Busque no site
Ver mais opções
Notas

974 - Dois milhões e quatrocentos mil escudos. Amyot.
975 - Ver Appien, Das Guerras Civis, L. I, cap. 78, que narra um pouco diferente a morte de Cina.
976 - Picenum, antiga região da Itália, no Adriátic o, hoje o território que forma as províncias de Ancona, Macerata e Ascoli.
977  - Vetídios.
978 - Sobre a costa da África, em face da ilha Sardenha, à esquerda; e Cartago à. direita do rio Bagrada, que desce dos montes Mampsaro e se joga no Mediterrâneo.
979 - Sobre a margem esq uerda do rio Bagrada.
980 - No ano de Roma 673, A. C. 81.
981 - O ano de Roma 676; Sila morreu nesse mesmo ano.
982 - Grego, Mutine, entre os rios Scultena à direita e Gabeló à esquerda, na parte da Itália denominada Gália Cispadana, isto é, aquém do Pó.
983 - Leia-se segundo o grego : — «e havia mudado subitamente entregando-se ao luxo e às despesas supérfluas, de maneira que Pompeu adquiriu não somente a admiração mas ainda a amizade de todo o mundo, aumentando ainda a simplicidade de sua maneira de viver; não teve necessidade de muitos esforços para isto, porque, etc».
984 - vida de Sertório e as Observações, L. V,- cap. XXVII.
985 - Idem.
986 - Idem.
987 - O ano de Roma 680, A. C. 74.
988 - O ano de Roma 681, A. C. 73.
989 - O ano de Roma 683.
990 - O ano de Roma 684, A. C. 70.
991 - Que pertencia à ordem equestre.
992 - É preciso ler: — «cidades tomadas::. Não se trata de prisioneiros no texto.
993 - Ilha do mar Egeu abaixo d a Trácia, diante da embocadura do Hebreu.
994 - Hermíona e Epida uro são duas cidades da Argólida.
995 - Grego: no istm o; é o istmo de Corinto.
996 - Promontório do Pelopo neso entre o de Maléia e o de Corifásio.
997 - Leia-se: — «na Caláuria». Caláurla era uma ilha, sobre a costa da Trezênia, onde havia um templo de Netuno. Veja-se Pausânias, L. II, cap. 33.
998 - Sobre o golfo de Ambrácia ao noroeste da Acarnânia.
999 - Leucádia, pequena ilh a ao longo das costas da Acarnânia.
1000 - Sobre as costas da Jônia.
1001 - Há duplo sentido na l eitura deste trecho, e segundo outra Interpretação, é preciso traduzir: porque o ar fendido e entreaberto recebe muito vácuo. Amyot.
1002 - Cidade da Cilícia, na extremidade, do lado da Panfília, perto do mar Mediterrâneo, que sé chamava o longo desta costa, mar da Panfília.
1003 - Soles, outra cidade da Cilícia, perto da emboeadura do rio Cidno.
1004 - Ilíada, L. XXII, v. 207.
1005 - No gregos «esses que mantinham o partido aristocrático».
1006 - Ao meio da Paflagônia.
1007 - Estende-se do norte ao meio-dia, desde a Selêucida a té a Palestina.
1008 - Sessenta mil escudos. Amyot.
1009 - Ao norte da Comagene e da Mesopotâmia.
1010 - Três milhões e seiscentos mil escudos. Amyot.
1011 - Meia mina.
1012 - Uma mina.
1013 - Um talento.
1014 - Esse Bósforo não é o da Trácia, mas o Bósforo Cimeriano ou Cimério que reúne os Paios Meótidos com o Ponto Euxino e separa Quersoneso Táurico, hoje a Criméia, da Sarmácia da Ásia.
1 015 - No grego: a Cíntia e a Panomia.
1016 - Cento e oitenta mil escudos. Amyot. Consta no grego. quatrocentos talentos.
1017 - Seiscentos escudos. Amyot.
1018 - T rinta mil escudos. Amyot.
1019 - No grego: cinquenta milhões.
1020 - No grego: oitenta e cinco milhões.
1021 - No grego: vinte mil talentos.
1022 - No grego: mil e quinhentas dracmas.
1023 - Nasceu no ano de Roma 648, triunfou de Mitrídates no ano de Roma 693, no mesmo dia do aniversário de seu nasc imento. Tinha portanto, precisamente quarenta e cinco anos.
1024 - O a no de Roma 696.
1025 - Um pouco antes; pois voltou da Espanha no ano de Roma 694 e foi cônsul pela primeira vez no ano de Roma 695.
1026 - Da Ilíría.
1027 - Leia-se segundo o grego: «a cada vez que sacudia sua veste». Não se trata de padre no texto.
1028 - O ano de Roma 697.
1029 - Auletes.
1030 - Povos dos Países Baixos.
1031 - Povos de além do Elba.
1032 - Grego: bretões.
1033 - O ano de Roma 699.
1034 - Leia-se: «a tenentes seus amigos».
1035 - O ano de Roma 701.
1036 - O ano de Roma 702.
1037 - No grego consta: — «Ele se coroava e sacrificava nos deuses pelo seu casamento, quando devia pensar, etc».
1038 - Seiscentos mil escudos. Amyot.
1039 - O ano de Roma 704.
1040 - Novecentos mil escudos. Amyot.
1041 - Do lugar onde o Senado se reunia.
1042 - Arimin, hoje Rímini, cidade situada sobre o mar Adriático, na província da Umbria, na embocaclura do rio do mesmo nome, a cinquenta e oito léguas de Roma. Foi ali que se realizou no ano 359 de Jesus Cristo o famoso concilio, onde mais de quatrocentos bispos, vencidos pelas violências de Tauro, prefeito do imperador Constâncio, assinaram a fórmula pela qual, segun do expressão de São Jerônimo, todo o universo foi surpreendido por se achar ariano, mas que forneceu ao papa Libério, recusando subscrever, uma feliz ocasião de reparar a falta que havia cometido, doi s anos antes, aderindo à condenação de Santo Atanásio, e assinando uma fórmula de fé ariana, segundo a expressão de Santo Hilário, que a anatematizou com seu autor.
1043 - Um pouco acima do rio Arimin.
1044 - Isto não- consta no grego.
1045 - Lúcio Volcacio Túlio, que havia sido côn sul no ano de Roma 688.
1046 - Cícero, Epístola Ad. Atticum, L. 7, ep. 11.
1047 - Cidade da Macedônia, ao pé do mo nte Bermio.
1048 - Brindes na Calábria.
1049 - No Épiro sobre o mar Ioniano.
1050 - Cantão do Epiro perto do Pindo.
1051 - Ilha do mar Egeu, perto das costas da parte da Ásia, denominada Eólia, acima da Trôade, entre 39 e 40 graus de latitude.
 1052 - Na Tessália, acima de Larissa é atravessada pelo rio Apidano, que vai se jogar no golfo Termaico, depois de haver passado com o Peneu e o Enipeu pelos vales do monte Olimpo, conhecidos sob o nome de Tempia.
1053 - Isto não consta nos Comentários de César, e, portanto, creio que é necessário adotar a mudança proposta por Dusoul, e traduzir: — «Dizem que César mesmo havia visto assim, quando ia revistar suas patrulhas«.
1054 - Cidade da Tessália, um pouco ao norte da Farsália, que não se deve confundir com Escotusa, cidade da Trácia sobre o rio Estrimon.
1055 - O ano de Roma 706, A. C. 48.
1056 - Ilíada, L. II, v. 543.
1057 - Perto da embocadura do rio Estrimon.
1058 - Capital da ilha de Lesbos.
1059 - Dirráquio ou Epidane, sobre o mar Jônio acima das montanhas que separam a Ilíria da Macedônia. É hoje Durazzo.
1060 - Sobre a costa meridional da Ásia, quase em frente à ilha de Chipre, se bem que um pouco mais a ocidente.
1061 - Denominado Dionísio. irmão de Cleópatra.
1062 - Ver a nota sobre a Vida de Crasso, L. V, cap. 35.
1063 - Sobre o mar Mediterrâneo, na embocadura a mais oriental do Nilo.
1064 - Grego, Teodote.
1065 - No grego: "sorrindo, um homem mo rto não morde "mais".
1066 - Cinquenta e oito anos e um dia.
 

Fontes   >    Roma Antiga

Vidas Paralelas: Pompeu, de Plutarco

1,7 mil visualizações    |    77,2 páginas   |   41923 palavras   |    0 comentário(s)

Busto de Pompeu o Grande. Cerca de 50 a.C. Ny Carlsberg Glyptotek, Copenhagen.

Sobre a fonte

Cneu Pompeu (106-48 a.C.), conhecido também como Pompeu Magno, foi um político romano eleito cônsul por três vezes, em 70, 55 e 52 a.C. Foi um dos grandes generais da Roma Antiga, morreu durante a Guerra Civil contra Júlio César. A biografia de Pompeu faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Pompeu foi comparado ao rei espartano Agesilau II.

I. O ódio dos romanos contra Estrabão e amor a seu filho Pompeu

I. O povo romano parece ter igual afeição para com Pompeu, desde seu início, como Prometeu, em uma tragédia de Esquilo, mostra ter para com Hércules, depois de ter sido libertado por ele, quando diz: Do filho tanto me é a pessoa cara, Como tive a contragosto o pai. O fato é que os romanos jamais deram demonstração de ódio mais agudo, nem mais áspero contra qualquer capitão, como fizeram contra Estrabão, pai de Pompeu; é verdade que enquanto viveu, eles duplicaram seu poder nas armas, pois que ele era sem dúvida, um grande guerreiro; mas quando morreu, fulminado por um raio, arrancaram o corpo de sobre a cama, arrastando-o sobre a terra, e lhe fizeram infinitos ultrajes e vilanias; e, ao contrário, jamais romano algum teve o amor do povo tão veemente , tão prematuro, mais florescente em sua prosperidade, nem., que mais constantemente perseverasse em sua adversidade, do que Pompeu.

II. Causas dessa estima

II. Não havia senão uma coisa que fez assim odioso seu pai: era uma avareza extrema e uma cobiça insaciável; mas, ao contrário, o filho era amado devido a temperança de sua vida, por ser destro nas armas, eloquente no falar, cumpridor da palavra; irradiava simpatia pessoal nas reuniões e agradável acolhimento a quem precisasse dele, de sorte que não havia quem desfrutasse mais acolhimento nem que demonstrasse maior prazer quando o procuravam, pois dava sem arrogância e recebia com dignidade. Sua vantagem, nos primeiros anos, era seu rosto, que o ajudava muito no primeiro encontro a ganhar as boas graças de cada um, falando, por assim dizer, antes de sua voz; pois tinha um não sei quê de doçura agradável aliada a uma serena gravidade, e desde a flor e vigor de sua juventude, mostrou logo em seus costumes e pelas suas maneiras, uma venerável altivez de majestade. Tinha também os cabelos um pouco ondulados, o olhar terno e doce movimento dos olhos, que causavam aquela semelhança que tinha, conforme se dizia, mas que não aparentava, com as efígies do rei Alexandre, o Grande; assim, muitos lhe davam esse nome e ele mesmo já não o refutava, de sorte que acontecia às vezes que, brincando, chamavam-no de Alexandre, razão por que Filipe, varão consular, não trepidou em dizer publicamente, em um de seus discursos, o que faria em seu favor e que não era nenhuma maravilha, porque sendo ele Filipe, amava Alexandre.

III. Extremo apego da cortesã Flora a Pompeu

III. Dizem que a cortesã Flora, já bem idosa, tinha grande prazer em falar sobre o convívio que tivera em sua mocidade com Pompeu, dizendo ser impossível, quando se deitava com ele, sair sem mordê-lo. Contava também que um de seus familiares, que se chamava Gemínio, tornou-se uma vez enamorado dela, batendo a cabeça, à força de implorar e solicitar seus favores continuamente; ela respondia-lhe que não faria nada, devido a afeição que devotava a Pompeu. Por isso Gemínio falou pessoalmente com Pompeu a respeito, o qual, querendo ser-lhe agradável, permitiu, mas depois nunca mais tocou-a nem falou com ela, se bem que parecesse ainda apaixonado; e ela não recebeu isto como mulher de sua categoria, mas ficou durante muito tempo doente pela dor e pelo arrependimento; e, no entanto dizem que Flora era tão famosa por sua graça e sua beleza, que Cecílio Metelo, fazendo ornar e embelezar o templo de Castor e Polux, com belos quadros e belas pinturas, aí mandou colocar entre outros o retrato dela ao natural) dada a excelência de sua beleza.

IV. Apesar de sua reserva, é acusado de ser inclinado às mulheres

IV. Pompeu tratou duramente e sem liberalidade, contra seu natural, a mulher de um de seus escravos libertos chamado Demétrio, que quando vivo havia tido grande prestígio a seu lado e morrera rico, com quatro mil talentos974, temendo sua beleza, que era singular e bastante famosa, com receio que o considerassem apaixonado. Mas se bem que fosse nisto comedido e tão previdente, no entanto ainda não pode evitar que o censurassem; pois o caluniaram, dizendo que para gratificar e ser agradável às mulheres, deixava de lado e não fazia menção de ver muito as coisas que diziam respeito ao bem público.

V. Sua sobriedade

V. Quanto à facilidade e simplicidade de seu viver comum, contam a propósito, um fato notável pelo que disse uma vez, quando se achava enfermo, estando sem paladar e não podendo comer; pois, para lhe fazer voltar o apetite, o médico ordenou-lhe que comesse um tordo. Procuraram por toda a parte e não encontraram tordo à venda, porque estava fora de sua estação; mas houve alguém que informou poder encontrar aquela ave em casa de Lúculo, que a criava o ano todo: — "Como, disse ele, se Lúculo não fosse guloso, Pompeu não viveria?" E deixou a prescrição do médico, mandou que o vestissem e que o cobrissem mais facilmente; mas, quanto a isto, falaremos depois.

VI. Como salva a vida de seu pai e apazigua a sedição de seu exército

VI. Sendo ainda muito jovem, no campo com seu pai, que guerreava Cina, tinha por familiar e companheiro, alojado na mesma tenda, um Lúcio Terêncio, o qual tendo sido adquirido por prêmio em dinheiro, havia prometido a Cina matá-lo e outros conjurados haviam também prometido atear fogo dentro da tenda de seu capitão. Esta conspiração foi descoberta a Pompeu quando estava à mesa, com a qual não se espantou, mas ao contrário, mostrou ainda melhor cara a Terêncio, como não estava habituado a fazer; mas, quando chegou a hora de se retirar para dormir, esquivou-se secretamente de sua tenda e foi dar ordens, visando a segurança de seu pai, para se manter em casa. Terêncio, quando julgou que a hora de executar sua empreitada tinha chegado, levantou-se e foi com a espada nua na mão, ao leito onde dormia Pompeu e deu vários golpes de ponta dentro do colchão. Isto feito, levantou-se um grande tumulto por todo o acampamento, pelo ódio que tinham ao capitão e querendo os soldados a toda força se entregar ao inimigo, começavam já a desarmar suas tendas, a amarrar a bagagem e tomar suas armas; quanto ao capitão, temendo esse tumulto, não ousou sair de sua casa, mas seu filho atirou-se no meio dos soldados amotinados, suplicando-lhes humildemente, com lágrimas nos olhos, que não pregassem mais esta má peça ao seu capitão, e finalmente, atirou-se de rosto contra a terra a todo o comprimento, através da porta do acampamento, dizendo-lhes que passassem sobre seu corpo se tinham tão grande vontade de ir; diante disso ficaram tão envergonhados, que voltaram a sua casa, e mudando de pensamento, reconciliaram-se com seu capitão, exceto oitocentos que se foram.

VII. É citado em justiça

VII. Mas, logo depois, após o falecimento de seu pai, que se chamava Estrabão, ficou como seu herdeiro e foi chamado perante a justiça em lugar dele, a quem acusavam de desvio e fraude dos dinheiros públicos; ele, porém, descobriu e evidenciou que era um de seus escravos libertos, chamado Alexandre, que havia subtraído a maior parte e o apresentou aos juízes; todavia, ainda o sobrecarregaram em seu nome próprio e particular, por haver subtraído as telas e redes de pesca, e livros de que se haviam apoderado na cidade de Asculo.

Isto era verdade, pois seu pai lhos havia dado na tomada dessa cidade; mas ele os havia perdido depois, quando os satélites de Cina, à sua volta dentro de Roma, entraram à força dentro de sua casa e a pilharam. Houve nesse processo diversos defensores antes da sentença definitiva, nos quais Pompeu se demonstrou esperto diante dos juízes, de bom entendimento e firme, como se tivesse mais idade e adquiria tão boa reputação e tão grande graça, que Antistes, que então era pretor e presidia essa causa, pela boa opinião que formou a seu respeito, estimou-o e mandou-lhe oferecer a mão de sua filha em casamento, levando-lhe sua palavra por meio de seus amigos; Pompeu o aceitou e foram feitas secretamente as promessas entre eles.

VIII. Origem do brado Talássio nos casamentos romanos

VIII. Todavia, o povo percebeu bem, pelo trabalho e o cuidado que Antistes tinha em favorecêlo, de tal modo, que quando foi pronunciada a decisão dos juízes, que era absolvição, a assistência, sem mais nem menos, como se fosse impelida por uma só ordem, pôs-se a gritar a uma voz: Talassio, Talassio, que é o brado usado, de toda a antiguidade, nas núpcias em Roma, tendo tal costume procedido, segundo se diz, do seguinte: na ocasião em que os principais e mais nobres romanos roubaram as filhas dos sabinos, que vieram a Roma para presenciar os divertimentos dos jogos públicos que ali se realizavam, houve pessoas de baixa condição, como vaqueiros e pastores, que roubaram uma das moças, muito bela, alta e elegante, e com medo que outros de melhor situação a tomassem, foram gritando pelas ruas Talassio, Talassio, como se quisessem dizer, é por Talassio, por causa de Talassio, que era um jovem nobre do campo, conhecido e querido por todo o mundo. De tal forma fizeram, que aqueles que ouviram citar este nome, puseram-se a bater as mãos em sinal de alegria e a gritar também, Talassio com eles, louvando a escolha que haviam feito. Daí, dizem, veio o costume, de sempre depois gritarem essa palavra aos que se casam, uma forma de augúrio para que o casamento da noiva fizesse feliz a Talassio. É o que me parece mais verossímil de tudo que contam a respeito desse grito nupcial.

IX. Cina é morto

IX. Poucos dias, portanto, depois desse julgamento, Pompeu esposou Antístia, indo depois ao acampamento de Gina, onde. lhe fizeram mal e o caluniaram por alguma coisa de que teve medo e por esta razão se esquivou secretamente; e, porque não comparecia mais, correu logo um rumor no acampamento de que Cina o havia mandado matar; isto deu margem para que aqueles que de há muito andavam irritados contra Cina e o odiavam, corressem contra a sua pessoa. Procurou pôr-se a salvo rapidamente, mas foi logo alcançado por um dos capitães que o seguia com a espada traidora na mão; vendo isto, Cina atirou-se aos seus pés e lhe entregou seu anel, no. qual estavam gravadas suas iniciais e que valia muito; mas o capitão lhe disse, fortemente ultrajado: — "Não vim aqui para selar nenhum contrato, mas para castigar um tirano cruel e mau"; e, dizendo isto, matou-o ali mesmo975. Cina, tendo sido morto assim, Carbo sucedeu-o, tomando os negócios em suas mãos, sendo ainda tirano mais cruel do que o primeiro e logo depois sobreveio Sila, desejado pela maioria dos romanos, pois as garras que os oprimiam eram tão fortes, que não consideravam consolo mudar de senhor, tanto as misérias passadas tinham reduzido a cidade de Roma, a qual não esperava mais poder recuperar sua liberdade e não procurava mais senão uma servidão mais equitativa e agradável.

X. Pompeu reúne as tropas para se unir a Sila

X. Ora, estava Pompeu então naquela parte da Itália que se chama o Passo de Ancona976, onde possuía terras, mais por aquele amor e aquela benevolência, hereditários, de pai para filho, que se devotava às cidades do país, do que por outra coisa; e, vendo que os mais nobres e as pessoas mais reputadas entre os romanos abandonavam suas casas e seus bens para fugir de todos os lados, como um porto de salvação para o acampamento de Sila, não quis ir à sua presença como fugitivo, sem nada contribuir para o aumento de suas forças, como pessoa destituída de todos os meios que não procurasse senão se salvar, mas quis ir honrosamente levando forças, como aquele que quisesse ser o primeiro a causar prazer; começou então a sondar as vontades e a solicitar aos cidadãos do país, que o ouviram voluntariamente e não quiseram fazer nada em favor daqueles que vinham da parte de Carbo, entre os quais estava um chamado Vindio, o qual se adiantou para dizer que Pompeu, ao sair da escola, tornou-se rapidamente capitão, pelo que ficaram tão furiosos que se atiraram sobre ele e o mataram na hora. Depois disso, Pompeu, que não tinha senão vinte e três anos, sem esperar que pessoa alguma lhe desse autorização para comandar, tomou-a por si mesmo e mandou levantar no meio da praça de Auximo, grande e poderosa cidade, um tribunal, onde ordenou aos seus dois irmãos, que se chamavam977 os Ventidianos, que os dois primeiros homens daquela cidade, que em favor de Carbo resistissem ao que ele fazia, que incontinente e sem perda de tempo saíssem da cidade, e começou a arrolar gente, estabelecendo capitães, sargentos de tropas, centuriões e outros postos, segundo as ordens da disciplina militar.

XI. Vantagens alcançadas por Pompeu sobre os diversos chefes do partido oposto

XI. Em seguida, foi por todas as outras cidades, fazendo o mesmo, onde todos os que faziam alguma coisa por Carbo, nesse sentido, lhe cediam os direitos e se retiravam à sua frente e os outros se uniam a ele voluntariamente, de maneira que em pouco tempo aprontou três legiões juntas, todas completas, reuniu munição para as alimentar e descobriu bestas de carga, carretas e outros carros para levar a bagagem; e, depois disto feito, pôs-se a caminho para levar todo este equipamento a Sila, não com grandes caminhadas como homem que tivesse receio de ser encontrado e ficasse bem sossegado de não ser visto pelo caminho, mas demorando nos lugares onde podia prejudicar o inimigo em alguma coisa, solicitando às cidades por onde passava para se rebelarem contra Carbo, até que três capitães da parte contrária, Carina, Célio e Bruto, todos três juntos, foram assaltá-lo, não de frente, nem do mesmo lado, mas por diversos lugares, volteando à volta com três exércitos, julgando alcançar vitória no primeiro assalto; todavia, Pompeu não se espantou, mas reuniu todas as suas forças em um lugar e marchou primeiro contra o exército de Bruto, tendo posto à frente da batalha após os soldados da infantaria, os da cavalaria, entre os quais estava ele mesmo. E como os guerreiros do inimigo, que eram gauleses, marchassem também ao seu encontro, deu primeiro no mais poderoso e de melhor aparência dentre eles um tão violento golpe de dardo que o fez cair por terra; os outros, vendo isso, viraram-se logo em fuga e romperam eles mesmos seus infantes, de sorte que todos se puseram a fugir, ocasião em que os capitães entraram em discussão uns com os outros, retirando-se uns de um lado, outros de outro, da melhor forma que puderam. E então as cidades dos arredores, onde pensaram que se afastavam assim de medo, renderam-se todas a Pompeu. Depois o cônsul Cipião, tendo-se aproximado dele, também para o combater, quando as duas facções ficaram uma em frente à outra, antes que estivessem prontos para lançar seus dardos, os soldados de Cipião, saudando os de Pompeu viraram-se para seu lado, não podendo Cipião fazer outra coisa senão fugir. Finalmente, Carbo mesmo, tendo lhe enviado no final diversas companhias de cavalarianos junto do rio Arsis, virou o rosto contra eles e os carregou tão rudemente que os levou lutando até a lugares onde era impossível aos cavalarianos combater; por esse meio, vendo que não tinham jeito de se salvar, entregaram-se com suas armas e seus cavalos.

XII. Honras que lhe rende Sila

XII. Sila ainda não tinha ouvido nada a respeito dessas derrotas porque ao primeiro rumor que ouviu, temendo se perdesse, envolto como estava por tantos capitães inimigos, apressou-se a ir socorrê-lo, e Pompeu, quando foi avisado de que ele se aproximava, ordenou aos seus capitães que armassem seus soldados e se colocassem em batalha a fim de que seu general os encontrasse mais bravos e em melhor forma quando ele os apresentasse, pois esperava que Sila lhe fizesse grandes honras, mas este fez ainda mais do que esperava, porque quando o divisou de muito longe, vindo ao seu encontro, e vendo seu exército em tão boa ordem, onde existia tão belos homens e que mostravam tão boas fisionomias e traziam todos a cabeça erguida orgulhosamente pelas vantagens que acabavam de ter sobre seus inimigos, desceu do cavalo a pé, e como Pompeu o saudasse chamando-o imperador, que quer dizer capitão em chefe, Sila saudou-o de novo da mesma forma, contra a expectativa e opinião de todos os assistentes, que não julgavam fosse possível comunicar a honra desse nome a um homem tão jovem, que não tinha nem sido recebido ainda no corpo do Senado, levando em conta que combatia contra Marianos e Cipiões na conquista desse título. De resto, o tratamento que Sila lhe deu correspondia ao que desejava; pois, quando Pompeu chegou ao lugar onde se encontrava, levantava-se à sua frente e se descobria erguendo o véu sobre a cabeça, o que não fazia facilmente diante de outros, ainda que houvesse muita gente de bem, e grandes personagens ao seu redor; todavia, essas honras não deixavam Pompeu orgulhoso, mas como Sila quisesse imediatamente enviá-lo à Gália, onde estava Metelo, que não parecia praticar feitos dignos das forças que possuía, Pompeu respondeu-lhe que não era razoável retirar um velho capitão que havia feito e visto mais do que ele; mas se Metelo quisesse e lhe pedisse, de bom grado iria ajudá-lo a conduzir aquela guerra.

XIII. Pompeu passa à Gália para ajudar Metelo

XIII. Metelo ficou muito contente e lhe escreveu que fosse, e entrando, aí praticou maravilhosos feitos de armas e esquentou ainda mais a bravura e virtude militar de Metelo, que já começava a envelhecer, confirmando o que se diz, que o cobre já fundido, vindo a correr à volta daquele que ainda está frio e duro, o amolece e dissolve mais facilmente, o que não faz o próprio fogo. Ainda mais, assim como em um valente campeão de luta ou de esgrima, que sempre honradamente venceu tudo onde combateu, não leva em consideração as vitórias pueris que ganhou contra seus companheiros quando ainda rapazinho, não se dignando gravá-las por escrito, também tenho receio de tocar nos feitos de armas que Pompeu praticou, ainda que sejam em si mesmos admiráveis porque são escondidos, obscurecidos e apagados sob a grandeza e o número infinito de guerras e batalhas e combates que teve depois, com receio de que, se eu brincasse muito em descrever minuciosamente esses inícios, passasse depois ligeiramente sobre os principais atos e mais notáveis feitos desse personagem, que mais claramente colocam e põem em evidência seu natural.

XIV. Pompeu repudia sua mulher Antistia para se casar com Emília

XIV. Depois, portanto, que Sila ascendeu em seus negócios na Itália e foi declarado ditador, recompensou seus outros tenentes e capitães que mantiveram seu partido, elevando-os às honras e dignidades da república e lhes cedendo liberalmente tudo o que solicitavam; mas, quanto a Pompeu, tendo-o em admiração por sua virtude e considerando que seria ele um grande apoio para a segurança de seus negócios, procurou ligar-se ao jovem capitão por meio de uma aliança, no que Metela, sua mulher, era favorável; fizeram tanto que persuadiram Pompeu a repudiar sua mulher Antístia, para se casar com Emília, filha de Metela e de seu primeiro mando Emílio Escauro. Essas núpcias foram como que violentas e tirânicas, pouco convenientes no tempo de Sila, mais não que pela natureza e pelos costumes de Pompeu, sendo tomada sua nova esposa Emília a seu marido legítimo, para lhe ser entregue grávida, e expulsar Antístia vergonhosa e miseravelmente, atendendo que pouco antes havia perdido seu pai e agora seu marido a repudiava; pois Antístio foi morto dentro do próprio Senado, porque foi considerado querer tomar o partido de Sila por amor de seu genro Pompeu; e sua mãe, vendo o grande erro que cometiam contra sua filha, suicidou-se; de tal forma, esse inconveniente foi como que um acessório à tragédia dessas desgraçadas núpcias e também o falecimento de Emília, a qual pouco depois morreu de parto em casa de Pompeu.

XV. Marcha contra os chefes do partido oposto na Sicília

XV. Mas, nesse entrementes, vieram notícias a Roma de que Perpena havia se apoderado da Sicília e se preparava para fazer dessa ilha um forte e um retiro para aqueles que eram da facção contrária a Sila; ainda que Carbo estivesse à volta com algum número de navios e Domício houvesse passado à África, e diversos outros personagens banidos que puderam se salvar das proscriçoes houvessem se colocado desse lado, Pompeu foi enviado para combater todos esses com uma força poderosa, mas nem bem havia posto o pé na Sicília, Perpena a deixou; ali, tratou humanamente e levantou todas as outras cidades, que antes haviam trabalhado muito e muito se afligiram, exceto os marmetinos, únicos habitantes na cidade de Messina, os quais quiseram alegar a seu favor, seu tribunal e sua jurisprudência, dizendo que tinham privilégio expresso e antiga ordem do povo romano, ao que ele lhes respondeu colérico:- "Alegais nossas leis, a nós que temos as espadas de lado?"

XVI. Sua conduta em relação a Carbo e Quinto Valério

XVI. Também parece que se portou um tanto ultrajantemente na calamidade de Carbo; pois se era preciso fazê-lo morrer, devia fazê-lo logo, quando o tinha entre suas mãos, pois agindo assim, teriam atribuído todo o ódio do fato àquele que o teria ordenado; mas o fez levar diante de si e interrogou-o publicamente à vista de todo o mundo, do que diversos dos assistentes ficaram muito descontentes e depois ordenou que o fizessem matar. Foi levado, e dizem, quando viu a espada nua com a qual queriam corta-lhe a cabeça, pediu aos executores que lhe dessem um pouco de tempo e um espaço para descarregar seu ventre, que o oprimia. Caio Ópio, um dos familiares de Júlio César, escreve também que era homem letrado e tão sábio, que havia poucos semelhantes; quando o levaram à presença de Pompeu, este chamou-o à parte, dando algumas voltas com ele, e depois de haver perguntado e sabido o que queria, ordenou aos seus satélites que o levassem e fizessem morrer logo; mas não é preciso crer superficialmente em tudo o que escreve Ópio, quando fala dos amigos ou inimigos de Júlio César; pois Pompeu era obrigado a mandar castigar os personagens mais notáveis entre os inimigos de Sila que caíam entre suas mãos, quando eram notoriamente prisioneiros, mas a todos os que podiam se esconder, fingia não saber de nada; e, mais ainda, proporcionava ainda meios a alguns para se salvar.

XVII. Perdoa a cidade dos himérios em favor de Atenas

XVII. Havia ele deliberado castigar rudemente a cidade dos himéríos, porque esta, obstinadamente, tinha tomado o partido dos inimigos, mas Estênio, um dos governadores da cidade, tendo-lhe solicitado audiência, disse-lhe que não era justo assim proceder, perdoando aquele que era o autor de toda a falta e destruindo os que nada haviam feito. Pompeu então perguntou-lhe quem era esse que ele dizia ser o autor de todo o mal e Estênio respondeu-lhe que era ele mesmo que havia persuadido aos seus amigos e constrangido por força aos seus inimigos a fazerem tudo o que haviam feito. Pompeu, tendo prazer em ouvir falar assim tão franca e magnanimamente este homem, perdoou-lhe, primeiro a ele e em seguida a todos os outros himérios; mas, sendo avisado de que seus soldados praticavam algumas violências pelos caminhos, lacrou suas espadas e castigou aqueles que não conservaram o lacre completo.

XVIII. Passa à África

XVIII. Assim, depois de executar e ordenar essas coisas na Sicília, recebeu uma ordem do Senado e cartas de Sila, pelas quais lhe era ordenado passar imediatamente à África, para aí guerrear com todas as forças a Domício, que já havia reunido muito mais guerreiros do que Mário havia feito, ao ter passado antes, da África para a Itália e revirado os negócios dos romanos, tendo se tornado de banido fugitivo em rude tirano. Por isto Pompeu, em pouco tempo, tendo preparado seu equipamento para embarcar, deixou em seu lugar como governador da Sicília, o marido de sua irmã, Mêmio, e saiu ao mar com vinte navios a remo e oitocentos outros navios de carga para transportar os víveres, as armas, o dinheiro e os engenhos de bateria e todo o resto da bagagem. Uma vez tendo descido com sua frota, partiu para Útica978, e para Cartago, onde reuniu sem demora uns sete mil guerreiros dos inimigos, que vieram entregar-se a ele; e dizem que à sua chegada deu-se um caso interessante, pois houve alguns soldados que encontraram um tesouro, onde havia grande soma de dinheiro. Tendo isto chegado ao conhecimento dos outros, foram de opinião que esse campo onde foi achado o tesouro devia estar cheio de ouro e prata que os cartagineses haviam antigamente escondido no tempo de suas calamidades. Não foi então possível a Pompeu servir-se de seus soldados para qualquer outra coisa durante vários dias, e não pôde fazer nada mais senão rir, vendo tantos milhares de homens remexendo a terra e revirando o campo, até que eles mesmos se cansaram afinal e lhe disseram que os levasse para onde bem quisesse, porque já haviam suficientemente pago o trabalho de sua loucura.

XIX. Conquista a vitória e vence Domício

XIX. Domício foi ao seu encontro com o exército pronto para a batalha, mas havia na frente um charco, com uma torrente áspera e difícil para se passar, além de um grande vento e grossas chuvas que se haviam levantado desde o amanhecer do dia, de sorte que Domício pensou não poder nesse dia combater e ordenou aos seus soldados que levantassem as bagagens para sair dali. Pompeu, tomando a ocasião própria para ele, fez, rapidamente marchar seus soldados e passou o vale. Vendo isso, os inimigos que estavam em desordem perturbaram-se e na agitação quiseram fazer frente; mas não estavam juntos nem igualmente alinhados em batalha e ainda por cima o vento jogava chuva contra seus rostos; todavia, esta tempestade aborrecia também aos romanos, porque eles não se viam uns aos outros, de maneira que Pompeu mesmo ficou em perigo de ser morto por um de seus soldados, que não o conheciam ainda, o qual perguntou-lhe a senha de batalha, tendo ele ficado algum tempo sem responder. Finalmente, de pois de ter derrotado os inimigos com grande efusão de sangue (pois dizem que dos vinte mil que eram, não se salvaram senão três) os soldados saudaram Pompeu com o nome de Imperador; mas ele lhes respondeu que não aceitava a honra desse nome enquanto visse o acampamento do inimigo em pé e que se o julgavam digno de tal denominação, precisavam destruir primeiramente o muro que cercava o campo do inimigo. Ouvindo isso, os soldados foram todos ao assalto, onde Pompeu combatia com a cabeça nua e com receio de cair num inconveniente como havia acontecido uma vez; foi então o acampamento tomado à força e Domício mesmo morto ali dentro.

XX. Submete toda a África em quarenta dias

XX. Depois daquela derrota, as cidades da região se entregaram, algumas voluntariamente, outras foram tomadas de assalto e à força, como foi também aprisionado o rei Jarbas que havia combatido por Domício e seu reinado dado a Hiampsal. Mas Pompeu, querendo ainda mais empregar suas forças e a boa sorte de seu exército, entrou na Numídia979 e andando muitos dias pela região a dentro, ganhando e conquistando tudo por onde passava e ampliando por esse meio o poder dos romanos, tornou-se espantoso e temível aos bárbaros desse país, do qual começava já a não fazer mais caso. Diz-se com vantagem que não faltava senão aos animais selvagens da África experimentar a força è a sorte dos romanos, em razão do que empregou alguns dias, mas poucos, a caçar leões e elefantes, pois dentro do espaço de quarenta dias ao todo, derrotou os inimigos, reconquistou o país da África e ordenou os negócios dos reis e províncias de todo o país, não tendo ainda senão vinte e quatro anos de idade.

XXI. E chamado por Sila

XXI Quando voltou à cidade de Útica trouxeram-lhe cartas de Sila, que lhe ordenava arranjar todo o resto de seu exército para ficar ali somente com uma legião, esperando um outro capitão que seria enviado para o suceder no governo do país. Essa ordem irritou-o, embora nada demonstrasse e ficou picado em seu coração; mas seus soldados mostraram evidentemente que estavam descontentes e como lhes pedisse ir à frente, começaram a dizer palavras ultrajantes e injuriosas a Sila, ajuntando que não estavam deliberados, houvesse o que houvesse, a abandoná-lo e não queriam que ele confiasse em um tirano. Mas, vendo que não os podia demover, fez algumas admoestações, desceu de sua cadeira e retirou-se para sua tenda chorando, onde os soldados foram buscá-lo e o trouxeram para seu trono e consumiram uma boa parte do dia insistindo com ele para que resolvesse ficar e comandá-los e ele a lhes pedir que obedecessem a Sila e não se amotinassem, até que, vendo que não cessavam de gritar e insistir, jurou que preferia matar-se caso continuassem a forçá-lo, ainda que não pensasse jamais nisso.

XXII. Dá-se-lhe o cognome de Grande

XXII. Foi primeiramente exposto a Sila que Pompeu se havia rebelado contra ele; ouvindo isso, disse a seus amigos: — "Estava, portanto, pelo que eu previa, predestinado que teria de combater com crianças nos dias da minha velhice." Disse isso por causa do jovem Mário que lhe havia dado muito trabalho e o havia colocado em perigo extremo. Mas, quando ficou bem informado da verdade, sentindo que todo o mundo em Roma deliberava ir à sua frente e receber com toda a honra e demonstrações de benevolência que podiam prestar-lhe, quis pessoalmente fazer ainda mais do que os outros, e saindo de casa foi ao seu encontro e abraçando-o mais afetuosamente que pôde, chamando-o Magno, que significa grande, ordenou aos assistentes que o nomeassem do mesmo jeito; todavia, há os que dizem que foi na África onde esse nome lhe foi dado, primeiramente em um clamor público de todo o seu exército, mas que foi depois confirmado e ratificado por Sila. É bem verdade que foi o" último, muito tempo depois, quando o enviaram como procônsul à Espanha contra Sertório, que escreveu em suas cartas particulares e em suas ordens e cartas patentes: Pompeu Magno; porque este nome, com o qual já estava acostumado, não lhe causava mais desejo. É de direito louvar e admirar a sabedoria dos antigos romanos, os quais não recompensavam com tais títulos e nomes pelos altos feitos de armas e proezas de guerra somente, mas também pelas virtudes civis e elogiosas atuações pacíficas; pois houve dois que o povo denominou Máximos, quer dizer, muito grandes, dos quais um foi Valério porque repôs em união e concórdia a plebe com o Senado, com o qual estava em discórdia e o outro era Fábio Rulo, que retirou de entre o número dos senadores, alguns personagens nascidos escravos libertos e que pela sua riqueza, por favor, aí haviam sido colocados.

XXIII. Obtém as honras do triunfo apesar da oposição de Sila

XXIII. Depois disto, Pompeu pediu as honras do triunfo980 e Sila opôs-se, alegando por suas razões, que não pretendia entrar em triunfo dentro da cidade de Roma senão aos cônsules e outros pretores; o primeiro Cipião mesmo, tendo derrotado os cartagineses em grandes e fortes batalhas dentro da Espanha, nunca havia pedido esta honra, porque não era cônsul nem pretor, e se Pompeu se obstinasse em querer entrar triunfalmente em Roma, o qual pela falta de idade, não fazia parte ainda do Senado, isso seria causa de fazer dar a ele esta honra e a si seu poder. Eis as razões que Sila lhe alegou e lhe-deu a entender que não estava mesmo resolvido a permitir-lhe, mas que lhe resistiria e o guardaria se se obstinasse em contrário; todavia, isso. não causou medo a Pompeu, o qual lhe disse francamente que devia pensar que maior número de gente adorava o sol levante do que o sol morrendo; como se quisesse dizer, que seu crédito e sua autoridade estavam crescendo e a de Sila diminuindo. Sila não ouviu claramente o que ele disse, mas percebendo rias fisionomias e pela reserva dos presentes, que se admiravam, perguntou-lhes o que ele lhe havia respondido e quando compreendeu, encantou-se com a audácia de um rapaz tão jovem, exclamando por duas vezes, golpe sobre golpe: — "Que triunfo, que triunfo, por deus!" Por este motivo, diversos ficaram irritados e descontentes; Pompeu, segundo dizem, para lhes causar ainda maior" despeito, quis ser levado em um carro triunfal, puxado por quatro elefantes; pois trouxe diversos cativos daqueles que tinham os príncipes e reis que havia subjugado; mas, sendo a porta da cidade muito estreita, foi constrangido a se separar desses animais e contentou-se em fazer-se conduzir pelos cavalos. E como seus soldados não haviam obtido tudo o que esperavam conforme lhes haviam prometido, e intentassem causar, algum tumulto e procurai- algum impedimento, ele disse que pouco se incomodava e que preferia toda a aparelhagem de seu triunfo do que se por a adulá-los; por esta razão houve um notável personagem chamado Servílio, um desses que mais rudemente se haviam oposto a lhe ceder o triunfo, que disse publicamente, reconhecer que Pompeu era verdadeiramente Magno, isto é, grande e digno do triunfo. E ficando então em evidência, se quisesse, teria sido facilmente recebido no número dos senadores, mas não o desejou, assim como dizem, procurando honra no que era mais estranho e mais afastado do comum; pois seria coisa grandemente maravilhosa, se tivesse sido recebido no Senado antes da idade legítima; mas para ele era uma glória ilustre, antes triunfar do que ser senador; o que ainda lhe serviu muito para ganhar sempre mais e mais as boas graças da plebe; pois era bem agradável vê-lo depois de seu triunfo manter-se na fila dos cavaleiros romanos, e ao contrário, Sila estava muito irritado ao vê-lo subir em tal glória e alcançar tão grande prestígio; todavia, tendo vergonha de o impedir, conteve-se até que, apesar dele e por sua força, Lépido foi elevado ao consulado981, mediante a oportunidade que lhe fez deparar em sua discussão, porque o povo foi favorável ao seu pedido e por amor dele somente, ocasião em que Sila, vendo-o voltar da eleição através da praça, seguido por muita gente que o acompanhava por honra, não pôde se conter em lhe dizer: — "Vejo, rapazinho meu amigo, que estás muito contente por haveres vencido nesta discussão e também há razão para isto verdadeiramente; pois por teu favor o pior homem do mundo, Lépido, levantou o consulado diante de Catulo, um dos homens mais honrados de toda esta cidade; mas eu quero bem te avisar que precisas guardar-te de dormir agora e ter bem aberto o olho nos negócios, porque armaste e tornaste forte um perigoso adversário contra ti mesmo". Mas no que Sila mostrou principalmente que não desejava bem a Pompeu, foi em seu testamento, pois deixou um legado testamenteiro a todos seus outros amigos, instituindo alguns tutores e curadores de seu filho, sem fazer qualquer menção de Pompeu, o que, todavia, ele suportou muito delicadamente e muito civilmente, de maneira que Lépido e alguns outros, querendo impedir que o corpo fosse exumado dentro do campo de Marte e que seus funerais fossem feitos publicamente, fez-lhe frente, ao contrário, para que o enterro se fizesse honrada e seguramente.

XXIV. Pompeu expulsa Lépido da Itália

XXIV. Mas, logo após o falecimento de Sila, viu-se claramente o que ele havia predito: pois Lépido, querendo se atribuir autoridade e poder que conseguiu sem nada disfarçar, fortificava-se logo com armas, removendo rápido os remanescentes da parte contrária de Mário, que Sila não havia completamente extirpado nem apagado e que há muito tempo estavam às escutas, não pedindo senão alguma ocasião para se renovarem. Verdade é que seu companheiro no consulado, Catulo, que a parte melhor do Senado e do povo seguia, era considerado um homem muito de bem, moderado, sábio e reto; mas era mais apto a governar em tempos de paz do que para comandar um exército e conduzir uma guerra; dessa forma, a situação parecia reclamar Pompeu, o qual não perdia tempo em consultar de que lado se inclinaria, mas colocava-se logo junto das pessoas de bem, e tão logo foi eleito chefe das forças que levantaram para resistir a Lépido, o qual submeteu à sua obediência uma boa parte de toda a Itália e mantinha a Gália de aquém dos montes com um exército que havia posto nas mãos de Bruto. Ora, quanto ao que estava acontecendo, Pompeu chegou facilmente ao termo; mas ficou muito tempo diante de Módena982 frente a frente com Bruto. E, no entanto, Lépido, tendo ido até Roma e mantendo-se aí, mandou pedir um segundo consulado, assustando aos que estavam dentro da cidade com uma poderosa tropa de gente arrebanhada de todos os lados, mas este pavor foi logo amortecido por uma carta que escreveu Pompeu, contando como havia posto fim a toda esta guerra, sem desferir um só golpe, porque Bruto, seja porque traiu seu exército, ou porque seu exército o tivesse traído, ele mesmo se rendeu e se entregou a Pompeu o qual o passou às mãos de alguns soldados da cavalaria que o levaram até uma cidadezinha assentada sobre o Pó; e, um dia depois, enviou-o a Gemínio, que o fez morrer, pelo que Pompeu depois foi muito censurado, porque tendo escrito ao Senado, desde o começo, que Bruto se havia rendido voluntariamente, escreveu depois outras cartas que o incriminavam, depois de o haver feito morrer. Esse Bruto era pai daquele que depois matou Júlio César com a ajuda de Gássio; mas este não se portou como seu pai, nem guerreando, nem morrendo, mas sim como escrevemos por extenso era sua Vida. Lépido, portanto, sendo obrigado a abandonar a Itália, fugiu para a ilha de Sardenha, onde morreu de doença que lhe veio depois, não tanto de arrependimento pela ruína de seus negócios, como dizem, mas pela dor que sentiu ao ler uma carta que lhe caiu nas mãos, pela qual soube que sua mulher mercadejara sua honra.

XXV. Vai à Espanha para guerrear Sertório

XXV. Ora, restava ainda S ertório, o qual era guerreiro e capitão bem diferente de Lépido e havia ocupado a Espanha, tendo os romanos suspensos em grande temor, — porque todas as forças restantes das guerras civis se haviam a juntado a seu lado e tinha já vencido vários outros- capitães; mas, naquela ocasião,; estava às, voltas com Metelo Pio, que no seu tempo havia sido um guerreiro valente, mas naquela ocasião, por causa de sua velhice, parecia enfrentar um pouco covardemente o trabalho e não abraçar com entusiasmo as lutas, do que se valia Sertório, com sua ligeireza, retirando-lhe das mãos todo o seu poder e encontrando-se em todos os golpes à sua frente, quando menos ele pensava, agindo mais como corsário do que como militar e o perturbava com emboscadas a todo momento, com obstáculos que lhe preparava e corridas que fazia sem cessar ao seu redor; ora, o bom Metelo havia, aprendido a combater a pé firme e em batalha formada, a conduzir soldados pesadamente armados. Por esta razão, Pompeu, tendo sempre seu exército reunido, ia trabalhando em Roma para que o enviassem à Espanha para socorrer Metelo, ao passo que Catulo lhe ordenava conservar seu exército, e assim, nada foi feito, mas por meio de algumas novas desculpas, acabou ficando sempre armado nos arredores de Roma, até que lhe deram o cargo que pedia, do qual foi autor Lúcio Filipe, que o pôs à frente no Senado onde, segundo dizem, tendo um dos senadores achado estranho ouvi-lo propor aquilo, perguntou-lhe: — "Como, Filipe) Consideras que é conveniente enviar Pompeu à Espanha como pro-cônsul?" — "Não, por certo, respondeu Filipe, não como procônsul somente, mas pro consulibus"; isto é, pelos dois cônsules. Queria dizer com isto que os dois cônsules daquele ano eram pessoas de valor nulo.

XXVI. Mudança que a chegada de Pompeu traz aos negócios de Sertório

XXVI. Tendo chegado Pompeu à Espanha, os homens, conforme acontece à chegada de todos os novos governadores, tiveram nova esperança, o que não tinham anteriormente, de tal forma, que as cidades e os povos que não estavam muito firmes com Sertório, rebelaram-se logo e se viraram contra ele, ocasião em que Sertório semeou algumas palavras orgulhosas e altivas contra ele, dizendo em tom de caçoada, que não queria varas para castigar a criança e que também não temia a velha, querendo se referir a Metelo; mas alguma coisa que disse mais, era que se sentia melhor em sua guarda e que iria mais seguro à guerra, do que anteriormente fazia pela dúvida que tinha a respeito de Pompeu. Pois Metelo era muito dissoluto em sua vida (o que não teriam imaginado) tendo-se por completo deixado ir para o lado das delícias e para a volúpia983; mas viram subitamente uma grande mudança nele, tanto na diminuição da gravidade e da pompa e magnificência de outrora, como no corte das superfluidades de sua despesa. Isto, além de significar grande honra a Pompeu, aumentava-lhe ainda mais e mais o amor e a benevolência do povo, quando viram que Sertório diminuía ainda mais a simplicidade de seu viver comum. Não teve muito trabalho para se habituar, porque era por natureza homem controlado e ordenado em seus apetites.

XXVII. Batalha do Sucron

XXVII. Ora, deram-se nesta guerra diversas aventuras e vários acidentes, naturais quando duas facções se chocam, mas não houve nada que irritasse tanto a Pompeu como a tomada da cidade de Laurao984, que Sertório lhe arrebatou, quando julgava tê-lo vencido e já lhe haviam escapado da boca algumas palavras de jactância; ficou, então, surpreso por se encontrar ele mesmo envolto por trás, de maneira que não ousou mover-se de onde estava acampado e foi obrigado a ver queimar-se a cidade diante de seus olhos; mas depois venceu-o numa batalha junto de Valência985. Herênio e Perpena, ambos guerreiros e tenentes de Sertório, foram por ele enfrentados e nessa arremetida matou-lhes mais de dez mil homens.

Esta vitória, levantando-lhe a coragem, fê-lo apressar-se ao encontro de Sertório em pessoa e a combatê-lo só, a fim de que Metelo não tivesse parte nas honras da vitória. O combate se deu junto do rio Sucron986, aproximadamente ao cair do sol, cada qual temendo que Metelo aparecesse, um porque desejava combater sozinho e o outro porque desejava combater a um só. O resultado desta batalha foi duvidoso, pois que houve tanto de um lado como do outro, algumas vantagens em uma das pontas; quanto ao comando, porém, Sertório levou a palma, pois desmantelou tudo que se apresentava à sua frente; e, quanto a Pompeu, enfrentando um guerreiro inimigo que, a pé, se dirigira ao seu encontro, começaram a lutar; as espadas cruzando-se, escorregaram até suas mãos, mas não do mesmo modo, pois Pompeu ficou apenas um pouco ferido e o soldado teve a mão cortada na hora; então atiraram-se diversos sobre ele, porque ali os soldados já se haviam virado em fuga; mas ele se salvou de uma maneira estranha contra sua esperança, abandonando aos inimigos o seu cavalo, o qual estava ricamente arreado com uma sela de ouro e coberto com uma capa valiosa, e enquanto os inimigos repartiam entre si o cavalo e a arreata, ele fugiu. No dia seguinte, ao amanhecer, Pompeu e Sertório colocaram suas tropas em linha de batalha, para confirmar a vitória que cada um deles pretendia fosse sua; Metelo, porém, apareceu no momento, o que foi causa de Sertório se retirar em debandada; pois seu campo se rompia facilmente e depois se reunia também rapidamente, de maneira que Sertório, algumas vezes errante, ia sozinho pelos campos e depois, de repente, encontrava-se com cento e cinquenta mil combatentes, dando a impressão de uma torrente, que algumas vezes seca e depois se enche num instante.

XXVIII. Pompeu escreve ao Senado solicitando o dinheiro necessário para o soldo de suas tropas

XXVIII. Mas Pompeu, depois desta batalha, indo saudar Metelo, quando chegaram bem perto um do outro, ordenou aos seus sargentos que abaixassem os ramos das varas e os machados que traziam, para honrar a Metelo como personagem de maior dignidade do que ele, o que este não quis permitir; e nisto, como em todas as outras coisas, mostrou-se bom e equitativo para com Pompeu, sem atribuir nada de mais à sua pessoa por ter sido cônsul ou por ser mais velho; assim, quando acampavam juntos, era ele quem dava a senha a todo o campo; todavia, a maior parte do tempo, acampavam separados, porque seu inimigo, que se removia continuamente, não parava nunca num lugar e em pouco tempo se fazia ver em diversos lugares, constrangendo-os a se separar e dividir para prover a tudo, tirando-os rapidamente de um combate para outro, de tal forma que, afinal, cortando-lhes os víveres de todos os lados, pilhando todo o país e tomando a praia, ele expulsou os dois e os fez sair para fora das províncias que tinham na Espanha, obrigando-os a se retirarem por falta de víveres.

Entretanto, Pompeu, que havia empregado e despendido a melhor parte de seus bens nessa guerra, pediu dinheiro ao Senado para pagar os soldados, ameaçando que se não lho enviassem, voltaria à Itália com seu exército; pelo que Lúculo que então era cônsul987 ainda que adversário de Pompeu, todavia, como procurava manter-se no cargo para poder guerrear o rei Mitrídates, solicitou lhe remetessem o que pedia, temendo dar oportunidade a Pompeu, o qual não pedia outra coisa senão deixar Sertório e virar suas forças contra Mitrídates, cuja derrota lhe seria mais gloriosa, e não tão difícil nem tão perigosa.

XXIX. Morte de Sertório. A guerra termina pela prisão e morte de Perpena

XXIX. Entrementes, morreu988 Sertório, assassinado à traição por aqueles que considerava seus amigos, entre os quais Perpena era o principal, que quis, depois de sua morte, experimentar fazer como ele, dispondo dos mesmos meios, o mesmo equipamento e as mesmas forças, mas não com o mesmo entendimento. Pompeu, marchando então direito contra ele e vendo que não sabia qual a direção a dar aos seus combates, investiu com dez coortes, que enviou a pilhar o campo, tendo-lhes ordenado que se mantivessem separados uns dos outros e se espalhassem o mais que pudessem. Perpena não trepidou em cair-lhes no encalço e persegui-los, mas Pompeu, que o esperava na passagem, surgiu de repente à sua frente com todo o seu exército em boa ordem e lhe deu batalha, na qual obteve a vitória final de toda aquela guerra, porque a maioria dos capitães foram mortos na hora e Perpena, o chefe, foi feito prisioneiro, e logo condenado à morte por Pompeu; não merece ser censurado por isso nem condenado por ingratidão, como se estivesse reconhecendo mal o que Perpena lhe havia proporcionado na Sicília, como alguns o acusam; antes, merece louvor, como tendo praticado um ato de grande magnitude e usado de conselho salutar para o bem público, porque Perpena, que se apoderara dos papéis de Sertório, mostrava as cartas particulares dos maiores e mais poderosos homens de Roma, os quais, desejando mudar o governo, chamavam Sertório à Itália; pelo que Pompeu, temendo isso tornar-se causa para excitar ainda maiores sedições e guerras civis, do que aquelas que estavam adormecidas, fez morrer Perpena o mais cedo que pôde e queimou todas suas cartas e todos seus papéis, sem ler coisa alguma.

XXX. Pompeu retalha em pedaços o remanescente dos escravos revoltados

XXX. Isto feito, ficou ainda algum tempo na Espanha, até que houvesse extinto as mais violentas emoções e que os negócios, os mais embrulhados e mais tormentosos, se normalizassem e se acalmassem, levando depois seu exército para a Itália onde, chegando, encontrou a guerra civil que ardia ainda com o seu maior vigor. Crasso, a quem tinham entregue o cargo, apressou-se a travar batalha989, onde ganhou e matou uns doze mil e trezentos homens dentre os escravos fugitivos; mas a sorte, querendo que Pompeu ainda tivesse parte na decisão dessa guerra, fez com que cinco mil dos fugitivos, que se haviam salvo da batalha, lhe caíssem nas mãos e escreveu ao Senado que Crasso havia derrotado em batalha alinhada os gladiadores, mas que ele havia cortado até o fundo todas as raízes da guerra, no que os romanos se sentiam à vontade para dizer e ouvir, tanto lhe devotavam amor e benevolência.

XXXI. É nomeado cônsul com Crasso

XXXI. Quanto à recuperação da Espanha e à derrota de Sertório, não houve ninguém que dissesse, nem por brincadeira, que Pompeu nada havia feito; todavia, apesar da honra que lhe tributavam e da afeição que lhe tinham, havia sempre alguma suspeita e receio d e que não queria deixar o exército e tomar às claras, o caminho que havia seguido Sila, que era, pela força das armas, usurpar poder e autoridade soberanas; por isso mesmo não faltavam aqueles que corriam à sua frente procurando agradá-lo antes dos outros que se aproximavam pela afeição; mas depois que desfez toda a desconfiança, declarando que deixaria o comando do exército tão logo tivesse feito sua entrada triunfal, nada mais houve que esses invejosos pudessem atirar sobre ele, a não ser que se manifestava mais inclinado para o lado do povo do que para o Senado, demonstrando vontade de fazer voltar a autoridade e dignidade do tribunal popular, que Sila havia desfeito. Isto ele tentava, para adquirir as boas graças da comunidade em tudo o que pudesse, o que era verdade, pois jamais o povo romano procurou nem desejou tão ardentemente uma coisa, como esta de ver restabelecido o prestígio da magistratura. Desta forma, Pompeu reputava como grande honra para si próprio encontrar a oportunidade de poder executar tal coisa, porque ele mesmo não soube imaginar nem encontrar outra graça, com a qual pudesse tão agradávelmente recompensar a estima de seus concidadãos. Tendo sido alvo, portanto, por decreto do Senado, de um segundo triunfo e nomeação de seu primeiro consulado, não considerou isto maravilhoso nem bem supremo, julgou, porém, ser indício seguro de sua grandeza, pelo fato de Crasso, que sendo mais rico, mais eloquente e o maior entre todos aqueles que então tomavam parte no governo e se considerava maior que Pompeu e do que todos os demais, não ousou solicitar o consulado sem se valer da intervenção de Pompeu; este ficou muito contente por isto, pois havia muito procurava um motivo para lhe proporcionar prazer, e por isso discutiu com empenho a seu favor, para que lhe dessem Crasso como companheiro. No entanto, tendo sido eleitos juntos990, foram sempre contrários um do outro em todas as coisas e jamais concordavam.

XXXII. Restabelece a autoridade dos tribunos

XXXII. Crasso tinha mais autoridade no Senado, mas Pompeu tinha mais prestígio com o povo por lhe ter devolvido o tribunal e permitido que o poder de julgar e conhecer as coisas, tanto civis como criminais, por editais expressos, fosse entregue e transferido à ordem dos cavaleiros romanos; deu-se, aliás, um fato divertido e agradável para o povo romano, quando Pompeu mesmo foi-se apresentar aos censores buscando isenção do serviço de guerra, porque segundo antigo costume em Roma, os cavaleiros romanos, quando já haviam servido às armas e às guerras certo tempo fixado nas ordenanças, levavam seu cavalo ao meio da praça, diante de dois magistrados, os censores, onde citavam viagens, os lugares e os capitães sob os quais haviam servido, e depois de terem dado conta de seus feitos, então eram tidos como pessoas de bem e declarados isentos da guerra se assim o quisessem, e então, cada um era honrado ou castigado segundo o modo como havia servido. Estavam os dois censores Gélio e Lêntulo sentados majestosamente em seu tribunal e passavam revista aos cavaleiros romanos que desfilavam à sua frente para serem examinados, quando todos espantados viram do outro lado da praça Pompeu, acompanhado de seu séquito, com as insígnias do consulado, mas ele mesmo trazendo seu cavalo pela rédea. Quando chegou bem perto, ao ponto de se certificarem de que era ele mesmo, ordenou aos sargentos que levavam os machados à sua frente, que se afastassem para poder passar, aproximando seu cavalo do estrado da tribuna dos censores. A multidão, espalhada ao redor, ficou encantada e admirada e fez-se um grande silêncio. Os censores mesmos ficaram muito satisfeitos pelo fato de o verem submeter-se assim às leis e lhe demonstraram uma grande consideração. Por fim, o mais idoso deles interrogou-o: — "Pergunto-te, Pompeu Magno, se estiveste tanto tempo na guerra como está ordenado nas leis". Então respondeu Pompeu em voz alta: — "Sim, estive verdadeiramente todo o tempo necessário e não sob as ordens de outro capitão senão eu mesmo". O povo, ouvindo esta resposta, vibrou de alegria e não se pôde conter de exclamar em voz alta, tanto se sentiu à vontade; e os censores mesmos desceram de seu tribunal e o reconduziram à sua casa para comprazer e agradar à grande multidão que os seguia com grandes salvas de palmas e todas as demonstrações de contentamento.

XXXIII. Pompeu e Crasso reconciliam-se

XXXIII. Ao fim de seu consulado, como a dissensão entre ele e Crasso fosse sempre aumentando, cada vez mais, um tal Caio Aurélio que era cavaleiro romano991, embora não houvesse nunca se intrometido nos negócios públicos, um dia, em assembleia da cidade, subiu à tribuna dos discursos e disse publicamente diante de todo o mundo, que Júpiter lhe aparecera à noite e lhe ordenara fazer saber aos dois cônsules, que não deixassem seus cargos sem primeiramente se terem reconciliado. Ouvindo estas palavras, Pompeu não se mexeu mas Crasso tomou-lhe a mão, e saudando-o primeiro disse alto e claramente diante de todo o mundo: — "Senhores romanos, não penso fazer coisa que não esteja bem ou que me humilhe, sendo o primeiro a reconhecer Pompeu, levando em conta que vós mesmos o considerais digno de ser denominado o Grande, pois antes que a barba lhe tivesse nascido, lhe concedestes a honra de dois triunfos, mesmo antes de pertencer ao Senado".

XXXIV. Conduta de Pompeu e de Crasso após o seu consulado

XXXIV. Isto feito, despacharam juntos e em seguida se demitiram os dois de seus cargos; quanto a Crasso, continuou sempre com a maneira de viver a que estava acostumado, mas Pompeu fugia o mais que podia de advogar em favor de outrem e começou pouco a pouco a deixar de frequentar a praça, os julgamentos e a mexer em processos, saindo raras vezes em público, e quando saía, era sempre acompanhado de grande tropa, o que tornava desagradável vê-lo fora de sua casa e falar com ele, pois tinha sempre grande multidão a seu lado; ao mesmo tempo era agradável ver-se um grande séquito atrás dele, pois isto lhe imprimia uma grandeza e uma majestade veneráveis, sempre assim pomposamente seguido e acompanhado, considerando que era necessário, para manter sua dignidade, que não se deixasse visitar nem frequentar familiarmente com pouca gente, porque esses que se tornam grandes pelas armas ficam facilmente odiados e menosprezados, quando se põem depois a viver como gente comum, pois não se podem alinhar à igualdade popular, que deve ser guardada entre burgueses de uma mesma cidade e querem ser sempre mais do que os outros, tanto na cidade como no campo. E, ao contrário, aqueles que se sentem e confessam ser inferiores na guerra, consideram que lhes seria coisa intolerável, o não serem superiores pelo menos na paz; por esse meio procuram estar no palácio e nos negócios da cidade, e assim, o guerreiro que se tenha tornado ilustre por seus triunfos e vitórias, é superado onde não invejam a glória militar, como aconteceu evidentemente, poucos dias depois, com a pessoa de Pompeu.

XXXV. Origem da guerra dos piratas

XXXV. O poder dos corsários do mar, que começou nas costas da Sicília, do qual no começo não fizeram caso porque não se aperceberam, veio a tomar corpo e aumentar no tempo da guerra contra o rei Mitrídates, quando se alugaram aos serviços desse rei. E os romanos, impedidos com suas guerras civis e combatendo entre si às portas da cidade de Roma, deixando o mar sem guarda, isto levou os corsários adiante em seus propósitos e deu-lhes coragem para ir além do que já haviam feito, de sorte que não somente destruíam os navegantes, indo e vindo pelo mar como forçavam também as ilhas e cidades marítimas, pelo que já havia até homens opulentos e de antiga nobreza, e que eram tidos como pessoas conceituadas, que embarcavam em navios dos corsários e se uniam a eles, como se a pirataria se tivesse tornado louvável e honesta.

XXXVI. Seus sucessos

XXXVI. Levantaram os piratas, em vários lugares, arsenais, portos e torres de vigia para fazer sinais com fogo ao longe, das praias fortificadas, e além disso, formaram-se frotas de navios, compostas não somente de bons e fortes galeões para o remo, com pilotos astutos e marinheiros espertos, com navios ligeiros para servir na ocasião precisa, mas também enfeitados profusamente, o que os tornava odiados mais ainda pela sua superfluidade, não temendo o perigo de suas forças; pois tinham as popas de suas galeras todas douradas, os tapetes e cobertores de púrpura, os remos prateados,’ como se tivessem prazer em fazer demonstração de sua pilhagem. Não se viam nem se ouviam por todos os lados das costas senão sons de instrumentos de música, canções, banquetes e festins, prisões de capitães e de pessoas de qualidades, resgates992 de mil prisioneiros, todas aquelas coisas se faziam, para a desonra e vergonha do povo romano. Possuíam já uns mil navios e já haviam tomado umas quatrocentas cidades, onde destruíram e roubaram vários templos, que até então jamais haviam sido poluídos nem pilhados, como o dos Gêmeos na ilha de Claros, o de Samotrácia993 , o de Ceres na cidade de Hermíona994, de Esculápio em Epidauro, os de Netuno em Istmo995, em Tanara996, e na Calábria 997, os de Apoio em Actium998, na ilha de Leucádia999, os de Juno em Samos1000, em Argos e na Leucânia. Faziam também entre eles alguns estranhos sacrifícios no monte Olimpo, e algumas secretas cerimonias de religião, entre as quais a de Mitra, que é o sol, a qual dura ainda até hoje, tendo sido demonstrada primeiramente por eles.

XXXVII. Sua insolência

XXXVII. Além das insolências e injúrias que esses piratas faziam aos romanos sobre o mar, ainda desembarcavam em terra e iam espreitar os caminhos, arruinando e destruindo suas casas de campo, que se encontravam ao longo das praias e capturaram uma vez dois pretores romanos, Sextílio e Belino, vestidos com se us longos trajes de púrpura e acompanhados de seus sargentos e oficiais. Também foi assaltada por eles a filha de Antônio, personagem que havia recebido as honras do triunfo, quando ela ia para os campos, tendo sido resgatada por uma grande quantia de dinheiro; mas onde demonstravam mais desdém e sarcasmo, era quando aprisionavam alguém que se punha a reclamar, dizendo ser cidadão romano e dava seu nome; então eles fingiam estar admirados e ter grande medo; batiam as mãos sobre as coxas dos prisioneiros e se punham de joelhos diante dele, suplicando que os perdoasse. O pobre prisioneiro, pensando que essa comédia era sincera, vendo-os humildes e disfarçando tão bem assim, vinham alguns que lhe punham sapatos nos pés e outros que o vestiam com um traje longo à moda romana, para que, diziam eles, não fosse outra vez estranhado; depois, quando haviam zombado bastante dele, no que sentiam grande prazer, finalmente, em alto mar, atiravam fora do navio uma escada e mandavam que o prisioneiro descesse e fosse em boa hora; e se não quisesse descer por si mesmo, eles o atiravam à forca no mar e o faziam assim afogar.

XXXVIII. Pompeu é nomeado para guerrear os piratas

XXXVIII. Com o seu poder, os ladrões ocupavam e tomavam inteiramente o mar Mediterrâneo em sua sujeição, de tal forma que não havia mercador que pudesse por ali navegar. Isto foi a principal causa de agitação dos romanos, temendo a necessidade de víveres e augurando carestia e fome, fazendo-os enviar Pompeu para tomar o domínio do mar a esses corsários; e quem primeiro levou avante o propósito, foi Gemínio, um de seus familiares» que não lhe queria dar por edital somente a autoridade de um almirante ou comandante da marinha, mas o poder de uma monarquia soberana sobre todas as espécies de pessoas, sem estar sujeito a prestar contas, nem depois sindicado pelo que teria feito no cargo; pois o teor do edital lhe dava plenos poderes para comandar soberanamente em todos os mares, desde as colunas de Hércules e em toda a terra firme nos arredores, até vinte e cinco léguas atrás do mar (Havia então poucos países sob o domínio romano, que ficavam mais afastados, mas estavam compreendidos ali grandes nações e príncipes poderosos). Com vantagem deu-lhe também o direito de escolher de entre os do Senado, quinze tenentes para dar a cada um os cargos que bem quisesse e receber dinheiro do tesouro ou das mãos dos coletores, para manter a frota de duzentas velas, e com todo o poder de levar quantos guerreiros e quantos galeões e remadores lhe aprouvesse.

XXXIX. Oposição de todas as pessoas de bem ao excesso de poder dado pelo povo a Pompeu

XXXIX. Esta proposição, tendo sido lida publicamente, o povo aprovou e autorizou-a com prazer; mas aos principais do Senado, pareceu que aquilo lhe dava um poder que não suplantava somente todo o desejo mas lhe infundia grande temor, em dar assim a um particular uma autoridade tão absoluta e tão pouco limitada; por esta razão todos se opuseram, exceto César, o qual favoreceu o projeto, não que se preocupasse em dar prazer a Pompeu, mas porque então já procurava insinuar-se nas boas graças do povo; mas houve outros que apertaram e repreenderam gravemente Pompeu, chegando um dos cônsules a censurá-lo por querer seguir os passos de Rômulo, e advertindo-o a que não procurasse o mesmo fim que ele. O povo desejou até espancar esse cônsul por isto. Catulo apresentou-se em seguida para falar contra; o povo, de início, deu-lhe pacífica audiência, porque era uma pessoa venerável; começou ele por deduzir, sem nenhuma demonstração de inveja, muitas e belas coisas em louvor de Pompeu, e por fim, aconselhou o povo a poupá-lo e não expo-lo ao perigo de tantas guerras, umas sobre as outras, a um personagem como ele, que lhes devia ser tão querido: — "Pois se vós vindes a perdê-lo, disse ele, a quem podeis em seu lugar?" O povo então exclamou bem alto: —"Tu mesmo". Vendo então que perdia seu trabalho procurando desviar o povo desse propósito, saiu. Róscio apresentou-se depois procurando falar também, mas não pôde nem conseguir audiência; e vendo que não queriam ouvi-lo de outra forma, mostrou por sinais com os dedos que não deviam entregar esta responsabilidade a Pompeu só, mas também a um outro com ele. O povo, não gostando, pôs-se a gritar tão forte, que um corvo, voando na ocasião por cima, caiu entre a multidão; por onde se pode compreender que os pássaros caem do ar na terra, não1001 porque o ar, agitado por alguma veemente concussão se rompa e venha a fender-se; mas porque o golpe da voz, quando é tão forte e tão violento, produz como que uma tormenta no ar, os atinge e abate.

XL. Pompeu arrebata

XL. Nesse dia a assembleia foi dissolvida sem ficar nada concluído e na data prefixada para passar o decreto pelas vozes e sufrágios do povo, Pompeu foi para os campos, onde recebeu a comunicação de que havia sido autorizado, voltou e entrou de noite na cidade para evitar manifestações de inveja contra ele, devido a multidão que acorreu de todas as partes da cidade à sua frente e que o acompanhou até sua casa. No dia seguinte, cedo, saindo em público, sacrificou aos deuses, e sendo-lhe dada audiência em plena assembleia, fez que ajuntassem ainda muitas coisas ao seu poder, o dobro quase do que lhe havia sido concedido no primeiro decreto; pois obteve que o público lhe armasse quinhentos navios e levasse seiscentos e vinte mil combatentes a pé e cinco mil a cavalo; escolheu mais, dentro do Senado, vinte e quatro personagens, os quais haviam sido todos governadores e com encargos de armas e também dois tesoureiros gerais. Nesse ínterim, os vivedores de aventuras se encolheram, pelo que o povo ficou à vontade, tendo ocasião de dizer que só o nome de Pompeu havia amortecido aquela guerra.

XLI. Rapidez de seus sucessos

XLI. Assim, dividiu o mar entre terras, em treze regiões em cada uma das quais ordenou um certo número de navios com um de seus tenentes; e, tendo espalhado suas forças, envolveu dentro de suas redes todos os navios dos corsários que se achavam juntos, aprisionou-os e os fez vir para terra; mas aqueles que em boa hora debandaram ou que puderam escapar dessa caçada geral, foram todos se esconder na Cilícia, nem mais, nem menos como as abelhas na colmeia, contra os quais quis ir ele mesmo pessoalmente com sessenta dos melhores navios; todavia, não se preparou para ir sem que primeiramente tivesse limpo todo o mar da Toscana, as costas da Líbia, da Sardenha, da Sicília e da Córsega, de todos esses ladrões, que anteriormente aí costumavam pilhar, o que foi feito no espaço de quarenta dias, mediante o trabalho que teve e a boa diligência que tiveram também seus tenentes.

XLII. Volta a Roma e vai a Atenas

XLII. Mas, tendo um dos cônsules chamado Piso, por despeito e inveja que tinha de sua glória, leito os distúrbios que pôde em sua aparelhagem, e entre outras coisas, diminuído seus remadores, mandou à frente seus navios para fazer a volta da Itália e aportar na cidade de Brundúsio; ele, no entanto, foi-se pela Toscana a Roma e lá, onde nem bem havia chegado, sabendo que vinha, todo o povo se espalhou fora da cidade para ir ao seu encontro, como se há muito tempo houvesse partido, o que aumentava ainda mais o prazer que o povo tinha em vê-lo; era uma transformação pronta e rápida como nunca podiam esperar, de víveres que chegavam todos os dias em abundância de todos os lados, de tal forma que pouco faltou para que Piso fosse privado e deposto de seu consulado; pois Gabínio já tinha o decreto escrito e prestes a apresentar ao povo, mas Pompeu proibiu-o e, depois de haver remediado e feito tudo com calma, foi-se à cidade de Brundúsio, onde subiu ao mar e se fez à vela. E se bem que tivesse pressa para aproveitar o tempo e a ocasião nessa viagem, passou de longe em dez boas cidades sem aportar, tão apressado estava; no entanto, não quis passar assim na cidade de Atenas, mas desceu à terra, e depois de haver sacrificado aos deuses e saudado o povo, voltou para embarcar, e, saindo da cidade, leu dois cartazes que haviam sido feitos em seu louvor, um por dentro da porta da cidade que dizia:

Tanto de deus tu tens,
Quanto de homem te sentis.
E outro fora da mesma porta que dizia:
Nós te esperávamos, nós te vemos
Nós te adoramos e cobiçamos.

XLIII. Como ele termina to da aquela guerra

XLIII. Tendo aprisionado alguns corsários daqueles que se achavam ainda juntos, pilhando o mar aqui e acolá, tratou-os humanamente quando pediram perdão, e tendo seus navios e suas pessoas em seu poder, não lhe fez mal algum, pelo que seus companheiros, com esperança, fugiram aos outros capitães, assim como seus tenentes e foram entregar-se a ele com suas mulheres e filhos. Pompeu perdoou a todos os que se entregaram voluntariamente, e assim veio a descobrir e a seguir o rasto dos outros, que aprisionou afinal, os quais se sentindo culpados de casos irredimíveis, esconderam-se; todavia, o maior número desses, os mais ricos e mais poderosos, haviam retirado suas mulheres, seus filhos, seus bens e todo o seu povo inútil para a guerra, para dentro dos castelos e pequenas fortalezas do monte Tauro, e aqueles que eram aptos para defesa, embarcaram em seus navios diante da cidade de Coracésio1002 onde esperaram Pompeu e lhe deram combate, no qual foram derrotados primeiramente no mar, depois sitiados em terra; mas pouco depois pediram que os tomasse a seu favor e se entregaram com suas cidades, suas ilhas fortificadas, de sorte que estas eram bem difíceis não somente de serem não só forçadas, como também abordadas. Assim, esta guerra foi terminada e todos os corsários, em qualquer parte ou lugar em que estivessem, foram expulsos fora do mar no espaço de três meses, não mais. Aí ganhou ele grande número de navios, além de noventa galeras armadas com esporas de bronze; e, quanto às pessoas, que eram mais de vinte mil, não pôs somente em deliberação se as devia fazer morrer, mas deixou-as ir e afastar-se à vontade, ou então se reunirem, visto serem em tão grande número, acossados pela pobreza e todos guerreiros, que não lhe pareceu que condená-las fosse sabiamente feito. Ainda mais, discorrendo consigo mesmo, que o homem por sua natureza não é indomável nem feroz, mas ao contrário, que sai fora de seu eu e de seu natural, quando se dá ao vício e que se habitua pouco a pouco, com a mudança de lugar e maneiras de viver; atendendo que os animais mesmo que por sua natureza são selvagens e ferozes, se suavizam bem e se despojam de sua altivez natural, quando habituados, pouco a pouco a uma vida mais suave, resolveu transportar esses corsários do mar para a terra e fazê-los ter a vida justa e inocente dos moradores das cidades e lavradores da terra. Alojou alguns dentro de algumas pequenas cidades dos cilicianos, que eram meio desertas, e que por esta causa os receberam voluntariamente, dando-lhes terras para os alimentar. Também a cidade dos solianos1003 havia antes sido destruída e despovoada por Tigranes, rei dos armênios; querendo levantá-la, aí deixou um grande número desses homens e logrou igualmente colocar diversos na cidade de Dima no país de Acaia, que então tinha falta de habitantes e possuía grande quantidade de belas e boas terras.

XLIV. Sua conduta em relação aos corsários em Crato

XLIV. Ora, quanto a isto, os invejosos e malevolentes o censuraram. Mas, quanto ao que fez em Cândia, mesmo aqueles que eram seus maiores e melhores amigos, não ficaram satisfeitos. Metelo, que era parente daquele que havia guerreado com ele na Espanha contra Sertório, havia sido enviado como pretor e governador de Cândia, antes de Pompeu ter sido eleito capitão contra os corsários, porque a Cândia era como que uma segunda tenda e retiro desses ladrões, depois de Cilícia; e Metelo aí havia encontrado um grande número deles, os quais ia exterminando e fazendo morrer, onde os encontrava; mas os que se haviam salvo até ali, estando sitiados, pediram a Pompeu para perdoá-los e tomá-los a seu lado, demonstrando-lhe que a ilha estava dentro dos limites de sua jurisdição, de acordo com as medidas que haviam prefixado. Pompeu recebeu-os e escreveu a Metelo que parasse com a guerra e na mesma ocasião fez saber às cidades que não deviam obedecer mais as suas ordens; depois enviou um de seus tenentes, Lúcio Otávio, o qual entrou na cidades que Metelo havia sitiado e combateu pelos corsários. Isto tornou Pompeu não somente invejado e odiado, mas também sujeito aos sarcasmos, por prestar assim a salvaguarda de seu nome a maus ladrões que não tinham deus, nem lei, e dando-lhes sua autoridade, como um preservativo, a fim de os livrar da morte, com a obstinação que assumiu contra Metelo. Assim procedeu o próprio Aquiles, e dizem que não agiu como homem sábio, mas como um rapaz louco, estouvado e transportado pela cobiça de honra, quando fazia sinal aos outros gregos no forte da batalha e os proibia de atirar em Heitor, conforme diz Homero:

Que1004 esta honra outro não a levasse,
E que muito tarde pois aí não chegasse.

Mas Pompeu fez pior; combateu a favor de inimigos comuns a todo o mundo, a fim de privar da honra do triunfo um pretor romano, que havia trabalhado muito para os destruir e exterminar; todavia, Metelo não desistiu pela sua defesa, mas tendo tomado de assalto os corsários, os fez executar e depois de haver feito e dito diversos ultrajes e injúrias a Otávio no meio de seu acampamento, deixou-o ir afinal.

XLV. E nomeado para guerrear Mitrídates

XLV. Assim que chegou a notícia a Roma de que esta guerra de corsários estava completamente terminada e que Pompeu, não tendo mais nada a fazer, ia visitando as cidades, houve um tribuno chamado Manílio, que propôs um outro decreto, ao povo, que Pompeu, tomando todas as forças e todas as províncias que estavam então sob o comando de Lúculo, e toda a Bitínia, que tomasse também Glábrio, fosse guerrear aos reis Tigranes e Mitrídates, conservando além disso sempre sua armada e seu poder sobre a marinha na mesma qualidade e condição em que se achava antes. Isto era, em resumo, submeter a um só homem todo o poder do império romano; pois as províncias às quais sua primeira jurisdição não se estendia, como a Frígia, a Licaônia, a Galácia, a Capadócia, a Cilícia, a alta Cólquida e a Armênia, todas lhe estavam anexadas por esta segunda, com os exércitos e as forças com as quais Lúculo já havia batido esses dois reis poderosos. Assim se detinham1005 os senadores no erro que cometiam contra Lúculo, privando-o da glória de seus próprios feitos, para dá-la a um outro, que ia ter as honras do triunfo sem ter passado pelas lutas e perigos da guerra. Sabiam evidentemente que praticavam uma grande injustiça e muita ingratidão; todavia, isto não os emocionava tanto como lhes era desagradável ver o poder de Pompeu basear-se numa manifesta tirania; portanto, advertindo uns aos outros, encorajavam-se para resistir com firmeza a este edital, e não perder assim sua liberdade. Todavia, no dia marcado no qual devia ser aprovado o decreto, os senadores recearam irritar o povo, a coragem faltou a todos e não houve ninguém que ousasse dizer uma palavra contra, senão Catulo que o acusou e censurou durante muito tempo. Afinal, vendo que não podia ganhar um só homem do povo, pôs-se a gritar com os senadores que procurassem encontrar uma montanha ou rocha bem elevada, sobre a qual pudessem se retirar para salvar e defender a sua liberdade, como outrora fizeram seus antepassados. Mas, não obstante tudo isso, o decreto passou, autorizado pelas vozes de todas as classes, segundo dizem; e assim, embora ausente, Pompeu tornou-se senhor de quase tudo o que Sila, por força das armas e efusão de sangue humano, tivera em seu poder, tendo-se feito senhor de Roma.

XLVI. Falsidade de Pompeu tomando conhecimento desta notícia

XLVI. Quando recebeu as cartas pelas quais lhe contavam o que havia sido ordenado pelo povo em seu favor, dizem que na presença de seus amigos mais chegados, que então estavam a seu lado e se alegravam com ele, franziu as sobrancelhas e bateu na coxa, como se se sentisse aborrecido e contrariado com tantos cargos uns sobre os outros, dizendo: — "Ó Deus! não chegarei nunca mais ao fim de tanto trabalho? Não teria valido mais para mim, se eu fosse pessoa humilde e desconhecida, do que estar assim continuamente na guerra com o arreio às costas? Não verei jamais o tempo em que me livrarei desta inveja e possa viver sossegadamente com minha mulher e meus filhos, nos campos de minha casa?" Tais palavras disse Pompeu; mas mesmo os seus amigos, os mais íntimos, suportaram esta evidente dissimulação, conhecendo muito bem que além de sua ambição natural e cobiça de dominar, estava muito contente por haver obtido este cargo, pela diferença e discórdia que tinha com Lúculo; os fatos o descobriram logo, aliás.

XLVII. Conduta reprovável de Pompeu com respeito a Lúculo

XLVII. Assim, enviou rápido suas ordens por toda a parte, pelas quais ordenava expressamente a todas as classes de guerreiros, que viessem à sua presença, fazendo vir também todos os príncipes e reis compreendidos dentro do distrito de seu cargo e mudou tudo o que Lúculo havia feito e ordenado, até mesmo aplicando os castigos e retirando as graças que havia dado e se obstinou, em suma, fazendo todas as coisas para dar a conhecer aos que seguiam e honravam Lúculo, que ele não tinha nenhuma autoridade nem poder; pelo que, tendo Lúculo feito suas queixas, seus amigos foram de parecer que se encontrassem para falar um com o outro, o que fizeram no país da Galácia, esses dois grandes chefes de armas romanas que haviam praticado belos e triunfantes feitos, os sargentos levando à sua frente os feixes de varas enrolados com ramos de louro. Mas, quando se encontraram, Lúculo vinha de lugares cobertos e sombreados de árvores e de rica vegetação, e Pompeu, ao contrário, tinha passado por uma grande região árida e seca, onde não havia árvore alguma; pelo que os sargentos de Lúculo, vendo os ramos de louro que traziam os de Pompeu, secos e murchos, lhes entregaram os seus, que estavam frescos e verdes, com os quais ornaram e enrolaram suas varas e seus machados. Isto pareceu propriamente ser um sinal de que Pompeu vinha para retirar e levantar o prêmio de honra a Lúculo. Verdade é que este havia sido cônsul antes de Pompeu e também era mais idoso do que ele; mas a dignidade de Pompeu era muito grande, pois que já havia triunfado duas vezes. Foram seus propósitos no primeiro encontro os mais graciosos e os mais honestos, o quanto possível, pois elevaram honradamente os altos feitos um do outro e disseram que se alegravam cada um da prosperidade de seu companheiro; mas, no final, a conclusão não foi bela nem boa, pois chegaram até a pesadas palavras, Pompeu censurando a Lúculo sua avareza e Lúculo a Pompeu sua ambição, de sorte que seus amigos fizeram bem separando-os. Saindo dali, Lúculo distribuiu terras na Galácia1006, como conquistadas por ele e deu outras graças e presentes a quem bem lhe pareceu; e Pompeu, acampado muito perto dele, defendia-se, por meio de ordem que enviava por toda parte, que não obedecessem a coisa alguma que ele ordenasse e retirou-lhe todos os seus guerreiros, exceto uns mil e seiscentos, que ainda eram desses que ele considerava inúteis por sua arrogância e desejavam mal a Lúculo. Ainda mais, para diminuir a glória de seus feitos, dizia publicamente que Lúculo havia combatido somente a pompa e ostentação de dois reis e lhe havia deixado para combater o poder verdadeiro, porque Mitrídates havia então posto seu refúgio nas armas, nos escudos, espadas e cavalos; e Lúculo, como desforra, dizia que Pompeu ia combater um fantasma e uma sombra somente, nem mais, nem menos como um pássaro covarde, sempre acostumado a se atirar sobre cadáveres, por outros derrubados em terra e vir dissipar as relíquias das guerras dirigidas por outrem, como havia feito, atribuindo-se a honra da derrota de Sertório, de Lépido, de Espártaco, ali onde Metelo, Crasso e Catulo os haviam derrotado; e portanto, que não era preciso se maravilhar pelo fato de ter ele procurado os meios de acreditarem na glória e nos triunfos dos reinos de Ponto e da Armênia, visto que, tanto havia feito por seus enredos, que se havia intrometido, como aconteceu, até no triunfo dos escravos fugitivos.

XLVIII. Mitrídates, fechado em seu acampamento por Pompeu, foge

XLVIII. Depois, tendo Lúculo partido, Pompeu dispôs boas guarnições por todas as costas e mares que existem desde a província da Fenícia1007 até o reino de Bósforo, e isto feito, encaminhou-se por terra para ir pessoalmente procurar Mitrídates, o qual tinha no acampamento trinta mil soldados da infantaria e dois mil cavalos, e no entanto, não ousava, com tudo isto, apresentar-se em batalha, mas estava acampado primeiramente sobre uma montanha de base forte e difícil de assaltar; todavia, abandonou-a depois, por não encontrar água, mas, nem bem havia partido, Pompeu se apoderava dela; e, conjecturando, pela natureza das plantas e das árvores que aí verdejavam e igualmente pelos valões e cavernas constatados, que ali devia haver também nascentes e fontes, ordenou que furassem poços por toda parte, de maneira que em poucas horas seu campo teve grande abundância de água e se admirou enormemente de como Mitrídates havia ignorado isto durante tanto tempo; afinal, foi acampar à volta dele e fechou-o com muralhas dentro de seu próprio campo, onde depois de haver suportado o cerco durante quarenta e cinco dias, Mitrídates, com a elite de todo seu exército, fugiu, sem que Pompeu percebesse, tendo primeiramente feito morrer todas as pessoas inúteis e doentes de seu acampamento.

XLIX. Batalha onde Mitrídates é vencido

XLIX. Depois Pompeu encontrou-o outra vez perto do rio Eufrates, indo alojar-se junto a ele; mas, temendo que não passasse o rio antes que aí estivesse para o impedir, fez desalojar seu exército e marchar em batalha desde a meia-noite; aproximadamente naquela hora, dizem que Mitrídates teve em sonho uma visão que lhe prognosticava o que lhe aconteceria: pois foi avisado de que tendo o vento à popa, singrou a velas pandas bem no meio do mar de Ponto e que já via o estreito de Bósforo, pelo que se alegrou muito e fazendo grande festa aos que viajavam com ele, como aquele que pensava já haver certamente chegado ao porto da salvação, mas que de repente se encontrava destituído de todas as coisas, errando ao sabor dos ventos entre as ondas do mar sobre um pequeno pedaço de seu navio partido. E, no desespero dessa ilusão, chegaram alguns de seus mais familiares, que lhe disseram já estar Pompeu tão perto deles, que não havia mais outra alternativa senão combater para defender seu acampamento. Começaram logo os capitães a alinhar as tropas em batalha para combater e Pompeu, avisado de que eles se preparavam para o receber, teve dúvidas em expor seus soldados ao azar do combate nas trevas e achou mais prudente cercá-los para lhes retirar os meios de fuga, e depois, quando o dia viesse, os faria assaltar bem à vontade por seus soldados que eram melhores combatentes; mas os mais velhos capitães e chefes de tropas fizeram-lhe tantos pedidos e tantas admoestações, que finalmente o convenceram a fazer tudo prontamente para assaltar porque não estava tão escuro que não vissem nada, por causa da lua que estava baixa e próxima a se esconder e dava ainda bastante claridade para ver os corpos dos homens, mas porque baixava muito, as sombras se estendiam bem mais longe do que os corpos, atingindo de bem longe os inimigos; por isso não podiam calcular acertadamente a verdadeira distância que havia até eles, e como se estivessem bem perto, atiravam seus dardos e azagaias, os quais não acertavam em ninguém, porque estavam muito longe. Vendo isto, os romanos correram sobre eles com grandes gritos, mas os bárbaros não ousaram esperar, amedrontaram-se e, virando as costas, fugiram em desordem, quando foi feita uma grande carnificina, pois foram mortos ali mais de dez mil e seu próprio acampamento tomado.

L. Tigranes põe sua cabeça a prêmio

L. Quanto a Mitrídates, fendeu o cerco dos romanos desde o início da confusão, com oitocentos cavalos aproximadamente, e passou além; mas, imediatamente seus soldados afastaram-se era várias direções, de maneira que ele se encontrou só com mais três, dos quais um era Hipsicrácia, uma de suas concubinas, a qual havia sido sempre arrojada, exibindo uma coragem de homem, de tal forma que Mitrídates por amor disto, a chamava Hipsícrates; mas estando vestida como guerreiro persa e tendo o cavalo igual, nunca estava cansada nem indisposta nas longas caminhadas do rei, nem se cansava de servi-lo e cuidar de seu cavalo até que chegaram a uma fortaleza chamada Inora, que estava cheia de ouro e de prata e muitos móveis preciosos do rei. Aí, Mitrídates pegou grande quantidade de ricos vestuários, que distribuiu aos que se reuniram a seu lado e deu a cada um de seus amigos um veneno mortal para trazer com ele, a fim de que nenhum deles caísse vivo se não quisesse, entre as mãos dos inimigos. Dali quis seguir seu caminho para a Armênia para perto do rei Tigranes. Porém Tigranes adiantou-se, proibindo-o, e fez mais ainda, mandou gritar ao som da trombeta que dana cem talentos1008 a quem o matasse; por isso, passando a nascente do rio Eufrates, fugiu através o país da Cólquida.

LI. Pompeu reconcilia-se com Tigranes

LI. Enquanto isso, Pompeu entrava no país da Armênia a instâncias do jovem Tigranes, que se rebelara contra seu pai e fora encontrar Pompeu sobre as margens do rio Araxes, o qual nasce quase nos mesmos lugares que o Eufrates, mas toma seu curso diante do sol levante e vai cair no mar Cáspio. Marcharam os dois juntos no país, recebendo as cidades que se lhes rendiam. Mas o rei Tigranes, que pouco antes havia sido quase destruído e arruinado por Lúculo, julgou que Pompeu fosse delicado e benigno por natureza, recebeu guarnição em suas praças fortes e em suas casas reais e tomando consigo seus parentes e amigos, pôs-se a caminho para ir pessoalmente entregar-se a Pompeu. Quando chegou, em seu cavalo, até bem junto do muro do acampamento, saíram dois sargentos de Pompeu, que lhe deram ordem para descer do cavalo e entrar a pé, porque jamais entrara homem a cavalo dentro do acampamento dos romanos; Tigranes, não somente obedeceu, mas ainda tirou da cinta sua espada e a entregou.

Finalmente, quando estava bem perto de Pompeu, tirou seu chapéu real da cabeça, quis pô-lo diante dos pés de Pompeu e prostrando~se por terra, da maneira mais vergonhosa do mundo, chegou até a lhe abraçar os joelhos; mas Pompeu, pessoalmente, impediu-o e pegando-o pela mão, o conduziu para sentar-se junto a ele, de um de seus lados e seu filho de outro e depois disse aos dois: — "Quanto às outras perdas que tivestes, vós a deveis a Lúculo, o qual vos tirou a Síria, a Fenícia, a Cilícia, a Galácia e a Sofena1009 ; mas o que vos ficou até meu tempo, eu vos deixo ainda, pagando aos romanos como multa dos danos que lhes causastes seis mil talentos1010 e quero que o rapaz tenha como sua parte a Sofena". Ti granes aceitou essas condições de paz e então os romanos saudaram-no como rei, pelo que ficou tão contente, que prometeu dar a cada soldado raso a quantia de cinco escudos1011 e a cada centurião cem1012, e a cada coronel de mil soldados, seiscentos1013 ; mas seu filho, ao contrário, ficou muito descontente; de tal modo que Pompeu, tendo mandado convidá-lo para vir jantar em sua companhia, mandou-lhe a’ resposta que não eram tais favores, nem tais honras que esperava de Pompeu, porque encontraria muitos outros romanos que lhe fariam o mesmo. Por essas palavras, Pompeu o fez prisioneiro e guardou-o para ser levado em triunfo a Roma. Pouco depois Fraates, rei dos partos, mandou indagar de Pompeu a respeito desse jovem príncipe, que era seu genro e também admoestá-lo que devia se contentar em terminar suas conquistas no rio Eufrates. Pompeu mandou-lhe a resposta, que o jovem Ti granes dizia respeito mais a seu pai do que a seu sogro e quanto aos limites de suas conquistas, que os delimitaria onde o direito e a justiça o requeressem.

LII. Derrota os albanos e os iberos

LII. Deixando Afrânio na Armênia para guardar o país, passou através das nações que ficavam ao longo da montanha do Cáucaso, perseguindo Mitrídates, cujas nações, as duas maiores e mais poderosas são as Albânias e as Hiberianas, sendo que as Hiberianas se estendem até as montanhas Mosquicas e ao reino de Ponto e as Albânias diante do sol levante e o mar Cáspio. Estas de início negaram passagem por suas terras a Pompeu, que lha mandou pedir. Mas o inverno surpreendeu os romanos em seu país e com isto a festa das Satumais se deu também quando eles aí estavam. Então os bárbaros reuniram mais de quarenta mil combatentes em um campo e passando o rio Cirno, o qual desce das montanhas Hiberianas e recebendo o rio Araxes, que atravessa a Armênia, vai desaguar por doze b ocas no mar Cáspio; todavia, alguns dizem que esse Cirno não recebe o Araxes mas vai por si cair no mesmo mar junto das bocas do outro; passando, digo, o rio Araxes, foram perseguir os romanos. Pompeu podia guardar a passagem do rio se quisesse, no entanto, deixou-os à vontade e depois quando todos passaram, foi ao seu encontro e derrotou-os e matou sobre o campo um grande número; todavia, depois perdoou a ofensa ao seu rei e lhe mandou embaixadores e assinou paz com ele. Partindo dali, foi contra os hibenanos que não eram em menor número do que os primeiros, mas bem melhores combatentes e que desejavam singularmente fazer algum bom serviço em favor de Mitrídates e rechaçar para trás Pompeu. Esses hibenanos não foram nunca sujeitos ao império nem dos persas, nem dos medos e escaparam mesmo da sujeição dos macedônios, pelo que Alexandre não parou no país da Hircânia; todavia Pompeu então os derrotou em uma grande e sangrenta batalha, pois ficaram nove mil mortos sobre a praça; depois, ao sair dali, entrou no país da Cólquida, onde Servílio foi encontrá-lo aproximando o rio Fasis com a frota de navios com a qual guardava o mar de Ponto.

LIII. Nova vitória de Pompeu sobre os albanos

LIII. Ora, para perseguir Mitrídates, que se havia escondido entre as nações vizinhas do estreito de Bósforo1014 e dos Pântanos Meótidos, havia muitas dificuldades; e mais ainda, teve notícias que os albanos tinham se rebelado outra vez, contra os quais seu furor e obstinado desejo de exercer vingança o atraía; nessa ocasião passou rapidamente o rio Cirno com grande sacrifício e grande perigo, porque os bárbaros haviam protegido grande espaço da outra margem com enorme quantidade de árvores grossas atravessadas em cruz; após haver, com muita dificuldade, atravessado, encontrou-se numa região deplorável, onde tinha que caminhar muito sem encontrar água alguma; por essa razão mandou encher umas dez mil peles de cabra e marchou para a frente à procura de seus inimigos, os quais encontrou junto do rio Abas. Tinham sessenta mil combatentes de infantaria e doze mil de cavalaria, mas todos mal armados, com peles de animais selvagens a maioria. Seu chefe era o próprio irmão do rei, chamado Cosis, o qual, quando os viu à distância de golpes de mão, dirigiu-se a Pompeu e atirou-lhe um golpe de azagaia que assentou justamente no lugar falso da couraça; mas Pompeu lhe atirou um outro de dardo, com o qual o varou de lado a lado, caindo rijo e morto por terra. Alguns dizem que nesta batalha houve amazonas que combateram ao lado dos bárbaros, tendo descido das montanhas que se acham ao longo do rio Termodonte, porque depois da derrota, os romanos, despojando os mortos encontraram boucliers e calçados, tais como usavam as amazonas; mas nunca se encontrou um só corpo de mulher. Habitam elas do lado da montanha do Cáucaso, olhando para o mar da Hircânia e não confinam com as Albânias, mas há entre as duas, as Geles e as Leleges, com as quais convivem somente durante dois meses cada ano, reunindo-se ao longo do rio Termodonte, e todo o resto do ano vivem e ficam à parte.

LIV. Estratônica entrega a Pompeu o castelo onde estavam os tesouros de Mitrídates

LIV. Depois desta última batalha, tendo Pompeu se posto a caminho para penetrar até a Hircânia, no mar Cáspio, foi obrigado a voltar atrás por causa da grande quantidade de serpentes venenosas e mortais que encontrou, quando já havia caminhado três dias. Voltou à Armênia menor, onde recebeu os presentes que lhe enviaram os reis dos elimianos e dos medos e agradeceu-lhes amavelmente. Enviou Afrânio com parte de seu exército contra o rei dos partos, o qual havia entrado com armas na província Gordiana, onde exercitava os súditos do rei Tigranes, mas foi expulso e perseguido até a Arbelítida. Em suma, todas as amigas e concubinas do rei Mitrídates foram trazidas a Pompeu que não teve relações com nenhuma, mas as enviou aos seus parentes e amigos, porque eram na maioria filhas de príncipes, senhores ou capitães. Todavia Estratônica, aquela que tinha mais prestígio com ele e a quem havia dado em guarda o castelo onde estava a maior quantidade de seu ouro e de sua prata, era filha de um músico cantor, homem sem fortuna e que já estava bem idoso. Mas, tendo uma noite, em um festim, cantado diante de Mitrídates, roubou tão fortemente seu amor, que ele quis na mesma noite tê-la para se deitar com ele, razão por que o velho pai da moça foi para casa zangado, não tendo o rei se dignado dizer-lhe uma só palavra. Mas no dia seguinte cedo ao despeitar, ficou o ancião espantado por encontrar em sua casa as mesas cheias de baixelas de ouro e de prata, um grande séquito de servidores, de empregados de quarto e de pagens, que lhe trouxeram vestuários belos e ricos, e diante da porta, bom equipamento, igual aos dos favoritos do rei, quando queriam ir à cidade. Julgou fosse farsa que lhe queriam pregar, e por isso quis fugir, mas não o fez, porque seus servidores o retiveram e lhe disseram que aqueles eram os bens de um grande senhor muito rico que morrera, que o rei lhe havia dado e que tudo o que via ali não era senão uma amostra, como se diz, comparando com os outros móveis e bens que viriam depois; assim, começando pouco a pouco a acreditar, vestiu o traje de púrpura que lhe haviam trazido, e montando no cavalo, saiu a passear pela cidade, gritando: — "Tudo isto é meu, tudo isto é meu". Como alguns zombassem, disse-lhes que não deviam se admirar por ouvi-lo gritar assim, em vez de atirar pedras nesses que encontrava pelas ruas, tanto estava fora de si transportado de alegria. Estratônica, portanto, nascida de tal raça e de tal sangue, entregou o lugar nas mãos de Pompeu e ofereceu-lhe ainda diversos presentes belos e ricos, dos quais aceitou apenas aqueles que podiam servir para ornar os templos dos deuses ou embelezar seu triunfo e desejando que Estratônica ficasse com tudo para ela.

LV. Apodera-se de outro castelo onde encontra as cartas de Mitrídates

LV. Igualmente, tendo o rei dos hiberianos lhe enviado uma cama, uma mesa e uma cadeira de ouro maciço, pedindo-lhe que os aceitasse como uma dádiva, consignou tudo nas mãos dos tesoureiros para dar contas ao público. E num outro castelo chamado Quenon, encontrou papéis e algumas cartas particulares e secretas de Mitrídates, que leu com grande prazer, porque por elas descobriu evidentemente qual era a natureza desse rei; pois encontrou um diário pelo qual parecia que ele havia envenenado, além de vários, seu próprio filho Ariarates e Alceu, o Sardenho, porque ganharam na sua frente o prêmio da corrida de cavalos. Havia também interpretações de sonhos que ele ou as suas mulheres haviam sonhado e cartas lascivas de amor, de Mônima para ele e dele para ela. Teófanes diz que encontraram um discurso de Rutílio, pelo qual o persuadia e incitava a fazer morrer todos os romanos que se achavam na Ásia, o que todavia consideram, com toda razão, ser uma mentira maligna encontrada por esse Teófanes, o qual odiava Rutílio, que não se lhe assemelhava em coisa alguma; ou pode ser também para agradar Pompeu, cujo pai Rutílio descreve em suas histórias como o homem mais maldoso do mundo. Ao partir dali, Pompeu foi para a cidade de Amiso, onde sua ambição o induziu a praticar atos pelos quais se condenava a si mesmo e pelos quais anteriormente havia repreendido e censurado muito a Lúculo, quando vivia ainda o inimigo que havia dado ordens, distribuído presentes e conferido honras, que os capitães vitoriosos estavam acostumados a fazer depois que a guerra terminava e que a haviam conduzido até o final; ele mesmo, estando ainda Mitrídates no reino de Bósforo, mais forte, e tendo reunido um grosso e poderoso exército, fez tudo o que reprovou e censurou no outro, governando províncias e distribuindo dádivas e presentes a cada um, segundo seus méritos; tendo se apresentado a ele doze reis bárbaros com diversos outros príncipes, senhores e capitães, aos quais quis agradar, escrevendo ao rei dos partos, não se dignou pôr o título que os outros estavam acostumados a lhe dar quanto sobresntava suas cartas, chamando-o "rei dos reis".

LVI. Pompeu conquista a Síria e a Judéia

LVI. Mas, apoderou-se dele grande desejo e grande vontade de recuperar a Síria e penetrar através da Arábia até o mar Vermelho, a fim de estender suas vitórias e conquistas por todos os lados, até o grande mar Oceano, que rodeia a terra. O fato é que na Líbia foi o primeiro dos romanos que seguiu vitorioso até o grande mar; e do outro lado na Espanha alargou o império romano, terminando-o no Oceano Atlântico; e pelo terceiro lado, ao perseguir os albanos, pouco faltou para que não atingisse até o mar da Hircânia. Pôs-se a caminho com a intenção de estender o circuito de sua viagem até o mar Vermelho, verificando que Mitrídates estava muito descontente para pegar em armas e mais difícil de vencer quando fugia do que quando combatia, motivo por que disse que deixava na retaguarda inimigo mais forte do que ele mesmo, que era a fome; distribuiu guardas com número suficiente de navios para espreitar os mercadores que navegavam na região do Bósforo para aí levar víveres e outras mercadorias, tendo estabelecido pena de morte aos que o fizessem; depois, com a melhor parte de sua armada, pôs-se a caminho, sobre o qual encontrou os corpos dos romanos derrotados por Mitrídates sob o comando de Triário e não tinham sido ainda exumados; fez recolher todos e enterrar honrada e magnificamente. O que fora esquecido por Lúculo, foi a meu ver, uma das principais causas de o fazer odiado de seus soldados. Tendo subjugado, por Afrânio, os árabes habitantes dos arredores do monte Amano, desceu ele mesmo dentro da Síria, da qual fez um governo e uma província conquistadas para o império romano, porque não tinha nenhum rei legítimo; conquistou também a Judéia, onde aprisionou o rei Aristóbulo e fundou algumas cidades, libertando e livrando da servidão outras, que eram usurpadas e detidas à força por tiranos que fez castigar; mas, o maior tempo que aí consumiu, foi em julgar e pacificar por arbitragem as discussões e diferenças que havia entre as cidades livres, os príncipes e os reis, enviando seus amigos aos lugares onde não podia ir pessoalmente. Como foi eleito árbitro entre os partos e os armênios para decidir sobre um certo país que uns e outros pretendiam, enviou três deputados para decidir e julgar definitivamente; pois se a fama de seu poder era grande, a de sua virtude, de sua justiça e bondade, não era menor, de tal modo que cobria muitas faltas, que cometiam seus familiares e os que estavam a seu lado; pois era de natureza tão boa, que não os podia preservar de fazer o mal nem castigar e punir quando agiam perversamente; mas ficava de tal modo com eles quando vinham se queixar ou quando tinham que se haver com ele, sendo obrigado a suportar pacientemente suas cobiças, avarezas e impertinências.

LVII. Insolência de um liberto de Pompeu chamado Demétrio

LVII. Aquele de seus domésticos que tinha mais prestígio junto de si era um escravo liberto chamado Demétrio, o qual era inteligente, mas abusava um pouco de sua sorte, a cujo propósito contam o seguinte: Catão, o Filósofo, quando ainda jovem, mas desfrutando já de grande reputação de sabedoria e mantendo bem sua classe, foi a Antioquia para ver a cidade quando Pompeu aí não se encontrava, e quanto a ele, segundo seu costume, caminhava a pé e seus amigos que o acompanhavam a cavalo. Na entrada da cidade percebeu um grupo de pessoas vestidas com trajes brancos ao longo da rua, de um lado as crianças e do outro lado os rapazes alinhados em forma de cerca, pelo que se enfureceu, pensando que fosse por amor dele e para honrá-lo, que fizessem esta procissão, o que absolutamente não desejava.

Ordenou aos seus amigos que descessem do cavalo e caminhassem a pé com ele; mas, quando chegaram perto da porta da cidade, o mestre de cerimonias que conduzia toda aquela procissão, tendo um chapéu de flores sobre a cabeça e uma vara na mão, veio à sua frente e perguntou-lhe onde haviam deixado Demétrio e quando voltaria. Os amigos de Catão puseram-se a rir por causa desta pergunta, porém, Catão apenas disse: "Ó pobre e infeliz cidade!" e passou além. Todavia, Pompeu mesmo era causa de lhe terem menos inveja, porque viam a audácia que Demétrio tinha para com ele, o qual não levava nada a mal, nem se enfurecia. Segundo dizem, muitas vezes quando Pompeu havia convidado algumas pessoas para virem jantar em sua casa, recebia ele mesmo os convidados e esperava que todos tivessem chegado, e no entanto esse Demétrio já se encontrava à mesa e tinha presunçosamente sua túnica, sobre a cabeça baixa, levantada até as orelhas. Antes que estivesse de volta dessa viagem a Itália, já havia adquirido as mais belas casas de campo e os mais belos parques e pomares que existiam nos arredores de Roma e possuía também suntuosos jardins, que comumente chamavam os jardins de Demétrio, enquanto que seu patrão Pompeu até seu terceiro consulado, morava simples e mesquinhamente. Mas, depois, tendo mandado construir o magnífico e tão famoso teatro, que se chama o Teatro de Pompeu, mandou também edificar depois, como um apêndice de seu teatro, uma outra casa, a qual foi bem mais honrada do que a primeira, mas onde não havia nada de mais. De sorte que aquele que se tornou o dono depois dele, quando entrou, espantou-se e perguntou: — "E onde é que comia o grande Pompeu?" Assim contam.

LVIII. Pompeu toma conhecimento da morte de Mitrídates

LVIII. Enquanto isto, o rei dos árabes, habitando ao redor da fortaleza que chamam Pétrea, não tendo até ali feito conta do poder dos romanos, teve então grande receio e escreveu a Pompeu que estava pronto e aparelhado a fazer tudo o que lhe agradasse, aguardando ordens; Pompeu, querendo experimentá-lo sobre suas intenções, levou seu exército à frente da praça de Pétrea; mas essa viagem não foi aprovada, porque a interpretavam como sendo uma ocasião procurada para evitar ir atrás de Mitrídates, contra o qual queriam que ele se virasse quanto antes com todas as suas forças, como contra um inimigo antigo, que começava a se armar e preparava-se para conduzir, pelo que ouviam, poderoso exército através da1015 Tartária e da Hungria, na Itália. Mas Pompeu estimava que queria minar seu poder deixando-o guerrear, e que não o agarraria fugindo, nem quis fazer nada para persegui-lo, e por esta razão, ia procurando com habilidade ocupar-se em outras guerras e passando o tempo, até que finalmente a sorte desatou a dificuldade desse nó; estando perto da praça de Pétrea e já tendo alojado seu acampamento, um dia, como se exercitava à lança e conduzindo um cavalo à volta de seu campo, chegaram mensageiros do rei de Ponto, que lhe traziam boas notícias, o que se podia saber e julgar pelo comprimento dos ferros de seus dardos, porque estavam enrolados com ramos de louro. Os soldados, tendo isto percebido, correram logo à sua frente, pois queriam que antes de terminar seu exercício, lesse as cartas; mas, como gritassem, desceu do cavalo e, tomando as cartas, voltou ao seu acampamento, onde não havia terraço elevado de onde pudesse discursar e não tinham os soldados paciência para fazer um estrado à moda do campo, como os guerreiros fazem, com ramagens e grandes torrões de terra que amassam uns sobre os outros; mas pela pressa e grande afeição de que estavam tomados para ouvir o que continham essas cartas, empilharam em um monte as cordagens e selas dos cavalos, sobre o qual Pompeu subindo, declarou-lhes que como Mitrídates estava morto, suicidando-se, seu filho Farnace se havia sublevado e pegara em armas contra ele, e, tendo se apoderado do que possuía o pai, escrevia-lhe que conservava e guardava tudo para ele, Pompeu, e para os romanos.

LIX. Presentes que Farnace lhe envia

LIX. Ouvidas essas notícias, todo o campo, como se pode julgar, entrou em grande reboliço, pondo-se todo o mundo a fazer sacrifícios aos deuses para render graças e com boa fisionomia como se só na pessoa de Mitrídates morresse um número infinito de inimigos. Pompeu, por esse meio, tendo posto fim a esta guerra mais facilmente do que havia esperado, partiu incontinente da Arábia; tendo atravessado em pouco tempo as províncias que estão entre as duas, tanto fez em suas jornadas, que chegou à cidade de Amiso, onde encontrou grande quantidade de presentes que lhe trouxeram da parte de Farnace e vários cadáveres de sangue real, entre os quais estava o de Mitrídates, que não podiam reconhecer bem no rosto, porque seus servidores haviam esquecido de fazer escorrer ou dissecar o cérebro; todavia ainda o reconheciam por algumas cicatrizes que tinha na face; quanto a Pompeu, não querendo olhálo, com medo de irritar contra si a ira vingadora dos deuses, enviou-o à cidade de Sínope; mas encantou-se por ver a grandeza, a suntuosidade e magnificência das vestimentas e das armas que trazia; todavia, houve um chamado Públio, que tendo escamoteado a bainha da espada de Mitrídates, a qual havia custado trezentos talentos1016 para ser feita, vendeu-a a Anarates; um outro chamado Caio, que na juventude havia sido criado com Mitrídates, tendo igualmente subtraído o chapéu do morto, que era feito de um maravilhoso tecido, deu-o a Fausto, filho de Sila, que lho pedira; Pompeu não soube na hora, mas Farnace, tendo descoberto, fez castigar esses que haviam roubado.

LX. Vai a Mitileno, a Rodes e a Atenas

LX. Depois, portanto, de haver dado ordens para os negócios dali e tendo estabelecido todas as coisas, pôs-se então a caminho para voltar, com muita alegria e muita festa; passando por Mitilene, libertou a cidade de todos os tributos por amor de Teófanes e assistiu a um jogo de prêmio que estão habituad os a realizar todos os anos, onde os poetas recitam suas obras com inveja uns dos outros, não tendo suas composições desta vez outro assunto a não ser os feitos e gestos de Pompeu. Pompeu achou o teatro, onde se realizavam esses jogos, de bela forma, e fez tomar os planos e a planta para construir um igual em Roma, mas bem maior e mais suntuoso. Passando também pela cidade de Rodes, quis ouvir discursar todos os mestres da retórica e lhes fez presente, a cada um, de um talento1017. Possidônio redigiu o discurso e a disputa que houve em sua presença contra Hermágoras, o Retórico, sobre o assunto que Pompeu mesmo lhe deu, referente à questão geral e universal; e em Atenas fez outro tanto com os filósofos, mas deu com vantagem à cidade cinquenta talentos 1018 para a restaurar.

LXI. Como destrói os rumores que se haviam espalhado em Roma contra ele

LXI. Pensando em sua volta à Itália, achava que devia aí chegar como o homem mais honrado do mundo e desejava encontrar-se em sua casa com sua mulher e seus filhos como também julgava aí ser esperado por eles com grande devoção; mas o deus que cuida de misturar sempre entre os grandes favores da sorte, alguma coisa de sinistro, esperava-o em caminho e armava uma emboscada em sua própria casa para lhe tornar sua volta dolorosa; pois sua mulher Múcia em sua ausência havia se portado mal. Ora, enquanto estava longe, não levou em conta as informações que lhe davam; mas quando se aproximou da Itália e que teve o entendimento mais livre para pensar nas denúncias que lhe haviam feito, então informou que renunciava e repudiava sua mulher, sem lhe haver nada escrito nem depois jamais disse porque a repudiava; mas a causa está escrita nas epístolas de Cícero. No entanto, antes de sua chegada, correram diversos ruídos a respeito dele em Roma, que estava triste e o espírito em tumulto, porque diziam que levaria suas forças direito à cidade e certamente se faria senhor de todo o império romano; de tal modo correram esses rumores, que Crasso saiu às escondidas, levando consigo seus filhos e seu dinheiro, seja porque verdadeiramente tivesse receio ou, como parecia, para tornar a calúnia verossímil e tornar a inveja mais áspera contra ele. Por isto, assim que pôs o pé na Itália, fez reunir todos os seus guerreiros e depois de os haver aconselhado e agradecido, segundo o tempo e a ocasião permitiam, ordenou-lhes que debandassem e se retirassem cada um para sua casa para pôr em ordem seus negócios, contanto que tivessem lembrança que deviam se encontrar reunidos em Roma no dia de seu triunfo. Assim, estando seu exército dissolvido e a notícia tendo corrido logo por toda parte, aconteceu uma coisa maravilhosa: todas as cidades, vendo Pompeu, o Grande, sem a companhia dos guerreiros, com um pequeno séquito de seus domésticos e amigos familiares somente, sem mais nem menos, como se houvesse voltado, não de suas grandes conquistas, mas de alguma viagem onde houvesse ido por prazer, todos os moradores saíram para ir à sua frente, tanto os povos lhe tinham amor e respeito, e o acompanharam, quisesse ou não, até dentro de Roma, com mais poder do que quando voltou à Itália, de maneira que se tivesse vontade de mudar alguma coisa na situação da coisa pública, não precisaria de seu exército.

LXII. Catão recusa o pedido de casamento que Pompeu lhe faz de suas duas sobrinhas para ele mesmo e para seu filho

LXII. E porque a lei e costume proibiam entrar na cidade antes do triunfo, mandou pedir ao Senado para alterar por alguns dias a eleição dos cônsules e conceder-lhe esta graça a fim que pudesse estar presente para assistir e favorecer a Pison, que pedia naquele ano o consulado. Mas foi-lhe negada a solicitação, pela resistência que lhe fez Catão, impedindo-o, pelo que Pompeu se admirou e se maravilhou da franqueza no falar e a calma com a qual sustentava sozinho e defendia as coisas justas e razoáveis, razão pela qual teve desejo de ganhá-lo em aliança, como aconteceu. Tendo Catão duas sobrinhas, pediu-as em casamento, uma para si e a outra para seu filho; porém, Catão desconfiando que fazia este pedido para o ganhar e corrompe-lo, sob pretexto desta pretensa aliança, rejeitou-os. Sua irmã e sua mulher ficaram muito descontentes, por haver recusado a aliança com o grande Pompeu. Mas, aproximadamente nesse mesmo tempo, aconteceu que ele, desejando por todas as vias, promover Afrânio ao consulado, ma ndou distribuir algum dinheiro pelas classes do povo e o dinheiro foi entregue nos jardins mesmo de Pompeu, de sorte que a coisa foi’ divulgada pela cidade e o censuraram muito pelo fato de se tornar venal e comprar com dinheiro a esses que não podia adquirir nem conseguir pela virtude, a soberana magistratura da coisa pública, que ele mesmo havia obtido como recompensa de seus altos feitos: então Catão observou à sua mulher e à sua irmã: — "Vedes, precisaríamos participar agora dessa censura, se tivéssemos aceito a aliança de Pompeu". Tendo ouvido isto, confessaram que seu parecer foi o melhor, visando o dever e a honra.

LXIII. Triunfo de Pompeu

LXIII. Afinal, quanto à magnificência de seu triunfo, ainda que fosse dividido em dois dias, não houve tempo bastante, pois tinha muita coisa que haviam preparado para ser levada em exibição, que ficou de lado, de maneira que ainda sobrava largamente para honrar, embelezar e ornamentar um outro triunfo. Entre outras, levaram à frente cartazes que continham os nomes das nações onde triunfou, que eram as que se seguem: o reino de Ponto, a Armênia, a Capadócia, a Paflagônia, a Média, a Cólquida, as Hiberianas, as Albânias, a Síria, a Cilícia, a Mesopotâmia, a Fenícia, a Palestina, a Judéia, a Arábia, os corsários derrotados por todos os cantos do mundo, tanto por mar como por terra, sendo que em todos esses lugares apoderouse até o número de mil castelos e fortalezas e não menos de novecentas cidades e fortes; navios de corsários, aproximadamente oitocentos; cidades anteriormente desertas, por ele repovoadas, trinta e nove. Como vantagem os cartazes mencionavam também a renda comum da república antes de suas conquistas, que não subia por ano1019 senão a cinco milhões de escudos e agora, pelo que havia anexado e adquirido ao império romano, recebia1020 oito milhões e quinhentos mil escudos, o que trazia presentemente ao tesouro da economia pública, tanto em ouro e dinheiro, como anéis e joias, o valor 1021 de dois milhões em ouro, sem contar o que havia dado e distribuído aos guerreiros, dos quais o que menos recebeu segundo sua classe, levara1022 cento e cinquenta escudos. Os prisioneiros conduzidos na demonstração desse triunfo, além dos capitães dos corsários, foram o filho de Tigranes, rei da Armênia, com sua mulher e sua filha e a mulher do rei Tigranes, a qual se chamava Zózima, o rei dos judeus Aristóbulo, a irmã de Mitrídates com cinco de seus filhos, algumas damas de Cítia, os reféns das Hiberianas e das Albânias e do rei dos comagenos, e além disso, grande número de troféus, tantos quanto ele e seus tenentes haviam ganho nas batalhas em diversos lugares.

LXIV. Reflexões sobre a conduta pela qual Pompeu preparou, ele mesmo, sua desgraça

LXIV. Mas o que lhe dava maior glória e que jamais acontecera, nem antes, nem depois a nenhum capitão a não ser a ele, foi que esse terceiro triunfo, foi ganho na terceira parte do mundo; houve outros romanos que venceram por três vezes; mas Pompeu triunfou a primeira vez na África, a segunda na Europa e a terceira na Ásia, de tal modo, que nessas três vitórias parecia ter, como se diz, triunfado em toda a terra habitável e estava então, assim como dizem os que o comparam e o querem fazer em todas as coisas assemelhar-se a Alexandre, o Grande, com menos de trinta e quatro anos; todavia, apesar do que dizem, ele se aproximava dos quarenta1023 e, muito feliz teria sido, se a vida não se prolongasse além do ponto que lhe durou a sorte de Alexandre, porque todo o tempo que viveu depois só recebeu prospendades odiosas ou adversidades irremediáveis; pois, empregando o prestígio e a autoridade que havia adquirido por bons meios para favorecer a outros injustamente, enquanto lhes aumentava o poder, tanto diminuía de glória e só tomou sentido quando se viu arruinado em sua própria grandeza, nem mais, nem menos, como as cidades que deixam entrar os inimigos até dentro dos lugares mais fortes e dos melhores bairros que possuem, aumentando-lhes suas próprias forças por si mesmas; também César, tendo-se elevado mediante o favor e o poder de Pompeu, derrotou-o e arruinou-o pouco depois, com os próprios meios com os quais o fez forte contra todos, o que aconteceu deste modo: Lúculo, em sua volta da Ásia, onde Pompeu o havia tratado injuriosamente, foi desde então bem visto e bem recebido no Senado e ainda mais depois que Pompeu chegou também; pois mesmo o Senado o animou a se fazer valer e a tomar as matérias a peito, conscientemente, mas ele já estava desistindo, e sua atividade nos negócios da república esfriava, por se ter dedicado despreocupadamente a si pró prio e pelo prazer de gozar sua riqueza e seus bens em repouso. Todavia, Pompeu nem chegara de volta, desandou Lúculo vivamente contra ele no tocante às coisas que havia estabelecido e ordenado na Ásia e que Pompeu havia estragado e anulado; no Senado levava vantagem mediante o apoio que Catão lhe dava, ocasião em que Pompeu, encontrando-se ali assim fechado e atormentado, foi constrangido a recorrer aos tribunos do povo e ao convívio de rapazes aduladores, dos quais o pior, o mais audacioso e mais temerário era um chamado Clódio, que o pegou imediatamente, entregando-o como presa ao povo, tendo-o sempre ao seu lado e por qualquer coisa levando-o consigo à praça, contra sua dignidade, para o fazer confirmar todas as novidades que propunha para adular a plebe e ensinar-se na graça da ralé, mas ainda mais lhe pedia como salário, como se não fosse uma vergonha e sim uma graça que lhe estivesse pedindo, que abandonasse Cícero, seu amigo, e que muito havia feito por ele na administração pública, o que obteve, de tal modo que quando Cícero, vendo-se chamado perante a justiça, em perigo, mandou procurá-lo para o ajudar, fez fechar a porta de sua casa aos que vinham de sua parte e saía pela porta de trás; nessa ocasião, Cícero, temendo o resultado do julgamento, saiu para1024 fora de Roma.

LXV. Suas ligações com César

LXV. Aproximadamente naquele tempo César, voltando1025 de sua pretoria na Espanha, começou a usar um método que prontamente lhe alcançou uma singular benevolência depois transformada em grande poder, com grande prejuízo para Pompeu e para a república; pois pretendia conseguir seu primeiro consulado, e vendo que Pompeu seria inimigo de Crasso, ligando-se a um, teria o outro por inimigo; procurou meios, então, de pô-los de acordo, coisa que à primeira vista parecia a melhor e a mais honesta do mundo mas o intuito era fino e malicioso, de má intenção. Pois a força que, anteriormente dividida em duas partes, mantinha a coisa pública em igualdade de peso, era nem mais, nem menos como um barco carregado tanto de um lado como do outro, de tal modo que não podendo pender nem daqui, nem dali, vinha a se conjugar em um só corpo, e não seria mais do que uma, e assim fez a inclinação tão forte, que não se encontrou ninguém que pudesse contrabalançar, de modo que afinal a embarcação virou toda de baixo para cima.

LXVI. Discurso sedicioso de Pompeu

LXVI. Portanto, como dizia o sábio Catão aos que lhe iam falar a respeito da discussão e inimizade de Pompeu e de César, que eles haviam arruinado a república, que eles se iludiam demasiadamente, levando a sério o que estava terminado; sua discórdia não foi motivada nem por sua inimizade, que havia sido a primeira e principal causa desta ruína mas antes sua amizade e concórdia, pois por aquela, César foi eleito cônsul, o qual se pôs logo a agradar e adular a plebe e a multidão de sofredores e indigentes, levando avante o repovoamento das cidades, a distribuição de terras aos que não tinham, descendo nisto a dignidade do soberano magistrado e tornando, por assim dizer, o consulado, um tribunal do povo. Seu companheiro Bídulo resistia o mais que podia e Catão deliberou secundar e ajudar Bíbulo com todo o seu poder, até que César, levando à tribuna Pompeu, diante de toda a assistência do povo e chamando-o por seu nome, perguntou-lhe se aprovava todos os decretos que havia encaminhado. Pompeu respondeu que sim. — ”Se, portanto, existe alguém, disse César, que pela força queira impedir não sejam autorizados pelas vozes do povo, tu não virás para sustentar e defender o bem público?" — "Sim, respondeu Pompeu, aqui virei verdadeiramente e contra esses que ameaçam com a espada, trarei a espada e o bouclier".

LXVII. Violências praticadas por Pompeu

LXVII. Jamais Pompeu, em toda sua vida, havia feito nem dito coisa tão inoportuna como aquela, de sorte que mesmo seus amigos, procurando desculpá-lo, diziam que essa palavra lhe escapou sem pensar; todavia, pelo que se seguiu depois, pareceu bem evidentemente que se havia dado todo a César, para que fizesse tudo o que bem lhe parecesse; pois poucos dias depois desposou Júlia, sua filha, sem que ninguém esperasse, uma vez que era noiva de Servílio Cépio, que a devia desposar proximamente; e para abrandar a pouca aptidão de Cépio, Pompeu deu-lhe em casamento sua filha, que estava também anteriormente prometida a Fausto, filho de Sila, e César desposou Calpúrnia, filha de Pison. Isto feito, Pompeu encheu toda a cidade de guerreiros, fez à força tudo o que quis; mesmo o cônsul Bíbulo, quando ia para a praça acompanhado de Lúculo e de Catão, de certa feita arremessaram-se contra ele inesperadamente e quebraram os feixes de varas que levavam à sua frente e houve alguém que, por zombaria, lhe atirou um cesto cheio de excrementos sobre a cabeça, e dois dos tribunos do povo que o seguiam foram feridos. E por esse meio, tendo esvaziado a praça dos que lhe eram contrários, fizeram à sua vontade passar o decreto da distribuição de terras à cuja isca a plebe foi atraída, deixando-se levar por eles a tudo que desejaram e não foi mais contrária em coisa alguma e deu seu voto para autorizar tudo o que lhes aprazia propor. Foram assim ratificadas as ordens pelas quais Pompeu havia debatido com Lúculo e decretaram a César o governo da Gália, tanto de aquém como de além os mentes Alpes e a Esclavônia1026, pelo espaço de cinco anos, com quarenta legiões completas. E para o ano seguinte foram designados cônsules Pison, sogro de César e Gabínio, o maior adulador que Pompeu teve a seu lado.

LXVIII. Insolência de Clódio

LXVIII. Ora, enquanto essas coisas se passavam Bíbulo, mantendo-se fechado em sua casa sem ousar sair durante oito meses, se bem que fosse cônsul, somente enviava para fora avisos para serem afixados nos lugares públicos, nos quais acusava Pompeu e César; por outra parte, Catão, nem mais, nem menos, como se houvesse sido inspirado por algum espírito profético, ia pregando e predizendo publicamente em pleno Senado o que estava para acontecer à república e mesmo a Pompeu; mas Lúculo, não querendo trabalhar mantinha-se quieto e gozava seu descanso como não estando mais para fazer sacrifícios, nem em idade para se manter nos negócios; foi quando Pompeu disse que ele estava mais fora de estação, como homem velho para vagar a seu bel-prazer, do que para ficar disponível aos negócios públicos; e, no entanto, Pompeu mesmo foi logo depois abrandado pelo amor de sua nova esposa e não fazia outra coisa a maior parte do tempo, do que agradá-la, mantendo-se constantemente com ela nas casas de repouso que tinha nos campos ou então em seus jardins, sem mais se preocupar com o que faziam na administração, de maneira que Clódio, que então era tribuno do povo, começou a recriminá-lo e a empreender sedições; pois tendo expulso Cícero e enviado Catão fora de Roma para Chipre, sob a aparência de comissão e administração pública e por outro lado César, tendo ido à Gáha, e vendo que a plebe o obedecia porque havia feito e dito tudo o que podia imaginar para adulá-la e ser-lhe agradável, atentou logo contra as ordens de Pompeu, procurando romper e anular algumas; entre outras, tirou à força da prisão o jovem Tigranes, o qual levava sempre pela cidade com ele, indo suscitar diariam ente discussões e processos aos amigos de Pompeu, para experimentar, no que fazia, que prestígio e poder teria. Finalment e, um dia em que Pompeu havia saído de sua casa para assistir ao julgamento de um de seus processos, Clódio, tendo ao seu lado uma cater va de vagabundos, com quem não se entusiasmava pelo que fizessem, colocou-se em lugar elevado, de onde era visto de todos os cantos da praça e começou a fazer bem alto tais interrogatórios: — "Quem é o capitão desta cidade, o mais luxurioso? Quem é o homem que procura o homem? Quem é aquele que coca a cabeç a com um dedo?" E seus satélites lhe respondiam, gritando em altas vozes a cada pergunta que fazia, como se fosse um coro1027 e esti vessem alternativamente respondendo ao padre a cada vez que sacudia um pano de sua veste: — "É Pompeu".

LXIX. Pompeu faz chamar Cícero

LXIX. Isto afligia muito Pompeu, que não estava acostumado a ouvir publicamente ser destratado assim e não havia aprendido a combater deste modo; mas ficou ainda mais ofendido por perceber que o Senado estava à vontade, presenciando esta vergonha e este ultraje, como vingança por haver covardemente traído e abandonado Cícero. Pelo que, tendo ainda mais promovido umas brigas na praça, quando houve gente ferida e sendo surpreendido um dos escravos de Clódio com uma espada, o qual havia com dificuldade atravessado a multidão até se aproximar de Pompeu, este, tomando como desculpa esta ocasião, mas na verdade temendo a insolência e as palavras injuriosas de Clódio, não quis nunca mais aparecer na praça, enquanto durou seu cargo como tribuno, mantendo-se sempre em casa, consultando seus amigos como poderia fazer para abrandar a ira do Senado contra ele, e houve um chamado Culeo que o aconselhou a repudiar sua mulher Júlia, a fim de renunciar por completo à amizade de César e voltar-se inteiramente para o Senado, o que Pompeu não quis fazer. Mas prestou ouvidos aos que o aconselharam a chamar Cícero, o qual era inimigo mortal de Clódio e muito querido do Senado. Conduziu o irmão de Cícero que devia fazer o pedido ao povo na praça com um bom número de soldados para defesa, onde houve golpes dados e homens mortos de um lado e do outro; todavia, afinal, Pompeu ficou mais forte do que Clódio.

LXX. E encarregado de suprir Roma de trigo

LXX, E Cícero, sendo chamado1028 por decreto expresso do povo, logo que chegou, colocou Pompeu em boas graças perante o Senado e apoiou a proposição que já haviam encaminhado, de dar a Pompeu a incumbência de fazer vir trigo para Roma, pela qual lhe deu autoridade sobre tudo no mar e na terra, por assim dizer, que havia sob o império romano; pois pelo decreto que foi passado, encontravam-se em suas mãos todos os portos, todas as estradas e caminhos, toda a venda de grãos e de frutos da terra, e para dizer em uma palavra, toda a aquisição e tráfico dos mercadores navegantes no mar e dos lavradores cultivando a terra, o que Clódio, caluniando, ia dizendo que a procura e falta de trigo não havia feito inventar nem propor o decreto dessa comissão; mas ao contrário que para ter esta comissão, haviam feito nascer a falta de trigo, a fim de fazer voltar como de uma pasmaceira e repor um pouco acima, por este novo cargo, a autoridade e seu poder, que iam enfraquecendo. Outros diziam que foi um ardil do cônsul Espinter o qual, querendo colocar Pompeu neste cargo mais elevado a fim de que ele fosse enviado para socorrer e repor em seu reino o rei Ptolomeu1029 ; todavia Canídio, tribuno do povo, propôs que enviassem Pompeu sem exército, com dois sargentos levando os machados somente, para tentar um acordo entre o rei Ptolomeu com os de Alexandre, incumbência que não teria sido desagradável a Pompeu, mas o Senado rejeitou esta proposição sob aparência honesta, alegando que, fazendo isto, Pompeu punha sua pessoa em perigo. No entanto, encontravam-se muitas vezes pela praça e mesmo no Senado bilhetinhos, nos quais estava escrito como Ptolomeu solicitava que lhe dessem Pompeu em vez de Espinter para o trazer; todavia Timagenes escreve que Ptolomeu foi a Roma e deixou o Egito sem que fosse de outro jeito preciso, pela conveniência e provocação de um Teófanes, que lhe incutiu na cabeça para fazer isso, a fim de dar novos meios a Pompeu para realizar seus trabalhos e ter ensejo para novas guerras; mas a malvadez desse Teófanes não tornou isso crível como também o natural de Pompeu o tornou inacreditável, porque em sua ambição não havia nada de tão malévolo nem de tão mau como aquilo.

LXXI. Pompeu traz grande quantidade — e restabelece a abundância

LXXI. Tendo-lhe sido dada, portanto, a comissão de fazer vir o trigo, enviou por todos os lugares seus tenentes e amigos e ele pessoalmente foi à Sicíha e como tivesse pressa em voltar, deu com um grande vento no mar, de tal forma que os marinheiros duvidavam de poder levantar âncoras; mas ele mesmo foi o primeiro a subir dentro do navio e ordenou que levantassem imediatamente, gritando bem alto: — "É necessário que eu vá, não é necessário que eu viva ; e assim por sua boa diligência e coragem, junto à boa sorte que o favoreceu, encheu todas as estradas e caminhos de trigo e todos os mares de navios, de maneira que a abundância que fez vir forneceu não somente à cidade de Roma, mas também aos arredores, e brotou como uma fonte viva e um largo rio que se espalhou por toda a Itália.

LXXII. César vem a Luca

LXXII. Ora, aproximadamente nesse mesmo tempo, as grandes conquistas que César fazia na Gália, o elevavam a grandes alturas, mas ali onde parecia bem longe de Roma ocupado em guerrear os belgas1030 os suevos 1031 e os ingleses1032 não se tinha em guarda que ele fizesse, por tramas secretas no meio do povo romano e nos principais negócios, alguma coisa contra Pompeu; porque havia ao seu redor as forças de um exército como um corpo militar que ele amestrava e endurecia no trabalho, não com intenção de se valer contra os bárbaros somente, pois nos combates que tinha com ele não eram senão como uma forma de caça, pelas quais o procurava tornar invencível e temível de todo o mundo; mas, por enquanto, o ouro e a prata, os despojos e outras riquezas que ganhava em tão grande abundância sobre os inimigos que derrotava, lhe eram como a alma desse corpo, por meio do que ganhava e corrompia muitos homens, enviando grandes presentes a Roma aos que eram nomeados edis, pretores ou cônsules e mesmo às suas mulheres; de tal maneira que, tendo atravessado os Alpes e tendo que passar o inverno na cidade de Luca, uma grande multidão de homens e mulheres acorreu invejosa; mas do Senado mesmo houve duzentos que foram à sua frente, entre os quais, nomeadamente, Crasso e Pompeu, e viram de um só golpe seiscentos sargentos levando os machados diante dos pretores ou procônsules, na porta de sua casa.

LXXIII. Conspiração entre César, Pompeu e Crasso

LXXIII. César mandou de volta todos òs outros cheios de dinheiro e de promessas; mas com Pompeu e Crasso fez um pacto acedendo a que os dois. juntos haviam pedido o consulado, e que os devia ajudar enviando a Roma, no dia da eleição, bom número de guerreiros para dar suas vozes em seu favor e que tão logo fossem eleitos, eles trabalharam para que lhe dessem, por decreto do povo, os governos de algumas novas províncias e novos exércitos também e fariam confirmar e prolongar em seu nome, aquelas que tinha, por outros cinco anos. Quando a notícia desse entendimento foi divulgada entre o povo de Roma, as pessoas de bem e os principais da cidade ficaram muito descontentes, tanto que Marcelino, em plena assembleia do povo, perguntou a eles dois se pretendiam o consulado na próxima eleição, o que o povo mesmo lhe ordenou responder; Pompeu respondeu primeiro, dizendo que talvez pedisse verdadeiramente e talvez não; mas Crasso respondeu mais civilmente, que faria aquilo que achasse ser conveniente para o bem e a utilidade da república.

LXXIV. Pompeu e Crasso fazem-se nomear cônsules à força

LXXIV. Marcelino então atacou Pompeu e falou veementemente contra ele e tanto fez, que afinal Pompeu o censurou furioso, que era o mais injusto e o mais ingrato homem do mundo, visto que não reconhecia mais seu lugar e que por essa razão havia se transformado de mudo em eloquente e de pobre esfomeado a bêbado. No entanto, todos aqueles que anteriormente haviam proposto e pedido o consulado, desistiram então, exceto Lúcio Domício, ao qual Catão aconselhou e encorajou para não desistir, "porque, (dizia ele), tu não combates para obter um cargo, mas para defender a liberdade pública contra dois tiranos". Pompeu e seus aderentes, temendo a veemência de Catão, receosos de que, tendo todo o Senado à sua disposição, não atraísse para seu lado a parte mais sã do povo, julgaram que não deviam deixar vir Domício até a praça e com este fim enviaram soldados armados contra ele, que ao chegar mataram aquele que trazia a tocha à sua frente, obrigando os outros a fugir, entre os quais Catão foi o último a se retirar, ferido no cotovelo do braço direito, defendendo Domício.

LXXV. Fazem prolongar por cinco anos o governo de César na Gália

LXXV. Tendo, portanto, Pompeu e Crasso chegado ao consulado por esta via1033, não se portaram modesta nem mais honestamente. Primeiramente, como o povo quisesse eleger Catão, pretor, Pompeu, que presidia a assembleia da eleição, vendo que aquele ia ser eleito, a dissolveu, alegando falsamente que havia observado alguns maus presságios para assim ter ocasião de desfazê-la, e depois, corrompeu por dinheiro as classes do povo para fazer eleger pretor Antias e Vatínio e consequentemente fizeram por meio de editais, que o cargo de César lhe fosse prolongado por outros cinco anos, confirmando o que haviam combinado juntos; e o governo da Síria com o cargo de guerrear os partos, estava concedido a Crasso; e a Pompeu toda a África e todas as Espa-nhas com quatro legiões, das quais emprestou então duas a César, que lhas pediu para a guerra que sustentava na Gália. Isto feito, Crasso partiu para assumir seu governo ao sair de seu consulado e Pompeu, ficando em Roma, dedicou-se a desenvolver o teatro e fez realizar belos jogos de prêmio, tanto de exercícios físicos, como das letras e da música e promoveu também caçadas e combates de animais selvagens, nas quais houve até o número de quinhentos leões mortos, mas depois de tudo, não houve nada tão extraordinário nem tão espantoso como os combates de elefantes.

LXXVI. Morte de Júlia

LXXVI. Essas liberalidades e despesas feitas para dar passatempos ao povo, fizeram-no de ríspido, muito querido e lhe trouxeram uma grande benevolência da plebe; mas, por outro lado, não levantou menos inveja quando comissionou o cargo de seus governos e de suas legiões a1034 seus tenentes, enquanto ele ia daqui para ali, aproveitando o bom tempo com sua mulher por todos os belos lugares de descanso da Itália, ou seja porque estivesse dela enamorado, sentindo que ela estava enamorada dele, e não tinha coragem para deixá-la.

Dizia-se por toda a parte e era coisa assaz notória, que esta jovem dama Júlia amava seu marido tão ardentemente, de tal forma que ele não parecia ter a idade que tinha; isto na minha opinião, era devido à honesta abstinência dele, que não conhecia outra mulher senão aquela que havia desposado, posto que sua gravidade natural não era desagradável, mas sua companhia e sua conversa eram muito alegres e agradáveis às mulheres, se nisto queremos acertar com o testemunho da cortesã Flora; mas é bem certo que durante uma eleição de edis, tendo alguns chegado a pôr a mão nas armas, houve diversos homens mortos, tudo isto contra Pompeu, de maneira que estando todo sujo de sangue, foi preciso que mudasse de vestes; razão por que seus servidores correram apressados a sua casa levando seus vestuários ensanguentados para lhe trazer outros. A jovem dama, encontrando-se então grávida, percebeu por acaso sua veste nesse estado, pelo que entrou de súbito em tão grande pavor, que caiu desmaiada e tiveram muito trabalho para a fazerem voltar desse desmaio, e ela abortou na hora; por isso, os que eram mais rudes em reprovar a amizade que ele tinha a César, não podiam censurar o amor por sua mulher. Ficou ainda uma vez grávida, morrendo de parto e a criança não sobreviveu senão dias depois à sua mãe. Como Pompeu se dispunha a ir inumá-la em uma terra que possuía perto da cidade de Alba, o povo à forç a levou o corpo ao campo de Marte, mais por piedade e compaixão que teve da jovem dama, do que por desejo de agradar a César ou a Pompeu; e mesmo considerando ainda que o povo fazia isto por atenção a eles, parecia que era mais pelo amor de César ausente, do que por Pompeu presente.

LXXVII. César e Pompeu separam-se

LXXVII. Mas, antes que esta aliança, a qual cobria, em vez de refrear e impedir, sua ambiciosa cobiça de dominar, fosse extinta levantou-se dentro de Roma um tumulto e começaram todas as coisas a balançar e foram semeadas entre o povo palavras e propósitos de sedição e divisão; pouco depois, sobreveio também para reforçar, a notícia da morte e denota de Crasso, que foi como uma grande barreira retirada, que impedia essas duas partes de se chocarem, e impedindo a guerra civil, pois um e outro dos dois chefes o temiam, cedendo-se ainda, de alguma forma à razão para com seu companheiro. Mas assim que a sorte lhes retirou esse terço, que podia ainda contestar contra aquele dos dois que ficasse vencedor, então podiam verdadeiramente dizer que esses dois que ficaram, o que o poeta cômico diz:

Um contra o outro então se põe de ponta,
Suas mãos sem pó e de óleo seu corpo untado.

Tanto é a sorte insignificante ao lado da natureza, da qual não pode nunca saciar a cupidez, visto que tão grande comprimento e largura de império e tão vasta extensão do país, não pôde refrear nem limitar a cobiça desses dois homens: mas se bem que muitas vezes ouvissem dizer e muitas vezes houvessem lido eles mesmos, que

Os deuses tendo o mundo em três partes,
Cada um se mantém contente com sua parte;

e não julgavam, no entanto, que o império romano fosse suficiente para eles que não eram senão dois; todavia, Pompeu disse então num discurso que fez diante do povo, que todas as situações e todos os cargos que havia tido na administração da república, haviam sido sempre aquilo que não havia esperado e os havia também sempre deixado antes que esperassem, o que em verdade testemunhavam todas as forças que tivera em mãos, as quais havia sempre deixado em boa hora; mas então vendo que César não quebraria o seu prestígio, procurou fortificar-se nos cargos da cidade contra ele, sem demonstrar que desconfiava, mas antes fingindo desprezá-lo; mas quando viu que os magistrados da cidade não se distribuíam a seu gosto nem à sua vontade, pois que os cidadãos que os elegiam, estavam corrompidos pelo dinheiro, deixou então tudo ir ao abandono, de maneira que não houve mais magistrado que ordenasse nem ao qual obedecessem na cidade.

LXXVIII. Pompeu é nomeado cônsul

LXXVIII. No meio daquela confusão correu pela cidade um grande rumor de que era necessário eleger um ditador; e o primeiro que ousou levantar a questão foi um tribuno do povo chamado Lucílio, o qual convenceu a todos de que deviam eleger Pompeu, em que Catão foi contra tão vivamente, que o tribuno correu o perigo de ser deposto imediatamente de seu cargo; mas diversos dos amigos de Pompeu o desculparam, demonstrando que não havia procurado nem desejado de modo algum a ditadura, pelo que Catão o louvou grandemente e o exortou a dar-lhe a mão para que as coisas se pudessem repor em bom estado. Pompeu teve vergonha de recuar por uma coisa tão razoável e teve olhos, tão bem, que elegeram dois cônsules, Domício e Messala1035 ; mas, depois, as coisas caíram ainda em maior confusão que nunca, de sorte que não podiam eleger de novo magistrados, ocasião em que vários levaram adia nte o propósito de eleger um ditador mais audaciosamente do que antes; Catão, temendo ser forçado desta vez, deliberou dar a Pompeu algum cargo de poder e autoridade limitados, para o desviar daquele que tinha autoridade excessiva e tirânica; Bíbulo mesmo, que era inimigo de Pompeu, foi o primeiro a se pôr a frente no Senado, propondo que o elegessem cônsul sozinho: — "Porque, disse ele, por esse meio ou a república sairá do tumulto em que se acha agora, ou se deve cair em servidão, pelo menos seja sob aquele que é mais homem de bem". Esta opinião foi achada muito estranha, mesmo com relação àquele que a propôs e Catão, tendo se levantado nos pés, cada um dos assistentes imaginou que fosse para contradizer; mas, fazendo-se silêncio, disse alto e claro, que quanto a ele, jamais seria o primeiro a propor aquilo, mas um vez que era proposta por outro, era de opinião que a seguissem: — "Vale mais, disse ele, ter um magistrado que comande, seja quem for, do que não ter nenhum" e que não encontrava outro que soubesse comandar bem no meio de tão grandes tumultos, como faria Pompeu. O Senado aprovou esta opinião e concordou que Pompeu seria eleito cônsul sozinho e que se houvesse necessidade de companheiro, que poderia nomear quem bem lhe parecesse, mas não antes de dois meses. Assim, foi Pompeu declarado cônsul só1036 por Sulpício, que esse dia estava no seu turno. Pompeu então agradou muito amavelmente a Catão, agradecendo-lhe pela honra que lhe havia feito e solicitando-o a ajudá-lo com seu conselho nos negócios de seu consulado. Catão respondeu-lhe que não havia necessidade de agradecer, porque nada disse em tudo que havia opinado, por amor dele mas sim por amor da república e somente quando reclamassem, aconselharia particularmente; mas quando não o reclamassem, não deixaria de dizer em público o que bem lhe aprouvesse. Tal era Catão.

LXXIX. Casa-se com Comélia

LXXIX. Mas Pompeu, voltando à cidade, desposou Cornélia, filha de Metelo Cipião, não filha, mas viúva de Públio Crasso, o filho, que foi morto pelos partos, com o qual havia sido casada a primeira vez. Esta dama possuía muita graça para atrair um homem, além de sua beleza, pois era honestamente exercitada nas letras, aprendera a tocar a lira, sabia geometria e tinha prazer em ouvir questões filosóficas, não em vão nem sem proveito, e mais ainda, não era por isso nem desagradável, nem vaidosa, como acontece ordinariamente às jovens senhoras que têm essas qualidades e essa instrução. Com vantagem, era filha de um pai, ao qual não se soube reprovar nem a nobreza da raça, nem a honra de sua vida; todavia uns reprovavam nesse casamento a diferença de idade; porque Cornélia era jovem o bastante para ser antes casada com o filho de seu marido; e os mais honestos consideravam que, fazendo isto, se descuidara da coisa pública no tempo em que tinha tão grandes responsabilidades, as quais, para remediar, haviam mesmo escolhido como um médico e no entanto o viam atirado entre os braços de uma mulher apenas,1037 e se distraía em fazer núpcias e festas, quando antes devia pensar que seu consulado era uma calamidade pública, porque não teria sido entregue assim extraordinariamente a ele só, contra os costumes e as leis, se os negócios públicos andassem bem.

LXXX. Faz continuar seu governo por quatro anos

LXXX. Em suma, pôs-se a agir contra esses que, por vias indevidas, de bolsas abertas e dinheiro distribuído, haviam alcançado as honras e haviam obtido magistraturas; e, tendo feito leis e ordens, segundo as quais os processos e julgamentos se deveriam fazer, administrou bem digna e sinceramente todas as coisas, de resto, dando segurança, ordem, silêncio e gravidade nos julgamentos, assistindo ele mesmo pessoalmente, com muitos soldados armados, exceto quando seu sogro fora também, entre outros, chamado perante a justiça; aí então, mandou chamar à sua casa os trezentos e sessenta juízes e lhes pediu para ajudá-lo, de tal forma que o acusador desistiu quando viu Cipião acompanhado e comboiado por seus próprios juízes, voltando da praça. Isto ocasionou mau humor com relação a Pompeu e foi censurado, porque tendo por ordem expressa proibido que não louvassem mais publicamente aqueles que eram levados perante a justiça por algum crime, enquanto durava seu processo, ele mesmo um dia entrou no recinto ocupado pelos juízes, onde se processavam os julgamentos, para elogiar publicamente Planco; nessa ocasião Catão, que er a um dos juízes, tapou os ouvidos com as duas mãos, dizendo que não lhe era permitido ouvir elogiar um criminoso, visto que estava expressamente proibido pelas leis, o que foi causa de fazer recusar Catão como juiz, antes que desse a sentença; não obstante isto, Planco foi condenado per todos os outros juízes com grande vergonha e vitupério de Pompeu; poucos dias depois Hipesso, varão consular, estando também igualmente acusado, esperou um dia em que ele saía do banho para ir se sentar a mesa e abraçando-lhe os joelhos, suplicou-lhe para ajudá-lo; mas ele passou além, soberbamente, sem lhe responder outra coisa, senão que estragava sua refeição. Por sua inconstância e desigualdade em fazer favor a uns e ser rigoroso com outros, foi com justiça repreendido e censurado; mas, afinal, levou todas as outras coisas a bom termo e escolheu para companheiro de consulado seu sogro Cipião, para os cinco últimos meses; depois fez continuar seus governos por outros quatro anos, com a condição de retirar da economia pública1038 mil talentos para cada ano para manter e assalariar seus guerreiros.

LXXXI. Solicita o consulado para César, que se achava ausente

LXXXI. Vendo isso, os amigos de César reclamaram desejando também alguma atenção para César, que conduzia tão grandes e tão pesadas guerras para o império romano, dizendo que era bem razoável, considerando seus grandes serviços, que lhe dessem um outro consulado, ou lhe prolongassem ainda o tempo de seu governo durante o qual pudesse ao menos gozar em paz a honra de pôr em ordem o que ele mesmo havia adquirido, sem que um outro sucessor lhe viesse ret irar o fruto de seu trabalho. Sobre isto levantou-se grande discussão e grande contenção em Roma; Pompeu, querendo reparar a inveja que pudesse conceber contra César, pela amizade que lhe tinha, disse ter cartas dele, pelas quais pedia que lhe enviassem um sucessor e o desencarregassem da guerra; e por cima, o que lhe parecia bem razoável, lhe concedessem o privilégio de solicitar um segundo consulado, embora ausente, ao que Catão se opôs formalmente, dizendo que era preciso voltar a ser cidadão comum e que, deixando as armas, viesse ele mesmo procurar obter algum bem e alguma recompensa de seus concidadãos. Mas como Pompeu não replicou nem contestou a isto, mas se manteve como se não tivesse nada a dizer contra, desconfiaram e interpretaram mais que ele não tinha boa opinião sobre a vontade de César, juntando que havia reclamado de volta as duas legiões emprestadas, sob a capa da guerra dos partos; todavia, César, ainda que compreendesse bem para qual ocasião as pedia de volta, enviou-as grandemente honradas com belos e bons presentes.

LXXXII. Louca presunção de Pompeu

LXXXII. Aproximadamente nessa época, Pompeu caiu doente em Nápoles com uma grande e perigosa enfermidade, da qual todavia, se curou; e os napolitanos cederam à persuasão de um dos principais de sua cidade chamado Praxágoras, sacrificando publicamente aos deuses para lhes render graças pela sua convalescença; seus vizinhos próximos fizeram depois outro tanto, de sorte que isto, de mão em mão, se estendeu por toda a Itália e não houve nem pequena, nem grande cidade que não festejasse e se alegrasse publicamente por vários dias; e não encontravam lugar bastante para conter os que vinham de todos os lados, varando os caminhos; todas as cidadezinhas, os vilarejos, os portos de mar estavam cheios de gente que sacrificavam aos deuses e faziam festas pela recuperação de sua saúde. Havia mesmo diversos que iam visitá-lo e o acolhiam com tochas iluminadas, trazendo chapéus de flores sobre as cabeças e depois o comboiavam atirando ramos e flores sobre ele, fazendo com que o acompanhamento prosseguisse nesse ritmo em todo o percurso do caminho; foi um dos mais belos, mais honrosos e magníficos espetáculos como nunca havia visto em sua vida; mas também notam que isto foi causa, mais do que nenhuma outra, capaz de suscitar a guerra civil; pois a opinião presunçosa de si mesmo que lhe entrou na cabeça, e a extrema alegria de se ver assim honrado e amado, suplantou os ditames da razão, que devia basear sobre as coisas verdadeiras e não sobre a aparência, fazendo-o esquecer a diligência de se manter sob sua guarda, que lhe havia anteriormente assegurado sempre sua prosperidade e seus feitos, mudou-a em audaciosa bravata, fazendo-o desprezar mesmo o poder de César e até a dizer que não teria o que fazer com as armas nem com outra laboriosa solicitude contra ele e que o desfaria quando quisesse muito mais facilmente do que não tinha de início. Ápio, voltando naquela ocasião da Gália, trouxe-lhe os guerreiros que havia emprestado a César, diminuindo muito por palavras as coisas que havia feito por lá e mantendo diversos propósitos ultrajantes e injuriosos contra César, pois dizia que Pompeu não conhecia bem suas próprias forças nem sua reputação, em querer arregimentar outras armas contra ele, porque o derrotaria com as suas próprias, logo que o vissem, tanto os soldados, dizia ele, tinham ódio de César, aliado a um grande desejo de ver Pompeu. Esses propósitos envaideceram tanto Pompeu e o encheram de tão grande negligência por se fiar e imaginar muito de si, que criticou aqueles que temiam a guerra; e a esses que lhe diziam se César viesse direito a Roma, não viam por quais forças pudessem resisti-lo, respondeu-lhes com uma fisionomia sorridente e com um rosto aberto, que não se preocupassem quanto a isto: — "Pois todas e quantas vezes, disse ele, eu venha a bater com o pé, somente na terra da Itália, farei surgir de todas as partes guerreiros a pé e a cavalo".

LXXXIII. César avança sobre a Itália

LXXXIII. Enquanto isto, César observava conscientemente seus negócios, aproximando-se da Itália e enviando sempre seus soldados a Roma para estar presente na eleição dos magistrados, ganhando na surdina e corrompendo diversos daqueles que estavam em função, a poder de dinheiro, entre os quais estava Paulo um dos cônsules1039, ao qual fez virar a casaca, mediante a soma de mil e quinhentos talentos1040 e Cúrio, tribuno do povo, de quem liquidou uma ínfima soma de dívidas e Marco Antônio que pela sua amizade a Cúrio, tinha também parte em suas dívidas, coobrigado como ele. Aconteceu, com vantagem, que um dos capitães vindos da parte de César, estando próximo ao Senado 1041 e sabendo que o Conselho não lhe queria ceder a prorrogação de seu governo, que pedia, batendo a mão sobre o punho da espada, esbravejou: — "Esta aqui, disse ele, lha dará". Breve, tudo o que urdia e o que fazia, tendia para este fim; todavia, os pedidos e solicitações que fazia Cúno em nome de César, pareciam um pouco mais razoáveis e mais populares; pois pedia um dos dois, ou que fizessem depor as armas a Pompeu ou que não constrangessem César a depor como a ele: — "Pois estando (isto dizia ele) todos os dois comuns, eles se colocariam por si mesmos na razão, ou tornariam seus exércitos tão fortes um como o outro e se contentariam com o que tinham, sem nada mudar um com receio do outro; mas quem retirasse as forças de um e as deixasse ao outro, duplicaria o poder que ele temia." A isto replicou Marcelo, o Cônsul, ultrajantemente, chamando a César um salteador, e dizendo que deviam declará-lo inimigo público do povo romano, se não depusesse as armas; todavia, Cúno, Antônio e Pison tanto fizeram que a coisa foi posta em prova pela pluralidade das vozes no Senado; pois disse Cúrio que aqueles que fossem de opinião que só César depusesse as armas e que Pompeu retivesse as suas, passassem todos para um lado. A maior parte passou e não restaram senão vinte e dois apenas que ficaram com Pompeu e todos os outros juntos se colocaram ao lado de Cúno, o qual por este motivo saiu à praça com a cabeça alta, como vitorioso e foi recolhido pelos de seu partido com altos gritos e grandes salvas de palmas em sinal de contentamento e com muitos ramalhetes e chapéus de flores que atiravam sobre ele. Pompeu não estava presente nesta prova que se fez pela vontade do Senado, porque aqueles que tinham autorid ade sobre o exército não podiam, pelas leis romanas, entrar dentro da cidade; Marcelo, porém, levantando-se disse que não queria ficar sentado distraindo-se a ouvir discursos e discussões, enquanto sabia com certeza que dez legiões atravessavam já os Alpes para vir em armas direito contra eles e que ele enviaria à frente um homem para lhes fazer frente e defender a república.

LXXXIV. Preparativos de Pompeu contra César

LXXXIV. Depois disto, trocaram de roupa em Roma, como costumavam fazer em luto público; e Marcelo, passand o através da praça, seguido dos senadores, dirigiu-se a Pompeu, diante do qual, tendo chegado, disse bem alto: — "Eu te ordeno, Pompeu, que vás socorrer a república com as forças que tens sempre prontas e que leves ainda outras". O mesmo também disse Lêntulo, um dos que estavam designados como cônsules para o ano seguinte; mas, como Pompeu pensasse levantar e arrolar guerreiros dentro de Roma, uns não queriam obedecer à sua ordem, os outros vinham contra a vontade em pequeno número, friamente, e com pouca afeição; e a maioria gritando: — "Despacho, despacho", porque Antônio havia lido diante de todo o povo, apesar do Senado, uma carta particular de César, contendo certos pedidos e oferecimentos muito a propósito para atrair a plebe; pois solicitava que Pompeu e ele saíssem fora de seus governos e deixassem seus exércitos para estarem direitos e se entregassem inteiramente ao julgamento do povo, dando-lhe contas e razão de tudo o que haviam feito.

Lêntulo, que já havia entrado na posse de seu consulado, não fazia reunir o Senado; mas Cícero, que havia pouco voltara da Cilícia, ia procurando conseguir acordo, levando de dianteira que César deixara a Gália e todo o resto de seu exército, exceto duas legiões apenas, que retinha com o governo da Esclavônia, esperando um segundo consulado. Pompeu achou este expediente mau; e os amigos de César deixaram-se conduzir até conceder que este deixaria ainda uma de suas legiões, mas Lêntulo opôs-se e Catão também, gritando que Pompeu abusava e descontentava, de maneira que todas essas vias de despacho não tiveram lugar.

LXXXV. César passa o Rubicão

LXXXV. E no entanto, chegaram notícias a Roma de que César já se havia apoderado de Ariminum1042 boa e grande cidade da Itália e que vinha com todo seu poder direito a Roma, o que era falso; pois não tinha com ele mais do que trezentos cavalos e cinco mil homens de infantaria, não tendo esperado o resto de seu exército, que estava ainda além dos montes na Gália, mas apressava-se para surpreender seus adversários desprevenidos enquanto estivessem em tumulto e em pavor e não imaginassem que sua vinda fosse tão rápida, antes de lhe dar tempo de se prover e ter de combatê-los então quando estivessem preparados, pois quando chegou sobre a margem do rio Rubicão1043 que faz a separação do território que lhe havia sido entregue com a Itália, parou quieto um espaço de tempo, sem dizer palavra, e diferiu um pouco, pensando consigo mesmo na grande e ousada empreitada onde ia se atirar; subitamente, nem mais, nem menos como esses que se atiram do alto de um rochedo no abismo de profundidade infinita, fechando a boca e a razão e pregando os olhos na imaginação do perigo, gritou aos que estavam à sua volta em língua grega: — "Está lançada a sorte",1044 como se quisesse dizer "tomemos o acaso; a perder tudo não há senão um golpe perigoso" e fez passar suas tropas.

LXXXVI. Pompeu com plenos poderes

LXXXVI. Logo que esta notícia foi divulgada em Roma, houve um grande pavor como não se havia visto ainda; todo o S enado correu incontinente à presença de Pompeu quando foram também todos os magistrados da cidade, onde Túlio1045 indagou quais as forças e que exército tinha para os defender; Pompeu respondeu-lhe com alguma demora e com palavras mal seguras, que dispunha das duas legiões que César lhe havia enviado de volta, todas prontas e que contando bom aqueles que antes havia convocado às pressas, chegaria bem até o número de trinta mil combatentes. Túlio então exclamou bem alto: — "Tu abusaste de nós, Pompeu"; e aconselhou que enviassem embaixadores à presença de César. Havia naquela reunião um chamado Faônio, o qual pensando bem, não era mau homem, senão que por obstinação e audácia, procurava desfazer a franca liberdade no falar de que usava Catão; o qual lhe disse então que batesse o pé contra a terra, para fazer brotar os guerreiros que lhes havia prometido. Pompeu suportou delicadamente o importuno ultraje deste homem e como Catão o relembrasse do que havia predito a respeito de César desde o início, respondeu-lhe: — "O que tu me havias predito, certamente profetizaste verdadeiramente; mas no que eu fiz, fi-lo de boa-fé, amigavelmente". Catão resolveu então que elegessem Pompeu capitão-general da república, com plenos poderes e força soberana em todas as coisas, dizendo: — "Os grandes homens que praticam os grandes males, são esses que melhor sabem remediar", e logo partiu para ir à Sicília, cujo governo lhe havia caído por sorte e cada um dos outros senadores igualmente partiram para as províncias que lhe tinham sucedido.

LXXXVII. Pavor universal

LXXXVII. Assim, estando quase toda a Itália estremecida, não havia ordem nem razão alguma em tudo o que se fazia; pois aqueles que se achavam fora de Roma, aí acorreram, fugindo por todos os lados; e ao contrário, aqueles que habitavam dentro, saíam apressadamente, e abandonavam a cidade em tal tumulto e tal confusão, que o que podia servir, tendo boa vontade de obedecer, quase sempre era débil, e o que prejudicava pela desobediência, era poderoso e sem vontade para reagir e obedecer aos magistrados que tinham a lei para executar. Não havia meio algum de abrandar o pavor e não deixavam Pompeu dispor as coisas a seu critério, mas segundo cada um se encontrava com sentimento de dor, de temor ou de dúvida; de tal forma que em um só dia, muitas vezes, recebiam todas" pelo contrário, as resoluções do Conselho. Ele não podia compreender nada certo dos inimigos, porque uns comentavam um modo e outros de maneira diversa e se não queria acreditar, eles se enfureciam contra ele. Finalmente, verificando o tumulto e a confusão tão grandes em Roma, que não havia meio de chegarão fim, ele ordenou a todos os do Senado que fossem com ele, declarando aos que ficassem, que os consideraria como aderentes de César e ao cair da tarde abandonou a cidade. Os dois cônsules, sem sacrificar aos deuses, assim como estavam acostumados a fazer, antes de partir para irem à guerra, fugiram também, de modo que Pompeu no momento mais grave de seus negócios e no meio do perigo, podia se dar por feliz, por ver a grande afeição e benevolência que todo o mundo lhe tinha; pois ainda que diversos repreendessem sua conduta, não havia no entanto um que o odiasse, mas encontraram muito mais desses que não podiam abandonar Pompeu pelo amor que lhe devotavam do que desses que o seguiam para manter sua liberdade.

LXXXVIII. César chega a Roma

LXXXVIII. Poucos dias depois de haver partido, César chegou a Roma e, apoderando-se da cidade, falou humanamente a todos os que aí encontrou, abrandando seu pavor, exceto que ameaçou de fazer morrer Metelo, um dos tribunos do povo, que o quis impedir de retirar o dinheiro do tesouro; e ajuntou a esta cruel ameaça uma palavra mais rude, pois disse-lhe que o falar lhe era mais difícil do que o fazer. Assim, tendo reposto Metelo e tomado o que quis, pôs-se a seguir Pompeu pelas suas pegadas, procurando expulsá-lo fora da Itália, antes. que o exército de que dispunha na Espanha chegasse. Enquanto isto, Pompeu, apoderando-se da cidade de Brundúsio e tendo recuperado alguns navios, fez incontinente embarcar os dois cônsules com trinta insígnias de soldados de infantaria que enviou adiante além-mar, a Dirráquio; e despachou na mesma ocasião Cipião, seu sogro, e Gneo Pompeu, seu filho, para irem a Síria fazerem provisão de navios e ele, tendo fortificado as portas da cidade, dispôs sobre as muralhas os mais rápidos e mais ligeiros de seus soldados com ordem expressa aos habitantes que não se movessem de suas casas; fez ainda abrir fossas e entrincheirar por dentro da cidade as ruas em vários lugares e encheu as ditas fossas e trincheiras de paus pontudos disfarçados nas pontas, exceto duas pelas quais havia passagem para o porto. Após o terceiro dia, tendo já embarcado com calma toda a outra multidão de sua gente, fez subitamente levantar um sinal no ar para esses que havia deixado como guarda das muralhas, os quais acorreram logo a ele e recolhendo-os habilmente em seus navios, levantou as âncoras e atravessou o mar.

LXXXIX. Torna-se senhor de toda a Itália

LXXXIX. Logo que César percebeu as muralhas desnudas de soldados, desconfiou de que Pompeu havia fugido, e querendo correr atrás, pouco faltou para que não se atrapalhasse com aqueles paus cravados e que não caísse dentro das fossas, se os da cidade o não tivessem avisado; assim, desistiu de passar através da cidade e contornou à volta para ir ao porto, onde achou que toda a frota já havia feito vela, exceto dois navios apenas, sobre os quais havia poucos soldados. Ora, há os que colocam esta partida de Pompeu entre os melhores ardis de guerra jamais usados; todavia, mesmo César espantou-se de como, tendo uma cidade forte em seu poder, e esperando seu exército que lhe vinha da Espanha e estando senhor do mar, jamais abandonasse a Itália. Cícero1046 também o reprova por ele seguir antes a conduta de Temístocles do que de Péncies, visto que os negócios se assemelhavam mais ao tempo deste do que daquele; e César mesmo demonstra com efeito que temia muito o tempo; pois tendo surpreendido ‘Numéno, um dos amigos de Pompeu, o enviou a Emndúsio perante Pompeu, para fazer-lhe o oferecimento de despachar com condições iguais, mas esse Numéno fez-se à vela na mesma ocasião que Pompeu. Por esse meio, portanto, César tendo-se apoderado e se feito senhor de toda a Itália em sessenta dias, sem desferir um golpe, nem espalhar sangue, quis prontamente ir após Pompeu; mas como para tanto não dispunha de navios prontos, desistiu e virou-se com diligência para a Espanha, para encontrar meio de conseguir as forças que aí estavam.

XC. Forças de terra e mar reunidas por Pompeu

XC. Enquanto isto, Pompeu reuniu uma poderosa força por mar e por terra; a do mar era em todos os pontos invencível, pois tinha navios para combater até o número de quinhentos’, além de galeotas e fragatas em número infinito; e quanto às forças de terra, tinha toda a flor da cavalaria romana e da Itália também, até o número de sete mil cavalos, todos homens ricos, de grandes casas e de acentuada coragem; mas seus soldados de infantaria eram homens recolhidos de todas as peças, que precisavam ser exercitados com vagar nos feitos das armas, como também Pompeu os fazia praticar continuamente, estando em descanso junto da cidade de Berroe1047, onde ele mesmo não ficava ocioso, mas trabalhava tanto pessoalmente, como se estivesse na flor da idade; o que era de grande eficácia para assegurar e encorajar os outros, ao ver o grande Pompeu com a idade de sessenta anos, fazendo como dois, combater a pé todo armado e depois a cavalo desembainhar sua espada sem dificuldade, enquanto seu cavalo corria à rédea solta e depois a embainhar também facilmente, lançar a azagaia, não somente, com a destreza de dar a ponta chamada, mas também com força de a enviar tão longe, que poucos dos jovens soldados o podiam ultrapassar.

XCI. Personagens distintos que se reúnem a Pompeu

XCI. A ele vinham se entregar os reis, príncipes e senhores do país; e capitães romanos que haviam tido cargos, encontravam-se à sua volta, um número completo do Senado, entre os quais o próprio Labieno, que era antes um dos amigos de César e que sempre havia estado com ele nas guerras da Gáha; e Bruto, filho daquele que foi morto na Gália, homem de grande coragem e que jamais anteriormente havia falado a Pompeu nem o havia saudado, porque o considerava ter sido o assassino de seu pai; e no entanto, fora agora se submeter a ele, como aquele que combatia pela liberdade de Roma. Cícero mesmo, se bem que houvesse escrito e aconselhado de outro modo, teve vergonha de não estar no número dos que queriam aventurar sua vida pela defesa do país. Também aí foi Tídio Sexto até a Macedônia, ainda que extremamente velho e manco de uma perna; de tal modo que os outros regozijavam-se e zombavam; mas Pompeu, quando o percebeu, levantou-se e correu à sua frente, considerando que era um evidente testemunho da boa opinião que tinham dele, pois que pessoas tão velhas, fazendo mais que sua idade e suas forças permitiam, amavam mais estar em perigo com ele, do que com toda a segurança em suas casas. Com vantagem foi realizada uma assembleia do Conselho, na qual, seguindo a opinião de Catão, concluíram que não fariam morrer nem um cidadão romano, senão em batalha e não pilhariam cidade alguma que fosse sujeita ao império romano. Isto fez com que o partido de Pompeu fosse mais amado ainda, pois esses que não se misturavam absolutamente nesta guerra, ou porque habitassem muito longe, ou porque tinham pouca força e meios que não faziam conta de jeito algum, ainda favoreciam pela vontade e pela palavra a mais justa parte, estimando aquele ser inimigo dos deuses e dos homens quem não desejasse que Pompeu vencesse.

XCII. Pompeu recusa um acordo proposto por César

XCII. Todavia César, de sua parte também, mostrava-se delicado e amável, quando era o mais forte, pois tendo tomado e ganho todo o exército de Pompeu, que estava na Espanha, deixou que os capitães fossem para onde bem lhes parecesse e ser-viu-se dos soldados; pois passando de repente os montes, atravessou em grandes jornadas a Itália, tanto fez que chegou à cidade de Brundúsio1048 quando já se achava no coração do inverno, onde atravessando o mar, foi desembarcar na cidade de Orico1049, levando com ele Vibio, um dos amigos de Pompeu que havia feito prisioneiro, o qual levou à sua frente para o oferecer quando se encontrassem, e assim, se dentro de três dias houvessem de partir e deixar seus exércitos, reconciliados infundindo confiança um ao outro, voltariam juntos como bons amigos à Itália. Pompeu considerou impróprio um ardil e uma emboscada feitos para surpreendê-lo, descendo rapidamente para a praia, apoderou-se de todos os lugares apropriados e bases naturais para alojar um acampamento com segurança, e igualmente de todos os portos, praias e enseadas que oferecessem bom abrigo para os navios e onde pudessem com segurança abordar, de maneira que todo o vento soprasse favoravelmente para ele, trazendo-lhe soldados, víveres e dinheiro.

XCIII. Vantagem de Pompeu sobre César, de que não se aproveita

XCIII. Ao contrário, César estava tão apressado e vinha por um caminho tão desfavorável, tanto por terra como por mar, que se via constrangido a provocar a batalha e assaltar Pompeu até mesmo dentro de suas fortalezas para experimentar atraí-lo ao combate, onde levou a melhor a maior parte do tempo, obtendo vantagens em quase todas as escaramuças, exceto uma vez em que quase perdeu suas tropas e quase ficou totalmente arruinado, porque Pompeu repeliu tão valorosamente seus soldados, que obrigou todos a virar as costas, depois de haver morto dois mil sobre o campo, ali na hora, César, porém, não pôde ou, melhor dizendo, na minha opinião, não ousou entrar em seu acampamento, entre a confusão dos fugitivos, de tal modo que, à noite, em sua tenda, disse a seus amigos, que naquele dia os inimigos teriam conseguido a vitória final, se tivessem um chefe que soubesse vencer.

XCIV. Presunção louca que esse sucesso inspira a Pompeu e ao seu partido

XCIV. Esta vitória levou a coragem aos do partido de Pompeu, de maneira que quiseram, a toda força, aventurar a batalha. Pompeu mesmo escreveu aos reis estrangeiros, príncipes, senhores e cidades de seus aliados, como se já houvesse ganho tudo, se bem que temesse muito o resultado de uma batalha e quisesse antes minar seus inimigos pela protelação com a falta de víveres, verificando que, de outro modo, segundo se diz, eles eram invencíveis pelas armas; atendendo mais que de há muito estavam habituados a vitória, quando combatiam juntos e que dali em diante , devido à idade se zangavam, fazendo essa espécie de guerra, vagando errantes aqui e acolá por diversas regiões, mudando sempre, abrindo trincheiras, construindo tapumes e fortificando acampamentos, de tal modo por esta causa, eles não pediam outra coisa senão lutar quanto antes. No entanto, persuadia Pompeu a seus soldados, pelas admoestações que lhes fazia, que não se mexessem; mas quando viram, depois deste último encontro que César estava sendo forçado pela necessidade de víveres, levantou-se dali onde estava acampado, para ir à Tessália, através do país dos atamanianos1050 e então não houve mais jeito de conter a altivez e a glória de seus soldados, os quais gritavam que César fugia e desejavam ir atrás dele e persegui-lo, enquanto outros queriam passar logo à Itália. Alguns houve que enviaram a Roma, seus servidores e amigos para reter suas moradias e casas mais próximas da praça, porque tinham a intenção de, tão logo estivessem de volta à cidade, solicitar cargos e boas situações na administração pública, e houve outros, que com alegria de coração, navegaram à ilha de Lesbos1051, procurando Cornélia e dizendo-lhe que Pompeu havia se retirado para lá, e para lhe dar a boa notícia de que a guerra estava terminada.

XCV. Pompeu persegue César

XCV. Mas, estando o Conselho reunido, no momento, para resolver o que deviam fazer, Afrânio foi de opinião que deviam pensar em voltar o mais cedo possível para a Itália, porque isto era o principal prêmio que pretendiam nesta guerra e aqueles que seriam senhores, teriam imediatamente após si a gratidão da Sicília, da Sardenha, da Córsega, da Espanha e da Gália; e ainda mais, que não era honesto (o que mais devia comover Pompeu do que qualquer outra coisa), deixar que tirânica e ínjuriosamente tratassem sua pátria, que lhes estendia as mãos tão de perto, escarnecida na servidão por escravos e aduladores de tiranos. Mas Pompeu não julgou que fosse honroso para ele fugir outra vez à frente de César e se fazer seguir quando a sorte lhe dava meios de o expulsar e perseguir; tampouco não seria digno para com os deuses, abandonar Cipião seu sogro e diversos outros varões consulares, que estavam na Grécia e na Tessália correndo o risco de cair logo nas mãos de César, bem como as tropas que possuíam, impetuosas, não pequenas e aptas a prover o melhor para a cidade de Roma, que, combatendo longe da cidade, esta, sem sofrer, sem ver nem ouvir nada dos males que a guerra traz consigo, poderia esperar em paz aquele que finalmente fosse vitorioso, fato concluído, puseram-se a seguir César, resolvidos a não lhe dar batalha mas tê-lo bem sitiado e miná-lo com a falta de víveres, perseguindo-o e apertando-o sempre de perto, julgando que lhe era conveniente assim proceder ainda por uma outra r azão, pois lhe haviam contado sobre o propósito dos cavaleiros romanos, os quais diziam ser preciso derrotar César o mais rapidamente possível, a fim de derrotá-lo também imediatamente e, segundo dizem, foi esta a causa pela qual Pompeu não colocou Catão em posição de responsabilidade durante toda esta guerra; assim, quando se pôs a marchar atrás de César, deixou-o sobre a costa marítima como guarda de bagagem, temendo que de repente, quando tivessem arruinado César, ele não fosse também obrigá-lo a deixar logo sua autoridade.

XCVI. Rumores espalhados contra Pompeu

XCVI. Pondo-se assim a marchar brilhantemente na retaguarda de César, foi caluniado e começaram a gritar contra ele que não guerreava César, mas ao seu próprio país e ao Senado, a fim de ficar sempre com a autoridade do comando e que jamais deixaria de ter a seu lado, como seus satélites e seus ministros, aqueles que pretendiam ser, eles mesmos, senhores de todo o mundo. Ainda mais, Domício Enobarbo chamava-o a todo instante Agamenon e "rei dos reis", o que lhes suscitou inveja; e Faônio não estava menos contrariado, criticando inoportunamente, aos que falavam com essa liberdade, pois ia gritando: — "Senhores, eu vos aviso, que não comereis ainda este ano os figos de Túsculo". E Lúcio Af rânio, o qual havia perdido o exército que estava na Espanha e era suspeito de traição, vendo que Pompeu então recuava à batalha, disse: — "Eu me surpreendo de como esses que me acusam não vão francamente procurar aquele que chamam mercador e comprador de províncias, para o combater imediatamente". Com essa linguagem e muitas outras frases semelhantes, obrigaram afinal Pompeu, o qual, não podendo suportar que desconfiassem dele e não podendo negar nada aos seus amigos, antes correspondendo às suas esperanças e seus apetites, apartou-se de sua prudente decisão, o que nem um piloto de navio devia fazer, quanto mais um capitão-general, que possuía tanto poder e autoridade sobre tantas nações e sobre tão poderosas forças; e quando ele mesmo elogiava os médicos, que não satisfaziam jamais as vontades e apetites desordenados de seus pacientes, agora se deixava submeter pela parte malsã de seu exército temendo seu desprazer, quando isto era uma questão de vida ou de morte, para sua pátria. Pois quem poderia julgar sábios esses que, passeando pelo acampamento, já discutiam sobre os consulados e as pretorias? Até Espinter, Domício e Cipião já debatiam entre si e brigavam e tramavam pela dignidade de soberano pontífice, que possuía César, como se tivessem acampado diante deles o rei da Armênia, Tigranes, ou o rei dos nabateanos e não César e seu exército, o qual se havia apoderado à força de assaltos, de mil cidades; havia subjugado mais de trezentas nações; havia ganho infinitas batalhas contra os alemães e gauleses, sem jamais ter sido vencido; havia aprisionado um milhão de homens e. havia morto um outro milhão em diversas batalhas.

XCVII. Pompeu delibera se deve ou não dar a batalha

XCVII. Não obstante tudo isto, os do partido de Pompeu, sempre a gritar junto dele e quebrandolhe a cabeça com sua insistência, quando desceram à planície de Farsália1052, forçaram-no a submeter o caso à deliberação do Conselho, quando Labieno, comandante da cavalaria, levantou-se e jurou diante de todo o mundo, que não voltaria da batalha sem ter derrotado e posto em fuga os inimigos ; o mesmo juraram também todos os outros depois dele. E, na noite seguinte, Pompeu sonhou que entrava no teatro, onde o povo o recebia com grandes salvas de palmas para honrá-lo e que ele ornamentava o templo de Vênus, vitorioso, com os vários despojos. Esta visão em sonho, se por um lado lhe deu coragem, por outro também a diminuiu, pois na verdade tinha medo, porquanto, sendo a raça de César descendente da deusa Vênus, seu sonho não poderia significar que seria ela enobrecida pela vitória e pelos despojos que ganharia sobre ele. Ainda mais houve em seu acampamento barulhos e tumultos terríveis, sem nenhuma causa aparente, chamados vulgarmente terror pânico, que o acordaram em sobressalto; e, aproximadamente na hora de substituir a patrulha pela manhã, perceberam sobre o acampamento de César, onde não ouviam barulho algum, uma grande claridade como uma tocha ardente que veio dissolver-se sobre o de Pompeu; o que aliás César devia ter visto quando passou revista às suas patrulhas1053. E, ao clarear do dia, propondo desfazer o acampamento e ir para a cidade de Escotusa1054, quando os soldados já começavam a desarmar suas tendas e seus alojamentos, enviando a bagagem em suas bestas de carga com os criados, para a frente, chegaram correios que contaram ter percebido dentro do campo do inimigo grande quantidade de armas que conduziam daqui e dali e que ouviam um rebuliço e um barulho como de pessoas que se preparavam para a luta; depois desses primeiros, chegaram ainda outros que disseram estar as primeiras linhas já em ordem de batalha.

XCVIII. Ordem de batalha de César

XCVIII. Foi então que César se pôs a dizer que o dia há tanto desejado, havia chegado, no qual teriam que combater contra homens e não contra a fome, nem contra a carestia de víveres e logo ordenou que estendessem diante de sua tenda uma camisa de malhas vermelhas, pois este era o sinal, que usam os romanos para significar que deve haver batalha; vendo isto, os soldados deixaram suas bagagens e. suas tendas e, com grandes gritos de alegria, correm a pegar suas armas e os chefes de tropa, conduzindo seus soldados cada um aos lugares onde devem ficar, coloca-os em suas filas sem perturbação nem tumulto algum, tudo pacificamente e à vontade, como se estivessem conduzindo uma dança. Pompeu havia se habituado a comandar a ponta direita de seu exército, tendo à frente, diante dele, Antônio; seu sogro Cipião comandava o centro da batalha, que vinha a encontrar de frente Domício Calvino; e a ponta esquerda era comandada por Lúcio Domício Enobarbo, com um forte contingente de soldados, porque os cavalananos se achavam quase todos atirados desse lado para forçar César, o qual estava do lado oposto e assim romper a décima legião, a qual respeitavam como a mais belicosa que existia em toda a hoste inimiga, e onde César sempre combatia pessoalmente, no meio dela; mas, vendo César a ponta esquerda de seus inimigos assim fortificada de cavalaria e temendo sua forte equipagem e a deles com seus arreios brunidos em branco, fez vir seis coortes de reforço que colocou atrás da décima legião, recomendandolhes que não se mexessem de forma alguma, com medo que o inimigo as descobrisse, mas logo que a soldadesca adversária viesse. a carregar, então, correndo rijos, se atirariam do lado das primeiras filas, sem todavia lançar suas azagaias de longe, como estavam acostumados a fazer os mais valentes guerreiros, a fim de chegarem mais cedo à esgrima das espadas, mas sim, levantar a arma e dar nos olhos e no rosto dos inimigos: — "Porque, disse ele, esses belos dançarinos favoritos não esperarão nunca, que vós lhes venhais estragar os belos rostos e as belas cores, nem poderão mesmo suportar o clarão de vossas ferramentas, quando vós a aproximardes junto dos seus olhos". Eis o que fazia César.

XCIX. Ordem dada por Pompeu

XCIX. Pompeu, estando a cavalo, observava a ordem e a calma de seus inimi gos, os quais esperavam todos de pé, quietos, sem se mexer de suas filas, o tempo e o sinal de avançar; ao contrário, a maioria de seus soldados não tinha a paciência de esperar firmes em um lugar, mas estavam alvoroçados devido a falta de experiência e pouco conhecimento dos misteres da guerra; nessa ocasião teve medo que debandassem antes mesmo de começar a batalha; recomendou expressamente aos das primeiras filas, que ficassem firmes em sua posição de defesa e, bem juntos, esperassem, sem se mover, o choque do inimigo. César depois censurou essa estratégia pelo fato, disse ele, de que isto enfraquecia a violência que a marcha dá aos primeiros golpes e quando se desfaz o entrelaçamento dos combatentes, uns com os outros, o qual os encheu de impetuosidade e de fúria mais do que nenhuma outra coisa, quando chegam a se chocar rijos, com a coragem aumentada pelo grito e a corrida, o calor dos soldados, como se diz, esfria-se e se condensa. Devia haver, no exército de César, aproximadamente vinte e dois mil combatentes e o de Pompeu um pouco mais que o dobro.

C. Reflexões sobre a obstinação ambiciosa de César e de Pompeu

C. Como, portanto, a ordem de combate já tivesse sido dada de um e outro lado e as trombetas tinham começado a tocar, cada qual não pensou mais do que na sua tarefa; mas alguns dos romanos honrados e alguns gregos que se encontravam fora do setor da batalha, vendo as coisas tão perto do perigo, começaram a considerar consigo mesmo, a que termos a cobiça e a obstinação de dois homens haviam conduzido as forças do império romano; pois eram as mesmas armas, as ordens de batalha todas semelhantes, bandeiras comuns e iguais, o valor de tantos homens da mesma cidade em jogo e um tão grande poder que ia se destruir por si mesmo, servindo de notável exemplo para demonstrar quanto a natureza do homem é cega, furiosa e louca, desde que se deixa uma vez levar por alguma paixão; pois se tivessem querido reger e governar em paz o que haviam conquistado e se contentassem em gozar de tudo o que haviam adquirido, a maior e a melhor parte do mundo, do mar e da terra estariam sob suas ordens. Ou, melhor ainda, se quisessem satisfazer a sua cupidez de triunfos e saciar sua sede de vitórias, teriam bastante motivo para guerrear contra os partos e contra os alemães, e se não lhes restasse mais alguma coisa, poderiam conquistar e subjugar toda a Cítia ou as índias: e teriam nisto aparência de honestidade para cobrir sua avareza; pois podiam dizer que era para ensinar a vida civilizada a essas nações bárbaras. E que cavalaria da Cítia, e que flechas dos partos, ou riqueza das índias teria podido suster o esforço de setenta mil combatentes romanos, sob o comando de dois capitães como Pompeu e César?

Nações estrangeiras e distantes, ouviram antes mesmo dos romanos, os seus nomes, tanto haviam se celebrizado antes por suas vitórias, subjugando povos ferozes, selvagens e bárbaros. E agora estavam diante um do outro, em armas, para se desfazerem, sem ter pelo menos piedade de macular sua própria glória, da qual estavam tão ambiciosos, que por ela não poupavam nem seu próprio país, desde que até esse dia tinham sido de fato e pela fama, ambos invencíveis. Pois a afinidade que haviam revelado juntos, o amor de Júlia e suas núpcias, desde o início, foram suspeitados de não serem senão enganos e antes penhor e cilada de uma conspiração feita entre eles, em atenção a alguma comodidade particular, e não garantia de uma verdadeira amizade.

CI. Empenha-se a batalha

CI. Quando, portanto, a planície de Farsalia1055 ficou coberta de homens, de cavalos e de armas e o sinal de combate foi dado de uma parte e de outra, o primeiro do exército de César que se pôs a correr para carregar, foi Caio Crassiano, capitão de cento e vinte e cinco homens; este desejando satisfazer a uma grande promessa que fizera a César, o qual ao vê-lo pela manha sair primeiro do campo, lhe havia perguntado, ao saudá-lo por seu nome, o que lhe parecia a decisão desta batalha, o capitão, estendendo-lhe a mão, exclamara bem alto: — "Tu a ganharás valentemente, César, não há dúvida, e me elogiar ás hoje, ou vivo, ou morto". Lembrando-se portanto, desta palavra, foi o primeiro que se atirou fora das fileiras e, atraindo diversos outros atrás dele, foi dar de cabeça baixa bem no meio dos inimigos; comba teu-se imediatamente a golpes de espadas, havendo grande mortandade de homens; pois esse capitão avançava sempre e ia furando as fileiras e fazendo em pedaços tudo o que encontrava à sua frente até que houve um que o deteve, dando-lhe uma estocada dentro da boca, atravessando-o de lado a lado, de tal modo que a ponta da espada lhe saiu pela nuca. Assim esse Crassiano caiu morto na terra e o combate se desferiu com igualdade.

CII. César conquista a vitória

CII. Mas Pompeu não fez marchar rapidamente a ponta esquerda de suas forças, na qual se achava, mas considerava sempre, olhando aqui e ali, para ver o que fariam seus soldados de cavalaria, os quais já estendiam suas tropas com a intenção de envolver César e derrubar os cavaleiros que ele tinha em pequeno número à sua frente, antes do batalhão de infantaria. Ao contrário, logo que César levantou no ar o sinal de combate, seus soldados da cavalaria recuaram um pouco e as seis coortes que estavam de emboscada, onde ele tinha três mil combatentes, puseram-se a correr de súbito para carregar o inimigo pelo flanco; e quando chegaram junto dos cavalos, levantaram os ferros de suas vouges e azagaias de modo contrário assim como César lhes havia ensinado a fazer e deram direito nós rostos desses gentis-homens, que nunca se haviam encontrado em luta alguma e não esperavam esse combate, nem o tinham aprendido; também não tiveram coragem de aparar nem de sustentar os golpes, que lhes eram assim desferidos nos olhos e nas faces, mas viravam as cabeças e punham as mãos diante de seus rostos pondo~sé vergonhosamente em fuga. Estes, rompidos, os soldados de César não procuraram correr atrás dos fugitivos, mas foram se lançar sobre o batalhão de infantaria, no lugar mesmo onde estavam, desprovidos de soldados de cavalaria e, consequentemente, mas à vontade para serem cercados e envolvidos. Assim, sendo carregados no flanco por aqueles e de frente pela décima legião, não puderam resistir nem fazer frente muito tempo, vendo, ao contrário do que haviam esperado, que era envolver seus inimigos, encontravam-se eles mesmos envolvidos. Aqueles, tendo portanto também se posto em fuga, e vendo Pompeu a poeira no ar, desconfiou logo que era a derrota de sua cavalaria. É impossível dizer qual o pensamento que lhe veio então à mente; mas bem se pode assegurar que, pela sua atitude, parecia propriamente a de uma pessoa admirada ou abobalhada e que perdera o senso e o entendimento, não se lembrando mais que era o grande Pompeu; pois, sem dizer palavra a ninguém, retirou-se passo a passo para o seu acampamento, representando ao vivo o que está descrito nesses versos de Homero:

O alto e trovejante Júpiter enviou
Ao valente Ájax o medo que o assustou.
Quieto, parou desvairado
Tendo às costas atirado
Seu largo escudo onde estavam tecidos
Sete couros de boi que o reforçavam.
Depois fugiu Veloz, os olhos virando
Por todos os lados, em todos os sentidos.1056

CIII. Fuga de Pompeu

CIII. No mesmo estado, entrou Pompeu para dentro de sua tenda, onde ficou sentado algum tempo sem falar, até que diversos dos inimigos entraram misturados com seus soldados, que fugiam do campo de luta; e então, não proferiu ele outra palavra senão: — "Como? até em nosso acampamento!" e não disse outra coisa, mas levantando-se, tomou uma veste conveniente à sua sorte e saiu. As outras legiões fugiram também e foi feita uma grande carnificina entre criados e guardas que haviam ficado dentro do acampamento. O soldado Asínio Polio, que combateu nesta batalha, ao lado de César, escreve que não morreram ao todo senão seis mil. Mas, na tomada de seu acampamento, os soldados de César conheceram bem evidentemente a loucura, a vaid ade e leviandade de Pompeu; pois não havia tenda nem pavilhão que não estivessem repletos de festões e de chapéus de murta, as camas estavam todas cobertas de flores, as mesas cobertas de potes e taças cheias de vinho, e aparelhagem e preparativos de pessoas que tencionavam sacrificar e fazer festa, antes do que se armar para um combate, tão confiados estavam de vã esperança e cheios de louca presunção nesta batalha. Quando Pompeu se achava um pouco distante de seu acampamento, deixou o cavalo, com poucos soldados a seu lado; e vendo que pessoa alguma o perseguia, marchou a pé, lentamente, com aqueles pensamentos, como se pode julgar que deve ter um personagem, acostumado, pelo espaço de trinta e quatro anos, a vencer continuamente e ser sempre o mais forte e agora começava a experimentar, em sua velhice, o que é encontrar-se vencido e fugir, e discorria consigo mesmo, de como havia perdido numa só hora, a glória, o poder e a autoridade adquiridos em tantas guerras e tantas batalhas; e pela qual era antes seguido e obedecido por tantos milhares de guerreiros, por tantos da cavalaria e de uma tão poderosa frota de navios; e agora ia assim tão pequeno e reduzido a pouco acompanhamento, que mesmo seus inimigos, que o procuravam, não o reconheciam. Passando pela cidade de Larissa, entrou no vale de Têmpia e, tendo sede, deitou-se sobre o ventre e bebeu no rio; depois, levantando-se, caminhou tanto que chegou à praia do mar, a uma pobre cabana de pescadores; depois quando começou a clarear o dia, entrou num pequeno barco de no com aqueles que o haviam seguido e eram de condição livre; pois, quanto aos escravos, mandou-os de volta, aconselhando-os a que se apresentassem corajosamente à presença de César, e que não tivessem nenhum medo.

CIV. Petício recebe-o em seu navio

CIV. Assim, quando ia beirando a costa com seu pequeno barco, percebeu um grande navio cargueiro ao lado do mar, ancorado, que estava pronto a levantar âncora e fazer vela; o mestre do navio era um romano, o qual se bem que não fosse familiar a Pompeu, conhecia-o de vista. Chamava-se Petício e à noite precedente havia sonhado que via Pompeu, não tal como estava habituado a ver, mas bem deprimido e aflito, falando com ele. Havia contado seu sonho aos que navegavam com ele, assim como se faz constantemente, como quando se sonham coisas de grandes consequências e não se tem pressa; e, no mesmo instante, um dos marinheiros lhe disse que via um barco de rio, que vinha direito, vogando para eles, trazendo dentro pessoas que sacudiam suas vestes e lhes estendiam as mãos. Petício, levantando-se nos pés, reconheceu imediatamente Pompeu, tal como havia à noite sonhado e, batendo a cabeça, pesaroso, ordenou aos marinheiros que fizessem descer o esc aler, e estendendo a mão, chamou Pompeu pelo nome, desconfiando muito ao vê-lo em tal estado, sobre o que lhe teria acontecido e que a má sorte lhe teria soprado em cima; por esse meio, sem esperar que ele pedisse nem que falasse de sua desdita, recolheu-o em seu navio e todos aqueles que vinham com ele, e depois se fez à vela. Com ele estavam os dois Lêntulo e Faônio; e logo depois perceberam ainda sobre a praia o rei Dejotaro, que se debatia e lhes fazia sinais para que o recebessem também, como o fizeram; e quando chegou a hora do jantar, o dono do navio lhe preparou a refeição com o que havia; e Faônio, vendo que Pompeu, por falta de criados, começava a lavar-se a si mesmo, correu a ele, lavou-o, untou-o e depois continuou sempre a servi-lo e a ministrar-lhe tudo o que fazem os escravos aos seus senhores, até a limpar-lhe os pés e preparar-lhe a refeição; razão porque houve alguém que vendo como ele fazia esse serviço liberalmente com uma simplicidade inocente, sem afetação nem fingimento algum, disse-lhe este verso:

Que tudo assenta bem numa grande coragem.

CV. Vai encontrar Cornélia em Lesbos

CV. Assim Pompeu, passando diante da cidade de Anfípolis1057 atravessou dali para a ilha de Lesbos onde devia encontrar sua mulher Cornélia e seu filho, que estavam na cidade de Mitilene1058 ; porque, tendo ancorado na enseada, enviou um mensageiro à cidade à presença dela, não tal como sua esposa aguardava; pois, segundo as notícias que lhe mandavam para agradá-la, e que lhe traziam todos os dias, ela esperava qu e a guerra tivesse sido inteiramente decidida perto da cidade de Dirráquio1059 e que não restava mais nada a Pompeu senão perseguir César, que teria fugido. O mensageiro, portanto, encontrando-a com tal esperança, não teve o coração bastante firme para saudá-la somente, mas deu-lhe a entender mais pelas suas lágrimas, do que por suas palavras, o principal da desgraça e que se apressasse rapidamente se quisesse ver Pompeu em um navio só e que não era seu, mas emprestado. A jovem dama, ouvindo esta notícia caiu estendida contra a terra, onde ficou muito tempo desmaiada sem falar nem se mover e depois que voltou do desmaio, considerando que não era tempo para lamentar-se nem chorar, desceu com diligência através da cidade sobre a praia do mar, onde Pompeu foi ao seu encontro e tomando-a em seus braços, porque ela não podia se suster, mas deixava-se cair de dor, dizendo: — "Ai de mim! É bem uma obra de minha sorte, não da tua, querido esposo, que te vejo agora reduzido a um único pobre naviozinho, quando, antes de desposares a infeliz Cornélia, te fartavas de singrar este mar com quinhentas velas. Ai de mim! Por que vieste portanto me ver ? E por que não me deixaste com o meu sinistro e malfadado destino, pois que sou eu quem te trouxe tanta desgraça? Ai de mim! Tanto teria sido mulher feliz, se estivesse morta antes de conhecer a morte de Públio Crasso, meu primeiro marido, que os partos mataram! E tanto teria sido sábia, se como fui em propósito, tivesse abandonado minha pobre vida logo após ele, quando fiquei para trazer ainda desgraça ao grande Pompeu!" Dizem que Cornélia pronunciou então estas palavras e que Pompeu lhe disse: — "Não conheces por acaso senão a boa sorte, Cornélia, a qual não te faltou, tanto ficaste comigo que não estás acostumada a parar em um só lugar; mas, desde que nascemos homens, é forçoso que suportemos pacientemente essas adversidades e que tentemos ainda a sorte; pois não está fora da esperança, que não possamos voltar da calamidade presente para a prosperidade passada, assim como da prosperidade passada caímos na calamidade presente".

CVI. Aconselha aos mitilênios que se submetam a César

CVI. Ouvidas essas palavras, Cornélia mandou à cidade buscar sua bagagem e sua família e os mitilênios vieram publicamente visitar e saudar Pompeu, pedindo-lhe para descer à terra e vir descansar em sua cidade, o que ele não quis fazer; mas ele mesmo os aconselhou a obedecer ao vencedor, sem medo de nada, porque César era homem equitativo e de natureza benigna e, virando-se para o filósofo Crátipo, que havia também descido da cidade, entre os outros cidadãos, para vê-lo, lamentou-se e discutiu um pouco com ele no tocante à providência divina; no que Crátipo lhe cedeu tudo delicadamente, dando-lhe sempre melhor esperança, com receio que não lhe fosse muito aborrecido e importuno, se quisesse conscientemente contestar as suas razões; porque Pompeu lhe havia perguntado que providência dos deuses havia em seu feito e Crátipo lhe teria respondido, que para o mau governo dos negócios em Roma, era necessário que a república caísse nas mãos de um príncipe soberano; e depois, por acaso, perguntou-lhe: — "Como e quais bandeiras queres tu, Pompeu, pois nós acreditamos que terias melhor sorte, se tivesses ficado vencedor, mas o que não faz ou fará César? Mas é preciso deixar isto como apraz aos deuses ordenar".

CVII. Retira-se para o Egito

CVII. Tendo Pompeu, portanto, tomado sua mulher e seus amigos, pôs-se à vela sem abordar e m nenhuma parte, senão onde era obrigado a fazer para receber víveres ou água. A primeira cidade onde entrou foi Atália1060, no país da Panfília, onde algumas galeras da Cilícia foram encontrá-lo e reuniram-se à sua volta alguns guerreiros, encontrando-se sessenta senadores romanos em sua companhia, mas compreendendo que sua armada estava ainda para ser completada e que Catão havia recolhido bom número de soldados da derrota, que havia transportado com ele à África, pôs-se a lamentar, queixando-se aos seus amigos, de o terem constrangido a combater por terra e não haviam esperado que se socorresse da outra força a qual era, sem dúvida alguma, a mais forte e que se ele se mantivesse sempre junto de sua armada, se a sorte corresse mal sobre a terra, teria logo suas forças de mar prontas para resistir a seu inimigo, também, em verdade, Pompeu não cometeu naquela guerra uma falta maior, nem César divisou um melhor ardil, do que forçar seu inimigo à luta assim longe do socorro de sua armada. Mas, sendo Pompeu obrigado a mover-se e fazer alguma coisa segundo os poucos meios que possuía, foi seguindo aqui e ali pelas cidades próximas e em algumas ia pessoalmente pedir dinheiro, com o qual equipava e armava seus navios; e no entanto, temendo a rapidez e celeridade de seu inimigo, para que não o apanhasse antes que pudesse por de cima algum aparelhamento suficiente para lhe fazer frente, pôs-se a considerar qual o retiro e que recurso podia ter então, ou onde pudesse ficar em segurança; e depois de haver consultado tudo, pareceu-lhe que não havia nem uma província do império romano que o pudesse manter; e quanto aos reinos estrangeiros, foi de opinião que, no momento, não havia nenhum que melhor os pudesse recolher nem cobrir seguramente, assim fracos como estavam, para depois levantá-los e acompanhá-los com mais forças, como o dos partos. Os outros do Conselho viravam sua opinião para a África e o rei Juba; mas Teófanes Lesbiano, dizia que parecia-lhe uma grande loucura, deixar o reino do Egito, que não estava senão a três dias de navegação dali e o rei Ptolomeu1061 que não acabava ainda de sair de sua infância, sendo devedor hereditário da amizade e da graça que seu pai havia recebido de Pompeu, para ir se jogar entre as mãos dos partos, a mais infiel e mais desleal nação do mundo, que não admitira ajudar um único romano, que teria sido seu sogro; e quanto a ele que era o primeiro de todos os homens, que não precisava provar sua equidade, e antes ir submeter-se ao poder de Arsaces1062, que não tinha somente podido ter em suas mãos a vida de Crasso vivo e levar uma jovem mulher da casa dos Cipiões entre os bárbaros, que não mediam seu poder nem sua grandeza, senão com a licença de cometer todas as vilanias e todas as infâmias que desejassem; pois, supondo ainda que não fosse violada por eles, que é, no entanto, coisa indigna que se possa pensar a seu respeito, por ter estado sob o poder desses que têm o meio de o fazer, não houve senão esta razão, pelo que dizem, que desviou Pompeu de tomar o caminho do Eufrates, a menos que queiramos consentir que este tenha sido o discurso da razão e não a má sorte que o guiou a tomar o caminho que seguiu. Tendo portanto, sido resolvido no Conselho, que o melhor era fugir para o Egito, partiu de Chipre com sua mulher em uma galera selêuca e os outros de sua companhia embarcaram
 igualmente, uns sobre galeras também e os outros dentro de grandes naves de mercadores, e atravessaram o mar sem perigo; tendo notícias de que o rei estava na cidade de Pelúsio1063 com suas tropas onde guerreava sua irmã, tomou aquele caminho e mandou avisar o rei que havia chegado e solicitando recebê-lo.

CVIII. Ptolooneu determina fazê-lo assassinar

CVIII. Esse rei Ptolomeu era ainda muito jovem, mas aquele que conduzia todos seus negócios, chamado Potino, reuniu um Conselho dos homens principais e mais avisados da corte, os quais tinham autoridade e prestígio segundo o que lhes agradava consentir; e, reunidos que foram, ordenou-lhes da parte do rei de darem cada um sua opinião, referente a esta recepção de Pompeu, a saber se o rei devia recebê-lo ou não. Já causava uma grande compaixão ver um Potino, criado de quarto do rei do Egito e um Teodócio1064 mestre-escola, nativo de Quios, que haviam sido contratados para ensinar a retórica a esse jovem rei e um Aquiles Egípcio, consultar entre eles o que deviam fazer do grande Pompeu, pois estes eram os primeiros conselheiros e intermediários dos negócios do rei, entre os outros criados de quarto e os que o haviam criado. Pompeu esperava, ancorado na baía, bem longe da costa, a resolução desse Conselho, no qual as opiniões foram diferentes; uns queriam que o mandassem embora, os outros que o chamassem e que o recebessem. Mas o retórico Teodócio, querendo mostrar sua eloquência, discorria que nem uma, nem a outra eram certas: — "Porque, disse ele, se o recebessem, teriam César por inimigo e Pompeu por senhor e, se o reconduzissem, Pompeu os incriminaria por terem-no expulsado e César por eles não o terem retido; razão por que o melhor era chamá-lo para o fazer morrer, porque assim, adquiririam a boa graça de um e não temeriam mais a má vontade do outro"; ainda dizem que ajuntou1065 a seu dizer esse traço de ironia: — "Um homem morto não morde mais".

CIX. Envia Aquiles

CIX. Tendo portanto, concluído isto entre eles, deram a comissão para executá-la a Aquiles; este tomando consigo um Septímio, que outrora havia sido soldado de Pompeu e Sálvio, um outro centurião, com três ou quatro outros satélites, fez-se conduzir à galera onde estava Pompeu, dentro da qual encontravam-se também todos os principais personagens de seu séquito, para ver o que aconteceria; mas quando viram esta maneira de receber, que não era real nem magnífica, nem em coisa alguma correspondendo a esperança que lhes havia dado Teófanes, considerando que não viam senão que pouca gente vinha a eles dentro de um barco de pescadores, começaram a ter suspeitas do pouco caso que faziam deles e aconselharam Pompeu a voltar atrás e fazer-se a alto mar, enquanto estavam ainda fora da saraivada das flechas. Enquanto isso, a barca aproximava-se e Septímio levantou-se nos pés e saudou Pompeu em língua romana com o nome de imperador, que quer dizer, soberano capitão, e Aquiles o saudou também em língua grega e disse-lhe que passasse à sua barca, porque ao longo da margem havia muito lodo e bancos de areia de tal forma que não havia água bastante para sua galera; mas ao mesmo tempo, viam de longe diversas galeras do rei, que se armavam com diligência, e toda a costa coberta de guerreiros, de tal modo que se Pompeu e os de sua companhia tivessem querido mudar de rumo, não poderiam mais se salvar e havia ainda mais que fazia desconfiar, que dariam ao homicídio alguma aparência para desculpar sua malvadez. Pelo que, despedindo-se de sua mulher Cornélia, a qual antes do golpe já fazia as lamentações de seu fim, ordenou a dois centuriões que entrassem na barca do egípcio à sua frente como também a um de seus escravos libertos, que se chamava Filipe e a um outro escravo que se chamava Scines. E como Aquiles já lhe estendia a mão de dentro de sua barca, voltando-se para sua mulher e seu filho, disse-lhes esses versos de Sófocles:

Quem entra em casa de tiranos,
Torna-se seu escravo
Mesmo quando parte livre.

CX. Seu assassinato

CX. Essas foram as últimas palavras que disse aos seus, quando passou de sua galera para a barca; e porque era longe da galera até a terra firme, vendo que pelo caminho nenhuma pessoa mantinha propósitos de palestra amável, olhou Septímio no rosto e lhe disse: — "Parece-me que te conheço, companheiro, por haveres outrora estado na guerra comigo. O outro fez-lhe sinal somente com a cabeça, que era verdade, sem lhe dar outra resposta nem agrado algum; pelo que, não tendo mais nenhuma pessoa que dissesse palavra, pegou em sua mão um livreto, dentro do qual havia escrito um discurso em língua grega, que queria dizer a Ptolomeu e pôs-se a lê-lo. Quando chegaram a pequena distância da terra, Cornélia com seus domésticos e amigos familiares levantaram-se nos pés, olhando com grande aflição o que aconteceria. Pareceu-lhe que ainda tinha de esperar, quando percebeu soldados do rei, que se apresentavam no desembarque, como para receber e honrar Pompeu; mas sobre esse ponto, quando segurava a mão de seu liberto Filipe para se levantar mais à vontade, Septímio veio por trás, passando-lhe sua espada através do corpo, depois do que Sálvio e Aquiles desembainharam também suas espadas; então Pompeu puxou seu traje com as duas mãos diante de sua face, sem dizer nem fazer nenhuma coisa indigna dele e suportou virtuosamente os golpes que lhe davam, somente suspirando um pouco; estava com a idade de cinquenta1066 e nove anos, e terminava sua vida no dia seguinte àquele de seu nascimento. Os que estavam dentro dos barcos quando presenciaram o homicídio, fizeram um tão grande clamor, que se ouvia até à costa e levantando com diligência as âncoras, puseram-se à vela para fugir, ao que lhes serviu o vento que se levantou logo que ganharam o alto mar, de maneira que os egípcios, que se aparelhavam para vogar após eles, quando viram isto, desistiram, e tendo cortado a cabeça de Pompeu jogaram o corpo fora da barca, para quem tivesse vontade de ver um tão miserável espetáculo.

CXI. Seu liberto Filipe queima seu corpo

CXI. Filipe, seu liberto, ficou sempre ao lado dele até que os egípcios se fartaram de olhá-lo e, depois, tendo-o lavado com água do mar e embrulhado em sua pobre camisa, porque não tinha outra coisa, procurou ao longo da praia se encontrava algum morador de um velho barco de pescadores, cujas peças estivessem velhas, mas suficientes para queimar um pobre corpo nu. Assim, quando ele juntava e reunia-os, surgiu um romano, homem idoso, que em sua juventude havia estado na guerra sob Pompeu e perguntou-lhe: — "Quem és tu, meu amigo, que fazes este preparativo para os funerais do grande Pompeu?" Filipe respondeu-lhe que era um seu liberto. "Ah! disse o romano, não terás sozinho esta honra, e peço-te me receberes como companheiro em um tão santo e tão devoto encontro; a fim de que eu não tenha ocasião de me queixar de tudo e por tudo por me haver habituado em país estrangeiro, tendo como compensação de vários males que aqui suportei, encontrado ao menos este bom acaso, de poder tocar com minhas mãos e ajudar a sepultar o maior capitão dos romanos". Eis como Pompeu foi sepultado. No dia seguinte Lúcio Lêntulo, não sabendo nada do que se havia passado, mas vindo de Chipre, ia singrando ao longo da margem e percebeu um fogo de funeral e Filipe junto, o qual ele não reconheceu ao primeiro olhar; perguntou-lhe: — Quem é este, que tendo aqui terminado o curso de seu destino, repousa neste lugar?" Mas de repente, suspirando profundo, ajuntou: — "Ai de mim! por acaso és tu, grande Pompeu?" Depois desceu à terra, onde logo após foi aprisionado e morto. Tal foi o fim do grande Pompeu.

CXII. César vinga sua morte

CXII. Não se passou muito tempo quando César chegou ao Egito assim agitado e atordoado, e ao lhe ser apresentada a cabeça de Pompeu, virou a face para trás para não ver e mostrando horror àquele que a apresentava, como um matador excomungado, pôs-se a chorar; tomou o anel no qual estavam gravadas suas iniciais, que lhe foi também apresentado e onde estava incrustado na pedra um leão tendo uma espada; mas fez morrer Aquiles e Potino; e mesmo seu rei Ptolomeu, tendo sido derrotado em uma batalha ao longo da margem do rio Nilo, desapareceu, de maneira que não souberam nunca mais o que lhe aconteceu. Quanto ao retórico Teodócio, escapou do castigo de César; pois fugiu em boa hora e foi errante daqui e dali pelo país do Egito, mise rável e odiado por todo o mundo. Mas depois, Marco Bruto, após haver morto César, tornando-se o mais forte na Ásia, achou-o por acaso e depois de o fazer suportar todas as torturas que pudesse imaginar, o fez finalmente morrer. As cinzas do corpo de Pompeu foram depois trazidas a sua mulher Cornélia, a qual as depositou em uma terra que possuía perto da cidade de Alba.

Mais fontes sobre Pompeu
Comentários sobre a fonte

Cadastre-se ou faça login para comentar

Cadastre-se

Ainda não há comentários nessa página.
Seja o primeiro a comentar.

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.