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Notas

803 - No ano 546 de Roma.
804 - No ano 546 de Roma.
805 - Tito Lívio (XXXII, 10) diz que Filipe acampara perto do rio Aous, o que parece mais verdadeiro.
806 - Habitantes de Opunte, capital da Lócrida Opúncia, à beira-mar, diante da ilha Eubéia.
807 - Políbio refere-se a Bráquilas.
808 - Os Jogos ístmicos eram celebrados no Istmo de Corinto. em honra de Melicerta, ou Palemão, rei marinho. Estes jogos eram realizados no primeiro e no terceiro ano das olimpíadas: os do primeiro ano, no início do verão, e os do terceiro, no início da primavera.
809 - Povo da Caria, onde estava situada a cidade de Bargílias, que hoje se denomina Barghili.
810 - Os jogos nemeus eram ce lebrados no inverno do segundo ano e no verão do quarto ano das Olimpíadas.
811 - No ano 558 de Roma, ou 196 A. C.
812 - No ano 820 de Roma, ou seja, no ano 67, de nossa era.
813 - Uma mina de prata valia 100 dracmas.
814 - Nilo se conhece nenhum historiador com este nome. Talvez se trate de Tuditano, escritor a q uem se referem Macróbio e Plínio.
815 - Antíoco III. o Grande.
816 - Esta passagem é notável: eis um romano venerado em vida como se fosse um deus tutelar. O abade Mongault fez uma dissertação curiosa sobre este culto, publicada nas "Memórias da Academia das Inscrições", t. 1, pág. 353.
817 - V. a Vida de Catão. cap. XXXIV.
818 - V. a Vida de Catão, capítulo XXXVII.
819 - A morte de Aníbal verificou-se, segundo Tito Lívio, no ano 571, de Roma, e, segundo Políbio, no ano seguinte.
820 - Encontra- se o mesmo julgamento em Tito Lívio (XXXV, 14). Plutarco apresenta-o de maneira diferente na Vida de Pirro, capítulo XVI, sem dúvida por ter então, sob os olhos, outro autor.

Fontes   >    Roma Antiga

Vidas Paralelas: Tito Quíncio Flaminino, de Plutarco

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Busto romano atribuído a Tito Quíncio Flaminino. Museu de Delfos, Grécia.

Sobre a fonte

Tito Quíncio Flaminino (229-174 a.C.) foi um político da república romana eleito cônsul em 198 a.C. Foi o principal general romano na Segunda Guerra Macedônica contra o Reino da Macedônia de Filipe V. A biografia de Flaminino faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Flaminino foi comparado ao grego Filopêmene, líder da Liga Aquéia.

I. Caráter de Flamínino

I. É fácil ficar conhecendo a fisionomia e o porte de Tito Quíncio Flamínino, que escolhemos para estabelecer um paralelo com Filopêmene; para isso basta contemplar a estátua de bronze que ainda hoje se ergue em Roma, perto do grande Apoio, e que foi trazida de Cartago; ela está colocada defronte da entrada do circo, e, em sua parte inferior, lê-se uma inscrição em grego. Quanto ao feitio moral e ao caráter de Flamínino, dizem que ele se irritava com a mesma facilidade cem que prestava obséquios, mas com esta diferença: a sua cólera não era duradoura e suas punições eram sempre ligeiras, enquanto que os benefícios por ele prestados eram grandes e permanente a afeição que passava a dedicar às pessoas a quem servira, como se estas fossem as benfeitoras. Sua maior riqueza, costumava dizer, consistia em cultivar a devoção daqueles a quem havia feito beneficies. E como, acima de tudo, ambicionava glórias e honradas, sempre que se apresentava uma oportunidade para belos e grandes empreendimentos, ele insistia em agir sozinho, não aceitando a colaboração de ninguém. Preferia a convivência dos que necessitavam de seu auxílio à dos que podiam ajudá-lo, vendo nos primeiros uma ocasião para exercer a sua virtude, e, nos outros, competidores na luta pela glória e honradas.

II. Suas primeiras campanhas

II. Sua infância decorreu numa época em que Rema enfrentava grandes problemas e sustentava importantes guerras, motivo pelo qual os jovens romanos, apenas atingiam a idade do serviço militar, eram enviados ao exército a fim de aprenderem a arte militar e se tornarem bons capitães. Flamínino foi assim educado na disciplina militar, e o primeiro comando que recebeu foi na guerra contra Aníbal, na qual teve mil infantes sob suas ordens, no consulado de Marcelo803. Tendo sido este morto numa emboscada, foi nomeado governador da província e da cidade de Tarento, que acabava de ser ocupada pelos romanos, pela segunda vez. No desempenho do cargo, adquiriu a reputação de homem íntegro e justo, bem como de conhecedor da carreira das armas.

III. É nomeado cônsul, antes dos trinta anos, e é enviado contra Filipe, rei da Macedônia

III. Quando se decidiu enviar gente para repovoar as cidades de Narnia e Cossa, ele foi escolhido para chefiar os colonos. Esta escolha inspirou-lhe tal confiança em si mesmo, que teve a audácia de aspirar ao consulado, embora não tivesse passado pelos outros encargos que os jovens costumavam exercer, como a edilidade, o tribunado, e a pretura, e que constituíam como os degraus de sua carreira. Assim quando chegou a época da eleição dos cônsules, ele se apresentou entre os pretendentes ao cargo, fazendo-se acompanhar de grande número daqueles que havia conduzido às duas cidades repovoadas, os quais se empenhavam com dedicação em seu favor.

Todavia, dois tribunos do povo, Fúlvio e Mânlio, opuseram-se à. sua eleição, dizendo que constituiria um exemplo perigoso elevar-se à suprema magistratura um jovem ainda não iniciado nos segredos do governo, contra os costumes de Roma, e quase pela força. Mas o Senado decidiu entregar a questão aos sufrágios do povo, o qual o elegeu cônsul juntamente com Sexto Élio804, embora não tivesse completado ainda trinta anos. Em seguida, dividindo, pela sorte, os encargos, com seu companheiro, coube-lhe fazer a guerra contra Filipe, rei da Macedônia. Isto, ao que me parece, foi para os romanos um favor da fortuna, pois tinham de enfrentar homens para os quais não convinha um general que os subjugasse pela força e pela violência das armas, mas que os conquistasse pela brandura e persuasão. Filipe possuía no seu reino da Macedônia tropas bastantes para enfrentar os romanos nos primeiros combates; mas para sustentar uma guerra de longa duração, a Grécia era-lhe necessária, pois era ela que lhe fornecia dinheiro, víveres e todas as coisas que um exército não pode dispensar; era ela, enfim, que lhe proporcionava um abrigo seguro. Deste modo, enquanto os gregos não fossem separados de Filipe, essa guerra não poderia ser decidida numa única batalha. A Grécia não mantinha ainda, nesta época, grandes relações com os romanos; começava apenas a ter com eles intercâmbio no terreno dos negócios; e se seu general não fosse um homem de natureza afável e cortês, mais inclinado a fazer uso da razão do que da força, capaz de ouvir amistosamente e persuadir pela confiança aqueles com quem tratava, mantendo-se ao mesmo tempo fiel cumpridor dos preceitos do direito e da justiça, os gregos não teriam querido sacudir um jugo que suportavam fazia já muito tempo, para submeter-se à dominação de novos estrangeiros. É isto o que se verá através da narrativa dos fatos.

IV. Apressa-se em dar início à campanha. Sua chegada ao Epiro

IV. Flamínino sabia que os generais encarregados antes dele da campanha da Macedônia, Sulpício e Públio, tinham para ali seguido muito tarde, e que, prolongando demais a guerra, haviam cansado as suas forças em pequenas sortidas e escaramuças, para forçar uma passagem ou cercar um comboio, ora aqui, ora ali; não quis por isso, como eles, passar o ano de seu consulado em Roma, cuidando dos negócios do governo e desfrutando as honras de seu cargo, para juntar-se ao exército no fim do outono, a fim de ganhar outro ano, além do de sua magistratura, no qual se dedicaria à guerra. Não tendo outra ambição senão consagrar à expedição da Macedônia o ano inteiro de seu consulado, renunciou voluntariamente a todas as prerrogativas e honrarias que seu cargo lhe proporcionaria em Roma. Solicitou ao Senado que lhe permitisse designar seu irmão, Lúcio Quíncio, para o comando da esquadra, e, entre os experimentados soldados que, sob o comando de Cipião, tinham derrotado Asdrubal, na Espanha, e depois Aníbal, na África, escolheu três mil, os quais, ainda em condições de combater e dispostos a acompanhá-lo na expedição, constituiriam a parte principal de seu exército. Embarcou com suas tropas e chegou ao Épiro, após uma viagem sem incidentes. Lã encontrou Públio Júlio, acampado com suas forças diante de Filipe que, havia já muito tempo, tomara posição junto à foz do rio Apso805, a fim de guardar a entrada dos desfiladeiros que ali se iniciam. Diante das dificuldades e dos obstáculos naturais, os romanos permaneciam inativos. Flamínino assumiu o comando do exército, e, após mandar Públio para Roma, tratou de tomar conhecimento direto da região. É esta constituída por um longo vale, formado por altas montanhas, não menos ásperas que as do vale Tempe, na Tessália; mas não possui, como este, bosques acolhedores, florestas verdejantes, recantos aprazíveis e prados alegres.

Consiste apenas numa grande e funda depressão, pela qual corre o rio Apso que, pela largura e rapidez de suas águas, assemelha-se ao rio Peneu. O rio ocupa todo o espaço existente entre as bases das montanhas, com exceção de um caminho estreito aberto na rocha, e é tão escarpado que um exército dificilmente poderia passar por ele, mesmo que não estivesse defendido; defendido, então, mesmo que por poucos soldados, tornar-se-ia impraticável.

V. Escaramuças entre os romanos e os macedônios

V. Flamínino foi aconselhado a dar uma longa volta, passando por Dessaretides, perto da cidade de Linco, onde encontraria, numa região plana, um caminho amplo e de fácil acesso. Mas ele receava que, afastando-se do mar para ir ter às terras áridas e pouco cultivadas, os víveres viriam a faltar-lhe. Além disso, se Filipe se recusasse a combater, ele, após passar muito tempo sem nada fazer, como seu predecessor, ver-se-ia forçado a. voltar para o mar. Resolveu por isso abrir caminho através das montanhas e atacar o inimigo, forçando a passagem a qualquer preço. Mas a parte mais alta das montanhas estava ocupada pelas tropas de Filipe; e, quando os romanos começaram a subir as encostas, caiu sobre eles uma chuva de dardos e flechas, arremessadas dos dois lados. Os combates foram violentos, havendo mortos e feridos de ambas as partes, mas não levaram a qualquer decisão, quanto ao desfecho da guerra.

VI. Pastores indicam a Flamínino um caminho entre as montanhas

VI. Entrementes, pastores da região que costumavam levar seus rebanhos às montanhas, foram ao encontro de Flamínino e disseram-lhe saber de um caminho que o inimigo havia esquecido de guardar, e pelo qual prometeram fazer passarem suas tropas para atingir, o mais tardar três dias depois, o cimo da montanha. E a fim de que não se pusessem em dúvida as suas palavras, afirmaram ter sido enviados por Cárope, filho de Macatas. Cárope. o mais notável dos epirotas, era muito ligado aos romanos, mas só os favorecia secretamente, pois temia Filipe. Diante daquela afirmação, Flamínino confiou nos pastores, e enviou acompanhados por eles, um de seus capitães, com quatro mil homens de infantaria e trezentos cavaleiros. Os pastores, bem amarrados, caminhavam na frente. À noite, caminhavam sob o luar, pois, afortunadamente, a lua era cheia; e, quando raiava o dia, toda a tropa descansava em qualquer depressão coberta de mato.

VII. Derrota Filipe

VII. Entretanto, Tito, depois de despachar essa tropa, manteve em repouso o restante do exército, limitando-se a provocar algumas escaramuças, com o fito de distrair o inimigo. Mas no dia em que a tropa por ele enviada com os pastores devia atingir o cume da montanha, onde ficaria a cavaleiro do acampamento inimigo, ele, logo ao amanhecer movimentou todo o seu exército, o qual dividiu em três corpos; com um destes, lançou-se ao longo do rio, pelo lugar onde o caminho era mais estreito, fazendo seus comandados marcharem junto às encostas da montanha. Os macedônios, saindo-lhes ao encontro, crivaram-nos de dardos, e, em alguns lugares, entre os rochedos, travou-se luta corpo a corpo. Ao mesmo tempo, as outras duas unidades, avançando cada uma de um lado, esforçavam-se, à porfia, para subir as escarpas íngremes e inóspitas. Quando o sol se ergueu, avistou-se ao longe uma fumaça, não muito aparente a princípio, e semelhante ao nevoeiro que se forma quase sempre em volta dos picos das montanhas. Os adversários nada podiam ver, pois que, provocada pela tropa que já atingira o cimo, a fumaça se elevava atrás deles. Os romanos, no meio do combate em que se empenhavam, estavam incertos quanto à causa da fumaça, mas esperavam que fosse aquilo que desejavam. Mas quando viram que ela aumentava cada vez mais, a ponto de obscurecer o ar, adquiriram a certeza de que se tratava de sinal feito pelos companheiros. Soltando altos gritos, puseram-se a subir as encostas com tal destemor que os inimigos foram levados, à força, para os lugares mais difíceis e intransitáveis da montanha. Os guerreiros que haviam atingido o cimo responderam aos gritos com grande ruído, e os macedônios ficaram de tal modo amedrontados que se puseram em fuga. Todavia, o número de mortos não excedeu a dois mil, pois que a aspereza do terreno impediu a perseguição do inimigo.

VIII. Vários povos da Grécia, cativados pela moderação de Flamínino, unem-se aos romanos na luta contra Filipe

VIII. Todavia, os romanos pilharam o seu acampamento, apoderando-se de tudo o que encontraram no interior das tendas, e também dos seus escravos; e, depois de se assenhorearem dos desfiladeiros, penetraram no Épiro. Ao atravessar este país, deram provas de tão grande moderação e comedimento que, embora estivessem longe de seus navios e do mar, e não tivessem recebido o trigo que lhes era destinado todos os meses, sofrendo por isso séria escassez de víveres, eles de nada se apoderaram na região, não obstante tudo ali houvesse em abundância. Tito, tendo sido informado de que Filipe, de passagem pela Tessália, como que acossado pelo medo, forçava os habitantes da região a saírem das cidades e a seguirem para as montanhas, e mandava depois atear fogo às casas, abandonando à pilhagem dos soldados tudo o que era deixado pelos moradores, pois estes não podiam carregar todos os seus bens, devido à sua quantidade e peso, teve o cuidado de advertir seus comandados a não causarem ali nenhum dano, como se tratasse de um país já submetido e que lhes tivesse sendo cedido pelo próprio inimigo. Não foi preciso passar muito tempo para que verificassem todo o valor desta moderação. Com efeito, apenas entraram na Tessália, as cidades começaram a render-se espontaneamente: até os gregos que residiam além do desfiladeiro das Termópilas, desejaram ardentemente ver Tito, a fim de a ele se entregarem. Os aqueus, por sua vez, renunciaram à aliança que tinham com Filipe e, mais ainda, decidiram, numa reunião de seu conselho, unir-se aos romanos para fazer guerra ao rei macedônio. Os etólios eram então amigos e aliados dos romanos, mostrando-se seus ardorosos partidários; os opúncios806, no entanto, recusaram-se a entregar-lhes a sua cidade a fim de que a defendessem contra Filipe; eles de nada quiseram saber, e preferiram mandar chamar Tito, sob. cuja proteção colocaram suas pessoas e bens.

IX. Acaba de conquistar a amizade dos gregos ao propor a Filipe que lhes restítua a liberdade, proposta esta recusada

IX. Conta-se que, quando o rei Pirro viu pela primeira vez, de um alto morro, o exército dos romanos em ordem de batalha, disse que a disposição das tropas destes bárbaros não lhe parecia de nenhum modo bárbara. Mas também aqueles que jamais haviam visto Tito, e que lhe falavam pela primeira vez, eram obrigados a dizer a mesma coisa; é. que tinham ouvido os macedônios falarem na chegada de um exército de bárbaros com um comandante que tudo devastava com suas armas, nos lugares por onde passava, a todos subjugando. E viam, ao contrário, um homem na flor da idade, com uma fisionomia doce e humana, que falava corretamente a língua grega e amava a verdadeira glória. Maravilhados diante de tantas qualidades, eles se espalhavam pelas cidades da Grécia, onde transmitiam aos demais a afeição que neles despertara Tito, dizendo que tinham encontrado, em sua pessoa, o capitão que lhes restituiria a antiga liberdade. Quando, em seguida, Filipe demonstrou o desejo de chegar a um entendimento, e que Tito lhe ofereceu a paz e a amizade dos romanos, com a condição de deixar os gregos viverem em liberdade, e retirar as suas guarnições das cidades deles, a recusa do rei macedônio convenceu todos, mesmo os que lhe eram favoráveis, de que os romanos não tinham ido fazer guerra aos gregos, mas sim aos macedônios, em defesa dos gregos. Diante disso, todas as outras cidades da Grécia se entregaram espontaneamente a Tito.

X. Convence os tebanos a se colocarem ao lado dos romanos. O comando é-lhe prorrogado

X. E como ele atravessasse o território da Beócia sem praticar qualquer ato de guerra, os principais moradores da cidade de Tebas, saíram ao seu encontro, não obstante tivessem tomado partido pelo rei da Macedônia, por causa de um particular chamado Braquilelis807. Todavia, procuraram homenageá-lo e festejá-lo, como se estivessem desejosos de permanecer em boa amizade com ambas as partes. Tito abraçou-os e dirigiu-lhes a palavra atenciosamente, prosseguindo devagar em seu caminho, e fazendo-lhe perguntas sobre certas coisas e contando-lhes outras. E procurava de propósito prolongar a conversação, pois queria que os soldados, cansados com a longa caminhada, tomassem fôlego. Assim caminhando, sempre vagarosamente, chegou às portas da cidade, nesta entrando, juntamente com os tebanos, os quais com isto não ficaram muito satisfeitos. Não ousaram, porém, opor-se, mesmo porque Tito tinha uma escolta numerosa. Quando já se encontrava no interior de Tebas, pediu que o conselho se reunisse, e, dirigindo-se ao povo, concitou-o a tomar o partido dos romanos, de preferência ao de Filipe, falando-lhe com cuidado, como se não tivesse a cidade em seu poder. O rei Átalo, que por acaso participava da assembleia, secundou-o, exortando os tebanos a fazerem o que Tito lhes pedia. Mas como, talvez para exibir a sua eloquência diante do recém-chegado, falasse com uma veemência maior do que lhe permitia a idade, ele ficou de tal modo agitado que, subitamente, no meio do discurso, foi vítima de um desfalecimento e de uma fluxão de humores, caindo de costas, após perder os sentidos.

Alguns dias depois, foi levado, num de seus navios, para a Ásia, onde não demorou muito a morrer. Entrementes, os beócios passaram para o lado dos romanos; e, como Filipe tivesse enviado embaixadores a Roma, Tito fez o mesmo, a fim de que seus delegados representassem perante o Senado o seguinte: em primeiro lugar, se se quisesse continuar a guerra contra Filipe era necessário que seu comando fosse prorrogado; em segundo lugar, se se quisesse a paz, que lhe dessem então a honra de concluí-la. Sendo excessivamente ambicioso, Tito receava que fosse designado outro comandante para continuar a guerra, o qual poderia arrebatar-lhe toda a glória. Mas seus amigos agiram tão bem, que nem o rei Filipe conseguiu o que havia pedido, nem outro capitão foi enviado para a ele suceder, continuando assim no comando.

XI. Oferece batalha a Filipe

XI. Logo após lhe ter sido comunicada a decisão do Senado, partiu para a Tessália, com a grande esperança de atacar e derrotar Filipe, pois tinha em seu exército mais de vinte e seis mil combatentes, entre os quais seis mil infantes e trezentos cavaleiros fornecidos pelos etólios. O exército de Filipe, no entanto, não era inferior ao seu; e ambos começaram a marchar, um ao encontro do outro, até que chegaram perto da cidade de Escotusa, onde decidiram dar início à batalha. Os comandantes dos dois exércitos não ficaram muito surpreendidos ao se verem tão perto um do outro, e nem as suas tropas. Ao contrário, os romanos, de um lado, sentiram-se tomados de uma coragem ainda maior e de um mais forte desejo de combater, pensando na glória que os cobriria após a vitória sobre os macedônios, a quem os feitos de Alexandre, o Grande, haviam emprestado uma tão alta reputação de valor e de força; os macedônios, de outro lado, alimentavam a esperança de, caso derrotassem os romanos, combatentes superiores aos persas, tornar o nome de Filipe mais famoso do que o de Alexandre. Tito mandou reunir seus soldados, e exortou-os a cumprirem o seu dever e a demonstrarem todo o seu valor, numa batalha contra os seus mais nobres e bravos adversários, a ser travada no meio da Grécia, ou seja, no mais belo teatro que se poderia oferecer à sua coragem. E Filipe, seja por acaso, seja por precipitação, pois grande era a premência do tempo, subiu numa elevação situada perto das trincheiras de seu acampamento, sem perceber que se tratava de uma carneira, onde haviam sido enterrados vários mortos. Dali começou a falar aos soldados, para animá-los, como costumam fazer os grandes capitães, antes da batalha; mas vendo-os desencorajados pelo sinistro presságio, oferecido pelo lugar aonde subira para falar-lhes, ele também se perturbou, e desistiu de combater naquele dia.

XII. O combate inicia-se no dia seguinte

XII, No dia seguinte, desde a madrugada, após uma noite úmida, durante a qual sopraram ventos do sul, as nuvens começaram a se desfazer em nevoeiro,. cobrindo-se toda a planície com uma névoa escura; e o nevoeiro, descendo das montanhas, ao raiar do dia, estendeu-se por todo o espaço existente entre os dois campos, obscurecendo-o inteiramente. Batedores enviados pelos dois exércitos para localizarem e verem o que fazia o adversário, logo se encontraram e empenharam-se em luta, perto de Cinocéfalos, nome dado a pequenas elevações terminadas em ponta, umas diante das outras, e que se assemelhavam muito a cabeças de cão. Nesta escaramuça, as posições dos contendores variaram várias vezes, como acontece habitualmente quando se combate em lugares acidentados; assim é que, às vezes, uns fugiam e outros perseguiam, para logo depois passarem a perseguidores os que fugiam e a fugitivos os que perseguiam. E os dois campos enviavam incessantemente reforços aos destacamentos que eram obrigados a recuar. O nevoeiro começou a se dissipar algum tempo depois, e o ar a tornar-se mais claro, de modo que os dois comandantes puderam ver claramente o que se passava entre os acampamentos, e decidiram lançar todas as suas forças à batalha.

XIII. Flamínino alcança a vitória

XIII. Filipe obteve de início vantagem na ala direita de seu exército, a qual, após ter tomado posição no alto de uma encosta, caiu. subitamente sobre os romanos, e com tal impetuosidade que nem mesmo os mais fortes e valentes puderam sustentar a luta neste setor da batalha, com seus renques cerrados de lanças em fúria. Mas, na ala esquerda, o mesmo não aconteceu, pois que o batalhão macedônio não pôde cerrar suas fileiras, nem juntar escudo contra escudo, em virtude das elevações e rochedos existentes no lugar onde se colocara. Tito, percebendo o que ocorria, abandonou a ala esquerda de seu exército, a qual já cedera ante a ala direita do inimigo, passando repentinamente para o outro flanco, e ali atacou os macedônios, os quais, por motivo dos altos baixos do terreno, não puderam conservar a disposição habitual de sua falange, e nem dar às suas fileiras aquela profundidade que as tornava tão fortes, Por outro lado, embaraçados pelo peso de suas armas, eles se movimentavam com grande dificuldade, chocando-se uns contra os outros, e não pediam por isso combater homem a homem. Pois a falange macedônia apresenta este particular: enquanto conserva suas fileiras cerradas e seus escudos unidos, assemelha-se, por assim dizer, ao corpo de um animal de força indomável: mas uma vez rompida e desorganizada, desaparecem não somente a sua força como conjunto, mas também o vigor individual de cada combatente, seja devido ao peso de sua armadura, seja porque tirava ele da ligação e disposição das fileiras, que formavam o todo, mais força que de si próprio.

XIV. Epigrama do poeta Alceu

XIV. Assim, quando a ala esquerda do inimigo se pôs em fuga, uma parte dos romanos saiu no seu encalço; os outros se apressaram em atacar pelos flancos a ala direita, que ainda combatia, seguindo-se uma grande carnificina. Logo depois, as unidades inimigas que já pareciam vitoriosas foram destroçadas e puseram-se, finalmente, em fuga, como as outras, abandonando as suas armas. Pelo menos oito mil macedônios tombaram mortos no campo de batalha e cerca de cinco mil foram aprisionados. Sobre os etólios recaiu a culpa pela fuga de Filipe, pois se detiveram em pilhar o seu acampam ento, enquanto os romanos perseguiam os fugitivos; de modo que, quando voltaram, nada mais encontraram. Isto deu motivo a uma troca de palavras injuriosas que degenerou em franca altercação, Mas os etólios ofenderam Tito ainda mais grave-mente, pois atribuíram-se as honras da vitória, fazendo circular por toda a Grécia que a eles era devida a derrota do rei Filipe. Por este motivo, nas canções que os poetas compuseram e o povo cantava pelas cidades, em louvor do grande feito de armas, os etólios apareciam sempre em primeiro lugar. Isto se verificou principalmente na canção seguinte, composta em forma de epitáfio, e que era cantada por toda gente:

Passante, aqui vês, sem direito à sepultura.
Sem pranto de amigos, jazendo em terra hostil,
Trinta mil homens, que no solo da Tessália,
O ponto final de suas vidas encontraram.
Derrotaram-nos as armas dos etólios,
E os latinos, por Tito comandados,
E que por eles da Itália foram trazidos,
À Macedônia, para a nossa desventura.
E Filipe, com a sua decantada audácia,
Fugiu, como fogem os cervos nas campinas,
Quando os perseguem velozes cães de caça,
Ao ver, pela frente, as forças do inimigo.

XV. Resposta de Filipe a este epigrama

XV. Os versos desta canção foram compostos pelo poeta Alceu, o qual, para insultar Filipe, e cobri-lo de vergonha, exagerou grandemente o número de soldados mortos na batalha. Mas como a canção era cantada em toda parte, causou maior despeito a Tito do que a Filipe. Este, ao contrário, achou graça, e, para responder à zombaria, compôs uma canção imitando a do poeta, cuja substância é a seguinte:

Passante, este tronco de folhas despido,
Que a os olhos oferece sinistro presságio,
É uma força, neste ermo morro erguida,
Para que Alceu nela se estrangule.

XVI. Flamínino concede a paz a Filipe

XVI. Entretanto, Tito, que desejava a todo custo conquistar a estima dos gregos, mostrou-se muito sensível à afronta. A partir de então passou a tratar sozinho de todas as questões, sem tomar conhecimento dos etólios. Estes ficaram muito irritados, e, pouco tempo depois, quando Tito recebeu uma embaixada de Filipe, portadora de propostas de paz, às quais pareceu dar ouvidos, mostraram-se tão descontentes que se puseram a percorrer todas as cidades gregas, dizendo em altas vozes que Tito negociava a paz com Filipe, precisamente num momento em que se podia extirpar a guerra pelas raízes e aniquilar inteiramente a nação que, a primeira, colocara a Grécia sob o seu jugo. Estas calúnias, que os etólios propagavam por toda parte, causaram certa inquietação entre os amigos e aliados dos romanos; mas o próprio Filipe fez cessar todas estas suspeitas ao vir pessoalmente tratar da paz, e ao submeter-se, sem restrições, a Tito e aos romanos. Assim Tito pôs termo à guerra, deixando a Filipe o reino da Macedônia e obrigando-o a renunciar a todas as suas pretensões sobre a Grécia e a pagar a soma de mil talentos; além disso, privou-o de toda a sua esquadra, com exceção de dez navios, e, a fim de assegurar o cumprimento do tratado, tomou como refém Demétrio, um de seus filhos, que foi enviado a Roma.

XVII. Sua prudência em conceder a paz num momento em que nova guerra ia ser deflagrada por Antíoco, instigado por Aníbal

XVII. Tito, concluindo a paz, agiu acertadamente, de acordo com as circunstâncias, e soube prever o futuro; pois Aníbal, de Cartago, este implacável inimigo do Império romano, banido dê seu país, incitava sem cessar o rei Antíoco, junto a quem se refugiara a tentar a sua sorte e a aumentar o território de seu país, que em tão bom caminho já se encontrava. Antíoco, aliás, a isso estava inclinado, impelido pela confiança que decorria de sua prosperidade. Os seus grandes feitos de armas lhe haviam valido o cognome de Grande; e ele, que aspirava a uma monarquia universal, não esperava senão uma oportunidade para atacar os romanos Se Tito, numa sábia previsão do futuro, não se tivesse inclinado à paz, a guerra de Antíoco teria ocorrido juntamente com a que já se trava na Grécia contra Filipe, e Roma, hostilizada pelos dois maiores e mais poderosos príncipes então existentes no mundo, tinidos pelos seus interesses comuns, teria de sustentar combates tão difíceis e perigosos quanto os da guerra contra os cartagineses. Mas Tito, colocando esta paz entre as duas guerras, terminando uma antes que a outra tivesse começado, destruiu, com um só golpe, a última esperança de Filipe e a primeira de Antíoco.

XVIII. Consegue, dos emissários enviados pelo Senado, completa liberdade para os gregos

XVIII. Entrementes, os dez comissários que o Senado romano enviara a Tito para ajudá-lo a pôr ordem nos negócios da Grécia, aconselharam-no a declarar livres todos os gregos, excetuando apenas as cidades de Cálcide, Corinto e Demeirade, nas quais deveria colocar boas guarnições, a fim de evitar que concluíssem qualquer aliança com Antíoco. Os etólios, então, hábeis na arte de caluniar, tudo fizeram para levar as cidades à sedição. Intimavam Tito a romper os grilhões da Grécia, expressão com que costumavam designar as três mencionadas cidades. Perguntavam aos gregos, à guisa de zombaria, se, pelo fato de terem nos pés novas cadeias, mais polidas e brilhantes sem dúvida, porém bem mais pesadas, eles se sentiam mais felizes; e se admiravam Tito, e o consideravam como seu benfeitor pelo fato de lhes ter atado no pescoço as correntes que antes traziam nos pés. Tito, a quem estas imputações irritavam e impacientavam, insistiu tanto junto ao Conselho que este acabou concordando em que fossem retiradas as guarnições daquelas três cidades, a fim de que os gregos não mais pudessem se queixar de não terem obtido dele a sua completa libertação.

XIX. Esta liberdade é proclamada na assembleia dos jogos ístmicos

XIX. Pouco tempo depois foram realizados os Jogos ístmicos, os quais atraíram uma grande multidão, desejosa de assistir ao desenrolar dos combates dos atletas808, pois a Grécia, após um longo período de guerras, e na esperança de recuperar logo a sua inteira liberdade, não desejava outra coisa senão celebrar com festas a paz que lhe fora assegurada. No meio da reunião, ouviu-se subitamente o som de uma trombeta ordenando silêncio e, logo depois, um arauto avançou, na arena, para proclamar diante de toda a assistência que o Senado de Roma e Tito Quíncio, após a derrota, no campo de batalha, do rei Filipe e dos macedônios, declaravam livres de todas as guarnições e de todos subsídios, talhas e impostos, os coríntios, os lócrios, os fócios, os eubóicos, os aqueus, os ftiotas, os magnésios, os tessálios e os perrébios, os quais poderiam, desde então, viver de acordo com suas antigas leis e em plena liberdade. A maior parte dos espectadores não ouviu, pelo menos distintamente, a proclamação. O estádio estava cheio de confusão e algazarra; os poucos que tinham ouvido exprimiam a sua admiração, e os demais pediam informações, solicitando todos, afinal, que o arauto repetisse a proclamação.

XX. Aclamações dos gregos

XX. Fez-se então profundo silêncio, e o arauto, alteando a voz, foi ouvido por toda a assembleia. Ergueu-se então do povo um clamor de alegria tão forte, que seus ecos chegaram até o mar; e, incontinente todos os presentes, que já haviam tomado lugar para ver os atletas, ergueram-se, e foram, tomados de grande júbilo, saudar e abraçar Tito, a quem chamavam o seu protetor e o libertador da Grécia. Viu-se, então, concretizarem-se as afirmações que geralmente se fazem quando se deseja significar uma força excessiva ou um ruído um clamor muito grandes: vários corvos, que por acaso voavam sobre a multidão, caíram sobre o estádio.

A ruptura e a divisão causada no ar pela violência das vozes muito fortes provocam tais quedas, pois as aves, não encontrando apoio suficiente, tornam-se incapazes de sustentar o voo. Por este motivo, precipitam-se ao solo, como se atravessassem um espaço vazio. A não ser que queiramos dar outra explicação: as aves, ao voarem, são atingidas pelas vozes, como se fossem flechas certeiras, caindo mortas. É possível também que se trate do efeito de um turbilhão que se forma no ar, à semelhança do que vemos no mar, quando as ondas, violentamente agitadas pela tormenta, põem-se a girar com grande rapidez.

XXI. Sua alegria. Reflexões sobre as guerras e a sorte da Grécia

XXI. Se, ao terminar a reunião, Tito, prevendo que uma imensa multidão acorreria para vê-lo, não tivesse deixado imediatamente o local, teria corrido o risco de ser sufocado, tal o número de pessoas que se aglomeraram em volta dele. Mas, cansados de tanto gritar e cantar diante da tenda de Tito. elas se retiraram ao chegar a noite. Pelo caminho, abraçavam e beijavam todos os parentes, amigos e concidadãos que encontravam, tal a sua alegria, indo depois, todos juntos, cear. Como é fácil de se supor, à mesa, o seu júbilo tornava-se ainda mais vivo, e não se falava em outra coisa a não ser na Grécia, relembrando-se os grandes combates que havia sustentado no passado, para defender ou recuperar a sua liberdade. "Depois de tantas guerras de que foi teatro, diziam, a Grécia jamais recebera recompensa mais justa e mais sólida pelos seus esforços do que a por ela agora devida aos estrangeiros que vieram combater em sua defesa. Sem que lhe tenha custado sequer uma gota de sangue, ou a perda de um só homem, pela morte do qual tivesse de se cobrir de luto, ela alcançou o prêmio mais glorioso, o mais digno de ser disputado. Se o valor e a prudência são raros entre os homens, uma virtude existe mais rara ainda: a justiça. Os Agesilaus, os Lisandros, os Nícias, os Alcibíades, e todos os outros grandes capitães do passado, sabiam sem dúvida conduzir habilmente uma batalha e alcançar vitória em terra e no mar; mas jamais souberam utilizar-se de seus êxitos para atos de uma significação verdadeiramente honesta e generosa. Com efeito, se excetuarmos o feito d’armas contra os bárbaros, na planície de Maratona, as batalhas de Salamina, de Platéia e das Termópilas, as proezas de Címon perto de Chipre e no rio Eurimedonte, todos os outros combates de que a Grécia participou foram sempre travados contra ela mesma e a fizeram cair na servidão; todos os monumentos que ela ergueu relembraram o seu infortúnio e a sua vergonha; e a maldade e a teimosia de seus governadores e capitães, invejosos uns dos outros, acabaram por arruiná-la inteiramente. E foram estrangeiros, que não têm com a Grécia senão fracos traços de um antigo parentesco quase desfeito, e de cujos conselhos deveria parecer estranho que ela tirasse qualquer proveito, que vieram expor-se aos maiores perigos e enfrentar dificuldades infinitas, para libertar o país da opressão e do jugo de tiranos violentos".

XXII. Empenho de Flamínino em tomar uma realidade a liberdade da Grécia

XXII. Estas reflexões e outras semelhantes faziam os gregos sobre a sua situação presente. E, o que é mais, os atos se seguiram às palavras da proclamação: pois Tito enviou Lêntulo à Ásia a fim de libertar os bargílios809, e Titílío à Trácia para fazer saírem das cidades e das ilhas daquela região as guarnições que Filipe ali mantinha; Públio Júlio, por sua vez, foi ao encontro de Antíoco a fim de tratar com ele da libertação dos gregos que estavam sob sua dependência. Quanto a Tito, dirigiu-se à cidade de Cálcide, onde tomou um navio que o conduziu à província de Magnésia; ali chegando, fez com que as guarnições saíssem das cidades, cujo governo entregou aos cidadãos.

XXIII. Preside aos jogos nemeus, fazendo de novo proclamar a liberdade da Grécia

XXIII. Algum tempo depois foram celebrados em Argos os Jogos Nemeus810, em honra de Hércules, e Tito foi escolhido para presidi-los, como juiz. Ele tomou todas as providências necessárias para que a festa se revestisse da maior solenidade e mandou proclamar de novo por um arauto, publicamente, a libertação de toda a Grécia, do mesmo modo como fora feito nos Jogos ístmicos. Percorreu depois as diversas cidades, onde estabeleceu leis sábias, reformou a justiça, fez com que a concórdia e a amizade voltassem a reinar entre os cidadãos, pondo termo às velhas dissensões e pendências que os separavam, e promoveu o regresso dos banidos. E a alegria que lhe proporcionou o fato de poder, por meio d e conselhos e persuasão, reconciliar os gregos, não foi menor do que a por ele experimentada ao vencer os macedônios pela força das armas. E tal foi a conduta de Tito, que os gregos foram levados a considerar a liberdade que lhes havia sido restituída como o menor dos benefícios dele recebido. Conta-se que, um dia, vendo os exatores levarem para a prisão o filósofo Xenócrates, por haver deixado de pagar certo imposto devido pelos estrangeiros que residiam em Atenas, o orador Licurgo livrou-o das mãos dos que o conduziam. Além disso, mandou processá-los, perante a justiça, punindo-os pela injúria feita a tal personagem. Alguns dias depois, encontrando na idade os filhos de Licurgo, o filósofo lhes disse: "Proporciono ao vosso pai uma bela recompensa pelo serviço que me prestou; pois, por minha causa, ele é elogiado por toda gente".

XXIV. A conduta de Flamínino proporciona aos romanos estima e confiança universais

XXIV. Mas os benefícios dos romanos e de Tito, com referência à Grécia, não lhes trouxeram apenas estes frutos como recompensa, pois lhes valeram honras e louvores de todos os povos; e, além disso, tornaram-se merecedores de uma confiança geral, o que lhes permitiu aumentar o seu poderio e influência sobre as outras nações. De maneira que os povos e as cidades, não somente acolhiam os capitães e governadores que lhes eram enviados, como iam ao seu encontro, e os chamavam mesmo a fim de se colocar entre suas mãos. E não apenas as cidades e as comunidades, mas também os príncipes e os reis, oprimidos por outros mais poderosos, e que não tinham assim outro recurso, para a sua segurança, senão recorrer à proteção dos romanos. Deste modo, em pouco tempo, com o favor e o auxílio de Deus, como creio, toda a terra a eles se submeteu,

XXV. Presentes de Tito ao templo de Delfos, e as inscrições que neles mandou gravar

XXV. Para Tito, a libertação da Grécia constituíra maior motivo de glória do que todos os seus outros feitos; assim é que, quando ofereceu ao templo de Apolo, na cidade de Delfos, escudos de prata, juntamente com o seu próprio escudo, mandou neles gravar a seguinte inscrição:

Ó! nobres gêmeos, de Júpiter nascidos,
Tindáridas, reis de Esparta aguerrida,
Que para o combate cavalos amestrastes,
E que na arte da guerra prazer encontrastes,
Tito Quíncio, da raça de Enéias, oriundo,
Depois de os gregos livrar do cativeiro,
E, depois de assegurar o seu glorioso destino,
Oferece-vos, agora, estes presentes.

Ele ofereceu também uma coroa de ouro maciço a Apoio, com esta inscrição:

Protetor de Delos, filho divino de Latona,
Cujos altares um povo numeroso incensa,
Dignai-vos aceitar esta coroa de ouro reluzente,
Como oferenda de um bravo capitão romano,
Tito Quíncio, de Enéias descendente ilustre,
E, como justo prêmio aos seus feitos gloriosos,
Mantende de sua carreira o curso triunfal,
E que seu nome em todo o mundo seja cantado.

XXVI. A proclamação de Flamínino comparada com a posteriormente feita por Nero, também nos jogos ístmicos

XXVI. A cidade de Corinto teve assim por duas vezes a honra de ouvir proclamar a liberdade da Grécia: a primeira vez por Tito Quíncio811, e a segunda por Nero, em nossa época812, quando esteve nessa cidade, por ocasião da celebração dos Jogos Ístmicos. Da primeira vez, todavia, a proclamação foi feita pela voz de um arauto, conforme descrevemos acima, enquanto que, na segunda, foi o próprio Nero quem, no fim de um discurso proferido em plena assembleia, perante o povo, anunciou a libertação dos gregos. Mas isto se verificou muito tempo depois da primeira proclamação.

XXVII. Tito ataca Nábis, tirano de Esparta, sucedendo-se a paz. Motivos supostos desta conduta

XXVII. Tito deu início depois a uma guerra justa e honrosa contra Nábis, o cruel e funesto tirano dos lacedemônios; mas acabou frustrando as esperanças da Grécia, pois, em vez de aprisioná-lo, concluiu a paz com ele, e deixou Esparta sob o jugo de uma indigna servidão. Assim agiu, seja por recear que, caso a guerra se prolongasse por muito tempo, enviassem de Roma um novo comandante, o qual lhe tiraria a glória de rematá-la, seja porque sua ambição lhe fizera invejar as honras prestadas a Filopêmene, o qual, tendo se revelado um dos maiores capitães jamais possuídos pela Grécia, tinha dado, nesta mesma guerra, provas surpreendentes de coragem e capacidade, o que levou os aqueus a lhe prestarem, nos teatros e assembleias públicas, as mesmas homenagens prestadas a ele, Tito. Isto o desagradou porque lhe parecia pouco razoável que um homem da Arcádia, o qual jamais comandara o exército, a não ser em pequenas guerras travadas contra vizinhos, recebesse as mesmas honradas que um cônsul de Roma, escolhido para combater pela libertação da Grécia. Aliás, para se justificar e explicar a sua atitude, Tito dizia que havia posto termo à guerra contra Nábis porque a ruína deste tirano teria sido uma grande calamidade para todos os espartanos.

XXVIII. Os aqueus fazem-lhe presente de todos os romanos que viviam como escravos na Grécia

XXVIII. De todas as honras que os aqueus lhe prestaram, que foram grandes e numerosas, apenas uma, ao que me parece, esteve à altura dos benefícios a ele devidos: trata-se de um presente que, entre todas as oferendas e homenagens, teve a sua preferência. Consistiu este presente no seguinte: durante a segunda guerra púnica, que os romanos travaram com Aníbal, muitos legionários foram aprisionados no decorrer das batalhas perdidas por Roma; foram depois vendidos, aqui e ali, passando a viver na servidão em várias províncias. Na Grécia, havia aproximadamente mil e duzentos desses antigos combatentes, os quais inspiravam piedade e compaixão àqueles que os viam num tão grande infortúnio; e a sua situação tornava-se ainda mais lamentável pelo fato de alguns encontrarem entre os soldados romanos, seus filhos, outros seus irmãos, e outros, ainda, antigos companheiros e amigos, livres e vitoriosos, enquanto que eles tinham de suportar a vergonha de sua derrota e o peso da escravidão. Tito, embora tocado em sua sensibilidade, ao vê-los no cativeiro, não quis tirálos pela força das mãos dos seus senhores; mas os aqueus decidiram pagar, pelo seu resgate, cinco minas813 por cabeça, e, após reunirem todos num mesmo lugar, deles fizeram presente a Tito, no momento em que ia embarcar, de regresso à Itália. Grande foi a sua alegria, pois recebera pelos seus grandes feitos uma bela recompensa, digna de um ilustre personagem, amante de seus concidadãos e de seu pais.

XXIX. Descrição do triunfo de Tito

XXIX. Este presente foi, na minha opinião, o mais belo ornamento de seu triunfo. Os pobres homens fizeram o que costumam fazer os escravos no dia de sua libertação, ou seja, mandaram rapar as suas cabeças, e nelas colocaram pequenos chapéus, cem os quais acompanharam o carro de triunfo de Tito no dia em que este fez a sua entrada em Roma. Os despojos que foram conduzidos nesse desfile triunfal constituíram um belo espetáculo: eram capacetes gregos, em grande número, escudos e lanças macedônias, bem como grande quantidade de ouro e prata. O historiador Itano814 conta, com efeito, que uma grande soma, consistente em ouro fundido pesando três mil, setecentas e treze libras, e prata pesando quarenta e três mil duzentas e setenta libras, e em catorze mil, quinhentas e catorze moedas de ouro, denominadas filipes, sem contar os mil talentos que Filipe devia pagar como indenização, foi também transportada. Esta importância, a pedido de Tito, foi mais tarde devolvida ao rei dos macedônios, pelos romanos, após o declararem amigo e aliado de Roma, e lhe restituírem seu filho, Demétrio, que tinham em seu poder como refém.

XXX. Tito Flamínino é enviado à Grécia para se opor às revoltas provocadas por Antíoco

XXX. Algum tempo depois, o rei Antíoco815, deixando a Ásia, dirigiu-se à Grécia com uma grande esquadra e um poderoso exército, a fim de concitar as cidades a abandonarem a aliança com os romanos e promover movimentos sediciosos. Ele era secundado pelos etólios que, inimigos dos romanos fazia já muito tempo, estavam à espera de uma oportunidade para declarar-lhes guerra. Persuadiram o rei Antíoco a dizer que a guerra por ele desejada tinha como objetivo a libertação dos gregos, coisa de que estes não mais necessitavam, pois já viviam como homens livres. Entretanto, como não tinham melhor pretexto para dar início à guerra, eles o convenceram a dar aparência de honestidade à sua causa injusta. Os romanos, receando as consequências de tais atividades, e dando crédito aos rumores referentes ao poderio daquele grande rei, enviaram à Grécia, como comandante-chefe, o cônsul Mânlio Acílio, e designaram Tito como um de seus lugar-tenentes, por motivo do crédito de que gorava junto aos gregos. Com efeito, bastou a sua presença para que se tornasse ainda mais firme a atitude daqueles que haviam permanecido fiéis aos romanos; quanto àqueles que já começavam a ceder e a se deixar corromper, ele, a fim de que não deixassem de cumprir o seu dever e não se consumasse a mia defecção, relembrou-lhes a sua antiga amizade, (indo como os médicos prudentes que, no momento oportuno, ministram ao paciente o remédio acertado para preservá-lo da agravação de sua enfermidade.

XXXI. Serviços por ele prestados aos gregos

XXXI. É verdade que alguns não se deixaram convencer, mas em pequeno número, pois haviam sido inteiramente conquistados e corrompidos pelos etólios. Embora tenha ficado indignado e irritado contra eles, Tito os protegeu após a batalha; pois Antroco, tendo sido derrotado no desfiladeiro de Termópilas, fugiu, fazendo-se ao mar a toda pressa, a fim de regressar à Ásia. O cônsul Mânlio, prosseguindo em sua marcha vitoriosa, entrou no país dos etólios, onde ocupou com suas forças algumas cidades, deixando as outras à mercê do rei Filipe. De um lado, os dólopes, os magnésios, os atamanes e os aperantes foram pilhados pelo rei da Macedônia e, de outro, Mânlio, após destruir a cidade de Heracléia, assediou a de Naupacto, que era defendida pelos etólios. Entrementes, Tito, movido pela piedade, ao ver o aniquilamento destes pobres povos gregos, deixou o Peloponeso, por mar, a fim de falar com o cônsul Mânlio em seu acampamento. Censurou-o, em primeiro lugar, pelo fato de, após o triunfo, abandonar a Filipe o prêmio da vitória, permitindo-lhe que conquistasse e submetesse vários países, povos e reis, enquanto que ele, cegado pela cólera, limitava-se a pôr cerco a uma cidade. Logo que os assediados o viram do alto de suas muralhas, chamaram-no e estenderam-lhe as mãos, pedindo-lhe que intercedesse em seu favor. Tito nada lhes respondeu, no momento, e retirou-se com os olhos cheios de lágrimas. Voltou em seguida a falar com Mânlio, e, após aplacar a sua cólera, conseguiu que ele concedesse alguns dias de trégua aos etólios, durante a qual enviariam embaixadores a Roma, para tentarem obter uma graça do Senado. Porém, teve de enfrentar as maiores dificuldades e desenvolver grandes esforços quando intercedeu, junto a Mânlio, em favor dos calcidenses, os quais tinham provocado de modo particular a ira do cônsul, por motivo do casamento que Antíoco havia contraído em sua cidade, depois do início da guerra, casamento tão pouco conveniente à sua idade quanto às circunstâncias. Com efeito, o rei, não obstante, a sua idade avançada, e em plena guerra, apaixonara-se por uma jovem, filha de Cleoptólemo, a mais bela mulher de toda a Grécia, a quem desposou. Diante desta aliança, os calcidenses foram tomados de afeição por ele, e colocaram a cidade à sua disposição, permitindo-lhe que dela se servisse como de uma praça forte, no decorrer das hostilidades. Antíoco, após sua derrota, fugiu apressadamente para Cálcide, e levando sua jovem esposa, suas riquezas e seus amigos, embarcou sem perda de tempo, seguindo para a Ásia.

XXXII. Honras que lhe são tributadas na Grécia

XXXII. O cônsul Mânlio, furioso diante do que ocorrera, marchou sobre Cálcide, à frente de suas forças, logo após a vitória que alcançara. Mas Tito, que o acompanhara, usando de habilidade, conseguiu abrandar-lhe a ira, e insistiu tanto junto dele e dos outros romanos de autoridade no Conselho, que acabou por persuadi-los a perdoar os calcidenses. Estes, salvos de um grande perigo graças à sua proteção, consagraram-lhe, como galardão, os mais belos edifícios e as mais suntuosas obras públicas da cidade, como se pode ainda hoje ver pelas inscrições ali existentes. No ginásio, por exemplo, lê-se: "O povo calcidense dedicou este ginásio a Tito e a Hércules". E no templo denominado Delfino: "O povo dedicou este templo a Tito e a Apoio". Ainda hoje o povo de Cálcide elege um sacerdote de Tito816; e nos sacrifícios instituídos em sua honra, após as imolações, e a efusão do vinho, os presentes entoam um cântico em seu louvor. Porém, como seria muito longo transcrevê-lo inteiro, aqui damos apenas a sua parte final:

Cantemos dos romanos triunfantes
A fé que se mantém inalterada,
E prometamos-lhes conservar intacta,
A mais duradoura lealdade.
Musas, filhas do céu, cantai a glória
De Júpiter, deus todo poderoso,
E celebrai também o triunfo
Do bravo Tito de Roma eterna.
Enaltecei o valoroso capitão
Por quem, de infortúnio inevitável,
Fostes salvas, ó filhas dos deuses,
Através de proezas memoráveis.

XXXIII. Diversas respostas de Flamínino

XXXIII. Mas não eram apenas os calcidenses que o homenageavam: todos os gregos lhe rendiam as maiores honras, pois a sua bonomia e a brandura de seu caráter o tornavam universalmente estimado. E não se tratava de honrarias fingidas ou impostas, mas de manifestações de afeição sincera e espontânea. Embora tivesse tido algumas divergências, por motivo de questões de interesse público ou de rivalidade, com Filopêmene, em primeiro lugar, e com Diófanes, depois, ambos capitães da comunidade dos aqueus, jamais se mostrou sedento de vingança e nem a sua cólera jamais lhe ditou quaisquer maldades contra eles.

Desabafava-se sempre nos discursos cheios de franqueza que proferia nas reuniões do Conselho. Ninguém jamais o apresentou como homem rancoroso ou vingativo, lendo parecido, ao contrário, a várias pessoas, ser algo leviano e precipitado. Era, aliás: um homem de trato doce e agradável e sua conversação era cheia de interesse e vivacidade. Certa vez, como os aqueus desejassem assenhorear-se da ilha de Zacinto, ele lhes disse, a fim de dissuadi-los dessa empresa: "Senhores aqueus, se sairdes do Peloponeso, corre-reis o mesmo perigo que as tartarugas quando põem a cabeça fora de sua carapaça". E na primeira vez que se avistou com Filipe para com ele tratar da paz, este lhe disse: "Trouxestes muita gente convosco, ao passo que eu vim só". A essas palavras ele respondeu incontinente: "Vós mesmo vos reduzistes a essa solidão, pois fizestes morrer todos os vossos parentes e amigos". De outra feita, em Roma, Dinócrates, o Messênio, após embriagar-se num festim, pôs-se a dançar vestido de mulher. No dia seguinte, procurou Tito a fim de pedir-lhe que o apoiasse no seu desígnio de retirar a cidade de Messena da Liga dos Aqueus. Tito deu-lhe esta resposta: "Pensarei nisso; mas é de surpreender que, estando preocupado com tão grandes coisas, possais cantar e dançar vestido de mulher num festim".

XXXIV. É nomeado censor. Origem de sua inimizade com Catão

XXXIV. Falando perante os aqueus, os embaixadores de Antíoco, que tinham vindo solicitar-lhe que abandonassem a sua aliança com os romanos e se unissem com seu rei, fizeram uma longa enumeração dos combatentes alistados no seu exército, citando os nomes de vários deles. Tito deu-lhes esta resposta: "Um dia, um meu amigo e hospedeiro, ofereceu-me uma ceia. E tal foi o número de pratos servidos à mesa, que manifestei a minha surpresa e perguntei-lhe como tinha conseguido encontrar iguarias tão variadas e em tão grande quantidade. E o, meu amigo redarguiu: "Todos estes pratos são feitos com carne de porco, e se uns diferem dos outros é devido ao modo diverso de prepará-los e temperá-los. Do mesmo modo, senhores aqueus, não vos deixeis impressionar por este grande exército de Antíoco que vos é descrito: estes lanceiros, estes piqueiros, estes infantes, de quem tanto se falou aqui, não são todos eles senão sírios, que diferem apenas pelas suas armaduras".

XXXV. Embaixada de Flamínino junto de Prúsias, rei da Bitínia, para conseguir que Aníbal lhe seja entregue

XXXV. Após os seus belos feitos na Grécia, e o fim da guerra contra Antíoco, Tito foi escolhido para as funções de censor, juntamente com o filho de Marcelo, que havia sido cônsul cinco vezes. Esse cargo reveste-se, entre os romanos, de uma grande dignidade, e é, de algum modo, a mais alta de todas as honras que um cidadão pode alcançar na República de Roma. Os dois censores expulsaram do Senado quatro personagens que não pertenciam, aliás, a famílias de grande notabilidade, e admitiram no número dos cidadãos romanos todos aqueles que se apresentavam para inscrever seus nomes nos registros públicos, desde que nascidos de pais livres. Foram a isso forçados por Terêncio Culeo, tribuno do povo, o qual, por ódio da nobreza, que queria mortificar, persuadiu o povo a exigi-lo. As duas personalidades mais ilustres e mais estimadas nessa época, em Roma, eram Públio Cipião, o Africano, e Marco Pórcio Catão, os quais se haviam tornado inimigos. Tito nomeou Cipião príncipe do Senado, por ser o homem mais virtuoso e eminente de toda a cidade, e tornou-se abertamente inimigo de Catão, pela seguinte lamentável ocorrência: Tito tinha um irmão chamado Lúcio Quíncio Flamínino, que em nada se parecia com ele, pois levava uma vida dissoluta, abandonando-se de tal modo à voluptuosidade que se esquecia de seus deveres. Ele amava perdidamente um jovem de quem não se separava nem mesmo quando partia para a guerra ou seguia para uma província a fim de governá-la ou desincumbir-se de alguma missão. Um dia, este jovem, querendo lisonjear Lúcio, disse-lhe ser tal a sua afeição por ele que, para acompanhá-lo, deixara de assistir a um combate de gladiadores, embora jamais tivesse visto matar um homem, pois preferira sacrificar o seu próprio prazer ao desejo de satisfazê-lo, Lúcio, cheio de júbilo diante destas palavras, respondeu-lhe incontinente: "Não há nenhum motivo para lamentares tal coisa. Satisfarei imediatamente o teu desejo". E mandou que se retirasse da prisão um criminoso condenado a morte e se chamasse um carrasco, ao qual, durante a ceia, ordenou que lhe cortasse a cabeça.

XXXVI. O historiador Valério Àntias diz que não foi por um jovem, mas sim por uma mulher que amava, que ele agiu daquele modo. Mas Tito Lívio conta que Catão, num discurso por ele proferido a respeito, disse tratar-se de um trânsfuga gaulês, o qual foi ter à porta de Lúcio Flamínino com sua mulher e filhos. O dono da casa mandou-o entrar na sala do festim, e ali matou-o com suas próprias mãos, a fim de proporcionar um prazer ao jovem por quem se apaixonara. Mas é possível que Catão tenha feito tal narrativa a fim de agravar o crime e torná-lo mais atroz; pois a maioria dos autores afirma que não se tratava de um trânsfuga e sim de um criminoso condenado a morte. Cícero, o orador 817, diz tal coisa, em seu "Tratado sobre a Velhice", onde faz o próprio Catão narrar a história.

XXXVII. Seja como for, Marco Catão, após sua nomeação para o cargo de censor, procedeu à depuração do Senado, de onde afastou as pessoas indignas, entre as quais Lúcio Quíncio Flamínino, não obstante a sua dignidade consular, e a possibilidade desta decisão infamante atingir também o seu irmão Tito. Diante disso, os dois irmãos, apresentaram-se perante o povo, em plena assembleia, com a maior humildade, e ali fizeram um pedido que pareceu inteiramente justo: o de que Catão fosse coagido a dizer publicamente quais os motivos que o tinham levado a lançar aquele labéu sobre tão ilustre família, como era a deles. Catão, sem se fazer de rogado, dirigiu-se com seu colega à praça, e perguntou, em vez alta, a Tito, se ele não tivera conhecimento do festim onde se passara o fato acima narrado. Tito respondeu que de nada sabia. O censor contou, então, tudo o que ocorrera, de principio a fim. E, terminada sua narrativa, intimou Lúcio Quíncio a fazer um juramento público, caso pretendesse negar a autenticidade do que narrara. Lúcio não pronunciou sequer uma palavra, e o povo julgou que ele havia merecido o labéu que lhe fora lançado, e, para homenagear Catão, acompanhou-o da tribuna da praça até sua residência. Entretanto, Tito, vivamente tocado pelo infortúnio de seu irmão, uniu-se aos inimigos de Catão, e tanto fez que conseguiu do Senado a anulação de todos os arrendamentos, contratos e transações818, por ele feitos durante o exercício de seu cargo; além disso, suscitou e preparou contra Catão vários processos graves.

Duvido, contudo, que Tito tenha agido com habilidade e sabedoria ao tornar-se inimigo irreconciliável de um homem de bem, de um excelente cidadão, de um magistrado que cumpria o seu dever; e tudo por causa de um seu parente próximo, é verdade, mas que era indigno de tal parentesco e merecedor da vergonha por que passara.

XXXVIII. Todavia, algum tempo depois estando o povo reunido no teatro para assistir a certos jogos, Lúcio apareceu e foi sentar-se humildemente num dos pontos mais afastados do teatro, longe dos senadores que, como de costume, ocupavam os melhores lugares. O povo, vendo-o, dele se apiedou, e não pôde suportar o espetáculo de sua desonra; pôs-se então a dizer-lhe, aos gritos, que deixasse o lugar onde estava, e não cessou de gritar enquanto ele não foi tomar assento entre os senadores, que não hesitaram em recebê-lo.

XXXIX. Mas voltemos a tratar de Tito: enquanto a sua ambição natural e o seu amor às honrarias encontraram um campo apropriado para se exercer nas guerras de que falamos mais acima, foram geralmente aprovados. Aceitou-se mesmo o fato de, após o seu consulado, ter servido como tribuno militar sem que para isso tivesse sido solicitado. No entanto, quando a sua idade começou a declinar, colocando-o na obrigação de recusar qual quer encargo público ou comando, verificou-se que a sua ambição era desmesurada: com efeito, num resto de vida que não era mais adequado à ação, ele revelou conservar um desejo de reputação e uma paixão pela glória que, quando muito, poderiam ser tolerados num jovem. Esta ambição foi, ao que me parece, a única causa que o levou a desejar a morte de Aníbal, tornando-se por isso geralmente mal-quisto. Aníbal, depois de deixar secretamente Cartago, refugiara-se primeiro junto ao rei Antíoco; mas quando este, derrotado na Frígia, aceitou com satisfação a paz que os romanos lhe ofereceram, impondo as suas condições, Aníbal foi obrigado a fugir; e, após errar durante muito tempo, fixou-se finalmente no reino da Bitínia, junto do rei Prúsias. Os romanos sabiam perfeitamente que ali se encontrava; mas ninguém com ele se incomodava, pois que estava velho e alquebrado, sem qualquer força ou poderio, não passando de um pobre homem abatido pela fortuna.

XL. Entretanto, Tito, que o Senado enviara numa embaixada junto ao rei Prúsias, para tratar de outras questões, viu Aníbal, que já fixara residência na Bitínia, e ficou indignado por encontrá-lo ainda vivo; e, não obstante as súplicas insistentes de Prúsias em favor do pobre velho que fora atirar-se aos seus braços à procura de um refúgio, e tornara-se seu hóspede, mostrou-se inexorável. Aníbal recebera, muito tempo antes, um oráculo referente à sua morte, dizendo o seguinte:

Aníbal, pagando tributo a mãe natura,
Em terra líbica terá sua sepultura.

Supôs ele que o oráculo se referisse à Líbia, isto é, à África, e assim se persuadira de que terminaria seus dias em Cartago, onde seria inumado. Mas existe na Bitínia uma certa região arenosa, perto do mar, na qual fica uma pequena povoação chamada Libissa, onde Aníbal residia habitualmente. Como desconfiasse da fraqueza de Prúsias e temesse o ódio dos romanos, ele mandara cavar sete passagens subterrâneas, as quais, de sua casa, iam ter a lugares diferentes, bem distantes da localidade, e disfarçadas de modo a não poderem ser vistas de fora.

XLI.Aníbal mata-se

XLI. Logo que foi informado da ordem dada por Tito a Prúsias, e que devia ser entregue aos romanos, ele tentou fugir pelas passagens subterrâneas; mas, tendo verificado que em todas as saídas havia guardas, ali colocados pelo rei, resolveu matar-se. Afirmam alguns que enrolou uma peça de roupa em volta do pescoço, e ordenou em seguida a um servidor que, colocando os joelhos sobre seu dorso, torcesse o pano e o puxasse ao mesmo tempo com força, até o seu completo estrangulamento; outros dizem que, seguindo o exemplo de Midas e Temístocles, ele bebeu sangue de touro. Mas Tito Lívío conta que ele tinha em seu poder certo veneno, reservado para uma ocasião como essa, o qual dissolveu em água, numa taça. Conservando esta na mão, disse antes de beber: "Livremos os romanos de sua grande preocupação, pois que lhes parece muito perigoso esperar pela morte natural deste pobre ancião, que lhes é tão odioso. Tito não obterá aqui uma vitória honrosa e nem digna dos antigos romanos, os quais advertiram o seu inimigo Pirro, que lhes movera guerra e os havia derrotado, que se precavesse contra o veneno para ele preparado pelos seus inimigos".

XLII. Diversos julgamentos sobre a conduta de Flamínino neste episódio

XLII. Este foi o fim de Aníbal819, segundo se conta. Quando a notícia de sua morte chegou a Roma, a maior parte dos senadores censuraram abertamente Tito, pois todos achavam que era um excesso de crueldade fazer morrer Aníbal, a quem o povo romano decidira deixar viver como um pássaro ao qual a velhice tivesse despojado de toda a plumagem e de todas as penas; e, além disso, porque o fizera morrer sem que ninguém o solicitasse, mas apenas movido pelo desejo de glória, pela preocupação de ser citado nas cronicas como o causador da morte de Aníbal.

XLIII. O espírito indulgente e a magnanimidade de Cípião foram, nessa ocasião, objeto dos maiores louvores; pois este grande homem, após derrotar Aníbal em solo africano, quando ele era ainda temível e só conhecia vitórias, não o expulsara de seu país, nem pedira aos cartagineses que lho entregassem. Ao contrário, antes da batalha, ao parlamentar com ele, tratou-o de modo honroso, e tocou-lhe mesmo a mão; e depois da batalha, ao estabelecer as condições de paz, nada propôs que prejudicasse sua pessoa e nem o perseguiu em seu infortúnio. E conta-se que ambos se encontraram novamente na cidade de Éfeso, onde, passeando juntos, Aníbal tomou o lugar de maior proeminência; Cipião suportou-o pacientemente, e, sem dar qualquer indicação de descontentamento, continuou no passeio.

Depois de abordarem vários assuntos, a conversação recaiu sobre os grandes capitães, e Aníbal exprimiu a opinião de que Alexandre, o Grande fora o maior e o mais competente de todos, seguindo-se Pirro, em segundo lugar, e ele, em terceiro. Cipião, sorrindo docemente, perguntou-lhe então: "E que diríeis se eu não vos tivesse vencido?" "Eu me colocaria, não no terceiro lugar, Cipião, mas no primeiro, acima de todos os generais que até hoje existiram" 820.

XLIV. A recordação destes episódios da vida de Cipião e as suas belas palavras fazia com que, por parte de alguns, ainda maiores se tornassem as censuras a Tito, pelo fato de haver colocado, por assim dizer, as mãos sobre um cadáver, que não pertencia aos romanos. Outros, ao contrário, o elogiavam, dizendo que, enquanto Aníbal vivesse, seria, para o império romano, como uma brasa oculta, à espera de ser soprada para transformar-se em labareda.

Acrescentavam que não tinha sido nem seu corpo, nem seu braço que, na força da idade, tantas dificuldades haviam criado para os romanos, mas o seu bom senso e a sua capacidade, na arte da guerra, juntamente com o ódio e a animosidade contra Roma, os quais criaram raízes no seu coração; e estes sentimentos, a velhice não atenua de nenhum modo, pois a natureza e a qualidade do caráter permanecem sempre as mesmas, enquanto que a fortuna não se conserva sempre a mesma, mas vai se modificando, e, ao se modificar, incita a novos empreendimentos, por meio de novas esperanças, aqueles que têm no cotação o ódio contra os seus antigos inimigos.

XLV. As coisas que depois aconteceram vieram justificar grandemente as razões apresentadas em defesa de Tito. Pois, de um lado, viu-se Aristônico, filho de um tocador de citara, provocar em toda a Ásia, guerras e rebeliões, tendo em vista os interesses de Eumenes, de quem era bastardo; e, de outro lado, Mitrídates, o qual, após as derrotas que lhe infligiram Sila e Fímbria, após tantos exércitos desbaratados e tantos capitães mortos em combate, conseguiu refazer-se, investindo contra Lúculo, com grandes forças de terra e mar. E, sem dúvida nenhuma, o infortúnio de Aníbal não foi tão grande quanto o de Caio Mário; pois tinha por amigo um rei poderoso que lhe fornecia meios para se manter, e, além disso, mantinha ligações com a esquadra, a cavalaria e a infantaria desse rei. Enquanto Mário errava e mendigava para viver. na África, os seus inimigos, em Roma, insultavam a sua miséria, tombando dele; e logo depois, açoitados, espezinhados, e mesmo mortos, por ordem dele, dentro da própria cidade, prosternavam-se diante do vencedor. Assim, nesta vida, nunca podemos dizer se o presente é grande ou pequeno em relação ao futuro, pois, no homem, as vicissitudes só chegam ao fim com o seu próprio fim.

XLVI. Há autores, aliás, que dizem não haver Tito agido naquela questão por sua própria iniciativa, afirmando-se que ele foi enviado à Bitínia, como embaixador, juntamente com Lúcio Cipiao, precisa-, mente para obter, de qualquer modo, a morte de Aníbal. A história não nos oferece, depois desta embaixada, qualquer outra ação memorável de Tito, nem na guerra nem na paz, e sabemos que ele morreu de morte natural, tranquilamente, em sua casa.

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