrevessem que o fizesse morrer, mas quando percebeu que ele começava a falar em segredo aos generais e a tentar alguma coisa insólita, mandou encerrá-lo num navio e vigiá-lo. Os soldados que já tinham sido subornados por que tinham ido para a cidade de Apolônia, de onde mandaram dizer a Bruto que fosse ter com eles; ele, porém, respondeu-lhes que esse não era o costume dos romanos e que era necessário que eles mesmos viessem ao seu comandante, para pedir-lhe que perdoasse a sua deslealdade, o que eles fizeram e ele os perdoou.

XXXIII. Otávio faz condenar Bruto e seus companheiros

XXXIII. Ao mesmo tempo que se preparava para ir à Ásia, vieram notícias da mudança que se operava em Roma, pois o jovem César tinha crescido em honra e autoridade por meio do senado, contra Antônio, mas, depois, que fora derrotado e expulso da Itália, o mesmo Antônio, ele começou a ser temível ao próprio senado, porque ele pedia o consulado, que era coisa proibida pelas leis, e sustentava grandes exércitos, sem que as coisas públicas tivessem disso necessidade. E por outro lado, vendo que o senado, não contente com isso, se voltava para Bruto, que estava fora da Itália e que ele lhe ordenava e decretava governos das províncias, ele também teve medo, por seu lado, e mandou oferecer a Antônio sua aliança e sua amizade; depois, levando seu exército para perto de Roma, se fez eleger cônsul por bem ou por mal, estando ainda quase na adolescência, pois ainda não tinha vinte anos, como ele mesmo descreve em seus comentários, imediatamente nomeou os juízes para procederem ao processo criminal contra Bruto e seus cúmplices, por terem matado o primeiro e o maior personagem de Roma, que desempenhava a mais alta e a mais honrosa magistratura dela, sem ter sido julgado, ouvido, nem condenado judicialmente, fazendo acusar a Bruto deste crime, por Cornifício, e Cássio, por Agripa. Foram os acusados condenados por contumácia, porque os juízes foram obrigados a assim julgar. E diz-se que, como um guarda da porta, seguindo o costume dos julgamentos, subindo à tribuna dos discursos, chamou a Bruto em voz alta, citando-o a comparecer perante os juízes, em pessoa, todo o povo suspirou visivelmente e os nobres abaixaram a cabeça sem ousar proferir uma só palavra, entre os quais Públio Sicílio, de cujos olhos rolaram as lágrimas, pelo que logo depois ele foi posto no rol dos que por decreto foram proscritos e abandonados para serem mortos.

XXXIV. Bruto faz matar Caio Antônio

XXXIV. Depois disso, estes três, César, Antônio e Lépido, fizeram um acordo e ao mesmo tempo uma liga, pela qual eles dividiram, entre si mesmos, as províncias do império romano, e, por meio de decretos, condenaram à morte duzentos dos principais personagens de Roma, no número dos quais estava também Cícero; estas notícias chegaram até a Macedónia e Bruto então, obrigado, escreveu a Hortênsio que fez morrer Caio Antônio, por vingança da morte de Cícero, e do outro Bruto, do qual um era seu amigo e o outro, parente. Por esse motivo, Antônio, depois, tendo aprisionado Hortênsio na batalha de Filipes, fê-lo matar sobre a sepultura de seu irmão. Mas Bruto disse, então, que ele tinha mais vergonha da causa pela qual Cícero tinha morrido, do que compaixão pela sua morte e que ele não podia deixar de lamentar, e repreender muito os amigos que tinha em Roma, os quais eram servos mais por sua culpa, do que pela virtude daqueles que exerciam a tirania sobre eles, visto que eles tinham a vontade mui fraca, pois permitiam que se fizesse, diante dos próprios olhos, aquilo que somente ouvir, lhes deveria partir o coração.

XXXV. Reunião dai tropas de Bruto e de Cássio

XXXV. Depois que ele passou seu exército, que já era bastante grande, para a Ásia, deu ordem para se reunir um bom número de navios, tanto na costa da Bitínia, como na cidade de Cízico1630, para organizar uma frota marítima; e no entretanto passou pelas cidades, organizando e dispondo todas as coisas, dando audiência aos príncipes, aos senhores da região, que tinham coisas a tratar com ele. Depois mandou a Cássio, na Síria, embaixadores, que o fizessem desistir de ir ao Egito, dizendo ainda que não era absolutamente para conquistar^ domínios para eles mesmos, nem impérios, que eles iam assim vagando pelo mundo, mas que era, ao contrário, para libertar seu país e dar-lhe a liberdade; e que o acumularem e ajuntarem armas e soldados era para destruir os tiranos, que os quisessem atacar; por esse motivo, com relação ao seu primeiro objetivo e desígnio principal, eles não deviam, senão o menos possível, afastar-se da Itália, mas logo apressar-se em dirigir-se para lá, para socorrer seus concidadãos. Cássio acreditou e voltou. Bruto continuou para frente, e se encontraram perto da cidade de Esmirna, sendo então esta a primeira vez que eles se encontravam depois de terem partido ao mesmo tempo do porto do Pireu, em Atenas, um para ir à Síria e o outro, à Macedônia. Alegraram-se muito e tiveram não menor tranquilidade e segurança, quando viram os exércitos poderosos, que ambos haviam organizado, pois, tendo partido da Itália como exilados e desprovidos de tudo, sem armas, sem dinheiro, sem navios, nem equipagem, sem nem ao menos um único soldado, nem ao mesmo tempo uma só cidade que lhes prestasse obediência, no entretanto, pouco tempo depois eles se encontravam assaz poderosos em navios, dinheiro e homens de guerra, tanto de infantaria, como de cavalaria, para combater pela primazia do império romano.

XXXVI. Elogio de Bruto

XXXVI. Cássio queria prestar grandes honras a Bruto, como Bruto lho prestava: este, porém, o mais das vezes o procedia, e por primeiro ia ter com ele, tanto porque ele era mais velho, como também porque ele não estava tão disposto, nem tão bem em sua pessoa e julgava-se comumente que ele era muito entendido em assunto de guerra, mas também colérico e violento, que queria mandar aos outros, mais por temor do que por outro motivo e, depois, ao contrário, era fraco com seus familiares e gostava muito de se divertir e de gozar. Bruto, ao contrário, era por sua virtude muito querido do povo, amado pelos seus, estimado pelos homens de bem, e ninguém o odiava, nem mesmo seus adversários, porque ele era homem afável e benigno por natureza, magnânimo, que jamais se deixava levar pela ira, pela sensualidade, pela avareza, mas tinha sempre vontade e intenção retas, sem jamais dobrar nem variar, para o direito e para a justiça, que eram a fonte principal de sua glória, de seu progresso, e da benevolência que cada qual lhe dedicava, porque todos tinham esta persuasão, que sua intenção era reta: pois não se esperava certamente que o grande Pompeu, mesmo se ele tivesse estado acima de César, teria querido submeter sua autoridade às leis mas pensa-se que ele teria sempre retido a soberania do poder, tomando, para contentar o povo; o título de cônsul ou de ditador, ou de qualquer outro ofício mais civil e mais gracioso.

Quanto a Cássio, homem violento e colérico, que por muitas paixões se desviava do reto caminho da justiça, para seguir o da utilidade, julgavam-no, com certeza, que ele fazia a guerra, e ia por toda a parte, expondo-se aos perigos das armas, mais para conquistar domínio e poder, para si mesmo, do que para dar a liberdade aos seus concidadãos; pois quem considerar os outros mais velhos ainda do que este, como um Cina, um Mário, um Carbo, é muito certo que eles se propunham como um prêmio e um butim de sua vitória, a dominação sobre o próprio país e que, por assim dizer, eles quase confessavam que combatiam para ocupar a tirania e se fazerem senhores do império romano; e, ao contrário, seus mesmos inimigos jamais reprovaram a Bruto uma tal mudança, mas diz-se que Antônio declarou várias vezes, publicamente, que ele julgava que, de todos os que tinham posto a mão sobre César, não havia senão Bruto, que tinha sido levado a tal ato, por julgá-lo unicamente, em si, como um ato louvável e virtuoso, mas que todos os outros conjuraram a sua morte, por ódio particular ou por inveja que lhe tinham. Pelo que se nota que Bruto não confiava tanto na potência do seu exército quanto na sua própria virtude, e isso se pode constatar pelos seus mesmos escritos; pois, estando já bastante próximo do perigo extremo, ele escreveu a Pompônio Ático, que seus negócios estavam no mais alto grau da fortuna, que podiam estar; pois, ou eu libertarei todo o povo romano ganhando a batalha, ou eu me livrarei da escravidão, morrendo. Todas as outras coisas eram-lhe já certas e garantidas, mas um único ponto ficava-lhe ainda em dúvida: se eles viveriam ou se morreriam com liberdade. Ele escreveu, ainda, que Antônio recebia o castigo que sua loucura merecia, pois, em lugar de participar igualmente da glória de Bruto, de Cássio e de Catão, e de ser posto em seu número, ele preferira ser somente um auxiliar de’ Otávio, com o qual, ainda que ele não tenha sido vencido por nós, terá ele, porém, muito depressa a guerra contra ele; quanto a este ponto, certamente profetizou muito bem, pois isso de fato aconteceu.

XXXVII Bruto e Cássio separam-se

XXXVII. Estando na cidade de Esmirna, Bruto pediu a Cássio que lhe entregasse parte do dinheiro que ele tinha ajuntado, em grande quantidade, porque o que ele tinha ajuntado por seu lado tinha gasto tudo, fazendo construir uma grande frota de navios, e por meio deles tinham todo o mar entre as terras submetidas. Os amigos de Cássio, porém, dissuadiam-no com energia, afirmando-lhe que não era razoável que Bruto recebesse o dinheiro que Cássio tinha ajuntado e poupado, exigindo-o com grande descontentamento do povo submetido, para dá-lo aos seus soldados, e por esse meio conquistar mais benevolência à custa de Cássio; no entretanto, Cássio deu-lhe ainda a terça parte da soma total. E separando-se outra vez para ir cada qual para seu lado, aos seus negócios, Cássio tomou a cidade de Rodes, onde não procedeu nem humana, nem honestamente, embora penetrando dentro dela tivesse
 respondido, a alguns dos habitantes, que saudando-o o haviam chamado de senhor e rei, que não era nem senhor, nem rei, mas um homem que tinha punido e matado aquele que se queria fazer senhor e rei.

XXXVIII. Bruto cerca a cidade de Xante

XXXVIII. Bruto, partindo, mandou pedir auxílio em dinheiro e em soldados aos lícios; mas um certo orador, de nome Naucrates, fez revoltarem-se as cidades, de tal modo que os da região ocuparam algumas pequenas elevações, cuidando assim impedir a passagem de Bruto. Pelo que ele mandou, contra eles, seus soldados a cavalo, que os surpreenderam, quando eles jantavam, e destruíram cerca de seiscentos; tomando todas as aldeias e vilas, ele deixava partir, sem pagar resgate, todos os que aí fazia prisioneiros, esperando por esse ato de generosidade conquistá-los e atrair todo o resto da cidade; mas eles eram tão obstinados e tão altivos, que se revoltavam por um pouco de prejuízo que se lhes causava passando por suas terras, e desprezavam sua bondade e sua humanidade, até que finalmente ele foi sitiar a cidade dos xantianos, na qual estavam encerrados os mais orgulhosos e os mais belicosos de toda a Lícia.

XXXIX. É destruída por um incêndio

XXXIX. Há um no1631 que passa ao longo das muralhas da cidade, pelo qual se salvavam alguns dentre os habitantes, e nadando fugiam; colocaram então redes dentro do rio, com campainhas, que avisavam quando algum havia caído na armadilha. À noite, esses xantianos fizeram uma escapada e vieram pôr fogo nalgumas máquinas de guerra, com as quais se derrubavam suas muralhas: mas eles foram imediatamente cercados pelos romanos apenas estes os perceberam. O vento era impetuoso e aumentou as chamas, levando-as até as aberturas do alto das muralhas, de modo que as casas que estavam mais próximas também foram incendiadas. Por isso, Bruto, de medo que toda a cidade se queimasse, ordenou imediatamente que apagassem o fogo e procurassem também socorrer a cidade; os lícios, porém, foram tomados de um tal acesso de raiva e desespero tão horrível, que não se poderia descrevê-lo, apenas comparável a um tresloucado desejo de morrer; pois todos junta mente com suas mulheres e seus filhos, senhores e servos, de todas as idades, combatiam em cima da muralha e lançavam pedras, dardos e outras coisas sobre os romanos, que tentavam apagar o fogo para salvar a cidade; e, ao contrário, trazendo feixes, juncos e caniços secos e também madeira, atiravam o mais que podiam para cima do fogo, dentro da cidade, fazendo tudo para aumentar ainda mais o incêndio e incrementando-o de todos os modos possíveis.

Quando a chama se estendeu por toda a parte e atingia já todos os quarteirões da cidade, brilhando no espaço, Bruto, cheio de compaixão, montou a cavalo e deu a volta em torno das muralhas, para ver se poderia dar alguma ordem, estendendo a mão para os habitantes, rogando-lhes que perdoassem à sua pobre cidade e se salvassem a si mesmos. Mas ninguém escutava suas palavras, e faziam ainda tudo o que podiam para arruinar e perder a si mesmos, não somente os homens e as mulheres, mas ainda as mesmas crianças, das quais algumas, chorando e gritando, lançavam-se no meio do fogo, outras precipitando-se do alto para baixo das muralhas, quebravam a cabeça, outros apresentavam a garganta aos próprios pais, que os degolassem e, desfazendo-se de suas vestes, rogavam-lhes que eles mesmos os matassem. Quando a cidade ficou totalmente queimada, encontraram uma mulher que se tinha enforcado com uma corda1632, tendo numa das mãos uma criança morta amarrada pelo pescoço e na outra uma tocha com a qual incendiava sua casa. Quiseram mostrá-la a Bruto, mas ele não quis ver tão horrível cena e tão trágico espetáculo, mas se pôs a chorar, quando lho disseram e mandou apregoar ao som de trombas, por meio de um arauto, que daria um certo prêmio em dinheiro a todo soldado que pudesse ainda salvar um xantiano; somente uns cinquenta, diz-se, é que foram encontrados e salvos, contra a vontade deles mesmos. Assim, os xantianos, depois de um longo espaço de tempo, tendo terminado a revolução da sua ruína fatal, renovaram por sua temeridade a memória da calamidade de seus antepassados, os quais semelhantemente, na guerra dos persas, queimaram sua cidade e se destruíram a si mesmos.

XL. A cidade de Pátaro entrega-se a ele

XL. Por esse motivo, Bruto vendo a cidade dos patarinos resistir muito, contra ele, estava em dúvida, e não sabia se devia ou não atacá-la, pensando que também eles poderiam ser levados pelo mesmo desespero; mas tendo tomado algumas de suas mulheres como prisioneiras, restituiu-lhes a liberdade sem exigir resgate; elas, que eram mulheres e filhas dos principais homens da cidade, narrando aos parentes a grande generosidade com que ele as tinha tratado, a sua justiça, continência e honestidade que tinham visto em Bruto, persuadiram-nos a se submeterem a ele, e entregar-lhe a cidade; depois delas, todos fizeram o mesmo e foram entregar-se a ele, que encontraram realmente muito humano, manso e gentil, mais do que haviam imaginado e esperado, mesmo em comparação com Cássio, que, quase no mesmo tempo, depois de ter obrigado os rodianos a contribuir com todo o ouro e prata, que cada qual tinha em sua casa, e com o que ele ajuntou uma grande quantia, mais ou menos uns oito mil talentos1633, ainda condenou a cidade em público, à soma de quinhentos outros talentos; Bruto, depois de ter exigido sobre todo o país dos lícios cinquenta talentos somente1634, sem lhes ter dado outro prejuízo nem desgosto, partiu para o país da Jônia.

XLI. Paz morrer a Teódoto

XLI. Durante essa viagem, ele fez várias ações notáveis e bem dignas de memória, tanto premiando, como castigando os que haviam merecido; mas eu contarei aqui uma dentre tantas, na qual ele mesmo e todos os homens notáveis dos romanos se compraziam: quando o grande Pompeu, tendo perdido a batalha contra Júlio César, desceu para a costa do Egito, perto da cidade de Pelúsio, os que tinham o encargo da tutela e da guarda do rei, que era ainda quase uma criança, reuniram-se em conselho com seus servidores, e amigos do pai, sobre o que se devia fazer naquele caso. Não estavam todos de acordo, nesta deliberação, porque uns eram de opinião que se devia recebê-lo e outros que ele devia ser expulso e exilado para o Egito; mas um certo retórico de nome Teódoto, natural da ilha de Chio, que estava lá para ensinar a retórica a este jovem rei, tendo sido chamado a este conselho, que não possuía altos personagens, disse que uns e outros se enganavam, tanto os que eram de opinião que ele se devia receber, como os que diziam que ele devia ser expulso, e que o mais certo, visto as circunstâncias do momento, era agarrá-lo e matá-lo, acrescentando, a esta sentença sua, que um homem morto não morde mais. O conselho deteve-se ante esta proposta e assim, por um notável conjunto de circunstâncias incríveis e nas quais jamais se poderia ter pensado, o grande Pompeu encontrou a morte pela retórica, destas palavras de Teódoto, como ele mesmo, ao depois, glorificando-se, dizia: mas quando Júlio César, depois, chegou ao Egito, os maus que tinham sido desta opinião foram castigados, segundo a sua própria culpa, e todos morreram, de maneira infeliz, exceto Teódoto, ao qual a fortuna deu ainda algum tempo, em que ele viveu pobre e ignominiosamente, sem jamais atrever-se a permanecer nalgum lugar: mas, quando Bruto andava pela Ásia, ele não mais se pôde conservar escondido e lhe foi levado e então castigado, de modo que adquiriu mais fama com sua morte, do que havia adquirido em toda a sua vida.

XLII. Questão entre Bruto e Cássio

XLII. Durante esse tempo, mais ou menos, Bruto mandou pedir a Cássio que fosse à cidade de Sardis; ele o fez, e Bruto, tendo sido avisado de sua chegada, foi ter com ele juntamente com os amigos, estando também aí todos os seus exércitos, em armas, os soldados os chamaram a ambos de imperadores1635 ; como acontece ordinariamente nas grandes empresas, entre dois personagens que têm muitos amigos e muitos generais sob suas ordens, eles tinham também, algumas queixas e algum descontentamento um do outro; pelo que, antes de fazer outra qualquer coisa, logo que chegaram ao seu aposento, retiraram-se a um pequeno quarto, mandaram sair todos os que estavam ali e fecharam a porta, e então, começaram a se lastimar reciprocamente, cada qual um do outro; finalmente, chegaram mesmo a se atacar e a se acusar, dizendo alta e claramente as verdades, um ao outro, com grande veemência, e depois, por fim, puseram-se ambos a chorar. Seus amigos, que estavam fora do quarto, ouvindo-os discutir tão- fortemente e irritarem-se um contra o outro, ficaram muito admirados e tiveram medo que eles se ferissem, um ao outro; mas eles haviam proibido que qualquer pessoa os fosse interromper; no entretanto um certo Marco Faônio, que tinha sido, por assim dizer, amante de Calão, quando ele vivia, e se pusera a imitar a filosofia, não tanto com discursos da razão, como com uma impetuosa e furiosa paixão, quis entrar dentro do quarto, embora os criados lho quisessem impedir; mas foi difícil conter este Faônio, porquanto a sua paixão o incitava; era ele homem ardente e repentino em todas as coisas e em nada estimava a dignidade de ser senador romano; e embora ele usasse a franqueza de falar ousadamente, da qual faziam profissão os filósofos que antigamente se chamavam cínicos, como quem diz, cães, embora muitas vezes a sua ousadia não fosse nem aborrecida, nem importuna, porque a gente se limitava a rir de tudo o que eles diziam. Faônio, então contra a vontade (los porteiros bateu à porta e entrou no quarto, pronunciando com uma voz grossa e com um acento grave, que ele imitava de propósito, os versos que o velho Nestor diz era Homero:

1636Escutai-me e segui o meu conselho,
Eu vivi muito mais do que vós ambos.

Cássio se pôs a rir, mas Bruto o atirou para fora, chamando-o de cão sem graça e cão disfarçado com falsas insígnias; todavia, terminaram então a sua altercação e separaram-se imediatamente. Naquela mesma noite, Cássio mandou preparar a ceia em seu aposento, ao qual Bruto levou seus amigos, e quando já estavam à mesa, Faônio chegou, tendo-se lavado. Bruto, vendo-o, pôs-se a dizer bem alto que não o tinha convidado e ordenou que o pusessem no leito mais alto1637 ; ele, porém, à força, se pôs no do meio, o que foi causa de que todos se rissem e o festim tornou-se mais alegre e não sem alguma palestra de filosofia.

XLIII. Julgamento de Bruto que desagrada a Cássio

XLIII. No dia seguinte Bruto condenou judicialmente em público e marcou como infame a Lúcio Pella, que tinha sido pretor dos romanos, e a quem Bruto acusara, seguindo a indicação dos de Sardis, que o acusavam de pilhagem, concussão e mau uso dos bens do estado e o provavam. Este julgamento desagradou muito a Cássio, porque uns dias antes ele mesmo tinha apenas recriminado com palavras, em particular, dois dos seus amigos acusados dos mesmos crimes, e em público os tinha absolvido, e não deixava de os empregar e de servir-se deles, como antes; pelo que censurava a Bruto como querendo ser demasiado justo e observar muito rigorosamente as leis em um tempo em que havia mais necessidade de dissimular um pouco, e de não tomar as coisas com tanto rigor. Bruto, ao contrário, respondeu-lhe que ele devia lembrar-se dos idos de março, quando haviam matado a César, que não pilhava nem perturbava ele mesmo todo o mundo, mas somente era o suporte e o apoio dos que o faziam sob sua autoridade e sua ordem, e que se há alguma ocasião pela qual se pode desprezar a justiça e o direito, teria sido muito melhor deixar roubar e fazer todas as coisas iníquas e contra a razão, aos amigos de César, do que permiti-lo aos seus, pois então, dizia ele, "não se nos poderia imputar senão fraqueza e falta de coragem, somente, e agora acusar-nos-iam de injustiça, além da pena que suportamos e dos perigos aos quais nos expomos". Por aí se pode muito bem conhecer qual era a intenção de Bruto.

XLIV. Fantasma que aparece a Bruto

XLIV. Mas quando eles se preparavam para passar da Ásia à Europa, diz-se que lhe aconteceu um fato extraordinário. Ele era vigilante por natureza e dormia muito pouco, quer porque vivia muito sobriamente, quer porque trabalhava continuamente. Jamais dormia durante o dia e durante a noite, somente quando era obrigado a ficar sem fazer nada, ou sem falar com alguém quando todos descansavam. Mas quando estava em guerra e na superintendência de todos os seus negócios, tendo sempre a inteligência pronta para a realização do objetivo e daquilo que estava para acontecer, depois de ter dormido apenas um pouco, após a refeição, empregava todo o resto da noite em resolver seus negócios e depois de ter organizado e dado todas as providências, se lhe sobrava tempo punha-se a ler algum livro, até a terceira sentinela da noite, quando os comandantes, centuriões, chefes de bandos, costumavam vir ler com ele. Quando estava para passar à Europa uma noite, muito tarde, estando todos dormindo, dentro do seu acampamento, reinava um grande silêncio, quando ele estava em sua tenda, com uma luz fraca, cismando, pareceu-lhe perceber que alguém havia entrado e, olhando para a porta da tenda, viu uma figura horrenda e espantosa de um corpo horrível, que se foi postar à sua frente, sem dizer palavra; perguntou-lhe quem era, se era deus ou homem, e o que o levava para ali. O fantasma respondeu-lhe: "Sou o teu anjo mau. Bruto, e tu me verás perto da cidade de Filipes". Bruto, sem se perturbar, replicou-lhe: "Pois bem, eu verteei lá". O fantasma imediatamente desapareceu e Bruto chamou seus criados, que nada tinham visto nem ouvido.

XLV. Ele conta a sua visão a Cássio que o tranquiliza

XLV. Por esse motivo, ele se pôs então a velar e pensar, como antes; mas, de manhã, logo que o dia clareou, foi ter com Cássio e contou-lhe da visão que tivera durante a noite. Cássio, que seguia a opinião de Epicuro em filosofia e estava acostumado a disputar e a discutir muitas vezes com Bruto, disse-lhe: "Nós sustentamos, Bruto, em nossa seita filosófica, que não sofremos, nem vemos de verdade, tudo aquilo que pensamos ver ou sofrer; e é coisa muito incerta e enganosa, que o sentido natural do homem e que a inteligência, que é ainda mais leve e mais rápida, a considerem e a voltem mais facilmente, sem matéria, nem sujeito algum, em todas as formas e todas as espécies, como quando se grava e se imprime sobre a cera; e assim é muito fácil à alma do homem, que tem em si o que faz e recebe, a impressão de diferenciar uma coisa por si mesma; o que nos mostram muito evidentemente as diversas mudanças dos sonhos, que nos sucedem dormindo, que a parte imaginativa ou apreensão do nosso entendimento, de um pequeno princípio se muda em todas as espécies de acidentes, porque o natural de nosso entendimento é sempre mover-se e seu movimento outra coisa não é que imaginação ou apreensão; mas ainda há mais em ti: é que o corpo cansado tem pela natureza o entendimento suspenso em transe e em comoção. Mas, dizer-se se que há espíritos ou anjos e ainda que houvesse, que tenham forma de homem, voz, ou poder algum que chega até nós, não é verdade. Quanto a mim eu quisera que tivessem, para que em nós houvesse confiança, não somente em tão grande número de armas, de cavalos, de navios e de barcos, mas também no socorro dos deuses, visto que nós somos autores e defensores de belíssimos, santíssimos e virtuosíssimos atos". Com tais palavras Cássio acalmou e tranquilizou um pouco a Bruto.

XLVI. Bruto e Cássio acampados frente a frente com Otávio e Antônio

XLVI. Quando o exército caminhava, vieram duas águias que, voando com grande rapidez, juntaram-se às primeiras insígnias e seguiram sempre os soldados, que lhes davam de comer até a cidade de Filipes. E, somente um dia antes da batalha, elas foram-se embora. Bruto já tinha sob sua dominação a melhor parte dos povos e nações de toda aquela região, mas restava-lhe ainda anexar algumas outras pequenas cidades, ou algum senhor; quando terminaram de os submeter, partiram para a costa de Tassos1638 ; Norbano estabeleceu seu acampamento numa certa passagem, a que chamam de Estreitos, perto de um lugar denominado Símbolo1639, Cássio e Bruto o rodearam de tal sorte que ele foi obrigado a se retirar e abandonar o sítio que lhe era muito vantajoso. Mesmo assim, quase lhe tomaram todo o exército, pois César não o tinha podido seguir por causa de uma enfermidade, pelo que, ele tinha ficado para trás, e o teriam feito, se não fosse o auxílio de Antônio, que usou de tão grande diligência, que Bruto quase não o acreditou. César chegou dez dias depois e acamparam, Antônio contra Cássio e Bruto, em frente de César, Os romanos chamam a planície que está entre os dois inimigos de campos Filipenses e jamais se havia visto dois tão belos, nem tão poderosos exércitos romanos, um diante do outro, prestes a combater. É verdade que o de Bruto era menor em número de homens do que o de César, mas, em beleza de equipamento e em suntuosidade de armas, tinha melhor aparência, pois a maior parte de seu armamento era de ouro e prata, que Bruto havia dado larga mente, embora em todas as demais coisas ele ensinam e muito bem aos seus oficiais que vivessem com regra, sem superfluidades; mas, a suntuosidade das armas era necessária; porque os soldados, tendo-as sempre nas mãos e trazendo-as sobre as costas, sentiam que isso lhes aumentava a coragem, principalmente aos que são de natureza ambiciosa e desejosa de glória, e tornava o combate mais áspero, aqueles que gostam de ganhar e temem perder, porque eles combatem para salvar suas armas, como seus bens e sua herança.

XLVII. Maus presságios que assustam a Cássio

XLVll. Quando se fez a revista dos exércitos e a purificação, César realizou a sua, dentro das trincheiras do seu campo, e deu um pouco de trigo somente cinco dracmas de prata por cabeça, a cada soldado, para sacrificar aos deuses pedindo-lhes a vitória; Bruto, ao contrário, condenando essa mesquinhez e pobreza, fez a revista de seu exército e o purificou no acampamento, como é hábito dos romanos, e depois deu a cada companhia muitos carneiros para sacrificar e1640 cinquenta dracmas de prata para cada soldado; de maneira que seus homens estavam muito mais contentes que os outros e mais dispostos a lutar no dia da batalha, do que os dos inimigos. Todavia, fazendo as cerimônias desta purificação, diz-se que sucedeu a Cássio uma coisa de sinistro presságio: um dos seus servos, que trazia as varas diante dele, trouxe-lhe a coroa de flores que ele devia ter sobre a cabeça, no sacrifício, voltada às avessas, e diz-se que ainda antes, em alguns jogos e pompas, em que se trazia uma imagem dá vitória de Cássio, que era de ouro, ela caiu, porque aquele que a levava tropeçara. Além disso, viam-se todos os dias, dentro do acampamento, um grande número de aves que comem os cadáveres dos mortos, e encontraram-se também enxames de abelhas que se tinham reunido em ‘um certo lugar, dentro da cerca das trincheiras do acampamento, e este lugar, os adivinhos julgaram ser conveniente excluir do campo, para tirar o temor supersticioso e a suspeita que eles tinham, a qual começava a afastar um pouco a Cássio, das opiniões dos epicuristas e tinha assustado muito seus soldados; de tal modo que eles eram de opinião que não se decidisse essa guerra com uma única batalha, mas que ela se prolongasse mais e que se estendesse, visto que eles tinham mais dinheiro e menos quantidade de homens e de armas.

XLVIII. O desejo de Bruto para tentar a batalha prevalece

XLVIII. Ao contrário, porém, Bruto, sempre antes e agora também, não pedia outra coisa, senão pôr tudo, à sorte de uma batalha, o mais depressa possível, a fim de, ou logo recuperar a liberdade de seu país, ou livrar desses males a todos que eram obrigados a seguir, alimentar e a sustentar tão grandes e poderosos exércitos. Vendo ainda que nas escaramuças e corridas que se faziam todos os dias seus homens eram sempre os mais fortes e, levavam sempre a melhor, isso veio aumentar-lhe ainda mais o ânimo. E além disso, visto que alguns de seus homens já se tinham ido entregar aos inimigos e ainda se desconfiava que alguns outros queriam fazer o mesmo, vários amigos, mesmo de Cásssio, que antes eram de sua opinião, quando em conselho se deliberou se se travaria a batalha ou não, foram da opinião de Bruto, e no entretanto um de seus amigos, que se chamava Atélio, os contradisse, pois era de opinião que se esperasse o inverno terminar; Bruto perguntou-lhe que vantagem ele esperava obter aguardando ainda um ano, e Atélio respondeu-lhe: "Se não houver outro proveito, pelo menos eu terei vivido um pouco mais". Elísio ficou muito aborrecido com esta resposta, e por essa razão Atélio ficou mal visto de todos, e muito pouco estimado, de modo que foi logo cercado e preso, porque, no dia seguinte, travar-se-ia a batalha.

XLIX. Bruto e Cássio prometem matar-se se forem vencidos

XLIX. Durante toda a ceia, Bruto mostrou-se cheio de grande esperança e fez belos discursos sobre filosofia; depois da ceia, foi descansar. Quanto a Cássio, porém, Messala diz que ceou em seu aposento, com poucos de seus familiares, e que durante toda a refeição parecia triste e pensativo, embora esse não fosse o seu natural, e que depois da ceia ele o tomou pela mão, e, apertando-a fortemente, como se faz por amizade, como era seu costume, ele lhe disse em grego: "Eu te protesto e te tenho como testemunha, Messala, de que, como o grande Pompeu, contra a minha vontade e opinião, sou obrigado a aventurar ao sabor de uma batalha a liberdade de nossa pátria, e no entretanto devemos todos ter muito ânimo, tendo consideração à fortuna, à qual nós faríamos injustiça se desconfiássemos dela, ainda que sigamos um mau conselho". Messala escreveu que Cássio tendo-lhe dito estas últimas palavras, despediu-se, e que ele o havia convidado a cear no dia seguinte em sua casa, porque era o dia do seu aniversário. No dia seguinte, portanto, logo que amanheceu, foi levantada no acampamento de Cássio e de Bruto a insígnia do combate, que era uma cota de armas vermelha; conversaram os dois chefes no meio de seus exércitos e Cássio, por primeiro, disse: "Praza aos deuses, Bruto, que possamos neste dia ganhar a batalha e viver de ora em diante todo o resto de nossa vida um e outro em franca prosperidade; mas sendo que as coisas grandes e mais importantes, entre os homens, são as mais incertas, se o fim do dia de hoje for outro que não como nós desejamos e esperamos, não será fácil que nos possamos rever; que deliberaste, nesse caso, fazer? Fugir ou morrer?" Bruto respondeu-lhe: "Sendo ainda jovem e não assaz experiente nos negócios deste mundo, eu fiz, não lei como, um discurso de filosofia, no qual censurava acremente a Catão de se ter destruído a si mesmo, como não sendo um ato nem lícito, nem religioso, quanto aos deuses, nem quanto aos homens, virtuoso, de não ceder à determinação divina, e não tomar constantemente de boa vontade tudo o que lhe apraz enviar-nos, mas mostrar-se esquivo e retrair-se: mas agora, encontrando-me no meio do perigo, eu tenho outras deliberações; de tal modo que se prouver aos deuses que o êxito desta batalha seja feliz para nós, não quero tentar outra esperança, nem procurar organizar novamente outra equipagem de guerra, mas livrar-me-ei das misérias deste mundo, contentando-me com a fortuna1641 : pois eu doei nos idos de março1642 minha vida à minha pátria pela qual viverei outra livre e gloriosa". Cássio se pôs a rir, ouvindo-o dizer estas coisas, e, abraçando-o, retrucou: "Vamos então encontrarmo-nos com nossos inimigos, para combatê-los, com esta intenção: pois ou venceremos, ou não temeremos mais os vencedores".

L. Seu exército se põe em movimento

L. Ditas estas palavras, puseram-se a organizar, a batalha, na presença de seus amigos, e Bruto pediu a Cássio que lhe deixasse o comando da ponta direita, que se julgava mais conveniente e mais própria a Cássio, quer por ser o mais velho, como por ser ele mais experimentado; e no entretanto Cássio concedeu-lho e quis ainda que Messala, que era o chefe de uma das legiões mais belicosas, estivesse também naquele setor. Bruto se pôs logo em marcha com a cavalaria que estava bem preparada e os soldados de infantaria não foram menos solícitos era os acompanhar. Os homens de Antônio cavavam uma trincheira desde os pântanos ao longo dos quais ele estava alojado, para cortar a Cássio o caminho para o mar; e César, ao menos seu exército, não se movia; ele não estava em seu campo, por motivo de doença, e não esperavam seus homens que os inimigos os viessem atacar, mas somente fizessem algumas pequenas excursões, para importunar àqueles que trabalhavam nas trincheiras, e a golpes de dardos perturbá-los e impedir que continuassem o seu trabalho; não se incomodando com aqueles que vinham diretamente a eles para lhes dar combate admiravam-se do grande barulho que ouviam vindo dos lugares onde se abriam as trincheiras.

LI. Grande vantagem do lado de Bruto

LI. Bruto, no entretanto, mandou aos chefes de grupos e comandantes algumas notas, nas quais estava escrita a palavra da batalha, e ele mesmo, passando a cavalo ao longo das tropas, as ia incitando a cumprir valentemente seu dever, de modo que muito poucos ouviram qual era a palavra de batalha que lhes era dada, mas a maior parte, sem esperar que se lha dissesse, correram impetuosamente para atacar os inimigos, de sorte que, por essa desordem, houve grande desigualdade entre as legiões, que foram afastadas e separadas umas das outras. A de Messala, a primeira e as mais próximas, depois, passaram além da ponta esquerda dos inimigos, sem fazer outra coisa senão seguir ao longo deles e derrubar alguns de passagem; caminhando pare frente, foram dar bem no campo de César, pura fora do qual, como ele mesmo escreve em seus comentários, ele tinha um pouco antes sido transportado por conselho e advertência de um de seus amigos, chamado Marco Artônio: o qual, à noite, dormindo teve uma visão, na qual se mandava que ele fosse transportado para fora do seu acampamento; de tal modo que se pensou que ele tinha sido morto, por causa da liteira, na qual nada havia dentro e fora atravessada por golpes de dardos e flechas, em vários lugares. Houve grande morticínio naquele campo e, entre outros, foram despedaçados dois mil lacedemônios, que pouco- antes tinham chegado em auxílio de César; os outros que não se tinham adiantado, mas tinham atacado da direita em linha reta, a batalha de César, os puseram facilmente em fuga, porque estavam atônitos pela perda de seu acampamento e foram derrotadas a golpes de braço, três legiões; depois, com o grande ardor com que perseguiam e expulsavam os fugitivos, eles se lançaram misturados para dentro do acampamento tendo Bruto no meio deles.

LII. A ala de Cássio é inteiramente derrotada

LII. Mas o que os vencedores não tinham notado, a ocasião o mostrou aos vencidos, era a ala esquerda da batalha dos inimigos, isolada e desamparada, sem o auxílio dos da direita, que se tinham afastado muito, para perseguir os que a tinham rompido. Foram atacá-los violentamente e, no entretanto, por mais esforços que fizessem, não puderam forçar nem romper o meio da batalha, onde encontraram homens que os sustiveram e os enfrentaram valentemente; mas romperam e puseram em fuga os da ponta esquerda na qual estava Cássio, pela desordem que aí se manifestou, e também porque eles não estavam avisados de como a sua ala direita se tinha comportado. Expulsaram-nos perseguindo-os até ao acampamento, que eles saquearam, sem que nem um, nem outro dos comandantes aí estivesse presente; porque Antônio, ao que se diz, evitando o furor do primeiro ataque, se tinha lançado num pântano próximo e não se sabia o que fora feito de César, depois que se tinha feito transportar para fora do campo; alguns soldados mostraram suas espadas ensanguentadas, com as quais diziam tê-lo matado e descreviam-lhe o rosto e diziam a idade que poderia ter. E o que é mais, a frente e o meio da batalha de Bruto tinha já derrotado, com grande derramamento de sangue, todos os inimigos que encontrara diante dele, de sorte que Bruto tinha totalmente vencido e ganho do seu lado; e Cássio tinha tudo perdido, do que lhe cabia, e nada prejudicou tanto seus empreendimentos como não ter Bruto ido socorrê-lo, pensando que ele também estava vencendo, como ele; e Cássio não esperou Bruto, pensando que também estava perdido, como ele; e que é verdade que a vitória esteve do lado dele, Messala o mostra, porque eles conquistaram três águias e várias outras insígnias dos seus inimigos e seus inimigos nem uma sequer, deles.

LIII. Espanto de Bruto à sua volta

LIII. Mas Bruto voltando da caça, depois de ter batido, pilhado e saqueado o campo de César, admirou-se quando não viu a tenda de Cássio, preparada e erguida como de costume, nem as outras tendas e pavilhões em seu campo, adornados como sempre, porque tudo estava por terra e fora destruído por mãos dos inimigos; mas os que estavam com ele e tinham melhor vista disseram que viam grande número de armas reluzentes e vários escudos prateados que iam e vinham pelo campo de Cássio, mas que não eram, na sua opinião, nem as armas, nem o número de homens que tinham sido deixados e determinados para a guarda do campo, e, no entretanto, eles não viam além um grande número de mortos nem a desordem que deveria haver, se tantas legiões ah tinham sido destruídas.

LIV. Morte de Cássio

LIV. Isso começou a despertar em Bruto a desconfiança do que havia acontecido; ordenou então a alguns homens que guardassem o campo do seu inimigo, que ele tinha tomado, e mandou voltar seus homens que ainda perseguiam os fugitivos; organizou-os para irem em auxílio de Cássio, ao qual as coisas tinham-se passado deste modo: primeiramente, ficou ele muito contristado, por ver que os soldados de Bruto atacavam os inimigos, sem esperar a palavra da batalha, nem a ordem de atacar, e menos ainda, agradou-lhe, depois de terem vencido, eles se entregarem logo ao saque, sem se preocupar de envolver o resto dos inimigos pela retaguarda: mas também, por muito esperar e por muito diferir, mais do que pela previdência ou valentia dos comandantes adversários, ele se encontrou envolvido pela ala direita do exército dos inimigos: de tal modo que seus cavaleiros debandaram incontinente fugindo a toda brida, para os lados do mar: e vendo que seus soldados de infantaria estavam indecisos e recuavam também, ele se esforçou por retê-los, e tirou, de um porta-insígnias que fugia a que ele levava, a qual fincou em terra diante dele, embora com grande dificuldade já ele pudesse conter reunidos somente seus guardas. Afinal ele também foi obrigado a se retirar com uma pequena tropa de seus soldados a um pequeno outeiro, de onde se podia ver claramente e observar o que se fazia na planície, mas ele não via nada, porque linha a vista fraca; o que viu, porém, com grande dificuldade, foi que os inimigos saqueavam o seu acampamento, diante de seus próprios olhos. Ele viu também uma grande tropa de cavalaria que Bruto mandava em seu auxílio, e pensou que eram os inimigos que o perseguiam e, então, mandou a um certo Titínio, que era dos seus, para ver o que na verdade estava acontecendo.

Estes cavaleiros perceberam-no de longe: e logo que reconheceram nele um dos melhores e dos mais fiéis amigos de Cássio, lançaram gritos de alegria e os que lhe eram mais íntimos saltaram em terra para saudá-lo e abraçá-lo: outros rodearam-no a cavalo, com cânticos de vitória e grande rumor de armas, com que fanam ressoar o campo, pela excessiva alegria que mantinham: mas foi isto que lhe causou mais mal, do que todo o resto: pois Cássio pensou que Titínio, na verdade, havia sido aprisionado pelos inimigos, e disse então estas palavras: "Por ter muito desejado viver, eu esperei até ver, por amor de mim mesmo, perder-se diante de meus olhos, um de meus melhores amigos". E dizendo isto retirou-se para uma tenda onde não havia ninguém e chamou a si um de seus servos libertos, de nome Píndaro, que sempre conservara junto de si para tal necessidade, depois da expedição infeliz contra os partos, na qual Crasso morreu: todavia, ele salvou-se daquela derrota, mas então envolvendo seu manto em redor da cabeça, e estendendo-lhe o pescoço descoberto, ordenou-lhe que lhe cortasse a cabeça (pois a encontraram separada do corpo) ; nunca mais, porém, viram a esse homem, Píndaro, por isso alguns ousaram dizer que ele havia matado seu amo sem sua ordem.

LV. Bruto presta-lhe honras fúnebres

LV. Logo depois, eles reconheceram aqueles cavaleiros e Titínio, coroado com uma grinalda de triunfo que vinha na frente com pressa, para encontrar-se com Cássio: mas quando ele compreendeu, pelos gritos, choros e lamentações de seus amigos, que se desesperavam, o erro e a desgraça que havia acontecido por ignorância do seu comandante, ele desembainhou sua espada e, dizendo mil injúrias a si mesmo, por ter-se demorado tanto, matou-se ali mesmo; Bruto, no entretanto, aproximava-se cada vez mais, tendo já sabido que Cássio tinha sido derrotado: mas de sua morte só soube quando já estava bem perto do acampamento: depois de tê-lo chorado e lastimado, chamando-o o último dos romanos, como se ao depois fosse impossível nascer cm Roma alguém de tanta coragem como ele, e fez sepultar o seu corpo, mandando-o para a cidade de Tassos, de medo de que, se se fizesse o funeral no acampamento, isso fosse causa de desordem; depois, reuniu seus soldados e os consolou: e vendo que tinham perdido toda sua bagagem, sem a qual não podiam passar, prometeu a cada um duas mil dracmas1643 como recompensa. Consolaram-se os soldados depois de tê-lo ouvido falar, admirando-se muito de sua liberdade, e o seguiram com aclamações quando ele se retirou, exaltando-o como o único dos quatro generais que não tinha sido vencido na batalha. Também, para se dizer a verdade, o eleito mostrou que, não sem causa, ele tinha tido esperança de ser vencedor: porque com poucas legiões ele tinha vencido e derrotado todos os que diante dele se haviam apresentado, e, ainda, se todos os seus tivessem combatido e a maior parte deles não tinha ultrapassado os inimigos, para ir saquear seus bens, é verdade que ele os derrotou a todos, I não ficou um só deles. Morreram, do seu lado, uns oito mil homens, contando-se também os servidores dos soldados, que Bruto chamava de brigas, e, da parte dos inimigos, Messala escreve que, secundo a sua opinião, morreram mais duas vezes esse número: por esse motivo eles estavam muito mais desanimados e aborrecidos do que ele, até que à tarde, já horas adiantadas, um servo de Cássio, de nome Demétrio, foi ter com Antônio e lhe levou as vestes de que haviam há pouco despojado o corpo de seu senhor e também sua espada.

LVI. Perturbação no acampamento de Bruto

LVI. Isso animou os inimigos de Bruto e lhes deu tal coragem, que no dia seguinte de manha eles se apresentaram no campo de batalha; mas do lado de Bruto os dois acampamentos estavam em alvoroço, não sem grande perigo, pois o seu, estando cheio de prisioneiros, tinha necessidade de guarda numerosa e atenta, e o de Cássio, suportava com impaciência a mudança de seu general, e havia ainda uma inveja surda dos que haviam sido batidos, contra os que tinham vencido: por isso Bruto os reteve bem preparados com armas, mas evitou, no entretanto, de lhes dar combate. Quanto aos prisioneiros servos, dos quais havia um grande número, que não sem suspeita iam e vinham por entre os soldados armados, mandou que os matassem; os livres despediu-os, dizendo que seriam melhores prisioneiros com seus inimigos do que com ele: com eles eram servos e escravos e com ele, livres e cidadãos: e vendo que seus amigos e seus oficiais tinham, a alguns, tão grande ódio que não lhes queriam de nenhum modo perdoar, ele mesmo os escondeu e mandou ocultamente embora sãos e salvos. Entre estes prisioneiros estava Volúmnio, um ator, e Sacúho, farsante, dos quais Bruto não fazia caso algum: mas seus familiares os levaram à sua presença, acusando-os de que, embora prisioneiros, não cessavam de zombar deles e de injuriá-los atrevidamente. Bruto a isto nada respondeu, estando preocupado com outras coisas, e Messala Corvino diz que seria coisa muito conveniente fazê-los chicotear sobre um estrado, e depois de açoitados mandá-los, nus, aos generais de seus inimigos, para mostrar-lhes a sua vergonha, pois era necessário que eles tivessem tais indivíduos como eles, estando no campo, para fazê-los rir, e diverti-los à mesa.

Alguns dos assistentes riram-se desta proposta mas Públio Casca, aquele que deu o primeiro golpe em César, quando ele foi morto, disse então: "Nós não cumprimos o dever, como deveríamos, nos funerais de Cássio, de nos divertirmos e rirmo-nos, neste ponto: quanto a ti, Bruto, mostrarás que lembrança conservas de um tal chefe, teu igual e companheiro, fazendo morrer ou salvando estes palhaços, que depois zombarão dele e difamarão a sua memória". Bruto, então, respondeu com grande cólera: "Por que então vindes falar comigo. Casca, e não fazeis vós mesmo o que achais que vos parece bem?" Ouvindo estas palavras, eles tomaram a resposta como um consentimento, contra aqueles pobres infelizes, e uma permissão para fazer o que quisessem: levaram-nos, então e os mataram.

LVII. Promessa de Bruto a suas tropas, se cumprirem bem seu dever no combate

LVII. Feito isto, Bruto deu aos soldados o que lhes havia prometido, e depois de lhes ter, por primeiro, feito algumas recomendações, e repreendido também, porque não tendo esperado a palavra de ordem para a batalha, tinham ido atabalhoadamente atacar o inimigo naquele primeiro encontro, prometeu-lhes que, se uma segunda vez eles cumprissem o dever com o mesmo valor, ele lhes daria para pilhagem e saque duas cidades, a saber: Tessalônica e Lacedemônia. Em toda a vida de Bruto não encontramos senão esta única falta, para a qual não há resposta; embora César e Antônio tenham depois dado a seus homens muito pior recompensa pela vitória, expulsando da Itália inteira, ou quase inteira, os habitantes naturais e verdadeiros proprietários, para dar as terras e as cidades aos seus soldados, nas quais eles nada possuíam: mas aqueles jamais haviam tido em mente outro objetivo nessa guerra senão vencer para dominar: por isso, tinha-se em grande conta a virtude de Bruto, que a voz comum e a opinião do mundo não lhe permitiam, nem vencer, nem se salvar, se não fosse justo e honesto, mesmo depois da morte de Cássio, ao qual se acusava e se acreditava, mesmo, de ler algumas vezes induzido Bruto a praticar atos de violência. E assim como, no mar, quando se quebra ou se desarranja o leme do navio, no ardor da tempestade, os marinheiros procuram logo consertá-lo ou substituí-lo, reparando o mal de todos os modos possíveis: assim, Bruto, tendo que reger um tão grand e poder e suas empresas estando em grave risco, não tendo mais generais que gozassem da mesma dignidade e autoridade que ele, foi obrigado a se servir necessariamente dos que ele ainda possuía, e, consequentemente, a fazer muitas coisas, de acordo com o parecer e a opinião deles, e era ele mesmo da opinião de que se lhes facultasse tudo aquilo que ele julgava servir, para fazer que se mostrassem homens de bem, segundo a necessidade: pois os homens de Cássio eram muito difíceis de se tratar e mostravam-se altivos e corajosos no campo, porque não tinham chefe, nem quem os governasse, mas eram fracos e covardes com os inimigos, porque já tinham sido por eles derrotados.

LVIII. Batalha ganha pela frota de Bruto. Ele não é avisado em tempo

LVIII. Por outro lado, as empresas de César e de Antônio não iam nada melhor: pois, primeiramente, eles tinham falta de víveres e, estando acampados num lugar baixo, esperavam um inverno duro e rigoroso, pois estavam alinhados ao longo dos pântanos, e, depois da batalha, tinham caído grandes chuvas na estação do outono, pelo que todas as tendas e pavilhões estavam cheios de lama e de água, que gelava imediatamente por causa do frio; ainda, nesse ínterim, chegaram-lhes notícias da grande perda de homens que haviam sofrido por mar: pois as galeras de Bruto encontraram na passagem um grande reforço de soldados, que lhes era enviado da Itália, e os derrotaram; de tal modo que muito poucos se salvaram, os quais, ainda tão atormentados pela fome, foram obrigados a comer até as velas e as cordas dos navios: desejavam muito travar a batalha, novamente, antes que Bruto fosse cientificado destas notícias, boas, para ele: aconteceu, então, por coincidência, que a batalha por mar se travou no mesmo dia que a de terra; mais acidentalmente, porém, do que pela malícia ou indolência dos comandantes, aconteceu que Bruto soube disso somente vinte dias depois. Se ele o tivesse sabido antes, não se teria novamente encaminhado para a batalha, visto que não estava provisto de todas as coisas necessárias ao seu exercite), para um tempo assaz longo, e estava acampado num lugar muito oportuno, de modo que seu campo não podia ser gravemente atingido pelo inverno, nem também forçado pelos inimigos, e ele era pacífico senhor vitorioso por mar, tendo ainda, por sua vez, vencido por terra. Isso bem lhe devia levantar o ânimo e dar-lhe grande esperança; mas, estando os negócios do império romano, ao que me parece reduzidos a tal estado que não podiam mais ser dirigidos por vários senhores, mas tinham necessidade de um soberano monarca, Deus querendo tirar aquele que era o único a impedir a monarquia, a quem a ela devia unicamente ascender, fez que aquela vitória não chegasse ao conhecimento de Bruto, embora ele estivesse a ponto de ser avisado de tal acontecimento; pois no dia anterior à última batalha, à noite, já bem alta, um de seus inimigos, Cláudio, veio entregar-se em seu acampamento, o qual declarou que César tendo sabido da derrota de seu exército, por mar, não procurava outra coisa que combater, antes que Bruto disso tivesse conhecimento: mas, ninguém acreditou nas suas palavras e ele foi de tal modo desprezado, que nem pelo menos se dignaram levá-lo à presença de Bruto, porque julgavam que tudo não passava de uma mentira que ele havia inventado para ser recebido, como tendo trazido boas notícias.

LIX. Nova aparição do fantasma

LIX. Naquela noite, diz-se que o mesmo fantasma, que já uma vez havia aparecido a Bruto, novamente se lhe apresentou sob a mesma forma e aparência, e depois desapareceu sem lhe dizer uma palavra sequer: mas Públio Volúmnio, homem instruído e bom filósofo, que desde o início desta guerra sempre estivera com Bruto, não faz menção desse fantasma: mas, diz ele, que a primeira e principal das águias cobriu-se toda de abelhas, e que um de seus generais teve um dos braços repentinamente lodo suado, o qual segregou óleo rosado e que várias vezes tentaram enxugá-lo, mas de nada valiam os esforços: e que, antes do choque da batalha, duas águias combateram entre os dois exércitos e, durante o combate, se fez grande silêncio, o que não é coisa natural, em toda a planície, estando os dois exércitos um diante do outro, atentos em vê-las combater, e que, finalmente, a do lado de Bruto cedeu e fugiu. Foi coisa também notória e certa, que, quando se abriu a porta do acampamento, o primeiro homem que encontrou o porta-insígnias que levava a águia foi um etíope, o qual os soldados fizeram em pedaços a golpes de espada, por causa do presságio. Depois que Bruto colocou no campo seu exército pronto para a batalha e o apresentou frente ao inimigo, demorou-se ainda bastante tempo para dar o sinal da batalha; porque, indo inspecionar as companhias, teve no espírito várias dúvidas a respeito de algumas delas, e vieram mesmo dizer-lhe certas coisas e fazer-lhe advertências: viam-se seus soldados de cavalaria andar a esmo, sem vontade, mostrando francamente não estarem dispostos a combater, nem a iniciar o ataque, mas esperavam o que fariam os soldados de infantaria: depois repentinamente, um dos melhores cavaleiros que ele possuía no exército, e que até então tinha sido muito afamado pelas suas proezas, chamado Camulácio, passou a cavalo perto de Bruto, e sob suas vistas foi-se entregar aos inimigos.

LX. Bruto é derrotado

LX. Bruto ficou muito desgostoso, parte, por raiva, e parte, por medo de uma grande rebelião e traição, mandou então marchar, pois já era mais de três horas depois de meio-dia: onde ele estava as coisas andaram bem combatendo-se co m valor, e ele forçou a ala esquerda dos inimigos, e recuou diante dele, com o auxílio da cavalaria, a qual atacou juntamente com a infantaria, quando viu os inimigos desbaratados: mas os da ala esquerda, quando os comandantes os quiseram fazer marchar, tiveram medo de ser cercados por trás, porque eles eram em número menor que os inimigos e por isso, alargando-se, afastaram-se um pouco do centro da batalha. Por essa razão, estando eles cansados, não puderam sustentar o ataque dos inimigos, mas puseram-se imediatamente em fuga; os que os haviam desbaratado vieram logo envolver a Bruto pela retaguarda, o qual, no mais forte da peleja, fez tudo o que poderia fazer um general valente e um soldado corajoso, tanto com a inteligência, como com as armas, para obter a vitória: mas aquilo mesmo, que na primeira vez lhe dera a vitória, fê-la perder, na segunda: na primeira vez, os inimigos que foram desbaratados foram logo feitos em pedaços e, nesta segunda, dos homens de Cássio que tinham sido postos em fuga, não houve entre eles um morto, sequer, e os que se tinham salvado rapidamente, estando atônitos por terem já sido vencidos, desencorajaram o resto do exército, vindo juntar-se a ele, tudo encheram de desordem e de horror.

LXI. Lucilio se faz levar a Antônio sob o nome de Bruto

LXI. O filho de M. Catão morreu combatendo valorosamente, entre os mais corajosos soldados: embora ele estivesse bastante cansado e esgotado; jamais quis recuar ou fugir: mas, combatendo persistentemente, corpo-a-corpo, e declarando bem alto quem ele era pelo seu nome e pelo de seu pai, foi finalmente abatido sobre vários corpos de inimigos que ele tinha matado, em torno dele: e assim morreram na batalha todos os nobres que estavam no exército e que se expuseram corajosamente a todo perigo para salvar a pessoa de Bruto: entre os quais estava um de seus familiares, de nome Lucílio, que, vendo um grupo de homens bárbaros, armados, não fazendo caso de todos os outros que encontravam pelo caminho, dirigiam-se todos diretamente a Bruto, deliberou detê-los, com perigo de sua vida; tendo ficado para trás, disse-lhes que ele era Bruto e, para que acreditassem, rogou-lhes que o levassem a Antônio, porque, dizia ele, temia a César e confiava mais em Antônio. Os bárbaros alegraram-se muito com este encontro, julgando ter encontrado realmente uma fortuna; levaram-no quando já era noite, mandando alguns adiante para avisá-lo: muito satisfeito ele ficou e compareceu à presença dos que o conduziam. Outros, quando ouviram que se trazia a Bruto, como prisioneiro, correram de todas as partes, uns tendo compaixão da sua sorte, outros dizendo que ele havia feito um ato indigno de sua reputação, porque, por medo de morrer, se deixara apanhar tão covardemente pelos bárbaros. Quando se reuniram, Antônio esperou um pouco, refletindo como deveria proceder diante de Bruto, e que atitude tomar para com ele: entretanto, Lucílio lhe foi apresentado e se pôs a dizer com firmeza: "Antônio, posso garantir-lhe que nenhum inimigo aprisionou, nem aprisionará vivo a Marco Bruto, e não praza a Deus que a fortuna tenha tanto poder sobre a virtude: mas, em qualquer parte em que ele se ache, quer vivo, quer morto, sempre o encontrarão num estado digno dele; afinal, quanto a mim, venho à sua presença depois de ter enganado a esses soldados, fazendo-lhes crer que eu era Bruto, e não me recuso a sofrer por este logro, todos os tormentos que quiser". Ouvidas estas palavras de Lucílio, todos os presentes quedaram-se pasmados, e Antônio, olhando para os que o haviam trazido, disse-lhes: "Penso que estais bem aborrecidos por terdes falhado no vosso intento, companheiros, e por ter este indivíduo vos causado um grande logro mas eu quero que saibas que fizestes uma presa muito melhor, do que a que pretendíeis: pois, em lugar de um inimigo, vós me trouxestes um amigo: quanto a mim, se me tivésseis trazido Bruto, vivo, não sei certamente o que eu lhe teria feito, pois eu prefiro que homens como ele sejam meus amigos e não inimigos". Dizendo isso, abraçou Lucílio e entregou-o à guarda de um de seus amigos, recomendando-o: Lucílio serviu-o fiel e lealmente até a morte.

LXII. Bruto manda visitar seu acampamento

LXII. Bruto tendo atravessado um pequeno rio, que tinha nas margens algumas rochas, sombreado também por grandes árvores, sendo noite muito escura, não continuou a caminhar, mas parou num lugar baixo, sob uma rocha alta, com alguns oficiais e amigos que o tinham seguido, e, olhando para o céu cheio de estrelas, disse, suspirando, dois versos, dos quais Volúmnio anotou um, que é este:
 1644Ó Júpiter, que1645 aquele, cujo nascimento tem tantos males, não escape à tua vingança. Diz-se que ele tinha esquecido o outro. Um pouco depois, nomeando os amigos que tinha visto morrer na batalha, diante de seus olhos, suspirou mais forte do que o havia feito antes, quando citou Labeo e Flávio, dos quais um era seu lugar-tenente e o outro, chefe dos operários do seu campo. Nesse ínterim, alguém da comitiva tendo sede e vendo que Bruto também tinha, correu com um capacete para o rio. No mesmo instante ouviu-se um barulho do outro lado: Volúmnio foi para lá com Dardano, o escudeiro de Bruto, para ver o que era, e, tendo voltado logo depois, perguntaram se ainda havia mais, para beber. Bruto, rindo-se, respondeu gentilmente: Bebemos tudo, mas vos daremos outra bebida: e mandou ao rio aquele, que tinha ido antes, o qual esteve em perigo de ser apanhado pelos inimigos, e salvou-se com dificuldades, ficando, porém, ferido. Bruto, porém, julgava que não era grande o número de mortos na batalha e, para saber a verdade, um certo Statílio prometeu-lhe passar entre os inimigos, para vê-lo, pois de outro modo não seria isso possível; ia visitar o seu acampamento e, se lá visse que tudo andava bem, ele acenderia um facho e o levantaria no ar, e depois voltaria para ele. O facho foi levantado: Statílio foi até lá: e muito tempo depois, Bruto, vendo que ele não voltava, disse: Se Statílio está vivo, ele há de voltar: mas aconteceu por infelicidade que, voltando, ele caiu nas mãos dos inimigos, que o mataram.

LXIII. Morte de Bruto

LXlll. Sendo já noite adiantada, Bruto inclinando-se para Clito, um dos seus domésticos, que estava sentado, disse-lhe algumas palavras ao ouvido: o outro nada lhe respondeu, mas se pôs a chorar. Chamou depois também para junto de si a Dardano, seu escudeiro, ao qual disse também algumas palavras: e, por fim, falou também com Volúmnio, em língua grega, rogando-o, em memória dos estudos de literatura e dos exercícios que haviam feito juntamente, que o ajudasse a lançar mão da espada e dar o golpe, para se matar. Volúmnio recusou-se a esse pedido e assim também fizeram todos os outros, um dos quais disse que não se deveria mais ficar naquele lugar, mas fugir: Bruto, então, levantando-se, disse: "É mesmo na verdade necessário fugir, mas com as mãos e não com os pés". Tocando-lhes, depois na mão, a todos, disse-lhes estas palavras com um rosto alegre: "Eu sinto no meu coração um grande contentamento, por constatar que, de todos os meus amigos, nem um sequer me faltou, no momento da necessidade: e não me queixo da sorte, senão no que diz respeito ao meu país: pois, quanto a mim, eu me considero mais feliz do que os que venceram, não somente com relação ao passado, mas também ao presente, visto que eu deixo uma glória sempiterna de virtude, a qual nossos inimigos vitoriosos não poderiam jamais conquistar, nem pelas armas, nem pelo dinheiro, nem deixar à posteridade, que não se diga sempre, que eles sendo injustos e maus, derrotaram homens de bem, para usurpar uma dominação tirânica, que absolutamente não lhes pertence". Dizendo isto, ele aconselhou-os e rogou mesmo, a cada qual, que se salvasse: depois retirou-se um pouco com dois ou três somente, um dos quais era Straton, que ele conhecera durante o estudo da retórica. Aproximou-se muito dele e, tomando1646 sua espada com as duas mãos, pelo cabo, deixou-se cair sobre ela com toda a força e matou-se. Outros dizem que não foi ele quem segurou a espada, mas Straton, a pedido dele, voltando, porém, o rosto para o outro lado, e Bruto precipitou-se rapidamente sobre ela, de modo que ficou atravessado de lado a lado na altura do estômago e morreu imediatamente. Messala, que fora um grande amigo de Bruto, depois reconciliou-se com César, apresentou-lhe algum tempo depois a Straton, num dia em que estavam de folga, e chorando disse-lhe: "César, eis aqui aquele que prestou o último serviço a Bruto, meu amigo". César recebeu-o e, desde então, em todas as suas empresas, foi por ele tão lealmente servido como nenhum outro dos gregos, que viveram com ele, até a batalha de Actio. E diz-se que esse mesmo Messala disse um dia a César que em sua presença o louvava muito, por ter combatido valentemente e pela grande afeição que lhe tinha, na jornada de Áctio, embora ele tivesse sido antes acérrimo inimigo, na de Filipes, por amor de Bruto: "Eu sempre quis estar do lado melhor e do mais justo".

LXIV. Honra que Antônio presta a seu corpo. Morte de Pôrcia

LXIV. Por fim, Antônio tendo encontrado o corpo de Bruto, fê-lo envolver em uma das suas mais ricas armaduras. E depois, tendo sido avisado de que a armadura tinha sido roubada, mandou matar o ladrão que a tinha tomado e mandou as cinzas e relíquias do corpo a Servília, mãe de Bruto. Quanto a Pórcia, sua mulher, Nicolau, o Filósofo, e Valério Máximo1647 dizem que, tendo tomado a resolução de morrer, seus parentes quiseram impedi-la e cuidaram atentamente em fazê-lo e, por essa razão, ela tirou da lareira carvões ardentes e os lançou dentro da boca, que conservou fechada tão fortemente, que morreu asfixiada. Todavia, encontra-se uma carta de Bruto aos seus amigos, pela qual ele se queixa do pouco caso e do descuido para com a sua esposa, e que ela teria preferido morrer do que definhar enferma, por tanto tempo. Assim parece que este filósofo não tinha conhecido bem o tempo: pois a epístola, pelo menos, se for verdadeiramente de Bruto, dá bem a entender a enfermidade e o amor dessa mulher e também a maneira de sua morte.

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