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Notas

1115 - Popédlo Silo, como observa na Vida de Mário, cap. 59.
1116 - Não podia ter então mais do que quatro anos, pois nasceu no ano de Roma 660, e Druso, em casa de quem esta cena se passou, morrera no ano de Roma 663, e a guerra dos Martes na qual esse Popédlo foi general começou neste ano 663, A. C. 91.
1117 - Ver a narração no quinto livro da Eneida de Virgílio, desde o verso 545 até o verso 603.
1118 - Sessenta e dois mil escudos. Amyot.
1119 - Catão, o Antigo, cuja Vida encontra-se no terceiro livro.
1120 - Era assim porque a sorte se tirava com ossinhos, os quais quando se encontravam com o V para cima, o lanço chamava-se Vénus. Amyot.
1121 - Antiga veste militar.
1122 - Outrora chamada Abissinta, junto da embocadura oriental do Ebro, no cantão dos ciconianos.
1123 - Na Macedónia, sobre o golfo Termaico.
1124 - Na ilha de Tassos, próximo da costa meridional da Trácia. Esse mármore de várias cores era então muito apreciado.
1125 - Quatro mil e oitocentos escudos. Amyot.
1126 - Isto parece se referir a César, em seu livro que chamou Anti-Catão. Amyot. Ver as Observações.
1127 - Cidade da província da Ásia chamada Galácia ou Galo-Grécia, próxima do rio Sangare.
1128 - Magistrado romano encarregado das finanças ou da justiça criminal.
1129 - Grego: "em te expor fazendo-te expulsar pelos nossos sargentos".
1130 - O cargo de questor.
1131 - Um mil e duzentos escudos. Amyot.
1132 - Três m il escudos. Amyot.
1133 - Na Vida de Lúculo, este propósito é atribuído ao próprio Catão. L. V, cap. 81.
1134 - Os tribunos podiam vetar as decisões dos cônsules.
1135 - No ano de Roma 691, A. C. 63.
1136 - No ano de Roma 691.
1137 - No ano de Roma 692.
1138 - Equivalentes aos atuais taquígrafos.
1139 - Marcus Culpurnius Bibulus, cônsul junto com César, partidário de Pompeu, cuja morte se deu durante a guerra civil.
1140 - Catão a retomou depois da morte de Hortênsio," no ano de Roma 705, como se verá no capítulo 68.
1141 - Setecentos e cinquenta mil escudos. Amyot.
1142 - Gladiadores.
1143 - No ano de Roma 695.
1144 - Grego: "a Campanha"; e é o que denominam hoje a Terra do Labor no reino de Nápoles.
1145 - Grego: "a Iliria"
1146 - No an o de Roma 6ST6; A. C. 58.
1147 - Auletes, denominada também Nothu s.
1148 - Quatro milhões e duzentos mil escudos. Amyot.
1149 - Grego: "dois talentos e quinhentas dracmas".
1150 - Porto oriental de Corinto.
1151 - Grego: "Corcira".
1152 - No ano de Roma 698. Catão não tinha ainda trinta e oito anos; e a lei exigia quarenta para a pretoria.
1153 - Grego: "cento e vinte e cinco mil dracmas". O tradutor latino pôs quinhentos mil sestércios, como se lê em uma carta de Cícero a Atiço; Liy. IV.
1154 - No ano de Roma 701.
1155 - No ano de Roma 702.
1156 - Leia-se: "no entanto, que todas as vezes que solicitasse seus conselhos em particular, ele os daria, mas que, mesmo que não lhe solicitasse nada, diria sempre publicamente tudo o que lhe parec esse conveniente para o bem do Estado".
1157 - E o outro senhor Cláudio Marcelo, foram cônsules no ano de Roma 703.
1158 - Rimini.
1159 - Hércules Furioso, v. 174.
1160 - Messina.
1161 - Grego: "ou na Líbia". Mas este nome significa aqui não uma província particular, mas a Africa assim denominada pelos «regos e, da qual o Egito fazia parte.
1162 - Os antigos esquentavam-se e lavavam-se, depois punham-se dentro de leitos para jantar. Amyot. Não se punham dentro mas em cima.
1163 - Sobre a costa da África, junto ao promontório de Apolo que se acha em frente da Sardenha.
1164 - Sobre a costa da África, à direita descendo de Cartago; quase em frente da ilha de Malta.
1165 - Sobre a mesma costa que Tapses, mas um pouco acima, na altura de Malta, ao lado da pequena Leptis.
1166 - Leia-se: "Certamente, disse, ele vem contra nós como contra homens!"

Fontes   >    Roma Antiga

Vidas Paralelas: Catão de Útica, de Plutarco

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Busto de bronze de Catão no Museu Arqueológico de Rabat, Marocos. Descoberto na Casa de Venus, Volubilis. Bronze bust of Cato the Younger from the Archaeological Museum of Rabat, Morocco. Found in the House of Venus, Volubilis.

Sobre a fonte

Marco Pórcio Catão (95-46 a.C.) também conhecido como Catão de Útica ou Catão, o Jovem (para diferenciá-lo do bisavô de mesmo nome), era um político romano célebre pela sua inflexibilidade e integridade moral. Partidário da filosofia estóica, era avesso a qualquer tipo de suborno. Era um grande adversário político de Júlio César, e morreu na guerra civil contra ele. A biografia de Catão faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Catão foi comparado com Fócion, político e general ateniense do século 4 a.C.

I. Nascimento e primeiros traços do caráter de Catão

I. A casa de Catão recebeu o início de sua glória e de sua fama, de seu bisavô Catão, o Censor, que por su as virtudes foi um dos mais poderosos e dos mais estimados personagens de Roma em seu tempo conforme escrevemos mais amplamente era sua vida. Este, sobre o qual escrevemos presentemente, ficou órfão de pai e mãe, com um seu irmão chamado Cipião, e Pórcia, sua irmã. Servília era também irmã de Catão, mas por parte de mãe somente; mas todos juntos eram criados na casa de Lívio Druso, seu tio do lado materno, que possuía então grande autoridade no governo, porque era muito eloquente e homem de bem, e quanto à grandeza de coragem, não cedia lugar a nenhum dos romanos. Dizem que Catão, desde a sua infância, tanto em seu modo de falar, como em todos seus jogos e passatempos, demonstrou sempre uma natureza constante, firme e inflexível, pois queria chegar ao fim de tudo o que empreendia fazer e obstinava-se mais do que sua idade permitia; e mostrava-se intratável com aqueles que procuravam adulá-lo, e ainda se tornava mais frio contra os que julgavam fazê-lo ceder com ameaças. Era difícil vê-lo rir, embora o vissem muitas vezes com o rosto alegre; também não era colérico nem fácil de se irritar; mas se chegava a este ponto, dava muito trabalho para se acalmar.

II. Gênero de seu espírito, sua docilidade

II. Quando começou a aprender as letras, tinha a cabeça muito dura e era tardio para compreender; mas uma vez que havia compreendido, retinha muito bem, com a memória firme, como acontece ordinariamente a todos os outros; pois aqueles que têm o espírito pronto e vivo, têm comumente falta de memória e os que aprendem dificilmente e com dificuldade, retêm melhor o que aprenderam, porque aprender é como aquecer e iluminar a alma. Mas, além disso, não julgava superficialmente e parece que isso o tornava também tardio para compreender; porque é evidente que aprender é receber alguma impressão, como acontece com aqueles que resistem menos e que são os que mais cedo julgam; portanto os jovens são mais fáceis de se persuadir do que os velhos, os doentes do que os sãos e, geralmente, quanto mais fraco é o que discute e duvida, tanto mais fácil para se conseguir o que quer. Todavia Catão, ao que dizem, obedecia ao seu professor e fazia tudo o que ele lhe ordenava mas perguntava-lhe a causa de tudo e sempre queria saber o porquê de todas as coisas; também este era um homem honesto e tinha a razão mais pronta para demonstrar ao seu aluno, do que o braço levantado para bater, e chamava-se Sarpedão.

III. Sua intrepidez e constância

III. Em suma, sendo Catão ainda pequenino, os povos da Itália aliados dos romanos, pretendendo obter o direito de cidadania dentro de Roma pelos quais pugnava Pompádio1115 Silo, guerreiro, pessoa valente e de grande autoridade entre os aliados, sendo amigo particular de Druso, foi alojado alguns dias em sua casa, durante os quais, tendo tomado grande familiaridade com seus filhinhos, um dia lhes disse: — "Ora, meus belos meninos, intercedereis por nós junto a vosso tio, para ajudar a obter o direito de cidadãos que solicitamos?" Cipião, sorrindo fez-lhe sinal com a cabeça que sim; Catão não respondeu nada, apenas olhou esses estrangeiros no rosto com u m olhar fixo, sem pestanejar. Então Pompádio, dirigindo-se a ele, à parte: — "E tu, disse ele, o belo filho, que dizes? Não queres implorar a te u tio para favorecer aos seus hóspedes, como vai fazer teu irmão?" Catão nada respondeu, mas pelo seu silêncio e pelo seu olhar, demonstrou que rejeitava o pedido. Nessa ocasião Pompádio, agarrando-o, colocou-o fora da janela, como se quisesse jogá-lo, dizendo-lhe em voz ma is áspera e mais rude do que de costume e, sacudindo-o diversas vezes no ar, fora da janela: — "Promete-nos, portanto, ou te atirarei lá em baixo". Catão suportou isto muito tempo sem demonstrar pavor nem se espantar1116. Pelo que Pompádio, repondo-o no chão, disse então, virando-se para os que estavam com ele: — "Que honra será um dia este menino para a Itália, se viver! Ainda é menino; pois se fosse homem, creio que não teríamos uma só voz a nosso favor".

IV. Defende o pudor de uma criança de sua idade

IV. De certa feita, um de seus parentes, que festejava o seu aniversário, convidou diversos meninos, entre os quais Catão. Esses meninos, não sabendo o que fazer enquanto esperavam o jantar ficar pronto, puseram-se a brincar, pequenos e grandes, num local afastado da casa; seu jogo consistia em imitar os pleitos, acusando-se uns aos outros e conduzindo à prisão os que eram condenados; houve um desses, belo menino, que condenado, foi conduzido a um quartinho, por um dos maiores. Vendo-se fechado, pôs-se a gritar chamando Catão, o qual, desconfiando do que acontecia, correu logo e afastando à força os que se punham à sua frente para impedi-lo de entrar no quarto, tirou o rapazinho e levou-o furioso a sua casa, enquanto os outros o acompanhavam.

V. Estima que as crianças tinham por ele

V. Era Catão tão famoso entre os meninos, que Sila, querendo realizar o jogo da exibição e corrida dos meninos a cavalo, que os romanos chamam troia1117, adestrando-os antes, a fim de que ficassem mais hábeis no dia da demonstração e tendo reunido todas as crianças de casas nobres, deu-lhes dois capitães, dos quais os meninos aceitaram um por causa de sua mãe, que era Metela, esposa de Sila, mas não quiseram o outro, se bem que fosse sobrinho do grande Pompeu, e chamava-se Sexto, nem quiseram se exercitar sob seu comand o, nem o seguir. Pelo que Sila perguntou-lhes qual queriam, portanto; gritaram todos: Catão! O próprio Sexto, de bom grado, cedeu-lhe esta honra como ao mais digno.

VI. Lastima não lhe terem dado uma espada para matar Sila

VI. Ora, Sila, que havia sido amigo de seu pai, por essa ocasião, algumas vezes mandava buscá-los e falava com eles; esse agrado fazia a bem poucas pessoas devido a magnificência e elevação do cargo que ocupava e do poder que possuía. E Sarpedão, considerando que isto era de grande consequência, pelo progresso e também pela segurança de seus discípulos, levava comumente Catão à casa de Sila, a qual nesse tempo assemelhava-se propriamente a um inferno ou uma jaula, pelo grande número de prisioneiros que aí levavam e que ordinariamente incomodavam. Catão já estava com catorze anos e vendo ali as cabeças que diziam pertencer a personagens notáveis, de sorte que os assistentes suspiravam e gemiam vendo-as, perguntou ao seu mestre como era possível não encontrassem algum homem que matasse esse tirano: — "Porque, respondeu-lhe Sarpedão, todos o temem ainda mais do que o odeiam". — "Por que, então, replicou-lhe, não me entregaste a fim de que eu o matasse, para livrar nosso país de tão cruel servidão?" Sarpedão, ouvindo esta palavra e vendo sua fisionomia e seus olhos cheios de furor, ficou admirado e depois ficou cuidadosamente de olho sobre ele, conservando-o perto, com receio de que temerariamente atentasse alguma coisa contra Sila.

VII. Sua amizade por seu irmão

VII. Mas, sendo ainda criança, alguns lhe perguntaram quem era aquele a quem mais amava. Respondeu que a seu irmão; e como o outro continuasse a lhe perguntar a quem depois, respondeu igualmente que era seu irmão; e pela terceira vez, seu irmão ainda; até que aquele que o interrogava ficou cansado de lhe perguntar tantas vezes. E quando alcançou a idade, então confirmou com efeito esta amizade para com seu irmão, pois tinha vinte anos e nunca tinha jantado sem seu irmão Cipião; jamais saíra de casa para ir à praça nem aos campos, sem ele; mas se por acaso seu irmão se fazia untar com óleos de perfumes, jamais fez o mesmo; e era, em tudo o mais em seu viver, assim austero e severo, de tal modo que seu irmão Cipião, que era elogiado pela temperança, honestidade e sobriedade de sua vida, confessava que era verdadeiramente -sóbrio e moderado em comparação com outros: —- "Mas quando, dizia ele, venho a comparar minha maneira de viver com a de Catão, verifico que não sou diferente de um Sípio". Esse Sípio era nesse tempo, um que por sua delicadeza e maneira de viver mole e efeminada, era apontado por todos.

VIII. Entrega-se ao estudo da filosofia moral e política

VIII. Depois, tendo sido Catão eleito sacerdote de Apolo, separou-se de seu irmão e recebeu a parte dos bens de seu pai, que subiu à soma de1118 cento e vinte talentos; e então apertou mais do que nunca sua maneira de viver e frequentou as aulas de Antípatro Tiriano, filósofo estoico, dedicando-se principalmente ao estudo da filosofia moral e política e abraçando o exercício da virtude, com um tão grande amor, que parecia propriamente ser levado por alguma divina inspiração; mas acima de qualquer virtude, amava a severidade da justiça, que não se dobra, nem por graça, nem por favor algum. Estudava também e exercitava-se na eloquência, para poder falar em público, querendo que no trato civil, nem mais, nem menos, como numa fortaleza, houvesse forças sustentadas para a guerra; todavia não se exercitava na presença dos outros, nem houve nunca pessoa alguma a ouvi-lo discursar quando estudava; mas como um de seus amigos o admoestasse um dia, que achavam ruim por falar tão pouco em sua companhia: — "São todos iguais, respondeu, contanto que não queiram falar contra minha conduta; só começarei a falar quando souber dizer coisas dignas de não serem silenciadas".

IX. Sobe pela primeira vez à tribuna

IX. Ora, havia bem próximo à praça, um palácio público, que vulgarmente chamavam a Basílica Pórcia, que Pórcio Catão1119 havia feito construir durante o tempo em que foi censor, onde os tribunos do povo davam audiência e como havia ah uma coluna que atrapalhava as cadeiras de seu estrado, quiseram retirá-la ou mudá-la para outro local. Isto foi a primeira coisa que fez Catão ir, contra a vontade, à praça, e subir à tribuna para os contradizer, quando, tendo mostrado esse primeiro ensaio de sua eloquência e de sua magnanimidade, foi grandemente estimado porque sua linguagem não tinha nenhum arrebique nem afetação da juventude, mas era seca, cheia de senso e de veemência; e no entanto, entre a concisão de suas sentenças, havia uma graça que dava prazer aos ouvintes e seu natural, mostrando-se através da palavra, grave e venerável que lhe trazia um não sei quê de agradável afeto que convidava a rir. Sua voz era cheia, forte e suficiente para se fazer ouvir por uma grande multidão e possuía um vigor e firmeza tais, que não se quebrava nem se alterava nunca, pois muitas vezes passava o dia todo sem cessar de falar e não se cansava.

X. Enrijece seu corpo para defendê-lo de toda sorte e de fadigas

X. Tendo, entretanto, ganho seu processo contra os tribunos, pôs-se ríspido a conservar um estreitíssimo silêncio e enrijecer sua pessoa nos laboriosos exercícios físicos, habituando-se a suportar o Calor, o frio e a neve, sem cobrir a cabeça e andar em qualquer tempo a pé pelos campos, enquanto seus amigos, que o acompanhavam, iam a cavalo e ele ia, aproximando-se, ora de um, ora de outro, para conversar, andando com eles. Possuía também uma paciência e abstinência maravilhosas em suas enfermidades, pois quando tinha febre, ficava sozinho lodo o dia e não suportava que pessoa alguma fosse visitá-lo até que sentisse mudança na doença e visse assegurada a volta à convalescença. Quando jantava com seus parentes e amigos chegados, tiravam a sorte para saber quem escolheria as partes, e se a sorte de escolher não lhe caía, seus amigos, no entanto, defendiam-lhe a honra, mas ele não aceitava, dizendo que isto não era razoável, pois que ele não era agradável à deusa1120 Vênus.

XI. Passa uma grande parte da noite conferenciando com filósofos

XI. A princípio, não gostava de ficar muito tempo à mesa, mas depois de haver bebido uma vez, levantava-se; depois, porém, aprendeu a ficar demoradamente, de modo que muitas vezes aí ficava com seus amigos toda a noite até o amanhecer, pelo que seus familiares e amigos diziam que os negócios e ocupações da república eram a causa, porque aí vagava durante o dia todo, razão porque não tinha descanso para estudar, e quando a noite chegava, tinha prazer em conferenciar e discutir à mesa com os literatos e os filósofos; pelo que, como em algumas reuniões Mêmio dissesse que Catão não fazia senão embebedar-se todas as noites, Cícero, tomando a palavra respondeu-lhe: — "Por que não ajuntas também que durante todo o dia nada faz senão jogar dados?"

XII. Afeta uma maneira de viver toda oposta aos costumes e usos de seu tempo

XII. Em suma, Catão, considerando que os costumes e maneira de viver de seu tempo estavam corrompidos e tinham grande necessidade de mudança, que para andar direito precisava ele tomar um caminho todo contrário em todas as coisas, porque via que a púrpura, a mais vermelha e de cor mais forte, custava preço muito maior e era mais requisitada, ele preferia usar tirantes sobre o preto; e muitas vezes, após o jantar saía em público sem sapatos, os pés nus e sem saio1121, não que procurasse a glória por meio de tais novidades, mas para se acostumar e repelir as coisas vergonhosas e desonestas e desprezar aquelas que não eram reprovadas senão pela opinião dos homens. Tendo herdado cem talentos pela morte de um de seus primos que se chamava Catão como ele, reduziu a herança a dinheiro de contado para emprestar a quem precisasse dentre seus amigos, sem receber juros, e havia os que empenhavam para seus próprios negócios, em público, suas terras e posses, ou seus escravos, que ele mesmo lhes dava para empenhar ou bem confirmava o penhor depois.

XIII. Desposa Atília

XIII. Afinal, quando julgou haver chegado a idade que devia se casar, ficou noivo de Lépida, não tendo nunca antes conhecido mulher. Esta Lépida fora primeiramente prometida e tinha sido noiva de Metelo Cipião; mas deixou-o depois e foi desfeito o noivado, de tal modo que estava completamente livre quando Catão a pediu; todavia, antes de esposá-la, Cipião, arrependido de a ter recusado, fez tudo o que pôde para reavê-la e o conseguiu de fato; pelo que Catão ficou tão indignado e furioso, que resolveu solicitá-la judicialmente, mas seus amigos o desviaram desse propósito. Por essa razão, para conter um pouco sua cólera e ardor de sua juventude, pôs-se a escrever versos ambíguos contra Cipião, nos quais lhe dizia todas as injúrias que podia, usando da aspereza e amargor que encontrava nos versos de Arquíloco, mas nunca impudicos, sujos, nem também as pueris reclamações que aí se encontram. Depois desposou Atília, filha de Sor ano, e foi ela a primeira mulher que conheceu, mas não a única, como havia feito Lélio, o amigo de Cipião que foi mais feliz nesse sentido, mesmo porque viveu mais tempo, pois nunca conheceu outra mulher a não ser aquela que desposou primeiramente.

XIV. Campanhas de Catão sob a direção do pretor Gélio

XIV. Em suma, a guerra servil, por outro modo chamada a guerra dos espartanos, estando em eclosão, houve um Gélio que foi eleito pretor para a conduzir, sob as ordens do qual Catão participou de boa vontade, apenas por amor de seu irmão Cipião, o qual estava naquele exército encarregado de mil homens da infantaria; se Catão aí não pôde demonstrar aptidão ou empregar sua virtude, como queria, pela falta e insuficiência do chefe que conduzia mal os combates, no entanto, mostrando no meio das delícias efeminadas e da dissolução mole desses que estavam no campo, ser homem regrado em todos os seus feitos, corajoso quando era preciso, seguro em tudo e cheio de bom senso, foi considerado por todos não ser em nada inferior ao antigo Catão, razão por que o pretor Gélio concedeu-lhe diversas honras e prêmios de valor, que se costumam conferir às pessoas de bem, os quais todavia, não quis receber, dizendo que não fizera nada digno de tais honras. Essas coisas faziam-no parecer um homem estranho, e ainda mais tendo dado uma ordem pela qual ficava proibido aos que disputavam algum cargo da república, que não observassem nas assembleias nenhum protocolo para anunciar os nomes dos cidadãos particulares; ele sozinho, pleiteando o cargo de capitão de mil infantes, obedeceu à ordem, procurando reter em sua memória os nomes dos referidos cidadãos, para os nomear e saudar a todos por seus nomes, de sorte que se tornava impertinente a esses mesmos que o elogiavam; pois mesmo porque sabiam o quanto eram louváveis as coisas que ele fazia, ainda mais se aborreciam por não poderem imitá-lo.

XV. Como disciplina a legião que comanda

XV. Assim, sendo eleito capitão sobre mil homens, foi enviado à Macedónia perante o pretor Rúbio, e dizem que à sua partida, sua mulher, estando triste por vê-lo partir, houve um de seus amigos, Munácio que lhe disse: — "Não te preocupes Atília, não chores mais, pois prometo-te que guardarei bem leu mando". — "É bem dito", respondeu Catão. Depois, quando estavam a um dia de viagem de Roma, depois do jantar disse ele a esse Munácio: — "É preciso que cuides d e manter a promessa que fizeste a Atília, que me guardes bem, e para isso não me abandones nem de dia, nem de noite"; e ordenou aos seus soldados que de ali por diante preparassem sempre dois leitos em seu quarto para aí dormir Munácio, que era, brincando, mais guardado por Catão, do que Catão por ele. Levava com ele quinze servidores, dois libertos e quatro de seus amigos, os quais iam a cavalo e ele caminhava a pé, aproximando-se ora de um e ora de outro, para conversar com eles pelo caminho. Tendo chegado ao campo, onde havia várias legiões romanas, o pretor deu-lhe incontinente o comando de uma. Julgou então que fosse coisa leve mostrar-se apenas virtuoso, atendendo que não era senão uma única pessoa; mas estudava para tornar todos esses que estavam sob suas ordens, semelhantes a ele. Para chegar a isso, não lhes inspirou temor pela sua autoridade, mas aí juntou a razão, admoestando-os e instruindo-os sobre cada ponto, acompanhando sempre, no entanto, suas admoestações, de compensações aos que agiam bem, e de castigo aos que agiam mal; de maneira que não souberam dizer se ele os havia tornado mais pacíficos ou mais aguerridos, mais valentes, ou mais justos, tanto se mostravam na prova rudes e ásperos aos inimigos e delicados e graciosos aos amigos; temerosos em proceder mal e prontos em adquirir honra; pelo que aconteceu que por isso ele se preocupava menos se bem que ganhasse mais, isto é, glória com amor e boa vontade, pois os soldados que o honravam soberanamente e o estimavam singularmente, pelo fato de que ele mesmo punha em primeiro lugar a mão para fazer o que ordenava e igualava-se em seu vestuário, em seu viver comum, em seu caminhar pelos campos, antes aos simples soldados, do que aos capitães e, do contrário, em gentileza, grandeza de coragem, veemência e eficácia da palavra, superava todos os que se faziam chamar coronéis e capitães. Pois o verdadeiro zelo da virtude, isto é, o desejo de imitar, não se imprime nos corações dos homens a não ser com uma singular benevolência e reverência pelo personagem que causa a impressão; mas esses que elogiam os homens virtuosos sem os amar, esses reverenciam apenas sua fama, mas não sentem afeto pela sua virtude, nem se preocupam em imitá-lo.

XVI. Procura o filósofo Atenodoro

XVI. Aproximadamente nesse tempo, Catão, sendo avisado que Atenodoro, denominado Cordilião, personagem que era há muito tempo versado na filosofia estoica, encontrava-se então na cidade de Pérgamo, sendo já velho e tendo sempre obstinadamente recusado ir para a corte dos senhores, dos príncipes e dos reis que procuravam tê-lo ao seu lado, pensou em escrever-lhe para que viesse à sua presença, porque tendo pelas ordens romanas, descanso de dois meses, durante os quais podia ficar ausente do acampamento para seus próprios negócios, subiu ao mar para ir a Ásia encontrá-lo, confiante de que viria, ao fim daquela caçada, dadas as grandes e virtuosas qualidades que o ornavam. Falou com ele, discutiu e apresentou tais razões, que finalmente o tirou de sua resolução, trazendo-o consigo para o acampamento, alegrando-se por esta vitória e estimando-a mais do que todas as conquistas de Lúculo ou de Pompeu, que iam então subjugando pelas armas todas as províncias e reinos do Oriente.

XVII. Honras fúnebres que rende ao seu irmão Cipião

XVII. Mas, como estava ainda exercendo o comando, como capitão de mil homens, seu irmão, preparando-se para fazer uma viagem à Ásia, caiu doente na cidade de Eno1122 no país da Trácia, do que foi incontinente avisado por cartas e, de repente, se bem que fizesse mau tempo sobre o mar e não podendo prontamente encontrar navio bastante grande para fazer essa viagem com segurança, embarcou sobre um naviozinho mercante da Tessalônica1123 com dois de seus amigos e três servidores somente e pouco faltou para que não se afogassem com a tormenta, tendo afinal escapado por estranha sorte e chegou pouco depois que seu irmão havia falecido. Sentiu essa morte um pouco mais impacientemente do que parecia ser conveniente a um filósofo; o que demonstrou não somente pelo grande luto que trouxe e as lamentações que proferiu abraçando o cadáver e a dor grave que sentiu em seu coração, mas também pela despesa supérflua que fez em seus funerais com perfumes, plantas odoríferas e suntuosos panos que foram queimados com o corpo e também na estrutura e construção de seu monumento, que mandou fazer em mármore tassiano1124 sobre a grande praça dos enianos, e que custou a soma de oito talentos1125. Houve quem censurasse essa despesa, dadas suas sobriedade e simplicidade em todas as outras coisas, não considerando até o fundo a bondade e caridade inocentes para com os seus, que nele estavam embaralhadas entre sua frieza firme, e inflexível dureza contra as volúpias, os temores e os pedidos ilícitos e desonestos. Diversas cidades, príncipes e senhores enviaram-lhe então grande quantidade de presentes para honrar os funerais de seu irmão, mas ele não aceitou dinheiro de nenhum, apenas especiarias, drogas odorantes e paramentos com que se honram as exéquias dos falecidos e ainda pagou o valor a esses que haviam trazido, sem que quisesse, no entanto, pôr em categoria de conta, nem uma moeda de Iodos os gastos que teve no enterro, na partilha da sucessão de seu irmão, que o havia instituído seu herdeiro com igual porção, com uma filhinha sua; não obstante isso, o que quer que tenha feito, (e fez todas essas coisas), ainda houve alguém1126 que escreveu que ele passou e escorreu por uma peneira as cinzas do fogo onde seu irmão havia sido consumido, para retirar o ouro e a prata fundidos; assim pensava ele que não iam controlar e nem sindicar o que escrevera com a pena, como o que fizera com a espada.

XVIII. Visita a Ásia e sua maneira de viajar

XVIII. Mas, depois que o tempo de seu cargo expirou, Catão, ao partir do campo foi seguido não somente com elogios, votos e orações aos deuses pela sua salvação, o que é comum, mas também com abraços, lágrimas e choros infindos dos soldados que estendiam suas vestes sobre a terra na qual devia passar e beijavam-lhe as mãos, o que era então uma honra que os romanos prestavam a bem poucos capitães-generais. E querendo, antes de voltar a Roma, para se pôr de novo nos negócios, ir visitar a Ásia, em parte para ver os costumes, os hábitos e as forças de cada província e em parte também para favorecer com isto o rei Dejotaro, que tendo sido hóspede e am igo de seu pai, o convidara e o solicitara a ir a seu país, pôs-se a caminho e fez a viagem desta maneira: enviava na frente, logo cedo, ao clarear do dia, seu padeiro e seu cozinheiro para o local onde devia pernoitar, os quais, entrando na cidade ou vilarejo, simples e modestamente, procuravam encontrar algum hóspede, amigo ou conhecido de Catão e se não encontravam nenhum, então preparavam sua hospedagem em alguma hospedaria, sem atrapalhar ninguém; e se não houvesse hospedaria, então dirigiam-se aos magistrados e oficiais do lugar, aos quais solicitavam casa e se contentavam com a primeira que lhes indicavam; mas, muitas vezes, não acreditavam que os tais fossem servidores de Catão e não faziam caso porque não faziam barulho e não ameaçavam os oficiais, de tal modo que acontecia Catão chegar sem que tivessem ainda nada pronto; e quando ele mesmo chegava, faziam ainda menos caso, porque o viam sentado sobre a bagagem, sem dizer uma palavra, e pensavam que devia ser algum homem de classe baixa e humilde, temeroso e sem coragem; todavia, chamava-os algumas vezes e admoestava-os dizendo: — "Ó pobre gente, aprendei a ser mais corteses ao receber os romanos caminhantes ; não serão sempre Catões que passarão por vossas terras portanto, avisai-vos em fazer-lhe cortesia e gracioso tratamento, sem o que limitareis o termo da licença que terão sobre vós; pois haverá muitos que não esperarão mais do que alguma desculpa para vos retirar à força o que desejarão possuir, se vós não o tiverdes, de bom grado, oferecido e entregue".

XIX. É testemunha das honras que rendem a Demétrio, liberto de Pompeu

XIX. A este propósito narram que na Síria deu-se um fato hilariante. Foi que, chegando a Antioquia, encontrou diante da porta da cidade grande multidão dividida em duas filas de um lado e outro da rua; os rapazes à parte, vestidos com belos mantos e as crianças à parte também em bela ordem e outros, vestidos com belas roupagens novas, trazendo chapéus de flores sobre suas cabeças que eram os sacerdotes ou oficiais da cidade. Catão pensou incontinente que fora a cidade que fizera esta procissão para o honrar, já demonstrando má vontade para com os servidores que enviara à frente não terem impedido que esta demonstração se fizesse. Fez seus amigos, que o acompanhavam, descer dos cavalos e caminhar a pé com ele; mas quando chegaram bem junto à porta da cidade, o mestre de cerimônias que conduzia toda esta recepção e que tinha toda a multidão em ordem, homem já idoso, trazendo em sua mão uma vara e uma coroa, dirigiu-se a Catão na frente dos outros e, sem o saudar, apenas lhe perguntou onde haviam deixado Demétrio e quando ele chegaria.

Esse Demétrio havia sido escravo de Pompeu, e portanto, como todo o mundo lançava os olhos sobre o senhor, o servidor era também honrado e agradado mais do que merecia, por causa do crédito que tinha à volta de seu senhor. Os amigos de Catão, ouvindo isto, puseram-se a rir tão alto, que não puderam mais se conter passando através da multidão, mas Catão sentindo grande vergonha, não fez senão dizer na hora: — "Ó cidade desgraçada!" e nenhuma outra coisa. Mas depois quando contava o fato a outros ou pensava sozinho, punha-se a rir.

XX. Acolhida que Pompeu faz a Catão

XX. Todavia, Pompeu marcou aqueles, que por ignorância, deixaram assim de honrar Catão. Pois, tendo chegado à cidade de Éfeso, Catão foi à sua presença para saudá-lo como sendo o mais idoso, de maior dignidade e maior reputação e que então comandava um poderoso exército; porém, Pompeu, percebendo-o de longe, não esperou que viesse até ele, nem ficou sentado em sua cadeira, mas levantou-se, indo ao seu encontro como a um dos principais personagens de Roma e, tomando-o pela mão, depois de o haver saudado e abraçado, proferiu na hora grandes louvores à sua virtude, em sua presença e ainda mais em sua ausência, depois que se retirou, de sorte que depois todo o mundo deu muita importância e o tiveram em extraordinária consideração pelas mesmas coisas que antes faziam desprezá-lo, quando vieram a considerar de perto sua clemência e sua magnanimidade ; os assistentes reconheceram evidentemente que a boa acolhida de Pompeu era própria de um homem que o reverenciava e observava isto por obrigação mais do que pela estima, e perceberam facilmente que sentia grande honra enquanto estava ao seu lado; no entanto, ficou satisfeito quando partiu; pois sempre se esforçava em reter junto dele todos os gentis-homens romanos que iam vê-lo, mas não insistiu absolutamente com Catão, pois com ele presente lhe parecia ter alguém que lhe controlasse sua autoridade, ficou bem à vontade deixando-o ir, recomendando-lhe sua mulher e seus filhos, o que não havia feito a nenhum dos que voltavam à Roma; se bem que tivessem algum parentesco. Depois, todas as cidades por onde passou, estudavam-se com inveja uma das outras, a ver quem lhe daria mais honra, preparando-lhe banquetes e festins, dos quais solicitava aos seus amigos que ficassem atentos e procurassem dispensá-lo, confirmando assim o que lhe dissera outrora Curião, o qual zangando-se por ver Catão, que era seu amigo íntimo, assim austero, perguntou-lhe um dia se não tinha vontade de ir ver a Ásia, depois que o tempo de seu cargo houvesse expirado. Catão respondeu-lhe que estava bem resolvido. — "Farás muito bem, replicou-lhe Curião; pois voltarás um pouco mais alegre e mais domesticado do que és". Pois usou uma expressão romana que significa propriamente isto.

XXI. Recusa os presentes do rei Dejotaro

XXI. Dejotaro, rei da Galácia, estando já muito velho, mandou convidá-lo para ir vê-lo em seu país, a fim de lhe recomendar seus filhos e sua casa; na qual logo que ele chegou, esse rei deu-lhe belos e ricos presentes de todas as espécies, pedindo e solicitando por todos os meios que os recebesse. Isto desagradou a Catão, irritando-o tanto que, tendo chegado à noite, depois de haver ficado um dia apenas, partiu às três horas da manhã seguinte; mas não havia caminhado um dia, quando encontrou na cidade de Pessinunta 1127, outros presentes ainda maiores que o esperavam com cartas de Dejotaro, pelas quais pedia-lhe insistentemente aceitá-los e se não quisesse, pelo menos permitisse aos seus amigos recebê-los, atendendo que o valiam e mereciam por todas as razões, mas especialmente por amor dele, ainda mais que seus bens não eram grandes que pudessem chegar para todos seus amigos. Todavia Catão jamais quis permitir, como antes, que nada aceitassem, embora percebesse que havia alguns dentre eles amolecidos pelo desejo e queixando-se por não deixá-los receber as dádivas; pois os admoestou a jamais receber o fruto da corrupção com a desculpa de honestidade; e ainda, pensando bem, seus amigos teriam sempre parte nos bens que ele possuiria honestamente. Assim, mandou de volta a Dejotaro todos os seus presentes. E como estivesse pronto para embarcar e passar de volta a Brundúsio, houve alguns de seus amigos que o admoestaram que era melhor pôr as cinzas e os ossos de seu irmão Cipião dentro de um outro navio; mas ele lhes respondeu que preferia perder sua vida, do que aquelas relíquias; e incontinente pôsse à vela, quando dizem que passou grande perigo, ao passo que os outros navios tiveram travessia bastante cômoda.

XXII. É nomeado questor

XXII. Tendo voltado a Roma, estava sempre ou em sua casa a conferenciar sobre filosofia com o filósofo Atenodoro, ou na praça para dar prazer aos seus amigos. Pois insistiam, para quando seu tempo terminasse, solicitar o lugar de questor1128 mas não o quis, sem que primeiramente houvesse lido diligentemente os editais e ordens concernentes àquele cargo e não houvesse particularmente inquirido, sobre todos os pontos, àqueles que tinham mais longa experiência, para saber qual era o poder e a autoridade do dito cargo. Logo que tomou posse, introduziu uma grande mudança quanto aos oficiais do tesouro e escreventes, os quais, tendo sempre entre suas mãos os papéis e registros das contas e os editais sobre finanças e mais, tendo que trabalhar com rapazes, que elegiam como questores, os quais tinham por sua ignorância e falta de experiência, antes necessidade de mestres que os ensinassem, do que de suficiência para dirigir, acontecendo que os escreventes, não lhes reconhecendo autoridade, eram eles mesmos os magistrados, até que Catão, tomando conscientemente as matérias a peito e não se contentando em ter apenas o título e a honra de magistrado, mas tendo também o senso, o coração e a palavra, quis que os oficiais e notários se portassem como tais, isto é a saber, somente auxiliares dos magistrados, verificando, demonstrando-lhes as malvadezas que cometiam em seus cargos e mostrando-lhes os erros que cometiam por ignorância. Mas, vendo alguns audaciosos e soberbos, que iam adulando e ganhando os outros questores, procurando resistir à sua autoridade, cometida na divisão de uma sucessão entre co-herdeiros e consequentemente privou-o de poder jamais exercer algum cargo nas finanças.

XXIII. Severidade de sua administração nesse cargo

XXIII. Levou também perante a justiça um outro, acusando-o de falsificação de testamento e Catulo Lutácio, sendo então censor, encontrava-se no julgamento para defendê-lo; este era uma personagem de grande dignidade, não somente pela autoridade de magistrado que ele possuía, como também mais ainda por sua própria virtude, porque ele era tido por um dos mais justos e maiores homens de bem que houvessem no seu tempo em Roma. Era ele um dos que mais elogiavam Catão, convivendo com ele, pela honestidade de sua vida; e vendo que não podia defender seu constituinte pela razão, requereu abertamente que o perdoassem por ele. Catão não quis permitir; mas ainda insistiu calorosamente e disse-lhe então com franqueza: — "É uma vergonha, Catulo, levando em conta que és censor, e deveria examinar rigorosamente nossas vidas, deixar-te assim atirar fora do dever1129 de teu cargo, para favorecer aos nossos ministros". Tendo Catão pronunciado estas palavras, Catulo olhou-o bem, como para lhe responder, mas não lhe disse nada, e ficou furioso ou envergonhado, retirandose todo confuso, sem dizer palavra. Todavia, o acusado não foi condenado, pois aconteceu que os votos dos juízes que o condenavam eram mais do que os que o absolviam; porém, Marcos Lólio, um dos companheiros de Catão como questor, não tendo podido assistir ao processo, porque se encontrava enfermo, Catão mandou pedir-lhe para vir, a fim de ajudar esse pobre homem; e ele, fazendo-se conduzir dentro de uma liteira, após o julgamento, deu o último voto que o absolveu judicialmente; todavia Catão não quis nunca mais que ele servisse de notário nem consentiu que pagasse sua caução e, ainda mais, não quis contar o voto de Lólio entre os demais.

XXIV. Assim, tendo diminuído a audácia dos notários, escreventes e peritos das finanças, pois que os colocou na razão, teve em suas mãos todos os registros e papéis à sua vontade dentro de pouco tempo, para agir à vontade e tornou1130 o tribunal das contas mais venerável e mais reverenciado do que o próprio Senado, de maneira que todo o mundo opinava e dizia que Catão havia anexado ao cargo de questor a dignidade do consulado. Descobrindo ele que vários cidadãos eram, desde tempos passados, devedores do Estado e, como também a república o era a alguns particulares, deu ordem para que não se causasse mais dano a ninguém e que pessoa alguma também lesasse os cofres públicos, constrangendo severamente aos que deviam pagando também pronta e voluntariamente àqueles a quem era devido; de tal modo que o povo mesmo tinha vergonha de ver alguns pagarem quando esperavam não pagar nada e, em oposição, também reembolsar outros que julgavam nunca mais receber nada de suas dívidas. Entretanto, alguns apresentavam no gabinete dos questores, cartas e quitações não legais, que muitas vezes seus predecessores forneceram deferindo solicitações e requerimentos falsos; mas, durante sua gestão, jamais se deu isto, pois estando um dia em dúvida sobre uma ordem que lhe foi apresentada para saber se era verdadeira, ainda que diversos testemunhassem que sim, não a quis acreditar nem admitir, até que os cônsules, pessoalmente, viessem testemunhar e jurar que havia sido ordenado.

XXV. Faz condenar aqueles que haviam morto os cidadãos proscritos por Sila

XXV. Ora, havia diversos a quem Lúcio Sila, na segunda proscrição, havia dado1131 doze mil dracmas de prata por cabeça de cada cidadão proscrito que tinham morto por suas próprias mãos, os quais eram odiados e malditos de todo o mundo, como assassinos e excomungados, mas ninguém ousava agir contra eles para fazer vingança; Catão levou-os todos perante a justiça, por estarem detendo indevidamente o dinheiro público, obrigando-os a entregá-lo e censurando-os furioso, não sem razão, pelo ato malvado que haviam cometido. Nem bem haviam entregue esse dinheiro, foram por outros acusados de homicídio; e como já estavam condenados por dano, ao saírem do julgamento, foram conduzidos diretamente para outro, onde pagaram a pena que haviam merecido, com grande contentamento e sossego de todos os romanos, os quais consideraram então que toda a tirania desse tempo estava apagada, e o próprio Sila castigado.

XXVI. Assiduidade de Catão em suás funções

XXVI. Além disso, ainda era muito agradável ao povo a diligência e assiduidade contínuas de Catão, porque era sempre o primeiro a chegar ao gabinete dos questores e o último a sair; jamais faltou a uma assembleia do povo, nem a uma reunião do Senado, receando e tendo cuidadosamente os olhos abertos para que aparentemente e por favor não recebessem algum dinheiro devido ao Estado ou que concedessem desconto aos arrendatários ou que fizessem entrega de dinheiro, senão aos que o tinham justamente merecido. Assim, limpo dos caluniadores e tendo enchido de moedas a arca do tesouro, demonstrou que a república podia ser rica, sem prejudicar nem causar dano a ninguém. É verdade que no início dessa administração, foi ele desagradável a alguns de seus companheiros, porque pareceu-lhes muito rude, mas afinal foi querido por todos porque se submetia sozinho a sustentar a gritaria e malevolência que levantavam contra ele; porque não deixava por favor rodar as moedas do dinheiro público e assim os demais que ocupavam postos na administração tinham facilidade de se desculpar diante daqueles que reclamavam e importunavam com pedidos, dizendo que era impossível fazer qualquer coisa contra a vontade de Catão.

XXVII. Anula uma doação registrada por Marcelo

XXVII. E no último dia de exercício de seu cargo, tendo sido reconduzido por quase todo o povo até sua casa, foi avisado de que Marcelo estava dentro da câmara do tesouro assediado e envolto por vários de seus amigos, pessoas de autoridade, que o apertavam para fazer registrar alguns pagamentos, como sendo devidos pelo público. Marcelo era seu amigo desde a infância e desempenhava muito bem o seu cargo quando estava com ele; mas, quando estava só, deixava-se levar pelos pedidos dos que reclamavam, e sendo de natureza delicada, tinha vergonha de despedir alguém e era muito pronto a conceder tudo o que reclamavam. Catão voltou rapidamente e vendo que havia um importuno feito registrar um pagamento, mandou trazer o registro e o apagou em sua presença, sem que o outro dissesse uma só palavra contra; depois disto feito, o próprio prejudicado reconduziu-o e acompanhou-o até sua casa, e não se queixou jamais, nem na ocasião, nem depois deste ato, mas perseverou sempre em sua amizade e familiaridade, como antes.

XXVIII. Fiscaliza os livros onde estavam as contas da renda pública desde Sila

XXVIII. Mas, mesmo fora do cargo de questor, não deixou a câmara do tesouro sem vigia nem guarda; pois fazia-a assistir todos os dias por seus servidores, os quais redigiam por escrito tudo o que se passava. E ele mesmo, tendo recuperado pelo preço a soma de cinco talentos1132 os livros nos quais estava compreendida toda a situação da renda pública e da administração desde o tempo de Sila até o ano de sua gestão, tinha-os sempre entre as mãos, entrando sempre em primeiro lugar no Senado e saindo por último. E ah, muitas vezes, enquanto os outros senadores se reuniam para descansar, ia sentar-se em algum canto e ficava lendo baixinho, pondo sua túnica à frente e jamais ia para os campos nos dias que sabia haver assembleia no Senado.

XXIX. Declara que não trataria de nenhum negócio nos dias de funcionamento do Senado

XXIX. Pompeu e seus partidários, vendo que era impossível forçá-lo e ainda mais ganhá-lo para que os favorecesse naquilo que solicitavam injustamente, iam procurando meios de distraí-lo par a que não assistisse no Senado, impedindo-o de defender as causas de alguns de seus amigos e julgar algumas arbitragens ou outros negócios; mas ele, tendo imediatamente percebido sua cilada e armadilha, denunciou, uma vez por todas, a esses que desejavam se servir dele, declarando que não faltaria nunca mais em outros casos, quaisquer que fossem, nos dias em que se reunia o Senado; pois não viera se intrometer nos negócios da república para se enriquecer, como faziam alguns outros, nem para fortuitamente adquirir reputação; mas tendo, por madura deliberação, escolhido a intervenção no governo, como exercício próprio de um homem de bem, considerava dever ficar cuidadosamente de olho aberto mais do que faz a abelha quando constrói seus casulos de cera ou faz o mel; tomava interesse, com sacrifício, em todos os casos que vinham às suas mãos, por meio de seus hóspedes e amigos, residentes em cada província do império romano, isto é, editais, decretos, sentenças ou julgamentos de maior importância.

XXX. Sua grande reputação. O nome de Catão passa aos provérbios

XXX. Fez oposição uma vez a Públio Cláudio, orador sedicioso, que estava suscitando princípios de grandes novidades, para agradar ao povo acusando perante os sacerdotes e as religiosas vestais, entre as quais Fábia Terência, irmã da mulher de Cícero, que foi chamada à justiça; Catão, tendo tomado sua proteção e defesa, causou tão grande vergonha ao acusador Cláudio, que o obrigou a sair fora da cidade, pelo que Cícero, agradecendo-lhe, Catão respondeu-lhe que era à causa pública que devia agradecer, porque era por amor dela que dizia, fazia e aconselhava todas as coisas; nessa ocasião chegou a alcançar tal reputação, que algumas vezes, num litígio em que pediam a deposição de uma única testemunha, o advogado que pleiteava em favor da parte adversa disse aos juízes que não deviam de modo algum dar crédito ao dizer de uma só testemunha, mesmo que fosse Catão, e já era um provérbio comum, quando falavam de coisas estranhas e inverossímeis de acreditar, o dizer: — "Isto não é crível, embora seja Catão mesmo que o diga". E como um dia no Senado um personagem de má reputação, supérfluo e dissoluto nas despesas, fizesse um longo discurso em louvor e recomendação da sobriedade, temperança e economia, houve um senador chamado Anaus, que não se pôde conter e lhe disse: — "Deusa, meu amigo, quem julgas tu que pode ter paciência de te ouvir, se tens uma mesa como Crasso, constróis como Lúculo e nos pregas como Catão1133 ?" Também chamavam comumente, em tom de zombaria, Catões, àqueles que eram graves e severos nas palavras e desordenados e viciados nos atos que praticavam.

XXXI. Vai a Lucânia

XXXI. Vários de seus amigos o incitavam e admoestavam para solicitar o cargo de tribuno do povo, mas ele não foi de acordo, dizendo que não precisava empregar nem exercer o poder de tal magistratura e de tão grande autoridade, senão no tempo e nas coisas necessárias; e obtendo descanso dos negócios públicos, foi para a Lucânia, onde possuía casas de descanso agradáveis, levando com ele muitos livros e filósofos para fazer-lhe companhia ; mas pelo caminho encontrou muitos centuriões, grande quantidade de bagagens e um comboio de pessoas; perguntou quem era e disseram-lhe que era Metelo Nepos que voltava a Roma para solicitar o cargo de tribuno. Parou de súbito e, depois de pensar um pouco consigo mesmo, ordenou à sua gente que voltasse atrás. Pelo que seus amigos, ficando admirados, respondeu-lhes: — "Não sabeis que Metelo por si mesmo é de temer por sua loucura? E agora, que vem com instruções de Pompeu, atirar-se-á através dos negócios, como um raio que estraga tudo; por esta causa agora não é tempo para descansar, nem de férias, mas é preciso vencer ou morrer honradamente pela defesa da liberdade".

XXXII. Volta a Roma para solicitar o tribunato

XXXII. Todavia, à persuasão de seus amigos, foi primeiramente um instante até a sua casa de campo, onde nada fez, mas voltou incontinente a Roma. E aí, tendo chegado uma noite, no dia seguinte cedo desceu à praça, solicitando o cargo de tribuno do povo, expressamente para resistir à empreitada de Metelo, porque essa atribuição confere muito mais força para impedir do que para fazer; pois se todos os outros tivessem decretado uma coisa juntos de acordo, e que ele sozinho se opusesse, essa oposição seria maior que todos os outros1134.

Ora, Catão não teve de início grande número de seus amigos a seu lado; mas, quando souberam da intenção pela qual fazia esta solicitação, todas as pessoas de bem se colocaram a seu favor e o confirmaram em sua deliberação, encorajando-o para pretender o cargo, não tanto por si, mas pela república, pois o pedia em ocasião oportuna, atendendo que, tendo podido obtê-lo por várias vezes sem dificuldade, quando não tinha negócio algum, não quisera solicitá-lo; mas reservou-se para pretendê-lo quando era preciso, não sem perigo, e combater pelo bem da república e pela proteção da liberdade. Dizem que houve grande multidão que veio para assistir sua disputa e com tão calorosa afeição que pensou sufocar e não acreditou jamais poder chegar até à praça, pelo aperto da multidão que o acompanhava.

XXXIII. Acusa Murena

XXXIII. Assim, tendo sido declarado tribuno1135 com Metelo e outros, percebeu que iam mercadejando e comprando votos do povo, quando chegasse a eleição dos cônsules e fez um discurso, no qual repreendeu e censurou asperamente por este mercado nojento e sujo, ao fim do qual protestou com juramento, que acusaria e levaria à justiça aquele que tivesse dado dinheiro para se fazer eleger, excetuando apenas Silano, porque era seu aliado, tendo desposado Servília, sua irmã, e por isso o excluiu; mas acusou e deu parte formal contra Lúcio Murena, o qual, por dinheiro, tanto fizera, que havia obtido o consulado juntamente com Silano. Ora, havia uma ordem que permitia ao acusado ter um guarda junto com o acusador para ver o que este ia propor e do que se serviria em sua acusação, a fim de que o acusado não fosse achado desprevenido; dessa forma, aquele que Murena havia mandado a Catão para observá-lo, seguindo-o por toda a parte, e considerando de perto tudo o que fazia, quando viu que ele não estava agindo maliciosamente, mas abertamente seguia o caminho reto do acusador justo, sentiu tão grande confiança na magnanimidade e bondade simples, naturais de Catão que, sem de modo algum espioná-lo, não fazia mais do que perguntar, em praça pública ou em sua casa, se naquele dia havia deliberado fazer alguma coisa concernente à acusação e se dizia que não, ia embora, confiando plenamente. Quando chegou o dia do julgamento, Cícero, que era cônsul1136 nesse ano, defendendo Murena, criticou tão prazerosamente os filósofos estoicos e suas estranhas e extravagantes opiniões, que fez rir os juízes, de sorte que Catão, mesmo sorrindo, disse aos que estavam a seu lado: — "Vede como temos um cônsul agradável, que faz rir as pessoas". Murena, tendo sido absolvido nesse julgamento, não se mostrou mais daí em diante homem mau nem estouvado para com Catão, mas enquanto durou seu consulado1137 governou-se sempre por seu conselho nos principais negócios e continuou a honrá-lo e seguir seu conselho com relação aos seus deveres como magistrado; de sorte que Catão não era terrível nem temível, senão no Conselho e em seus discursos diante do povo, pela defesa do direito e da justiça somente; pois, pensando bem, mostrava-se humano, delicado e benigno para com todo o mundo.

XXXIV. Serviços que presta a Cicero no caso de Catilina

XXXIV. Mas, antes de entrar no exercício como tribuno, sendo Cícero ainda cônsul, ajudou-o a cumprir os deveres de seu cargo em várias coisas e mesmo a pôr fim à conjuração de Catilina, que foi um belo e grandioso feito; pois esse Catilina maquinava uma mudança universal para arruinar e revirar de cima para baixo toda a república, excitando as sedições civis internas e guerras abertas no exterior, do que, sendo acusado por Cícero, foi obrigado a salvar-se para fora de Roma, mas Lêntulo, Cetego e diversos outros cúmplices dessa conjuração, censurando Catilina por se haver vergonhosa e friamente nessa obra de destruição, haviam por seu lado empreendido queimar a cidade de Roma completamente e pôr em combustão todo o império romano por meio de guerras e rebeliões de nações e províncias estrangeiras; mas, tendo sido descoberta sua conspiração, assim como declaramos mais amplamente na Vida de Cícero, a coisa foi levada ao julgamento do Senado para saber o que se devia fazer; e Silano, a quem primeiro foi perguntada a opinião, disse ser sua opinião que deviam fazê-los sofrer pena extrema e, consequentemente, todos esses que deram parecer depois dele, disseram o mesmo, até César, o qual sendo bom orador e que desejava antes alimentar e entreter as agitações, sedições e mudanças na coisa pública, como matéria própria ao que de longa data havia projetado em seu entendimento, fez um discurso cheio de palavras doces atraentes, no qual demonstrava que fazer morrer assim esses personagens, sem que fossem judicialmente condenados, parecia-lhe razoável, mas que antes deviam mantê-los presos. Isto mudou de tal modo a opinião do resto dos senadores, pelo receio que tiveram do povo, que Silano mesmo deu novamente sua opinião e disse que não havia aconselhado fazê-los morrer, mas retê-los em prisão fechada, porque para um cidadão romano, a prisão era um dos maiores infortúnios.

XXXV. Determina o Senado a pronunciar a morte contra os jurados

XXXV. Assim, tendo conseguido mudar as opiniões e inclinado os demais senadores para uma sentença mais humana e mais suave, quando chegou a vez de Catão dar o seu parecer, este começou furioso, com grande força de eloquência, a censurar Silano, arremetendo-se depois, grandemente irritado e de maneira áspera, a César, o qual, debaixo de uma aparência popular e sob a capa de seu falatório suave e maneiroso, ia arruinando a república e intimidando o Senado, quando devia estar temeroso e considerar-se feliz em não ser atacado nas ocasiões que dava para suspeitar; pois, querendo assim, claramente arrancar das mãos da justiça, traidores inimigos da república, demonstrava não ter nenhuma piedade nem compaixão pela cidade de seu nascimento, tão grande e tão nobre, que havia estado tão perto do extermínio final, para sentir e lamentar a sorte desses homens desgraçados, que não deviam jamais ter nascido e cuja morte preservaria Roma de assassínios, males e perigos infinitos. De todos os discursos que Catão pronunciou, só este ficou preservado para a posteridade porque Cícero, naquele dia, dirigiu os escriturários do Senado, que tinham a mão mais leve, aos quais havia com vantagem ensinado a fazer certas anotações e abreviações, que em poucos traços valiam e representavam muitas letras, colocando-os esparsos em vários lugares na sala; pois então ainda não usavam e não sabiam o que eram os notários1138, isto é, escrivães que por meio de anotações de letras abreviadas significam toda uma sentença ou uma palavra, como se fez depois; e segundo se diz, foram os primeiros, começando daí o sistema. Catão ganhou e fez de tal modo mudar as opiniões, que os homens foram condenados à morte. E para não omitir nada do que pudesse servir para representar ao vivo a imagem de seu natural até nos mínimos detalhes, dizem que nesse dia, havendo grande debate e litígio muito veemente contra César, de tal modo que t odo o Senado estava atento aos oradores, trouxeram de fora um papelzinho que foi entregue a César. Isto despertou imediatamente a suspeita de Catão, o qual denunciou o fato, dando ensejo a que os diversos senadores se amotinassem e ordenassem fosse lido bem alto e claramente o escrito. César estendeu a carta a Catão, que não estava sentado longe dele. Este, tendo lido, viu que era uma carta de amor de sua irmã Servília a César, de quem estava enamorada, tendo sido por ele seduzida; atirou o papel a César, dizendo-lhe: — "Toma, bêbado"; feito isto, continuou a proposição que havia começado antes.

XXXVI. Irmãs e mulheres de Catão

XXXVI. Em suma, parece que Catão foi pouco feliz ao lado das mulheres; pois esta Servília, como dissemos, estava sendo alvo de comentários pelo amor a César, mas a outra Servília, que era também sua irmã, foi ainda mais difamada; porque sendo casada com Lúculo, um dos primeiros homens de Roma, de quem teve um filho, foi afinal por ele expulsa e repudiada por sua impudicicia; e, o que é ainda mais vergonhoso, sua própria mulher Atília não foi ela mesma imune de tal vício; pois se bem que tivesse tido dois filhos, foi obrigado a repudiá-la, tanto se portou mal; e depois desposou a filha de Filipe, chamada Márcia, a qual parece ter sido dama muito honesta. Pois esta parte da vida de Catão, tal como numa fábula ou comédia, é bem embaraçada para se compreender, mas a coisa se deu como escreve Traseas, que baseia suas afirmações sobre Munácio, amigo íntimo de Catão. Entre diversos que apreciavam e admiravam as virtudes de Catão, alguns havia que as demonstravam e descobriam mais do que os outros, como Quinto Hortêncio, personagem de grande autoridade e homem de bem, o qual desejando ser não somente amigo particular e familiar de Catão, mas também seu aliado de qualquer forma, como também unir sua casa à de Catão, procurou persuadi-lo a que lhe desse em casamento sua filha Pórcia, casada com Bíbulo1139 e com o qual já possuía dois filhos, para semear também como em terra fértil, a sua semente e ter uma ascendência enobrecida, pois embora isso parecesse estranho à primeira vista, quanto à opinião dos homens, quanto à natureza era honesto e útil à república que uma jovem mulher, bela e honesta, na flor da idade, não permanecesse em fertilidade ociosa, deixando apagar-se a sua natural aptidão de conceber, com o que também não prejudicaria seu marido, dando-lhe mais filhos do que deveria manter. Também ajuntou que, comunicando assim uns com os outros as mulheres idôneas para a geração, a pessoas de bem e homens que fossem dignos, a virtude viria a multiplicar-se ainda mais e espalhar-se em diversas famílias, e a cidade, consequentemente a misturar, unir e incorporar-se em si mesma pela aliança; mas, se por acaso Bíbulo amava tanto sua mulher que não quisesse deixá-la completamente, ele a entregaria incontinente, depois que lhe tivesse dado um filho e que haveria um estreito laço de amizade, mediante esta comunicação de filhos, entre Bíbulo e ele. Catão fez responder que estimava muito Hortênsio e acharia bem agradável sua aliança, mas estranhava que falasse de lhe entregar sua filha para procriar crianças, visto que sabia muito bem que ela estava casada com outro. Então Hortênsio, descobrindo seu propósito, não simulou descobrir-lhe sua afeição e pedir-lhe sua própria mulher, a qual era ainda muito jovem para ter filhos e Catão já os tinha suficientemente; não se sabe se Hortênsio fez esta solicitação porque percebeu que Catão não fazia caso de Márcia, pois estava grávida dele na ocasião; mas tanto fez, que vendo o grande desejo e a grande afeição de Hortênsio, ele não a recusou, mas respondeu-lhe que precisava que também Filipe, pai de Márcia, consentisse, o qual, compreendendo que Catão concordava, não quis no entanto conceder-lhe sua filha, sem que Catão pessoalmente estivesse presente no contrato e estipulando pessoalmente as condições com ele1140. Essas coisas foram feitas muito tempo depois; todavia porque caí sobre o assunto das mulheres de Catão, pareceu-me bem apressar esta história e colocá-la antes do tempo neste lugar.

XXXVII. Catão declara no Senado que não suportaria nunca a entrada de Pompeu com seu exército em Roma

XXXVII. Tendo, portanto, Lêntulo e seus comparsas na conjuração de Catilina, sido condenados à morte e executados, César, para se cobrir das acusações e imputações que Catão lhe fez no Senado, recorreu à salvaguarda do povo e colocou a seu lado todos aqueles que sabia terem má vontade e que não podiam senão revolver e estragar tudo, amotinando e incitando o povo. Catão receando que tal maneira de agir suscitasse algum tumulto, persuadiu o Senado a ganhar a plebe, que nada possuía, fazendo distribuir-lhe algum trigo para viver; o que foi feito e subiu esta despesa por ano a dois mil duzentos e cinquenta talentos1141. Esta largueza abrandou manifestamente as ameaças de levantes. Mas, de outro lado, Metelo, tomando posse de seu cargo de tribuno, realizava assembleias e discursos sediciosos nos quais propunha ao povo um decreto, pelo qual Pompeu devia ser, no primeiro dia, chamado com seu exército de volta, a fim de que a república não caísse em risco com o perigo de Catilina. Isto não era senão uma desculpa com belas palavras, mas o alvo e intenção verdadeiras de que pendia esse edital, era pôr todos os negócios da república e as forças do império romano entre as mãos de Pompeu. O Senado reuniu-se para tratar disso e Catão, de início, não falou acerbamente nem com muita veemência contra Metelo, como estava habituado a fazer contra os que se conduziam mal como ele; mas o admoestou delicada e moderadamente, até suplicar-lhe, chegando afinal a elogiar enormemente a casa dos Metelos, que havia sempre seguido o partido do Senado e das pessoas de bem; mas isto elevou ainda mais em audácia e em glória Metelo, e fez com que começasse a ter Catão em desprezo, porque considerou que ele lhe cedia assim, pelo medo, de tal modo que se esqueceu, chegando até a dizer palavras presunçosas e usar de altivas ameaças, que faria o que havia empreendido com a boa ou má vontade do Senado. Então Catão mudou de fisionomia, de voz e de palavras e depois de lhe falar muito asperamente, afinal protestou duramente que enquanto tivesse vida no corpo, não suportaria que Pompeu entrasse com armas na cidade de Roma. Ouvindo isto, o Senado foi de opinião que nem um, nem outro, tinha bom senso, nem o juízo bem são, pois que o mau comportamento de Metelo se transformava em fúria, o qual procedendo com extrema malícia e malvadez, queria pôr todas as coisas de baixo para cima e, ao contrário, o que se dava com Catão era como que um êxtase e arroubo de virtude transportada, fora de si, querendo defender as coisas justas e razoáveis.

XXXVIII. Intrepidez com a qual se apresenta perante a assembleia do povo

XXXVIII. Quando chegou o dia no qual deviam fazer passar este decreto pelos sufrágios do povo, Metelo não faltou com sua gente em ordem na praça, parte de estrangeiros, parte de escravos e parte de1142 esgrimistas a mais não poder, todos em armas e assim uma boa parte da comuna desejava a volta de Pompeu, com a esperança de alguma mudança, aspiração essa grandemente favorecida e fortificada da parte de César, que então era pretor. E em oposição, do outro lado, as mentores pessoas da cidade enfureciam-se juntamente com Catão e diziam como ele que aquilo era uma grande perversidade, mas isto não o ajudava; nessa ocasião seus parentes e domésticos estavam com grande cuidado e grande abatimento, de sorte que aconteceu passarem a noite juntos, sem descansar e sem beber nem comer, devido ao perigo em que viam sua vida, e mesmo sua mulher e suas irmãs não faziam outra coisa senão chorar e preocupar-se, quando ele, ao contrário, falava com segurança e confortava todo o mundo; e depois de haver ceiado como de costume, foi-se deitar e dormiu um sono profundo até de manha, quando Munácio Termo, um de seus companheiros como tribuno, veio acordá-lo; foram juntos à praça para onde se dirigiram acompanhados por pouca gente mas encontraram diversos pelo caminho que vinham à frente para avisá-los a que se mantivessem com cuidado.

XXXIX. Murena leva-o ao templo de Castor e de Pólux

XXXIX. Quando chegaram à entrada da praça, Catão percebeu imediatamente o templo de Castor e Pólux tendo à sua volta homens armados, e os degraus totalmente ocupados pelos esgrimistas, e Metelo, que se achava no ponto mais alto, sentado junto de César. Virou-se então para seus amigos e disse: — "Vede aquele covarde ali, que contra um só homem desnudo reuniu tanta gente armada". E dizendo isto, marchou direito daquele lado com Termo, separando-se os que estavam sobre os degraus para os deixarem passar, mas não consentiram que subisse mais nenhum outro, ocasião em que Catão muito trabalho teve para tirar Munácio de suas mãos. Tendo subido, foi direito sentar-se entre Metelo e César, para evitar que falassem ao ouvido um do outro. Aliás, não souberam o que dizer; mas as pessoas de bem que viram e observaram com admiração o rosto, a segurança e a coragem de Catão, aproximaram-se mais e, gritando, o exortaram a que não temesse nada, encorajando-se uns aos outros para se manterem firmes e unirem-se para a defesa da liberdade comum, opondo-se àquele que combatia contra ela; houve um sargento que, tomando na mão o edital por escrito, como para lê-lo ao povo, Catão proibiu-o de fazer isso, pelo que Metelo o tomou ele mesmo e começou a ler. Catão retirou-o à força de suas mãos; no entanto Metelo, sabendo o conteúdo de cor, tentou falar assim mesmo, porém, Termo pôs-lhe a mão diante da boca para evitar que falasse; Metelo, vendo esses dois homens obstinados e dispostos a impedir, por todos os meios, que não fizesse passar seu edital e que o povo, descobrindo o véu, se colocava ao lado da razão, fez sinal a sua gente, e alguns soldados armados que mantinha expressamente para esse fim em sua casa, acorreram com grandes gritos; desse modo o povo, de pavor, afastou-se, fugindo por todos os lados e luto ficou na praça senão Catão sozinho, no qual atiravam quantidade de pedras e paus; Murena, porém, aquele mesmo que ele havia acusado de haver comprado o consulado, não o abandonou neste perigo, e cobrindo-o com sua longa veste, gritava aos que jogavam as pedras, que deviam cessar; e mostrando-lhe o perigo ao qual se expunha, tanto fez, que tendo-o sempre ao seu lado, levou-o para dentro do templo de Castor e Pólux.

XL. Metelo, não tendo conseguido fazer passar seu decreto, vai encontrar Pompeu na Ásia

XL. Então, Metelo, vendo a tribuna vazia e seus adversários fugindo de todos os lados para fora da praça, julgou haver ganho tudo e ordenou nos seus soldados armados que se retirassem e ele, saindo habilmente, experimentou fazer passar e autorizar seu edital; mas seus adversários, tendo cessado o pavor e voltado à praça, recomeçaram a gritar contra Metelo, mais forte e mais corajosamente do que antes, de sorte que se encontrou ele mesmo em grande perturbação e com grande medo e seus ade rentes também, julgando que seus adversários houvessem recuperado as armas em alguma parte, sendo isso que os fazia voltar assim tão valentes contra ele; de tal modo, não houve um que parasse, mas Voltaram-se todos para trás da tribuna. Assim, tendo os aliados de Metelo se afastado, Catão apresentou-se sobre a tribuna elogiando grandemente o povo pela boa vontade que havia demonstrado, exortando-o a perseverar sempre para melhor, de ta forma que a plebe mesmo bandeou então, ficando contra Metelo; e o Senado, reunido, ordenou que socorressem Catão mais do que nunca e que resistissem por todos os meios ao edital de Metelo, como sendo pernicioso por estar introduzindo sedição e guerra civil na cidade de Roma. Quanto a Metelo, obstinava-se ainda em continuar sua empreitada e não queria entregar-se; todavia, vendo afinal que seus aderentes admiravam-se espantosamente e temiam a constância de Catão, como coisa invencível e inexpugnável, correu um dia, subitamente, à praça, e reunindo o povo, alegou diversas razões julgando pôr a comuna em desavença com Catão e leu, entre outras coisas, que desejava sair da dominação tirânica de Catão e de sua conspiração contra Pompeu, e logo veriam a cidade se arrepender por ter assim recusado um tão grande personagem. Isto dito, partiu logo depois para ir à Ásia fazer suas queixas a Pompeu. Foi Catão grandemente estimado por este feito, por haver descarregado a república do pesado fardo do cargo de tribuno de um tal louco e por ter, como se diz, desfeito em Metelo, o poder de Pompeu; mas ainda foi elogiado e considerado com vantagem, quando impediu o Senado, que o queria a viva força, de marcar Metelo com a nota de infâmia, privando-o de seu cargo; pois opôs-se e solicitou que nada se fizesse nesse sentido. A comuna tomou como grande argumento de natureza branda, benigna e humana, o fato de não querer, como se diz, calcar sob os pés o inimigo, depois de o haver abatido, nem de o ultrajar depois de havê-lo vencido à força; mas os homens sábios julgaram com vantagem, que havia prudente e utilmente agido, não irritando Pompeu.

XLI. Catão faz conceder o triunfo a Lúculo

XLI. Aproximadamente nesse tempo, voltou Lúculo da guerra, da qual parecia que Pompeu lhe havia usurpado a glória de tê-la completamente terminado e esteve até bem perto de ser desviado das honras do triunfo, pela contradição que lhe fez Caio Mêmio, acusando-o de vários casos diante do povo, mais em favor de Pompeu, do que por inimizade que lhe tivesse. Catão, porém, tanto porque era seu aliado, atendendo que havia desposado sua irmã Servília, como também porque o caso em si lhe parecia iníquo, fez frente a esse Mêmio e impugnou as várias calúnias e imputações, até que, finalmente, sendo atirado fora de seu cargo, como de uma dominação tirânica, ainda obrigou Mêmio por si mesmo a desistir das acusações e fugir da liça. Porque Lúculo, tendo obtido as honras da entrada triunfal, conviveu mais do que nunca com Catão, considerando ter nele uma grande praça forte e muralha segura contra o poder de Pompeu, o qual, voltando algum tempo depois, glorioso por suas conquistas e confiante que à sua chegada nada lhe seria recusado do que pedisse aos seus concidadãos, no seu regresso, requereu ao Senado a que, por amor dele, protelasse a eleição dos cônsules até estar em Roma, a fim de que, estando presente, pudesse favorecer a pretensão de Piso, que solicitava o consulado; ao que, como a maior parte do Senado se deixasse anuir, Catão, opondo-se, contradisse, não porque considerasse esse adiamento ser coisa de tão grande consequência, mas porque desejava cortar a Pompeu toda a esperança de esperar algo novo e extraordinário, e fez de tal modo mudar de opinião o Senado, que na mesma hora foi negada tal solicitação.

XLII. Recusa casar suas duas sobrinhas com Pompeu e com seu filho

XLII. Isto irritou bastante Pompeu, o qual, percebendo que teria Catão contrário em muitas coisas, se não encontrasse meios de ganhá-lo, mandou Munácio, que lhe era muito familiar, por intermédio do qual fez solicitar a Catão duas sobrinhas que estavam prestes a casar, a mais idosa para ele e a mais jovem para seu filho primogênito. Outros dizem que não foram suas sobrinhas, mas suas próprias filhas. Munácio levou a mensagem a Catão, à sua mulher e às suas irmãs, as quais desejavam singularmente esta aliança pela grandeza e dignidade do personagem que a solicitava; porém, Catão, sem dilatar mais, nem consultar com calma, mas como que zangado, respondeu na hora: — "Volte Munácio, volte à presença de Pompeu e digalhe que Catão não é conquistável por meio das mulheres", acrescentando que embora tivesse por outro modo em consideração sua estima, pois quando quisesse fazer ou pretender coisas justas, encontraria nele amizade mais segura e mais certa do que nenhuma outra aliança de casamento; mas por enquanto não entregava jamais penhores para o apetite de Pompeu contra a república. As mulheres ficaram na hora bem descontentes com essa recusa e mesmo seus amigos censuraram a resposta, como soberba e incivil; mas depois Pompeu, pretendendo fazer eleger cônsul um de seus amigos, enviou dinheiro às linhagens para comprar e corromper os votos do povo, sendo esta corrupção bastante notória, porque o dinheiro foi distribuído dentro mesmo dos jardins de Pompeu; Catão então demonstrou às mulheres de sua casa, que se fosse obrigado à aliança do casamento com Pompeu, teria sido constrangido a tomar parte todos os dias na infâmia de tais atos, o que tendo ouvido elas mesmas, confessaram então que havia mais sabiamente feito recusar tal amizade do que elas em desejar. Todavia, se se deve julgar pelo resultado dos acontecimentos, parece-me que Catão cometeu uma grande falta em recusar esta aliança, dando em resultado conjugar e unificar o poder de César e o de Pompeu, o que quase arruinou até as raízes todo o império romano, ou, pelo menos, mudou inteiramente toda a situação do governo da república; e nada disto aconteceria, se Catão, temendo as faltas leves de Pompeu, não tivesse sido causa de deixá-lo fazer com que se tornassem muito pesadas, aumentando o poder dos dois rivais; mas isto estava então para acontecer.

XLIII. Aliança e intrigas de César e de Pompeu

XLIII. Na ocasião Pompeu, estando em discussão contra Lúculo, com referência a certas ordens que haviam dado no reino de Ponto, porque um e outro queriam que as suas vontades prevalecessem, Catão favoreceu Lúculo, ao qual notoriamente causavam dano; por esta razão Pompeu, vendo que tinha o pior partido no Senado, recorreu ao povo e propôs um edital para fazer repartir as terras entre os guerreiros; porém, Catão, opondo-se ainda a isto, fez rejeitar seu edital, que foi a causa pela qual Pompeu, por despeito, passasse então a conviver com Públio Cláudio, o mais sedicioso e o mais audacioso de todos os que se intrometiam falando ao povo; aliou-se também, ao mesmo tempo, a César, dando-lhe oportunidades, porque este, voltando de sua pretoria na Espanha solicitou as honras do triunfo e queria também, ao mesmo tempo, disputar e pretender o consulado, mas havia uma disposição em contrário, pois era preciso que os que aspiravam algum cargo, fossem pessoalmente à cidade e os que desejavam fazer entrada triunfal esperassem fora; pelo que requereu ao Senado que lhe fosse consentido solicitar o consulado por meio de intermediários, no que a maioria concordou; porém, Catão contradisse, e vendo que os outros senadores se inclinavam a favorecer a sua sentença, consumiu o dia todo em discursos e impediu por esse meio a que o Senado chegasse a uma conclusão. César, deixando a pretensão do triunfo, pôs-se a pleitear o consulado e a amizade de Pompeu. Foi eleito cônsul e logo depois deu sua filha Júlia em casamento a Pompeu, tendo feito entre eles como que uma conspiração contra a república; um encaminhava projetos pelos quais pretendia fazer distribuir terras aos pobres e o outro defendia-os; por outro lado, Lúculo e Cícero, aliando-se ao outro cônsul, que era Bíbulo1143 faziam tudo o que podiam contra; mas, principalmente Catão, o qual firmemente suspeitando desta aliança de César e Pompeu, que não teria sido feita com nenhuma boa intenção, dizia não recear tanto esta distribuição de terras, mas temia a recompensa que solicitariam aqueles que por tais meios iam atraindo e lisonjeando a plebe. Todo o Senado acompanhou sua opinião e várias outras pessoas de bem que não eram senadores, colocaram-se também de seu lado, espantando-se e enfurecendo-se grandemente por esta impertinência de César, o qual, como a autoridade consular, ia propondo as mesmas coisas de que se fartavam em propor os mais sediciosos e os mais insolentes tribunos do povo, para ganhar a graça da plebe e ia assim vil é covardemente conquistando o favor do povo.

XLIV. Catão jura, à solicitação de Cicero, a execução de uma lei agrária

XLIV. César e seus aderentes, receando tão grandes adversários, começaram a usar a força; primeiramente foi jogado sobre a cabeça de Bíbulo, quando ia para a praça, um cesto cheio de excrementos e lixo e partiram à força as varas que os sargentos levavam à sua frente, até que finalmente golpes de dardo, voando de todos os lados contra eles, diversos ficando feridos, todos os outros abandonaram a praça, fugindo em grande confusão, porém, Catão retirou-se por último, caminhando com seu passinho comum e ainda virando muitas vezes a cabeça e amaldiçoando tais cidadãos. Os outros fizeram não somente passar seu projeto pelos sufrágios, referente à distribuição de terras aos pobres, mas ainda mais, fizeram ajuntar que todo o Senado seria obrigado a jurar que ratificaria o conteúdo do edital e aguentariam a mão se houvesse alguém que atentasse contra, sob grandes penas a quem recusasse prestar esse juramento. Todos os outros senadores juraram à força, lembrando-se do que outrora havia acontecido em caso igual ao velho Metelo, o qual foi banido da Itália por não ter querido jurar e apoiar um edital semelhante; nessa ocasião as mulheres, em lágrimas, suplicaram em particular a Catão que se dobrasse um pouco e jurasse; também o mesmo fizeram seus familiares e amigos; mas aquele que mais o persuadia e levava a jurar, era o orador Cícero, que lhe demonstrou não ser razoável desobedecer sozinho ao que parecia bem e justo aos outros, e que seria totalmente insensato precipitar-se a si mesmo em e vidente perigo, procurando impedir uma coisa que já estava feita; ainda mais, que o maior mal, no caso, seria abandonar e deixar a república presa (para o bem da qual fazia todas as coisas), a esses que esperavam e empregavam todos os meios para arruiná-la, como se fosse muito fácil defendê-la no futuro: — "Pois bem, dizia ele, se Catão não precisa de Roma, e certamente Roma precisa de Catão e também dele necessitam todos os seus amigos"; dos quais ele mesmo dizia ser o primeiro, o que levava abertamente Públio Cláudio, por meio de seu cargo como tribuno a levantar emboscadas para expulsá-lo para fora do país. Dizem que esses pedidos e admoestações feitos a Catão em particular dentro de sua casa e, em público na praça, amoleceram-no um pouco e fizeram-no afinal vir jurar o último de todos, excetuando Faômo, que era um de seus íntimos amigos.

XLV. César faz prender Catão para levá-lo à prisão e o faz pôr em liberdade por um tribuno

XLV. César, encorajado por haver conduzido ao fim esta sua primeira empreitada, levou à frente ainda um outro edital, pelo qual dividia quase todos os campos1144, e todo o país a que chamam a Terra do Labor, aos cidadãos pobres e necessitados de Roma. A este edital ninguém se opôs, a não ser Catão; e César o fez prender pelos seus sargentos dentro mesmo da tribuna para levá-lo à prisão, mas nem por isto ele se dobrou, nem abandonou a franqueza de seu linguajar e, caminhando, continuou sempre a discorrer contra o edital, concitando o povo a rejeitar aqueles que levavam tais coisas à frente. Todo o Senado foi a seu favor, e a maior parte sã do povo também, mostrando bastante por seu silêncio triste, que estavam em si mesmos desgostosos e enraivecidos da injúria que faziam a um tal personagem; de tal modo que, mesmo César, percebeu muito bem que o povo estava descontente; todavia, obstinou-se, esperando sempre que Catão por si mesmo chamasse e apelasse ao povo; mas quando compreendeu evidentemente que ele não o faria, afinal vencido pela vergonha e desonra que isso lhe causava, admitiu e encarregou ele mesmo um dos tribunos do povo a que fosse libertar Catão. Finalmente, o resultado de todo esse procedimento de César foi que depois de haver ganho o povo por meio de tais editais e tais generosidades, deram-lhe o governo de todas as Gálias, tanto daquém como dalém montes e de toda a Esclavônia1145, com um exército de quatro legiões e, pelo espaço de cinco anos, conquanto Catão predissesse e denunciasse bastante ao povo, que ele mesmo, com suas próprias vozes, alojava o tirano dentro da fortaleza, o qual lhe calcaria um dia o pé sobre a garganta. Fizeram também eleger um tribuno do povo, Públio Cláudio, se bem que fosse de casa nobre, o que era expressamente proibido pelas leis; mas esse Cláudio lhes havia prometido dizer e fazer ludo o que quisessem, contanto que em recompensa 0 ajudassem a expulsar Cícero para fora da cidade de Roma; e fizeram também designar cônsules para o ano seguinte1146, Calpúrnio Piso, pai da mulher de César e Gabínio Paulo, homem nada afeito à devoção e segundo o coração de Pompeu, como escrevem aqueles que conhecem sua vida e seus costumes.

XLVI. Catão é enviado a Chipre

XLVI. Mas se bem que mantivessem a república tão embaraçada e tivessem reduzido a seu poder uma parte da cidade por amor e a outra por receio, no entanto temiam sempre a Catão, considerando que se o haviam superado, isto tinha sido com grande dificuldade e muito trabalho, para sua vergonha, tendo sido constrangidos a empregar a força, e sem esperar jamais poder chegar ao fim. Ainda mais, Cláudio não esperava poder expulsar nem arruinar Cícero, enquanto Catão estivesse presente, e urdindo os meios para poder fazê-lo logo que fosse instalado em seu cargo, mandou chamar Catão e começou a dizer-lhe que o considerava o maior homem de bem e o mais completo que vivia dentro de Roma o que estava pronto a provar isto com efeito, pois quando diversos outros insistiam, desejando fazer parte da comissão para ir a Chipre contra o rei Ptolomeu, ele opinava que não havia outro que merecesse esta honra senão o próprio Catão e pela afeição que lhe dedicava, lhe daria voluntariamente esse prazer. Catão pôs-se incontinente a gritar que isto era uma emboscada e uma injúria, nunca um prazer; Cláudio então lhe replicou altivo e soberbamente: — "Pois bem, já que não queres ir por bem, eu te farei ir à força". E o fez, pois na primeira assembleia da cidade, conseguiu que lhe dessem a comissão; mas não lhe concedeu navios, nem guerreiros, nem servos, senão dois secretários apenas, dos quais um era ladrão e homem muito mau e o outro uma criatura de Cláudio; e ainda, como se fosse pouco o que teria de fazer em Chipre contra Ptolomeu, ordenou-lhe também ir depois recolocar os banidos da cidade de Bizâncio em seu país e na posse de seus bens, a fim de mantê-lo mais tempo fora de Roma, enquanto estivesse em seu cargo; vendo-se assim afastado, necessariamente, aconselhou a Cícero, o qual já estava sendo perseguido por Cláudio, a que não entrasse em desentendimento com ele e não atirasse a cidade de Roma na guerra civil e na carnificina por sua causa, mas que antes se ausentasse por um certo tempo a fim de que pudesse outra vez preservar seu país.

XLVII. Bons conselhos que dá a Ptolomeu, rei do Egito

XLVII. Isto feito, enviou um amigo seu, Canídio, a Chipre, à presença de Ptolomeu, para persuadi-lo a que desistisse de tomar armas e que, assim fazendo, não sofreria dano nem de honra, nem de bens, porque o povo romano lhe delegaria a prelatura de Vênus na cidade de Pafos. Enquanto isso, ficou na ilha de Rodes a fazer seus preparativos, esperando a resposta. Mas, nesse ínterim, Ptolomeu1147 , rei do Egito, devido algum ressentimento ou diferença que tivesse com seus súditos, tendo partido de Alexandria para ir a Roma na esperança de que César e Pompeu o recolocariam logo, com uma poderosa armada em seu reino, quis, passando, falar com Catão; mandou a sua presença, esperando que tão logo tomasse conhecimento de sua chegada, viesse visitá-lo. Catão estava então às voltas com seus negócios e respondeu ao mensageiro que Ptolomeu viesse à sua presença, se quisesse. Ele o fez, porém Catão não foi ao seu encontro, nem se levantou a sua frente, mas saudando-o apenas, do mesmo modo que teria feito com o primeiro a chegar, disse-lhe que se sentasse.

Isto primeiramente espantou o rei por ver sob uma equipagem tão simples e tão pequena, uma tal gravidade e tão grande altivez na maneira de agir. Quando, porém, tendo entrado um pouco no assunto de seus negócios e ouvido sua palavra cheia de bom senso e de são julgamento, pela qual se estendeu francamente, demonstrando-lhe o erro que cometia, ao abandonar tão grande opulência e felicidade real para ir se submeter a tanta indignidade, a tanto trabalho e a tanta corrupção, e presenteando para satisfazer a avareza daqueles que tinham crédito e autoridade dentro de Roma, a qual era tão insaciável, que o reino do Egito, se bem que inteiramente coberto de dinheiro, não bastaria; assim, aconselhou-o a voltar imediatamente e procurar os meios de se reconciliar e despachar com seus súditos, dizendo-lhe ainda mais, que estava contente de ir com ele para o ajudar a fazer as pazes com os seus. Ptolomeu então, voltando como de uma alienação mental ao seu bom senso, considerando a verdade em si e a profunda sabedoria desse homem, ficou entre dois fogos, sem saber de quem seguir conselho; e teria feito conforme o parecer de Catão, se sua gente o não tivesse desviado; mas quando chegou a Roma e precisou se humilhar às portas desses que tinham autoridade e que ocupavam a magistratura, suspirou e lastimou bastante a loucura que havia cometido, como se não tivesse desprezado o conselho de um homem sábio, mas antes o oráculo de um deus.

XLVIII. Paz vender os móveis de Ptolomeu, rei de Chipre

XLVIII. Enquanto isso, o outro Ptolomeu, que estava em Chipre, de boa sorte para Catão, suicidou-se com veneno; e por terem dito que havia deixado grande soma em moedas, Catão deliberou ir pessoalmente a Bizâncio e enviou a Chipre seu sobrinho Bruto, porque não confiava muito em Canídio. E após haver reposto os banidos de Bizâncio em boas relações com os outros cidadãos e pacificado todas as diferenças que haviam em comum, então voltou a Chipre, onde encontrou uma grande e real riqueza de móveis preciosos, como baixelas de ouro e de prata, mesas, pedrarias, tapeçarias e panos de púrpura, que ele precisou vender totalmente, para fazer dinheiro; quis usar de cuidado extremo e diligência, esforçando-se por alcançar até o mais alto preço, e assistir a tudo, para anotar até a última moeda; para fazer isso, não confiava nos usos e costumes do leilão; pois tinha todos os ministros que se davam por suspeitos, como os pregoeiros, como os lançadores de leilão, até aos seus próprios amigos; portanto, ele mesmo falava à parte com os compra dores que faziam oferta, elevando os preços, de sorte que a maioria das coisas que estavam à venda, foram assim aumentadas.

XLIX. Indispõe-se com Municio

XLIX. Isto contrariou seus amigos, quando perceberam que desconfiava deles, mesmo Munácio que era o seu mais íntimo, o qual sentiu tão grande despeito, que nunca mais o procurou abrandar, de maneira que no livro que César escreveu depois contra ele, foi nesta parte de sua acusação que insistiu mais demorada e mais amargamente. Todavia, Munácio mesmo escreve, que esse ódio não lhe veio por causa de qualquer desconfiança de Catão, mas pelo pouco caso com que o tratava e por um pouco de inveja que teve de Canídio; pois escreveu um livro sobre os feitos e ditos de Catão, que Traseas aproveitou em sua história mais do que nenhum outro, e nesse livro escreve que chegou em último lugar a Chipre, onde lhe entregaram uma casa tão ruim, que os outros não a quiseram; e o que é mais, quando procurou entrar na casa de Catão, recusaram-lhe a entrada porque estava impedido, ocupado a entregar qualquer coisa a Canídio; pelo que, tendo se queixado moderadamente, ainda lhe deram uma resposta não muito moderada, a saber: — "Que o muito amar muitas vezes é causa de fazer odiar, assim como escreve Teofrasto: como agora, porque me amas estremecidamente e te parece que não faço conta de ti como mereces, te encolerizas; e eu declaro-te que emprego Canídio mais voluntariamente do que os outros, porque o conheço como homem de bom espírito, fiel e experimentado, tendo vindo desde o início, ao que pude ver, sempre com as mãos limpas".

L. Reconcilia-se com este

L. Catão havia primeiramente dito essas palavras a Munácio a sós, mas depois soube que as havia também referido a Canídio, ocasião em que não foi mais cear, como estava habituado, em casa de Catão; e sendo chamado a conselho, não quis aparecer, tanto que Catão ameaçou-o de que faria apreender seus móveis e sua bagagem, como se faz aos que são desobedientes à justiça; mas Munácio por isto não se preocupou e se fez ao mar, voltando a Roma, onde conservou durante muito tempo sua cólera, até que Márcia, a qual estava ainda com Catão, falasse com ele, e tendo sido ambos convidados para jantar em casa de um amigo comum chamado Barca, Catão chegou quando todos os outros já estavam à mesa e perguntou onde se sentaria. Barca respondeu-lhe que se pusesse onde lhe agradasse; ele depois de haver olhado para todos, disse: — "Quero me pôr aqui pinto de Munácio", e fez uma volta para ir sentar-se ali, sem todavia dar-lhe qualquer atenção durante lodo o jantar. Depois, a instâncias de Márcia, que lhe pediu, Catão escreveu-lhe que desejava falar com ele e Munácio foi procurá-lo cedo, quando Márcia o reteve até que todos os outros, que haviam vindo lambem saudar Catão, tivessem partido; e então Catão abraçou-o, fazendo-lhe todas as gentilezas possíveis. Quisemos narrar isto um pouco por extenso, estimando que essas coisinhas feitas em particular dão bem mais a conhecer os costumes e o natural dos homens, do que as grandes e feitas publicamente diante de todo o mundo.

LI. Como Catão traz a Roma o dinheiro proveniente da venda em Chipre

LI. De resto Catão, naquela sua incumbência, juntou aproximadamente a soma de sete mil talentos1148 e, receando a longa viagem que devia fazer por mar, mandou fabricar diversos cofres, podendo conter cada um, aproximadamente doze mil e cinquenta escudos1149 e, amarrando a cada um deles uma corda comprida, na ponta da qual havia um grande pedaço de cortiça, a fim de que se por acaso o navio viesse a naufragar, essas cortiças mostrassem o lugar onde estaria o dinheiro no fundo do mar; assim, foi todo este dinheiro, exceto pequena parte, conduzido a salvo até dentro de Roma. Mas, tendo redigido por escrito em dois livros tudo o que havia feito nesse cargo, não pôde salvar nem um, nem outro: pois um de seus escravos libertos chamado Filárgiro trazia um, o qual tendo embarcado no porto de Cencres1150 afogou-se, e o livro que levava perdeu-se com ele, e o outro, ele mesmo o havia guardado até Corfu1151, onde se alojou na praça da cidade, aí tendo feito estender suas tendas; mas os marinheiros, sentindo frio à noite, fizeram um fogo tão grande que pegou nas tendas e queimou esse livro entre outras coisas. Catão levara consigo os servidores do falecido rei Ptolomeu, os quais eram encarregados da conservação de seus móveis e da administração de suas finanças, os quais trouxe para fechar a boca aos invejosos e maldosos que quisessem caluniá-lo por qualquer coisa; todavia, não deixou de lhe fazer mal, o fato de não ter feito cuidadosamente esse relato verbal de toda a sua administração para provar sua honestidade e dar a conhecer sua lealdade, mas para servir aos outros de exemplo de esplêndida diligência ; no entanto a sorte invejou-lhe esta honra.

LII. Honras que lhe fazem à sua chegada

LII. Chegou até dentro da cidade de Roma por água, e tão logo souberam que se aproximava, todos os magistrados, os sacerdotes, todo o Senado e uma boa parte do povo, saíram à sua frente ao longo do rio, de sorte que as duas margens do Tibre estavam cobertas de gente e propriamente parecia, ao vê-lo assim subir o rio, que era uma entrada triunfal; entretanto, houve quem achasse isto presunçoso e de mau gosto, tendo os cônsules e os pretores saído à sua frente, pois não fez parar seu navio, mas continuou a vogar sempre contra a corrente, dentro de uma galera real de seis remos por banco e não parou antes que toda a sua frota tivesse chegado ao porto; todavia, quando levaram através a praça o ouro e a prata até dentro do tesouro, o povo admirou-se por ver tão grande quantidade, e o Senado, reunido, conferiulhe com as mais honrosas palavras uma pretona extraordinária e o privilégio de assistir aos jogos com traje de púrpura. Catão recusou essas honras, mas pediu ao Senado para dar liberdade a Nícias, mordomo do falecido rei Ptolomeu, dando testemunho do cuidado, lealdade e boa diligência do mesmo. Filipe, pai de Márcia, era nesse ano cônsul1152, de sorte que toda a dignidade e a autoridade do consulado advinham de Catão, não sendo menor o respeito que o outro cônsul lhe tributava por sua virtude, do que Filipe por sua aliança.

LIII. Contradiz Cícero, que pretende anular o tribunato de Cláudio

LIII. Afinal, Cícero, tendo voltado do exílio, ao qual o havia levado Públio Cláudio e tendo recobrado grande poder, um dia foi ao capitólio, na ausência de Cláudio, arrancar e tirar à força as mesas que este aí havia consagrado, nas quais estava contido tudo o que se tinha feito durante o tempo de seu tribunato; estando o Senado reunido, Cláudio acusou-o por esta violência. Cícero respondeu-lhe que sua eleição ao tribunato, tendo sido feita diretamente contra a expressa proibição das leis, era nula e por conseguinte, também nulo tudo o que havia feito ou dito naquele cargo; mas nesse momento Catão tomou a palavra e, levantandose, disse ser de opinião que em toda a administração de Cláudio, ele não havia nada feito de são, nem de bom; todavia, se assim anulavam em geral tudo o que tinha sido feito sob sua autoridade, seria forçoso anular também tudo o que ele havia feito em Chipre, porque a comissão em virtude da qual teria trabalhado não seria mais legítima, pois que o magistrado, que a teria executado, havia sido eleito indevidamente. Mas, por ser Cláudio de casa nobre, sua eleição ao tribunato não vinha a ser feita contra as leis; pois havia sido adotado por uma família popular, o que a lei lhe permitia, e se havia agido mal em sua gestão, como muitos outros, era preciso responsabilizá-lo para fazê-lo reparar seu erro e agir como homem que havia abusado do poder, e não destruir sua autoridade do magistrado, o que não era lícito fazer.

LIV. Catão anima Domício a pedir o consulado em concorrência com Pompeu e Crasso

LIV. Cícero ficou descontente com Catão por esta contradição e desistiu, durante muito tempo, de demonstrar-lhe sinal algum de amizade, como fazia antes, mas depois se reconciliaram nas seguintes condições: Pompeu e Crasso, tendo ido conferenciar com César, o qual com esta intenção havia passado os Alpes, haviam combinado entre eles que solicitariam um segundo consulado e quando estivessem instalados no cargo, fariam prolongar a César seu governo, pelo mesmo tempo que já havia tido, e ficariam eles mesmos com as melhores e maiores províncias, com poderosos exércitos e dinheiro para entretelas e assalariá-las, o que era uma manifesta conspiração para dividir entre eles todo o império romano e arruinar completamente a república. Havia então diversas pessoas de honra que se preparavam para solicitar o consulado; mas, quando viram que Pompeu e Crasso se apresentavam, todos os demais se retiraram, exceto Lúcio Domício, que havia desposado Pórcia, irmã de Catão, a cuja persuasão não quis desistir nem ceder considerando que não era questão de cargo, mas da liberdade do Senado e do povo romano. Correu incontinente um rumor entre a parte mais sã do povo, segundo o qual não se devia permitir que o poder de Pompeu se juntasse ao de Crasso por meio dessa aliança porque então seria esse poder muito maior e mais forte e que era preciso pelo menos retirar um deles; nessa ocasião os bem intencionados colocaram-se ao lado de Domício, admoestando-o e exortando-o a pugnar conscientemente contra os dois, e que encontraria diversos que não ousariam falar abertamente, com receio d os dois personagens, e que os favoreceriam às escondidas com seus votos, no dia da eleição.

Receando isso, Pompeu e Crasso fizeram uma emboscada contra Domício, antes do dia amanhecer, quando ia ele com as tochas ao campo de Marte onde se realizava a eleição e quando o primeiro, que trazia a tocha à frente de Domício passou, foi magoado tão gravemente, que caiu morto aos seus pés e depois caíram sobre os outros que, feridos, fugiram desordenadamente, exceto Domício e Catão; pois este reteve o outro, se bem que estivesse ele mesmo fendo no braço e pediu-lhe para ficar e não abandonar a defesa da liberdade contra tiranos, que davam bem a conhecer como se portariam em seus cargos, pois que a ele aspiravam e pretendiam, usando de vias tão desgraçadas e tão más; entretanto, Domício não quis mais enfrentar esse perigo e fugiu para sua casa.

LV. Pede-o ele mesmo, mas não obtém a pretoria

LV. Assim, foram Crasso e Pompeu declarados cônsules sem contradição; Catão nem por isto não se rendeu mas apresentou-se pessoalmente a solicitar o cargo de pretor, a fim de que servisse pelo menos como um forte, para fazer frente ao consulado e não sendo um qualquer, teria mais autoridade para resistir aos que eram as primeiras e principais autoridades. Mas esses, receando que a pretoria pela reputação de Catão não viesse a ser em autoridade I poder, igual ao consulado, fizeram primeiramente reunir às pressas o Senado, sem que a maioria do senadores soubesse de nada, em cuja assembleia fizeram decretar que aqueles que fossem eleitos pretores tomariam posse imediatamente e entrariam no exercício de suas funções, sem esperar o tempo prefixado e ordenado pelas leis, durante o qual não pode riam levar perante a justiça aqueles que tivessem comprado com moedas de contado os sufrágios do povo; pois, tendo por meio desse decreto, forjado uma certa impunidade e licença de agir mal aos que pretendiam subir por tais meios, puseram à frente desse ardil alguns de seus ministros, dando eles mesmos o dinheiro para corromper o povo e presidindo pessoalmente a eleição; não obstante todas as suas tramas, a virtude e reputação de Catão os suplantava linda, porque o povo lhe devotava tão grande veneração, que estimava seria uma indignidade covarde vender Catão por seus sufrágios, que merecia ser comprado para fazê-lo pretor, de tal modo que a primeira linhagem, sendo chamada para dar seus votos, declarou-o pretor; vendo isso, Pompeu dissolveu logo a assembleia da eleição, aparentando, desonestamente, que tinha ouvido trovejar, porque os romanos estavam acostumados a detestar tal manifestação da natureza e jamais ratificavam coisa alguma quando se dava este sinal e prodígio celestes; mas depois entregaram ainda mais dinheiro do que entes e, com isto, expulsaram as melhores pessoas de bem do campo de Marte e fizeram tanto afinal por seus métodos, que um Vatínio foi eleito e declarado pretor em lugar de Catão; e dizem que esses que haviam tão iníqua e tão maldosamente empregado seus sufrágios, como por um remorso de consciência, fugiram imediatamente do campo e a pessoas de bem ficaram muito descontentes pelo ma causado a Catão. Encontrava-se ali um dos tribuno que presidia a assembleia da cidade, quando Catão, saindo à frente, predisse alto e claro diante de toda a assistência, como se estivesse inspirado por algum espírito divino profético, tudo o que estava para acontecer à república e agitou os ouvintes contra Pompeu e Crasso, advertindo-os que eles deviam se sentir culpados de tais atentados e pretendiam fazer tais coisas na administração pública, que haviam receado ser Catão eleito pretor, com medo de que ele impedisse seus projetos. Finalmente quando voltou à sua casa sozinho, foi acompanhado de mais gente do que os outros juntos, que haviam sido eleitos pretores.

LVI. Opõe-se à divisão das províncias que Trebônio queria outorgar a Pompeu e a Crasso

LVI. E como Caio Trebônio, tribuno do povo, houvesse apresentado um projeto referente à distribuição de províncias aos novos cônsules, segundo o qual um teria todas as Espanhas e toda a África, e o outro todo o Egito e toda a Síria, com poder de guerrear a quem bem lhes parecesse, tanto por mar como por terra todos os outros, não podendo impedir e fazer nada em contrário, saíram também sem contradizer; Catão, porém, subiu à tribuna antes que o povo começasse a dar seus sufrágios, mas apenas quiseram conceder-lhe duas horas para falar; ainda assim, vendo que se estendia demais para consumir o tempo, procurando demonstrar-lhes o que aconteceria, não quiseram mais deixá-lo falar e enviaram um sargento para o pôr abaixo à força; e como, mesmo depois de ter descido, não cessasse de gritar, dando motivo a que diversos prestassem atenção a suas palavras e se emocionassem, o sargento foi ainda prendê-lo, levando o para fora da praça; mas não o havia deixado mula, quando voltou para a tribuna, onde recomeçou a gritar mais do que nunca, exortando o povo a ter os olhos abertos para socorrer a liberdade e a república, que se iam perdendo; fez isto por tantas vezes, que Trebônio, não podendo mais suportar, ordenou ao sargento que o levasse à prisão; mas o povo foi atrás ouvindo sempre e prestando atenção ao que dizia, de maneira que Trebônio mesmo, receando algum escândalo, foi obrigado a ordenar ao sargento que o deixasse ir. Assim, Catão consumiu todo aquele dia, sem nada concluir; mas no dia seguinte os aderentes da linha contrária, tendo intimidado parte dos romanos e ganho a outra por meio de belas palavras e com a corrupção do dinheiro, impediram pela força das armas um dos tribunos do povo, Aquílio, de sair para fora do Senado, depois de terem levado violentamente Catão para fora da praça, porque gritava que havia trovejado e, tendo ferido diversos homens na praça mesmo, de que uns morreram na hora, fizeram afinal passar seu edital à viva força pelo sufrágio do povo.

LVII. Inúteis representações de Catão a Pompeu

LVII. Devido tal, diversos, estando aborrecidos, foram-se em grupos quebrar e destruir as estátuas de Pompeu, porém, Catão aparecendo, preservou-as; e como também pouco depois houvessem apresentado o projeto das províncias e forças que César solicitava, Catão não se dirigiu ao povo para tentar impedir, mas sim a Pompeu, denunciando e protestando que ele mesmo colocava sobre o pescoço o jugo de César, do que não se apercebia ainda, mas que logo começaria a pesar-lhe, encontrando-se preso e amarrado; então, quando não pudesse mais suportar, nem encontrar meios para se desvencilhar, atirar-se-ia com ele entre os braços da república e lembrar-se-ia das admoestações de Catão, as quais não eram menos aproveitáveis a Pompeu particularmente, como justas e razoáveis em si. Catão fez-lhe por diversas vezes tais observações, mas Pompeu não tomou conhecimento, porque não podia acreditar que César pudesse jamais mudar e confiava muito em sua prosperidade e na grandeza de seu poder.

LVIII. Decreto que faz passar pelo Senado para verificar os meios empregados para se fazerem eleger

LVIII. Afinal, Catão sendo eleito pretor para o ano seguinte, pareceu não dar muito apreço e dignidade ao cargo administrando retamente, mas parecia rebaixá-lo, indo muitas vezes descalço e sem saio ao tribunal e à cadeira pretorial, presidindo desse modo a julgamentos criminais, onde estava em jogo a vida de pessoas importantes; dizem alguns que mantinha a audiência mesmo depois do jantar, tendo tomado vinho; mas isto não é verdadeiro. Afinal, vendo que o povo romano estava perdido e estragado pelas corrupções dos que aspiravam à magistratura e que muitos lá consideravam isto coisa natural, procurando arrancar as raízes completamente desse vício da república, persuadiu ao Senado a fazer um estatuto e ordem: — "Que doravante aqueles que fossem eleitos para qualquer cargo, se não tivessem ninguém que os acusasse, seriam obrigados por si mesmos a apresentar-se em julgamento; e depois de haver depositado entre as mãos dos juízes o juramento de dizer a verdade, dar contas e razão, judicialmente, dos meios pelos quais tinham atingido seus postos".

LIX. Condição que faz estabelecer aos candidatos para os impedir de comprar os sufrágios

LIX. Esta ordem tornou-o bastante odioso aos que disputavam aos cargos, de sorte que uma manhã foram em grande número à parte do tribunal onde os juízes dão sua audiência e puseram-se a gritar contra ele, injuriando-o e atirando-lhe pedras, de tal modo que os assistentes foram obrigados a fugir do recinto e ele mesmo atirado para fora pela massa popular e puxado por todos os lados, teve muito, trabalho para chegar à tribuna, onde, levantando-se nos pés, incontinente acalmou o barulho e amotinação do povo, impressionado pela segurança e severa constância de sua fisionomia; depois, fazendo-lhes tais observações que o tempo e o caso tratado reclamavam uma audiência pacífica, abrandou em pouco tempo todo o tumulto que se havia levantado. Como os do Senado o elogiassem, disse a todos alto e claro: — "Pois eu não vejo motivo para vos elogiar, atendendo que vós abandonastes um pretor em perigo de vida, sem vos sentir de modo algum no dever de socorrê-lo". Mas aqueles que disputavam os cargos, encontraram-se em grande perplexidade, porque de um lado temiam despender dinheiro para comprar os votos do povo e do outro lado também tinham medo de que outros, assim fazendo, não decaíssem de sua pretensão. Fizeram todos juntos um acordo pelo qual depositaria cada um a soma de doze mil e quinhentos escudos1153 e depois, justa e corretamente fizessem sua solicitação ao cargo no qual aquele que se encontrasse em erro e que fosse ajudado pela corrupção, perderia o dinheiro que tinha depositado. Feito este acordo, elegeram para depositário, testemunha e árbitro, a Catão, entre as mãos do qual estava dito que depositariam seu dinheiro. O contrato foi lavrado em sua casa, onde lhe entregaram o julgamento de todos os pleitos, mas recalcitrou quanto ao dinheiro, que não quis receber; e quando chegou o dia da eleição, Catão, assistindo a um tribuno do povo que a dirigia e observando cuidadosamente como procediam ao votar, percebendo que um dos solicitantes o fazia em desacordo com o contrato, condenou-o a pagar a soma concedida aos outros, os quais, estimando e elogiando grandemente sua justiça e completa honestidade, não quiseram mais a multa, julgando que aquele que havia agido maliciosamente estava bem castigado em ser apenas condenado por sentença de Catão.

LX. Inveja que excita a virtude de Catão

LX. Este ato desagradou aos outros senadores e suscitou grande inveja contra Catão, como se quisesse atribuir a ele só a autoridade e poder de todo o Senado, dos juízes e dos magistrados. Pois não há virtude cuja glória e confiança não engendrem mais inveja do que as daquele que exerce a justiça, pois ordinariamente o povo confia mais e concede maior autoridade a tais pessoas; não somente lhe prest a honra, como se faz aos corajosos; nem são admirados, como acontece com os sábios e prudentes, porém, são amados e estimados, porque neles o povo confia. Quando se teme a uns e se desconfia de outros; e, ainda mais, quando se considera que a coragem e a prudência procedem antes de uma força da natureza do que da boa vontade, supondo-se que a alma seja apenas uma vivacidade ou sutileza do espírito e a outra uma força do coração que vem da natureza, cada um pode ser justo, bastando apenas que o queira e isto é a razão, enquanto que a injustiça é o vício de que se deve ter mais vergonha porque é uma malícia e perversidade de que não se tem desculpa. Eis porque todos os grandes eram inimigos de Catão, como sendo por ele repreendidos, mesmo Pompeu, que considerava a reputação de Catão como a ruína de sua autoridade; e por esta causa suscitava sempre alguém para perseguir e injuriá-lo, entre os quais se achava Públio Cláudio, acintosamente em convívio com Pompeu e gritava contra Catão, dizendo que havia desviado muito dinheiro do público em sua comissão a Chipre e que guerreava Pompeu porque havia recusado desposar sua filha.

LXI. Catão acusa abertamente Pompeu de aspirar o poder soberano

LXI. Ao que Catão respondeu que havia trazido de Chipre mais ouro e prata para a república, sem um só cavalo nem um só soldado, do que Pompeu com todos os seus triunfos e todas suas guerras, com o que havia feito trabalhar todo o mundo. No entanto não tinha nunca procurado a aliança de Pompeu, não que a considerasse indigna, mas porque via que não caminhava com o mesmo passo que ele na administração da coisa pública: — "Ofereceram-me o governo de uma província logo ao deixar minha pretoria, que recusei, enquanto ele retém uma coisa e outra para dá-las aos seus partidários. Agora emprestou uma força de seis mil homens a César para servir na guerra das Gáhas, sem que a tenha solicitado nem a tenha cedido com o nosso consentimento; e tantas armas, tantos homens e cavalos são dádivas particulares de nossos cidadãos; e ele, Pompeu, tendo o título de imperador e de capitão general, cede suas províncias e suas forças para outros, que as governam, enquanto fica aqui alimentando sedições na cidade, a suscitar e entreter tumultos nas eleições dos magistrados, construindo com tais artifícios os meios de pôr a república em tal confusão que sejamos obrigados depois a lhe dar e deferir poder soberano. Eis como se vingou Pompeu.

LXII. Faz nomear Faônio edil e o faz observar maior simplicidade nos jogos que proporciona ao povo

LXII. Ora, havia entre seus amigos, um chamado Marcos Faônio, o qual dizem ter sido antigamente Apolodoro, o Faleriano, de Sócrates, que o copiava e imitava em tudo o que podia. Esse homem, com o discurso, não se agitou lenta nem friamente pela razão, mas apaixonou-se até ficar fora de si e enfureceu-se como um ébrio. Solicitou um ano o cargo de edil, em cuja eleição ia sendo vencido. Catão, porém, que assistia à disputa, descobriu que onde escrituravam os votos eram estes escritos pela mesma pessoa, e por esse meio, convencido da falsificação, chamou à frente os tribunos do povo e tanto fez que a eleição foi declarada nula. E depois Faônio, tendo sido declarado edil, Catão ajudou-o em todos os misteres de seu cargo, mesmo ordenando no teatro os jogos que estavam habituados a exibir por ocasião desse ato, para dar passatempo ao povo, quando não só deu aos jogadores, músicos e outros participantes, coroas de ouro como fazem os outros edis, mas rosários feitos de tenros ramos de oliveira selvagem, como se usam na Grécia, nos jogos olímpicos; e enquanto os outros distribuíam suas dádivas aos pobres, ricos presentes, ele distribuiu aos gregos de nascimento, alho, lentilhas e peras; e aos romanos, potes de barro cheios de vinho, carne de porco, ligos, pepinos e fei xes de madeira de pouco valor; do que uns zombavam, outros devolviam, e vendo Catão, que era tão severo e tão austero por natureza envolver-se nisso, pouco a pouco convertiam esta reverência em prazer. E finalmente Faônio, pessoalmente atirando-se no meio do povo, foi sentar-se entre os espectadores para ver os jogos e foi o primeiro a aplaudir Catão que conduzia tudo, gritando-lhe bem alto que aos jogadores que desempenhavam bem, que os honrasse, concitando aqueles junto dele a fazer o mesmo, dizendo-lhes que havia dado toda a autoridade a Catão em seu espetáculo. Ao mesmo tempo Cunão, companheiro e concorrente de Faônio no cargo de edil, promovia em outro teatro jogos magníficos, mas todo o povo o abandonava para ir ver Faônio, o qual conscientemente ficava inativo, enquanto Catão empreendia e dirigia os jogos. Catão fazia isto para zombar da despesa louca e supérflua que se habituavam a fazer em tais coisas e mostrar que quem quer promover jogos, precisa fazê-los brincando, acompanhando-os com uma graça simples, não com aparato de grande custo, nem com uma superfluidade suntuosa, empregando tanto de solicitude e de despesa em coisas sem importância.

LXIII. É favorável à nomeação de Pompeu como cônsul, sozinho

LXIII. Algum tempo1154 depois, como Cipião, Hipseo e Milton aspirassem todos três juntos o consulado, usando não somente a corrupção e distribuição de dinheiro, que já eram crimes comu ns e ordinários nas disputas dos cargos da república, mas abertamente pelas armas, espancamento e assassínios, com o risco de guerra civil, tanto eram os três audaciosos e temerários, alguns propuseram que deviam entregar a direção das eleições a Pompeu, a fim de que se procedesse corretamente. Catão opôs-se de início, dizendo que não era preciso que as leis firmas sem sua segurança em Pompeu, mas ao contrário, Pompeu nelas. Todavia, vendo que essa desordem durava muito longamente, sem que houvesse magistrados independentes dentro de Roma, e que havia todos os dias, como se fossem três campos de batalha na praça, de tal modo que era difícil fazer cessar daí em diante o mal, para que não se estendesse mais, então foi de opinião que antes de esperar a extrema necessidade, por concessão voluntária do Senado, se pusessem os negócios da república nas mãos só de Pompeu realizando-se o menor mal para esquecer e remediar os maiores, e introduzindo uma espécie de monarquia, voluntariamente, antes de esperar até que a saída desta sedição produzisse loucura e tirania.

Pelo que, como Bíbulo, que era aliado de Catão, houvesse apresentado o alvitre perante o Senado, de que era preciso eleger Pompeu cônsul sozinho, porque dizia ele: — "Ou a república ficará em bom estado pela ordem que ele estabelecerá ou pelo menos Roma servirá a senhor menos mau", Catão, levantando-se, contra a opinião e a espectativa de toda a assistência, aprovou tal proposta, dizendo que valia mais haver um magistrado na cidade, qualquer que fosse, do que não haver nenhum, e esperava que Pompeu soubesse pôr ordem na confusão reinante e que tomasse enfim gosto em conservar a república, quando visse que a tinham assim liberalmente confiado a ele.

LXIV. Severidade de Catão nos julgamentos

LXIV. Desta forma, tendo sido Pompeu eleito cônsul sozinho1155, mandou pedir a Catão para vir um instante à sua presença nos jardins que possuía nos arrabaldes da cidade. Catão foi, sendo recebido com todas as demonstrações de amizade possíveis e finalmente Pompeu, depois de o haver agradecido bastante pela honra que lhe havia dado, pediu-lhe para ser assessor e conselheiro em seu cargo. Catão respondeu-lhe que não havia dito o que dissera antes, por qualquer malevolência que lhe tivesse, nem dera a última opinião pelo bem que lhe desejasse, mas pelo bem e pela utilidade da república; no1156 entanto, quanto aos seus negócios privados e particulares, que o aconselharia todas e quantas vezes solicitasse sua opinião; mas, quanto aos negócios públicos, diria sempre o que lhe parecesse melhor, ainda que não lhe solicitasse nada; e de fato fez tudo como havia dito. Logo de início, como Pompeu estabelecesse graves penas e multas novas contra os que por dinheiro tinham corrompido os votos do povo, aconselhou-o a não revolver o passado, mas somente prover o futuro, pois que lhe seria difícil estacionar uma época do tempo, até a qual deveria rebuscar os erros anteriores; e que, ainda mais, se estabelecesse penas mais recentes do que os crimes, estas causariam dano aos que fossem chamados perante a justiça, castigando-os por uma lei que não tinham transgredido; e depois, tendo sido acusados alguns personagens de qualidade, amigos e familiares de Pompeu, Catão percebendo quê ele se deixava manobrar e dobrava-se em muitas coisas, levantou-se e repreendeu-o asperamente. Tendo Pompeu, por edital, abolido o costume de elogiar em julgamento os criminosos acusados, no entanto ele m esmo tendo escrito um discurso em louvor de Munácio Planco, enviou-o aos juízes enquanto sua causa se decidia. Catão, que por acaso era um dos juízes nesse processo, tapou os ouvidos com as duas mãos, proibindo que lessem tal testemunho; por esta razão Planco recusou Catão como juiz, depois que os advogados tinham sido ouvidos de uma parte e da outra; não obstante, foi condenado. Em geral, Catão tinha pena desses que eram acusados, que não sabiam perfeitamente como deviam fazer com ele, pois não ousavam deixá-lo entre seus juízes, nem recusá-lo também; houve diversos condenados que, ao recusarem Catão, pareciam não confiar em sua inocência e alguns eram censurados por sua grande infâmia, por não terem querido aceitar Catão como juiz, quando lhe fora apresentado.

LXV. Põe-se na fila para solicitar o consulado; mas tem mau êxito

LXV. Enquanto essas coisas se passavam em Roma, César estava na Gália guerreando e não se separava das armas; no entanto, por dons e dinheiro, ia sempre ganhando amigos dentro de Roma, para aí ser também poderoso, de sorte que desde logo as admoestações e predições de Catão começaram a despertar Pompeu do sono, que vinha de há muito dormindo, e fazê-lo pensar um pouco no perigo em que antes não queria acreditar; todavia, vendo-o ainda cheio de preguiça e de dúvida, não ousou pôr conscientemente mãos à obra, para impedir os projetos de César, e deu-lhe vontade de solicitar o consulado, com a intenção de fazê-lo retirar-se incontinente das armas, ou descobrir sua emboscada e ver afinal o que ele pretendia. Seus competidores eram duas outras pessoas de bem e homens honestos também, dos quais um, Sulpício1157, havia recebido muita honra por meio do prestígio e da autoridade de Catão, razão por que diversos estimavam que não agia antes honestamente, mas mostravase ingrato, por se formar com ele nessa pretensão; todavia Catão jamais se queixou mas, ao contrário, disse que não precisavam se admirar se não queria ceder a outrem, o que considerava ser o maior bem que lhe pudesse suceder; mas persuadiu o Senado a fazer um estatuto segundo o qual, daquela data em diante, todos aqueles que disputassem um cargo público, teriam eles mesmos de requerer pessoalmente ao povo e não poderiam solicitar isto por intermédio de outros. Tal decisão contrariou ainda mais a plebe, devido não somente lhe retirar das mãos o dinheiro que se fartava de receber na época das eleições, como privava os candidatos dos meios de proporcionar prazer a muita gente. E, ainda mais, não sendo próprio de seu caráter essa maneira de agradar e ganhar o favor público, mesmo solicitando pessoalmente, preferiu mais manter a dignidade de seus costumes e de sua vida, do que adquirir o consulado. Dessa forma, nada fez pessoalmente e nem deixou que os amigos o fizessem. Por isso não foi eleito. Conforme o costume daquele tempo, quando um candidato não conseguia se eleger, não somente ele como também seus parentes, amigos e partidários, cobram-se de luto, que durava por muitos dias. Catão, porém, fez tão pouco caso de sua derrota, que na manhã seguinte foi jogar a pela com os amigos no campo de Marte, e depois do jantar dirigiu-se à praça, descalço e sem saio, passeando, como de costume. Cícero então censurou-o, alegando que a república tinha necessidade de um magistrado como ele e, no entanto, não dera bastante apreço, nem se havia preocupado em ganhar a simpatia da plebe, cortejando-a, agradando-a e falando maneirosamente; ele não quis tentar novamente, mas desistiu de uma vez, embora solicitasse depois, mais uma vez, o cargo de pretor. Catão respondeu que, quanto à pretona, não havia sido recusado pela vontade do povo, mas porque este havia sido corrompido e ganho por dinheiro, porém, na eleição para cônsul, não houvera nenhuma corrupção e por isso compreendera perfeitamente que ele mesmo era desagradável ao povo devido seus costumes, os quais não haveria de mudar, segundo os caprichos de outrem, mas continuaria sendo o mesmo em todos os sentidos porque isto não era próprio e conveniente a um homem de bom senso e entendimento.

LXVI. Revela ao Senado todos os projetos de César

LXVI. Afinal, tendo César se atirado contra as nações belicosas, subjugando-as, não sem grandes dificuldades e perigos, perseguiu também os germanos, com os quais os romanos estavam em paz, derrotando trezentos mil; por esse motivo, seus amigos solicitaram ao povo que fizesse sacrifícios para agradecer aos deuses. Catão, entretanto, em pleno Senado, disse que deviam entregar César nas mãos daqueles a quem ele havia ultrajado, para que lhe dessem o castigo que bem lhes aprouvesse, a fim de recair somente sobre ele todo o pecado da paz violada, e não sobre a república, que não podia mais; disse-lhes, todavia, mais o seguinte: — "Se devemos fazer sacrifícios aos deuses, que seja para não se terem vingado da fúria e temeridade do capitão, sobre os nossos pobres soldados, que não têm culpa, ou para que tenham compaixão da cidade". César, informado do que se passava, escreveu uma carta ao Senado, contendo a mesma várias injúrias e diversas acusações a Catão. Este, levantandose, não como se estivesse ofendido e tomado por urna cólera súbita e nem somente pelo desejo de contestar as acusações, mas fria e calculadamente, como se de longa data tivesse premeditado o que tem de dizer, demonstrou que as imputações de César não passavam de motejos de zombaria, reservados para lazer rir a assembleia; ele pelo contrário, começando por descobrir todos os propósitos do adversário desde o início, e delineando claramente suas intenções, como se fosse, não um rival político, mas um cúmplice ou companheiro de conjuração, demonstrou à assistência que não era aos germanos ou aos gauleses que deviam temer, mas sim, ao próprio César, se é que possuíam sabedoria para discernir os acontecimentos. Esse discurso irritou de tal modo os ouvintes, que os amigos de César se arrependeram de ter apresentado as cartas e tê-las feito ler porque, assim procedendo, tinham dado oportunidade a Catão para deduzir dos propósitos de César, as várias acusações, aliás verdadeiras, contra ele. Entretanto, naquele momento, nada foi concluído contra César, no Senado, senão que era razoável providenciar um sucessor para ele; diante de tal consideração, os amigos de César solicitaram que então Pompeu também devia depor as armas e abando nar as suas províncias, ou então, que não obrigassem César a lazer isso.

LXVII. Aconselha a repor todos os negócios nas mãos de Pompeu

LXVII. Catão começou então a gritar que isto era justamente o que havia predito e que César vinha para oprimir a república, usando abertamente contra ela, das armas que havia obtido pela fraude e pela mentira; entretanto, pelo que sabia, ele, Catão, nada esperava fora do Senado, porque via que o povo estava favorecendo César e desejava que se tornasse grande; o Senado concordou com o que disse, mas temia o povo. No entanto, chegavam notícias de que César tomara a cidade de Ariminum1158 e vinha direto com suas armas a Roma. Então, todo o mundo pôs os olhos em Catão, e o povo e Pompeu confessaram que só ele havia previsto, desde o início, o alvo pretendido por César, e que havia predito francamente. Então Catão lhes disse: — "Se vós me tivésseis acreditado, senhores, e seguido meu conselho, não recearíeis agora apenas um homem, nem teríeis também vossa esperança em outro somente". Pompeu a isto respondeu que Catão por certo havia predito mais verdadeiramente, mas que ele, mais lealmente, havia descoberto; e Catão aconselhou o Senado a entregar os negócios nas mãos de Pompeu, porque disse ele: — "Esses que praticam os grandes males, são sempre os que sabem melhor os meios de curá-los".

LXVIII. Pompeu e Catão saem de Roma

LXVIII. Entretanto, Pompeu, não tendo a seu lado e xército suficiente para esperar César e vendo ainda o pouco de soldados de que dispunha, assaz friamente encorajados, abandonou Roma. E Catão, tendo resolvido ir com ele, enviou seu filho mais moço para ficar com Munácio, que estava no país dos brutianos, levando seu primogênito consigo; e ainda mais, tendo sua casa e suas filhas necessidade de alguém que as governasse, retomou ainda Márcia, que então estava viúva e possuía muitos bens, porque Hortênsio, tendo falecido, a instituíra sua herdeira; o que César, em seu libelo difam atório contra Catão anota muito injuriosamente, exprobrando-lhe a avareza e ambição mercenária em ganhar por meio de núpcias: — "Pois se tinha, disse ele, necessidade de mulher, por que a cedia primeiramente a outro? E se não tinha o que fazer, por que a retomava pouco depois? Quando a entregou de início a Hortênsio, não foi como uma isca, emprestando-a jovem com intenção de retomá-la rica?" Todavia contra isto é suficiente, parece-me, replicar com esses versos de Eurípides:

Em1159 primeiro lugar, venho contestar
O que não é lícito nem mesmo dizer;
Pois acusar de modo algum se deve
A Hércules, que teve o coração covarde.

Pois parece-me que é o mesmo, acusar Hércules de covardia e Catão de avareza e ambição de ganho, pois se por algum outro motivo falhou nesse casamento, é coisa ocasional que poderia acontecer; pois logo depois que desposou Márcia e lhe entregou sua casa, seus móveis e utensílios e suas filhas, pôs-se a seguir Pompeu e, nunca depois desse dia, como dizem, cortou seus cabelos, nem sua barba, nem pôs chapéu de flores sobre a cabeça, mas manteve-se sempre até a morte nesse estado de luto, com um silêncio morno e uma grande tristeza no coração pela calamidade que atingia a república, mesmo quando os de seu partido assinalavam alguma vantagem, ou quando perdiam. E tendo-lhe caído por sorte o governo da Sicília, passou a Siracusa, quando, sendo avisado de que Asínio Pólio, da parte dos inimigos, havia chegado a Messena1160 com grande quantidade de guerreiros, mandou perguntar-lhe quem o fazia vir até ali, e Pólio perguntou-lhe, por sua vez, qual era a causa daquele movimento guerreiro.

LXIX. Bons conselhos que Catão dá a Pompeu

LXIX. E tendo notícias de que Pompeu havia completamente abandonado a Itália e já estava além-mar acampado próximo à cidade de Dirráquio, disse então que via no governo dos deuses uma grande incerteza e grandes variações, levando em conta que Pompeu havia sido antes sempre feliz, enquanto não fazia nada de bom, segundo o direito e a equidade e agora, que queria preservar seu país e combater pela liberdade, via-o destituído de sua felicidade. Disse então que era bastante forte para expulsar Asínio para fora da Sicília, se quisesse; mas porque lhe vinha um outro reforço, não quis afligir, nem agitar esta ilha com as calamidades que traz a guerra. Então, depois de haver aconselhado os siracusanos a que se colocassem ao lado dos mais fortes para se preservarem, saiu ao mar e foi encontrar Pompeu, sempre com a mesma opinião de protelar a guerra, esperando sempre alguma saída, evitando batalhas, senão quando fosse forçado por uma das partes; e persuadiu a Pompeu e ao Conselho que estava a seu lado, a discernir os fatos relativos a tudo isto, que não saqueassem nessa guerra nenhuma cidade que pertencesse ao império romano e que não fizessem morrer nenhum cidadão romano, a não ser que se encontrasse em batalha, de armas em punho; nisto adquiriu grande honra, atraindo muitos homens para o partido de Pompeu pela consideração de sua bondade, clemência e humanidade.

LXX. Porque Pompeu não lhe dá o comando de sua frota

LXX. E, sendo enviado à Ásia para ajudar aos que estavam comissionados para reunir navios e alistar guerreiros, levou consigo sua irmã Servília e o filho de que Lúculo era pai porque, depois de sua viuvez, esta sempre o seguiu, e assim procedendo, haviam diminuído bastante os rumores que corriam quando viram que ela havia voluntariamente se submetido à guarda e estrita maneira de viver de Catão, acompanhando-o em sua fuga. Todavia, mesmo assim, César não deixou ainda de acusar esta sua irmã. Os capitães de Pompeu não tiveram contacto com Catão senão em Rodes, onde, por meio de admoestações, conquistou os habitantes e ali deixando Servília com seu filhinho, voltou ao acampamento de Pompeu, o qual já havia reunido uma poderosa força, tanto terrestre como marítima, ocasião em que a intenção de Pompeu parecia mostrar-se mais evidentemente do que em qualquer outro lugar, pois havia proposto consigo mesmo dar o comando da armada a Catão, a qual não era menos do que quinhentos navios de guerra sem contar as fragatas, fustes e barcos, dos quais tinham um número infinito; mas, tendo subitamente uma intuição ou talvez avisado por algum de seus amigos, que o objetivo de Catão em todas as suas ações era libertar Roma da tirania, e que, uma vez senhor de um tão belo e grande poder, desejaria que no mesmo dia da derrota de César, Pompeu também depusesse as armas e se submetesse imediatamente às leis, mudou de opinião, se bem que já houvesse falado com o próprio Catão e, em seu lugar, deu o comando a Bíbulo.

LXXI. Vitória de Pompeu devida às exortações de Catão

LXXI. Mas, nem por isto lhe pareceu que Catão ficasse menos afeiçoado a ele, mas dizem que numa das escaramuças e encontros que se deram diante da cidade de Dirráquio, como Pompeu exortasse aos soldados e ordenasse aos capitães para fazerem o mesmo, cada um em seu lugar aos que estavam sob seu comando, os soldados ouviram-no muito friamente, sem dar demonstração alguma, embora tivessem anteriormente os corações mais inflamados; mas, quando Catão, depois de todos os outros, veio discorrer conforme a comodidade do tempo permitia, sobre as razoes da filosofia, referentes à liberdade, à virtude, à morte e à glória, com veemência e grande afeição e, afinal, vindo a concluir seu discurso por uma invocação aos deuses, tornando seu linguajar para com eles, nem mais, nem menos, como se estivessem presentes e olhando os que combatiam virtuosa e corajosamente pela defesa de seu país, os soldados irromperam numa gritaria tão grande e sentiram em si próprios um tal ardor, que todos os capitães tiveram esperança e foram de cabeça baixa dar contra os inimigos com tão grande fúria, que os derrotaram e puseram em fuga nesse dia; mas, a boa sorte de César retirou-lhes a completa vitória final, devido a dúvida e desconfiança de Pompeu, que não soube conhecer e aproveitar sua boa hora, como escrevemos mais detalhadamente em sua vida.

LXXII. Pompeu deixa Catão em Dirráquio para guardar suas bagagens

LXXII. Entretanto, quando todos os outros se alegravam por este feito e louvavam grandemente a vantagem que haviam tido sobre seus inimigos, Catão, ao contrário, deplorou a calamidade da república e lamentou a desgraçada ambição, que era causa pela qual tantos bons e valorosos cidadãos de uma mesma cidade se matassem entre si, assim, uns aos outros. Depois desta derrota, César, tendo tomado o caminho da Tessália, Pompeu desalojou-se dali onde estava acampado para ir-lhe no encalço e deixando em Dirráquio boa quantidade de armamento e grande número de pessoas, que lhe pertenciam por parentesco ou por aliança, comissionando Catão como capitão e guarda de tudo, com quinze coortes de guerreiros, o que fez pelo temor e desconfiança que tinha dele, pois se por má sorte viesse a perder a batalha sabia bem que não podia acusar disto o homem mais leal nem mais fiel, senão a si próprio; mas também que se a ganhasse, duvidava que onde estivesse Catão, pudesse dispor todas as coisas a seu gosto. Houve também diversas outras pessoas de honra e personagens de grande categoria, que ficaram como se diz, atirados e deixados dentro de Dirráquio com Catão.

LXXIII. Depois da batalha de Farsália, Catão passa à Africa

LXXIII. Finalmente, quando se deu a derrota de Farsália, Catão resolveu consigo mesmo que, se Pompeu morresse, levaria de novo à Itália todos os que estavam com ele e depois iria sozinho a um exílio o mais longe possível da tirania; e se estivesse ainda vivo, preservaria até o fim as forças que se achavam em suas mãos. Assim deliberado, atravessou a ilha de Corfu, onde estava a armada e, encontrando Cícero, quis ceder-lhe o cargo de capitão, como a um personagem de maior dignidade, porque havia sido cônsul e ele apenas pretor; mas Cícero não quis aceitar e voltou à Itália. E Catão, vendo que Pompeu filho, com uma arrogância e altivez importunas, queria castigar aqueles que se retiravam do exército e notadamente que estava com vontade de atingir primeiro a Cícero, repreendeu-o à parte, em particular, abrandando-o, de maneira que salvou certamente a vida de Cícero e desfez o temor nos outros. De resto, conjecturando que Pompeu pai estaria salvo no Egito e1161 na África, resolveu fazer-se à vela incontinente para ir encontrá-lo com toda a diligência. Embarcou com sua tropa, mas antes, deu licença para seguir ou ficar, a todos os que não tinham muita vontade de segui-lo nesta guerra.

LXXIV. Vai se reunir a Cipião e Varus

LXXIV. Tendo chegado à África, quando ia margeando a costa, encontrou Sexto, o mais moço dos filhos de Pompeu, que lhe contou como seu pai havia sido assassinado no Egito, pelo que todos os da tropa ficaram muito descontentes; mas não houve um que depois da morte de Pompeu, quisesse ouvir falar em receber ordens de outro senão de Catão; nessa ocasião, tendo vergonha e compaixão de falhar nas necessidades de tanta gente boa e que havia dado tão segura prova de sua fidelidade, abandonando-os sozinhos sem condutor, sem saber o que devia fazer, nem onde devia ir, e estando em país estrangeiro, levou em conta sua solicitação e abordou primeiramente na cida de de Cirena, onde foi recebido pelos habitantes, que poucos dias antes haviam fechado as portas a Labieno. Ali, teve notícias de que Cipião, sogro de Pompeu, retirara-se para junto do rei Juba, que o recebera, e sabendo que Ácio Varo, ao qual Pompeu havia comissionado o governo da província da África, estava em sua companhia com tropas, deliberou ir unir-se a eles; pôs-se a caminho por terra, porque estavam na estação do inverno, fazendo reunir bom número de burros para levar água e boa provisão de víveres e animais que fazia vir depois com carros e homens que chamam na África os psilitos, os quais curam as mordidas das serpentes e sugam o veneno com a boca, fascinando e encantando as próprias serpentes, de maneira que as deixa como desmaiadas e não podendo fazer mal algum. Foram sete dias inteiros de marcha contínua, servindo-lhes de guia e marchando a pé, sem jamais montar a cavalo, nem sobre outro animal de carro. Desde o dia que soube da perda da batalha de Farsáha, nunca mais jantou senão sentado1162, ajuntando isto ao resto de seu luto e jamais se deitava a não ser para dormir. Tendo passado o inverno na Líbia, pôsse a campo com seus soldados, que não eram em número menor de dez mil, e achou que os negócios de seu lado estavam em péssimo estado devido a luta e diferença que havia entre Cipião e Varo quando os dois bajulavam o rei Juba e procuravam ganhar suas boas graças; e ele, sendo homem insuportável pela gravidade que mantinha e pela fatuidade e glória de que estava possuído por causa de suas riquezas e de seu poder, como demonstrou a primeira vez que conferenciou com Catão, pois mandou pôr sua cadeira entre a deste e a de Cipião para ter a honra de se sentar no meio. Catão, vendo isso, pegou sua cadeira e foi se pôr ao lado de Cipião para colocar este no meio, se bem que fosse seu inimigo e que tivesse escrito um livro cheio de injúrias e palavras difamatórias contra ele. Há os que não fazem caso deste fato e no entanto repreendem Catão pelo fato de, passeando um dia na Sicília, ter dado a honra do centro a Filostrato, para honrar nele a filosofia. Assim reprimiu Catão a arrogância desse rei por aquela vez, pois antes fazia de Cipião e de Varo como que seus vassalos e sátrapas; Catão, porém, reconciliou-os.

LXXV. Encarrega-se de guardar a cidade de Útica

LXXXV. Em suma, como toda a companhia o solicitasse para ficar com o comando do exército e mesmo Cipião e Varo fossem os primeiros a lho ceder, deixando-lhe voluntariamente a honra de comandar todo o campo, respondeu que não transgrediria as leis, atendendo que não guerreava a não ser pela autoridade e a conservação delas, nem fazia questão da prerrogativa de comandar, ele que era vice-pretor, quando havia um vice-cônsul; pois Cipião havia sido acostumado a tal, com o que o povo confiava que os combates sairiam bem se um Cipião comandasse dentro da África, e ele, portanto, tendo aceito o cargo de capitão-geral, quis incontinente em favor de Juba passar todos os habitantes da cidade de Útica1163 ao fio da espada, até as criancinhas e arrasar completamente os edifícios, conseguindo o partido de César. Catão, entretanto, não quis suportar isto e gritou protestando e chamando os deuses como testemunhas no conselho e teve muito trabalho em preservar as pessoas pobres, desta cruel execução; depois, em parte pelas súplicas dos cidadãos, em parte também a instância de Cipião que lhe pediu, empreendeu guardá-la, com medo que viesse por vontade ou pela força a submeter-se a César, porque era uma praça forte e muito a propósito para todas as coisas, a quem a tomasse, Catão, provendo e fortificando-a ainda mais, pois depositou dentro uma quantidade infinita de trigo, fez reparar as muralhas, levantar as torres, cavar profundas trincheiras à volta da cidade, com tapumes de estacas entre as trincheiras e fez alojar os rapazes de Útica, obrigando-os a entregar suas armas e retendo outros dentro da cidade, dando ordens com grande cuidado para que nenhum deles fosse ultrajado, nem ofendido pelos romanos e ainda enviou bastante trigo, armas e dinheiro ao campo; de maneira que a cidade de Útica era como um depósito de guerra.

LXXVI. Recebe a notícia da derrota de Cipião

LXXVI. E como anteriormente havia aconselhado Pompeu a não dar batalha, o mesmo aconselhou a Cipião, em não se aventurar contra um homem aguerrido e entendido nos feitos de armas, mas sim aproveitar o tempo, que pouco a pouco abateria a força e vigor de sua tirania; mas Cipião foi tão presunçoso, que não fez caso de seu conselho e escreveu algumas vezes a Catão censurando sua covardia em palavras como estas: — "Que lhe deveria ser bastante o estar em segurança em uma boa cidade, fechado dentro de fortes muralhas, sem querer impedir os outros de executar corajosamente, com razão, o que sua ocasião lhes apresentasse". Ao que Catão escreveu que estava pronto a voltar à Itália com seus soldados de infantaria e da cavalaria que havia trazido à África, para desviar César e fazê-lo virar-se contra ele; mas Cipião não fez senão zombar. Diante disso, Catão demonstrou claramente que se arrependia por lhe haver cedido a autoridade de comandante geral do exército, porque bem via que não conduziria sabiamente os combates e, se acontecesse sair vencedor, não usaria moderadamente de sua vitória para com seus concidadãos; razão por que começou desde então a ter pouca esperança no futuro dessa guerra e disse a seus familiares, que isto era devido à insuficiência e presunção dos capitães; e no entanto, se por acaso, o que de outro modo não esperava, acontecesse algum bem e César fosse derrotado, ele não ficaria nunca em Roma, mas fugiria à crueldade e desumanidade de Cipião, o qual desde logo se utilizava de ameaças graves e arrogantes contra alguns; afinal a desgraça chegou ainda mais cedo que se esperava, pois uma noite, bem tarde, chegou um mensageiro, depois de três dias de viagem, que trouxe a notícia de que tudo estava perdido, porque se havia dado uma grande batalha junto da cidade de Tapses1164, que César havia ganho e se havia apoderado dos dois campos, que Cipião e Juba haviam fugido com um pequeno número de soldados e todo o resto de seus exércitos passado ao fio da espada.

LXXVII. Reanima a coragem dos romanos que estavam em sua companhia

LXXVII. Essas coisas tendo ocorrido, aqueles que estavam em Útica, apavorados com a notícia, como acontece na guerra e ainda mais à noite, apenas puderam conter-se dentro das muralhas da cidade, tanto tiveram o senso e o entendimento perturbado de pavor. Catão, porém, apresentou-se a eles, aprisionou os que se encontravam pelas ruas gritando e fugindo, confortando-os o melhor que pôde; e se não lhes retirou todo o pavor, pelo menos lhes retirou o espanto e perturbação de espírito em que se achavam, dizendo-lhes que a perda não era por acaso tão grande como a faziam e que sempre foi costume aumentar as palavras das más notícias. Acalmou assim um pouco o tumulto e, de manhã, ao clarear do dia, mandou gritar que os trezentos homens que havia escolhido para seu Conselho deviam se apresentar ao templo de Júpiter, como também todos os cidadãos romanos que, pelo tráfico de mercadorias e comércio se encontravam na África e também todos os senadores romanos com seus filhos.

Assim, ainda estavam se reunindo, quando ele mesmo foi descansadamente e aparentando uma constância firme, como se não tivesse acontecido nada de novo, tendo um livrinho na mão, o qual ia lendo. Esse livreto continha a situação das provisões que havia feito para a guerra, como trigo, armamento, arcos, dardos e soldados de infantaria; depois, quando todos se reuniram, começou a elogiar a afeição, a fé e a lealdade desses trezentos romanos, que com suas vidas, seu dinheiro e seu Conselho, haviam sempre utilmente servido a república e aconselhou-os a não se afastarem da reunião, perdendo a esperança ou procurando cada um os meios de se salvar à parte, porque, ficando juntos, César os desprezaria menos se quisessem guerrear, e perdoaria mais cedo se pedissem graças. Aconselhou-os, avisando o que lhes aconteceria e, quanto a ele, não reprovaria o que resolvessem, pois se sua vontade virava com a sorte, estimaria que esta mudança não procedesse senão da necessidade do tempo; mas se estavam deliberados a perseverar, combatendo a desgraça até o fim, submetendo-se a todo perigo para defender a liberdade, não somente elogiaria, mas também admiraria sua virtude e seria seu chefe e companheiro para tentar e experimentar até o último ponto a sorte de seu país, que não era Útica nem Adrumeto1165, mas a cidade de Roma, a qual, pela grandeza de seu poder, muitas vezes se levantara de quedas mais pesadas e mais graves; além disso, tinham ainda diversos meios de salvação e de segurança de suas pessoas, dos quais o maior era o que poderiam fazer com um inimigo, que na ocasião de seus combates teria que atender em diversos pontos, porque por um lado a Espanha rebelara-se contra ele em favor do jovem Pompeu e, a cidade de Roma que ainda não se acostumara com o freio e não podia sofrer, mas se sublevava diante de toda mudança, e que não era preciso fugir ao trabalho nem ao perigo, mas antes tomar o exemplo do próprio inimigo, que não poupava de modo algum sua pessoa, apesar do propósito de grandes perversidades, que havia empreendido; quando, ao contrário, para eles, a incerteza dessa guerra, se acabasse bem, terminaria numa vida feliz e, se sucedesse mal, em uma morte gloriosa. Todavia, era preciso que deliberassem, suplicando aos deuses que para recompensa da virtude e da boa vontade que haviam demonstrado até ali, fizessem a graça de resolver o que lhes parecesse melhor.

LXXVIII. Depois que Catão lhes revelou esses propósitos, houve alguns dos assistentes que se agitaram pela vivacidade de suas admoestações, mas a maioria ficou ainda mais encorajada pelo exemplo de sua generosa magnitude, vendo como se mostrava calmo e também pela sua humanidade e bondade; de tal modo que esqueceram, como se diz, todo o perigo em que estavam e pediram-lhe para se utilizar de suas pessoas, de seus bens e de suas armas, de tudo conforme lhe parecesse bem, reputando-o como o único capitão invencível, sobre quem a sorte não tinha poder, e estimando ser melhor morrer obedecendo seu conselho, do que salvar-se abandonando um personagem de virtude tão excelente e tão perfeita. E como alguém da assembleia sugerisse que precisavam propor a liberdade aos escravos desde que a maioria dos assistentes fosse da mesma opinião, Catão disse que não o faria porque não era nem justo, nem razoável; mas se os senhores quisessem libertá-los, ficaria satisfeito em receber como soldados aqueles que estivessem em idade de trazer armas. Houve vários que prometeram fazê-lo, e ele ordenou que arrolassem os nomes dos que queriam e foi-se.

LXXIX. A maioria muda logo de opinião

LXXIX. Logo após, chegaram cartas do rei Juba e de Cipião, nas quais se referia que Juba estava escondido em uma montanha com poucos soldados e mandava perguntar-lhe o que havia resolvido fazer, porque, se havia deliberado abandonar Útica, ele o esperaria, e se deliberava mantê-la, viria socorrê-lo com um exército; Cipião estava acampado em um local não longe de Útica, do mesmo modo esperava qual a resolução que tomaria. Catão achou melhor reter os mensageiros que trouxeram as cartas, até que ficasse resolvido o que desejavam fazer os trezentos, porque os que faziam parte do Senado romano mostraram-se bem deliberados: libertaram incontinente seus escravos e entregaram-lhes armas. Mas os outros trezentos, mercadores traficantes do mar e exercendo o empréstimo e a usura, que tinham a maior parte de suas posses em escravos, não retiveram por muito tempo as belas admoestações de Catão, mas as deixaram escoar imediatamente, como corpos que recebem facilmente o calor e perdem-no também depressa, resfriando-se logo que se afastam do fogo. Assim, aqueles mercadores enquanto tinham Catão diante de seus olhos, agitavam-se e esquentavam-se um pouco; mas quando à parte, contando consigo somente, o medo que tinham de César os fazia esquecer todo o respeito que devotavam a Catão e ao seu dever.

"Pois quem somos (diziam eles) e quem é aquele que desdenhamos obedecer? Não é César em cuja mão está hoje reduzido todo o poder do império romano? E com relação a nós, não há um que seja um Cipião, nem um Pompeu, nem um Catão; e todavia neste tempo em que todo o mundo se sobre com o véu do receio, mantendo-se ainda mais abaixo do que deveria, queremos empreender um combate dentro de Útica pela liberdade dos romanos, de encontro àquele do qual Catão mesmo fugiu com Pompeu, abandonando a Itália e libertando nossos escravos para guerrear César, não tendo nós mesmos mais liberdade, do que lhe apraza em nos deixar. Reconheçamos portanto, enquanto é tempo ainda, e peçamos graça àquele que é o mais forte, mandando à sua presença solicitar que nos perdoe". Os mais honestos desses trezentos mercadores romanos mantinham esse ponto de vista; mas a maioria dentre eles aguardava os meios de se apoderar das pessoas daqueles que estavam no Senado, julgando melhor fazer acordo com César, entregando-os em suas mãos.

LXXX. Recusa a proposição de matar ou expulsar todos os habitantes de Útica

LXXX. Catão desconfiou imediatamente dessa mudança, mas não quis esmiuçar, nem verificar mais detalhadamente os fatos e enviou mensageiros a Juba e a Cipião, pelos quais ordenoulhes que se afastassem de Útica, por causa desses trezentos. Ora, havia escapado da batalha bom número de soldados da cavalaria, que se apresentaram diante de Útica, e enviaram três dentre eles a Catão, os quais levaram resoluções diferentes da tropa, porque uns queriam ir para o lugar onde se achava o rei Juba, outros desejavam unir-se a Catão e outros ainda receavam apenas entrar dentro de Útica. Ouvindo isso, Catão encarregou Marcos Rúbrio de pôr os olhos sobre esses trezentos e receber os nomes dos escravos que libertariam voluntariamente sem serem forçados por ninguém; enquanto isso, saiu de Útica com os senadores e foi à presença desses soldados da cavalaria, onde falou com os capitães, pedindolhes para não abandonarem tantas pessoas de bem como os senadores romanos que ali se achavam e que não escolhessem como seu capitão o re i Juba, porém, Catão. Deviam entrar em Útica, onde poderiam salvar os demais, e também a si próprios, atendendo que a cidade não podia ser tomada à força e que tinha provisão de trigo e de mais suprimentos para vários anos. A mesma coisa solicitaram os outros senadores com lágrimas nos olhos; nessa ocasião, os capitães foram falar com os seus soldados e, enquanto conferenciavam, Catão assentou-se com os senadores em terreno elevado esperando a resposta; mas, nesse ínterim, chegou diante dele Rúbrio, todo agitado, queixando-se de um tumulto e desordem que os trezentos mercadores estavam promovendo, amotinando e fazendo rebelar a cidade; por essa razão os outros, perdendo toda a coragem e esperança, puseram-se a chorar e lamentar sua sorte; porém, Catão tentou reconfortá-los, e mandou pedir aos trezentos que tivessem ainda um pouco de paciência; enquanto isso, os portadores dos soldados da cavalaria vieram trazer sua resposta, os quais queriam demais, pois disseram que não tinham o que fazer com o soldo de Juba e que não receavam César, contanto que tivessem Catão como chefe; mas que lhes parecia não ter propósito o fecharem-se dentro de uma cidade com os habitantes, que por sua origem eram fenícios, a nação mais mutável e mais desleal que há no mundo. "Pois ainda, diziam eles, que nesta hora não apresentem mudança em seus propósitos, quando César chegar, eles serão os primeiros que perseguiremos por nos terem traído; portanto, se Catão quisesse que eles se unissem a ele para guerrear, era preciso expulsar todos os habitantes naturais de Útica para fora da cidade ou que os fizesse morrer a todos e então entrariam quando ela estivesse vazia dos inimigos e dos bárbaros". Catão considerou isto muito cruel; todavia, replicou que se comunicaria com os trezentos e, voltando à cidade, falou com eles, os quais não se utilizaram mais de disfarces, nem quiseram mais protelar a situação por causa de Catão, mas declararam abertamente que se revoltariam contra os que estivessem apressados a guerrear César, atendendo que não queriam nem podiam fazê-lo; e houve mesmo alguns que murmuraram entre dentes que era preciso reter na cidade os senadores até que César tivesse chegado.

LXXXI. Cuidados e passos de Catão para salvar os senadores que estão com ele

LXXXI. Catão não demonstrou ter ouvido, pois também era um pouco surdo. Nesse ponto, alguém lhe veio dizer que os soldados da cavalaria estavam partindo; temendo então que os trezentos pusessem as mãos sobre os senadores e vendo-os já distanciados, montou a cavalo e galopou atrás deles, os quais ficaram bem à vontade quando o viram, e receberam-no em seu meio, aconselhando-o a que se salvasse com eles. Catão, entretanto, pediu-lhes para salvar os senadores, tão afetuosamente, que as lágrimas, ao que dizem, vinham-lhe aos olhos ao estender-lhes as mãos e, segurando seus cavalos pelas rédeas e pegando em suas armas, tanto fez, que afinal conseguiu que ficassem pelo menos ainda um dia para dar oportunidade aos do Senado de se porem a salvo. Voltando, portanto, com eles, à cidade, ordenou a uns guardarem as portas e colocou outros em guarnição dentro da fortaleza; os trezentos, na hora, ficaram com medo, pensando que fosse para castigá-los porque haviam debandado.

Mandaram suplicar a Catão para voltar à presença deles; mas os senadores, envolvendo-o, não o deixaram ir, dizendo que não abandonavam seu protetor e salvador nas mãos de traidores desleais. Na verdade, todos os que se encontravam dentro de Útica, de qualquer partido, igualmente conheciam e admiravam a verdadeira virtude que existia em C atão e tinham provas de que não havia nada de fingido em tudo o que fazia, mas tendo de longa data resolvido matar-se a si mesmo, preocupava-se e trabalhava com grande solicitude pelos outros, a fim de que depois de haver posto em segurança suas vidas, apressasse ele mesmo a sua morte; pois era fácil ver que havia resolvido morrer, ainda que exteriormente não demonstrasse nenhum sinal de coração dorido e aflito.

LXXXII. Recusa a diligência que trezentos comerciantes romanos estabelecidos em Titica queriam tentar em seu favor junto de César

LXXXII. Resolvendo submeter-se à solicitação dos trezentos, depois de ter reconfortado os senadores, foi sozinho à presença deles, os quais lhe agradeceram por ter se dignado vir e suplicaram-lhe que se servisse deles e confiasse corajosamente em todas as coisas, e também os perdoasse, pois não podiam ser todos Catões, e que tivesse compaixão de sua fraqueza de coração, se não eram tão firmes nem tão generosos como ele, porque haviam deliberado mandar a César suplicar-lhe primeira e principalmente por ele, e quando não pudessem obter essa graça, estavam resolvidos a não a receber para si mesmos, mas sim combater por sua salvação até o último suspiro. Catão respondeu que lhes ficava agradecido pela boa afeição que demonstravam ter para com ele e que era preciso mandar rapidamente suplicar pela salvação deles, mas que pela sua não era preciso pedir, porque — o que têm a fazer os que são vencidos senão solicitar, e os que erraram pedir perdão? Quanto a ele, tinha sido em toda a sua vida não somente invencível, mas havia vencido tanto como quisera e tinha sido sempre mais poderoso do que César no direito e na justiça, e no entanto era ele mesmo que agora estava vencido e preso, porque o que sempre havia negado tramar contra a república, estava então verificado e provado contra ele. Tendo dado tal resposta a esses trezentos, separou-se deles.

LXXXIII. Faz partir os senadores e provê a segurança de sua fuga

LXXXIII. Ouvindo que César já estava a caminho com todo seu exército para ir a Útica: "Ó1166 deuses, disse ele, vem então contra nós, como contra homens!" E então, voltando-se para os senadores, aconselhou-os a não esperar mais, porém, que cada um se salvasse, enquanto os soldados da cavalaria estavam ainda na cidade. Fez fechar todas as outras portas, exceto aquela que dava para o porto, depois distribuiu barcos e navios aos que estavam sob seu comando, provendo para que tudo andasse em ordem e que não houvesse tumulto, nem confusão, que não se causasse dano a ninguém e que cada um tivesse dinheiro e meios para poder salvar-se. Mas, como Marcos Otávio, que comandava duas legiões, tendo vindo acampar muito perto de Útica, tivesse mandado a ele para saber a quem e até onde cada um deles teria autoridade de comandar, Catão nada respondeu a isto; mas, virando-se para os seus amigos, disse-lhes: — "É para admirar se, depois de tudo perdido e acabado ainda vemos, no meio da morte, a ambição e cobiça de dominar reinando entre nós?" Nesse ínterim, vieram dizer-lhe que os soldados da cavalaria, querendo partir, já pilhavam e saqueavam os bens dos habitantes de Útica, como presa de guerra. Catão saiu correndo na mesma hora e aos primeiros que encontrou, retirou-lhes das mãos o que haviam tirado; os outros, antes que viesse até eles, jogaram o que levavam e, de cabeça baixa olhando para o chão, envergonhados, foram-se sem dizer palavra. Então Catão fez reunir os habitantes naturais de Útica, e pediu-lhes para não irritar César contra os trezentos, mas antes tentar obter o perdão dele para todos juntos; depois, indo depressa à praia, viu partir aqueles que embarcavam abraçando e dizendo adeus a todos os seus hóspedes e amigos aos quais havia aconselhado a se salvarem, e acompanhando-os até dentro de seus navios. Quanto ao seu filho, não o persuadiu a ir, nem considerou que devesse constrangê-lo a abandonar seu pai.

LXXXIV. Recusa o oferecimento que Lúcio César lhe faz, em solicitar graças a César por ele

LXXXIV. Havia em sua companhia um homem chamado Estatílio, muito moço ainda, mas de coragem firme, que se propusera imitar a constância inflexível de Catão, ao qual aconselhou a embarcar com os outros, porque sabia muito bem que odiava de morte a César. O rapaz não quis atender; pelo que Catão, virando-se para Apolônides, filósofo da seita estoica, e para Demétrio, da seita dos peripatéticos, disse: — "Cabe a vós outros amolecer e abrandar esse jovem, que vedes assim inchado e, fazê-lo, por vossas admoestações, agir em seu proveito".

Continuou depois a dirigir todos os outros, dava razão aos que lhe solicitavam justiça e ordenava seus negócios, de sorte que passou nisto toda aquela noite e o dia seguinte. Isto feito, Lúcio César, parente do vitorioso, sendo comissionado pelos trezentos para ir perante César interceder por todos, pediu a Catão para ajudá-lo a preparar o discurso do qual devia se utilizar por eles: — "Pois por ti, Catão, disse ele, não deixarei de b eijar-lhe as mãos e atirarme de joelhos se for preciso, a fim de que te perdoe". Catão respondeu-lhe que não queria que o fizesse: — "Pois se quisesse salvar minha vida pela graça de César, não era preciso senão que eu fosse a ele; mas eu não quero ser agradecido a um tirano por uma injustiça; pois é de fato injustiça, usurpar o direito de salvar a vida, como senhor daqueles que não tem nenhum direito de comandar; mas combinemos juntos, se queres, o que tu dirás para impetrar graça para esses trezentos". Ficaram algum tempo juntos conversando, e afinal, quando ia partir, Catão recomendou-lhe seu filho e seus amigos; e, abraçando-o, despediu-se dele, voltando para sua casa, onde fez reunir seu filho, seus familiares e amigos, com os quais manteve diversas conversas e, entre outras, dissuadiu seu filho de se intrometer jamais no governo, porque por pertencer à dignidade de um filho de Catão, as circunstâncias do tempo e dos negócios não o permitiam, e fazê-lo de outro modo não seria honesto. À noite, entrou na estufa para se banhar e enquanto isto, lembrando-se de Estatílio, gritou bem alto: — "E então, Apolônides, fizestes afinal Estatílio partir e baixar sua altivez? E partiu sem despedir-se de mim?" "O que? Partiu? respondeu Apolônides, ele tem o coração maior e mais firme do que nunca e é impossível fazê-lo vergar, embora tenhamos conversado e discutido juntos durante muito tempo; afirmou resolutamente que fará tudo como se estivesse em teu lugar".

LXXXV. Entretenimento filosófico de Catão durante seu jantar

LXXXV. Depois do banho sentou-se à mesa como estava habituado, desde a jornada de Farsália, pois não se deitou nunca mais, senão para dormir; jantou em companhia de todos os seus amigos e das autoridades da cidade de Útica; após o jantar foram discutidos vários assuntos e feitos diversos, assim como belos discursos de filosofia, até que a discussão veio a cair finalmente nos pontos comuns das opiniões estranhas que adotam os filósofos estoicos, como: — "Que não há sábio e homem de bem que seja franco e livre, e que todos os maus são servos e escravos". A isto, o filósofo peripatético que ali se encontrava, não deixou logo de contradizer; porém, Catão, tomando a palavra com uma grande veemência e com uma voz mais áspera e mais forte do que a de costume, continuou a discussão durante muito tempo e contestou maravilhosamente, de modo que não houve na reunião quem não compreendesse evidentemente que ele estava de fato resolvido a retirar-se das misérias deste imundo, pondo fim à sua vida; nessa ocasião, quando parou de falar, vendo que todos os assistentes se calavam e tinham a fisionomia triste, para reconfortá-los e distraí-los daquela desconfiança, começou logo a perguntar sobre negócios e demonstrar cuidado e solicitude, como se estivesse temeroso de que não tivessem sorte aqueles que haviam subido ao mar e também os que haviam tomado o caminho da terra e tinham que passar por regiões desertas, selvagens, onde não existia água.

LXXXVI. Reclama sua espada

LXXXVl. Assim, tendo os convivas do jantar se despedido, passeou ainda com seus amigos, como estava acostumado depois do jantar e, tendo ordenado aos capitães de vigia o que precisavam fazer, quando quis retirar-se para seu quarto, então abraçou seu filho e agradou-o com todos os seus amigos, uns depois dos outros, mais amavelmente do que estava habituado a fazer, o que os fez suspeitar do que estaria planejando. Tendo entrado em seu quarto e se deitado em seu leito, tomou numa das mãos os diálogos de Platão, na parte que se refere à alma, lendo-a; depois, olhando para a cabeceira, não viu a espada, porque seu filho a havia feito retirar quando ainda estavam à mesa. Chamou um seu criado de quarto e perguntou-lhe quem havia retirado sua espada; o criado não lhe respondeu e ele continuou a ler seu livro; mas, pouco depois, sem apressar de modo nenhum, nem demonstrar que tivesse muita pressa, mas apenas desejar saber o que acontecera, ordenou que lha trouxessem. Passou-se bastante tempo, de sorte que acabou de ler completamente todo o livro sem que pessoa alguma lhe trouxesse sua espada; chamou então todos os seus servidores, uns após outros e começou a dizer-lhes rudes palavras, pedindo-lhes novamente a espada, chegando até a dar no rosto dos criados um soco tão forte que ensanguentou a mão, enfurecendo-se e gritando que seu próprio filho e seus servidores queriam entregá-lo vivo ao inimigo; o filho, chorando, acorreu acompanhado dos amigos e todos se atiraram aos seus pés e puseram-se a lamentar e a suplicar.

LXXXVII. Indigna-se contra os esforços que fazem para o animar a conservar sua vida

LXXXVII. Catão, levantando-se do leito, olhou-os com um olhar terrível e disse: — "Deuses, quando e onde foi que me vistes com o juízo perturbado? Por que me advertem dessa forma, como se eu tivesse dado a alguém conselho que não seja bom, sem ter feito uso de minha razão e de meu bom senso? E, entretanto, me impedem agora de conformar minha conduta aos meus próprios sentimentos e me desarmam. Por que não atas teu pai, meu amigo, e não lhe amarras as mãos atrás das costas até que César, chegando, me encontre sem meios de poder me defender? Pois contra mim mesmo não tenho necessidade de espada para me desfazer, se quiser, levando em conta que me é apenas necessário reter um pouco minha respiração ou então dar uma única cabeçada contra a muralha para me matar". Assim que disse estas palavras, seu filho saiu do quarto chorando e também todos os outros seus amigos, ficando somente Demétrio e Apolônides com ele, aos quais, falando mais delicadamente, disse: — "Sois vós, também de opinião que se deve reter com vida, à força, um homem idoso como eu? Não ficastes aqui para vos manter sentados sem falar, nem fazer outra coisa senão para me guardar? Ou viestes trazer algumas razões e argumentos para me dar a compreender que não é indigno, nem desonesto para Catão, não tendo outro meio para salvar sua vida, esperar descansadamente e salvar-se pela graça de seu inimigo? Por que não alegais agora algumas razões para me mostrar isto, a fim de que, rejeitando as outras opiniões e razoes preservadas até aqui, tornadas subitamente mais sábias por meio de César, sejamos obrigados a lhe render graças? Todavia, eu não disse isto porque resolvi alguma coisa de minha vida, mas de modo algum consultarei e resolverei convosco, quando deliberarei com os livros e a razão, dos quais vós mesmos vos utilizais quando quereis filosofar; portanto, ide embora corajosamente e dizei a meu filho que não queira forçar seu pai ao que ele não saberia provar pela razão o que devia fazer".

LXXXVIII. Mata-se

LXXXVIII. Ouvidas essas palavras, Demétrio, sem lhe responde r, saiu chorando do quarto e então enviou sua espada por um menino; quando a tomou e desembainhou, olhou se a ponta estava bem aguçada e o fio bem cortante. Isto verificado, então: — "Agora, disse ele, sou meu". Colocou-a junto de si e retom ou ainda o livro, que leu por duas vezes, do começo ao fim; depois dormiu um sono muito profundo, de tal modo que os que estavam fora do quarto ouviram-no ressonar. Aproximadamente à meia-noite, chamou dois de seus libertos, Cleantes seu médico, e Butas aquele do qual mais se servia nos negócios do estado, enviando-o ao porto para ver se todos os que haviam embarcado, se tinham feito à vela; entregou sua mão ao médico para enfaixá-la, por estar inflamada por causa do soco que havia dado em um dos escravos. Isto alegrou todos os de sua família, pensando que isto fosse sinal de que ainda tivesse desejo de viver. Pouco depois voltou B utas, que lhe disse terem todos embarcado, exceto Crasso, que ficara ainda devido a algum negócio e ia embarcar, mas que fazia um grande vento e havia forte tormenta no mar. Tendo ouvido esse comentário, pôs-se a suspirar de compaixão por aqueles que haviam ido por mar e tornou a enviar urgentemente Butas para ver se alguns tinham desistido, e se houvesse necessidade de alguma coisa para vir lhe falar.

Os passarinhos já começavam a cantar e ele dormiu um leve sono; mas, logo voltou Butas para lhe dizer que não havia rumor algum sobre o porto. Catão disse-lhe que fosse embora portanto, e que fechasse a porta atrás de si, engolfando-se dentro de seu leito, como para dormir o que restava ainda da noite; mas, logo que Butas virou as costas, desembainhou sua espada e deu um golpe no estômago; todavia, devido ao ferimento da mão, não pôde dar tão grande golpe que morresse logo; mas, esticando, caiu do leito, o que fez barulho, porque virou uma mesa geométrica que estava junto da cama, de tal modo que seus servidores, ouvindo o ruído, gritaram imediatamente e tão logo seu filho e seus amigos entraram no quarto, acharam-no todo ensanguentado e a maior parte de seus intestinos saindo fora do corpo, se bem que estivesse ainda com vida e os olhasse. Ficaram de tal modo repassados de dor, que não souberam à primeira vista o que dizer, nem o que fazer; mas seu médico, aproximando-se, quis tentar repor os intestinos e costurar a ferida; mas, voltando um pouco a si do desmaio, afastou para trás o médico e, rasgando os intestinos com suas próprias mãos, abriu ainda mais a ferida, de tal modo que naquele momento mesmo rendeu o espírito.

LXXXIX. Belas palavras de César tomando conhecimento da morte de Catão

LXXXIX. E em menos tempo do que se julgava poderem só os da casa saberem do acontecido, os trezentos romanos acorreram à porta de sua residência e imediatamente aí se reuniu também todo o povo da cidade; todos a uma voz chamaram-no seu benfeitor e seu salvador, denominando-o o único homem livre e invencível; o que faziam ainda quando tiveram notícias de que César se aproximava mais de Útica, e no entanto não houve, nem receio do perigo, nem desejo de adular o vencedor, nem diferença ou inimizade em comum, que os preservasse de prestar honra à memória de Catão; ornando, porém , seu corpo magnificamente, fazendolhe o funeral o mais honroso que puderam, inumaram-no sobre a praia, onde ainda hoje há uma estátua sua tendo uma espada na mão; depois de feito isto, procuraram salvar-se, e a sua cidade. César, tendo notícias pelos que iam a ele, que Catão não saía de Útica e não fugia, porém, ajudava todos, os outros a sair e, que ele, seu filho e seus amigos ficavam, sem demonstrar receio de nada, não podendo imaginar qual era sua deliberação e porque tinha empenho, apressou-se com todo o seu exército, com a maior diligência que podia; quando recebeu a notícia de que Catão se destruirá a si próprio, escrevem que pronunciou apenas estas palavras: — "Invejo a glória de tua morte, Catão, pois que me invejaste a glória de poder salvar tua vida". Pois em verdade, se Catão tivesse suportado que César lhe salvasse a vida, não teria diminuído tanto sua glória, mas aumentado a de César; todavia, quanto ao que teria feito, não se sabe dizer com certeza, apenas conjecturas. Catão morreu com a idade de quarenta e oito anos.

XC. Morte de Catão, seu filho

XC. E quanto ao seu filho, César não lhe causou nenhum desgosto; mas dizem que foi homem de pouco valor e desordenado com as mulheres; pois estando alojado na Capadócia, em casa de um senhor do país, de sangue real, chamado Mafradates, o qual possuía uma bela mulher, ficou ah muito mais tempo do que o devido, o que deu motivo para ser criticado, de sorte que escreveram dele por zombaria: — "Catão partirá amanhã dentro de trinta dias", ou "Mafradates e Pórcio são dois bons amigos, não têm senão uma alma"; porque esta mulher de Mafradates chamava-se Psique, que significa em linguagem grega, alma. E: — "Catão é generoso e magnânimo, tem alma real". Todavia extinguiu-se e amorteceu toda esta infâmia com sua morte, ao combater virtuosamente contra Augusto e contra Antônio, na jornada de Filipos, pela liberdade; quando, sendo seu exército posto em fuga não quis fugir nem se esconder, mas jogando-se através dos inimigos, deu a conhecer muito bem quem era, dando coragem àqueles de seu batalhão, que ainda combatiam, tanto que foi morto no local, deixando em seus adversários, grande admiração por seu valor e virtude. E ainda mais, Pórcia, a filha de Catão, que não foi inferior a seu pai, nem em castidade, nem em grandeza de coragem, pois sendo casada com Bruto, que matou César, foi participante da conjuração e também eliminou a vida magnanimamente como competia à virtude e ao nobre sangue de que descendia, assim como escrevemos mais minuciosamente na Vida de Bruto. E Estatílio, o qual havia dito que faria tudo o que Catão fizesse, foi impedido de se matar pelos filósofos, dos quais falamos acima; porém, daí em diante, tendo se mostrado muito fiel e muito útil a Bruto em todos os seus combates, foi também morto no campo de batalha de Filipos.

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