Notas

1527 - Porque ele terminou e concluiu, com sua morte, a guerra que tinha felizmente podido fazer contra os de Creta, isto é, Candia. Floro, na epítome do livro 97. — Amyot. Aí ele foi morto no ano 679 de Roma. 75. antes de J. C. Mas é fora de propósito o que Amyot diz. que ele concluiu a guerra com sua morte. Pois ela continuou depois dele. e foi terminada por Quinto Metelo, que submeteu a ilha toda, no ano 687 de Roma, e foi apelidado, por isso. o Cretense.
1528 - Cento e cinquenta mil escudos. — Amyot. 1.167.187 libras e 1 0 s. de nossa moeda.
1529 - Isto é, o pai de Cúrio.
1530 - Na qualidade de procônsul, no ano 699 de Roma; ele tinha sido cônsul no ano 696 de Roma.
1531 - Auletes.
1532 - Seis milhões de escudos, — Amyot. 46.687.500 libras na nossa moeda.
1533 - Outros dizem odocis bateikas, o que significa caminhos profundos, mas o primeiro sentido é o melhor. — Amyot.
1534 - O grego diz: ao longo do Ecregma e do pântano de Sermonidas; esta palavra Ecregma, que é grega, parece ter sido nome próprio da origem do lago, isto é, do lago por onde o mar aí entrava c o formava. Esse lago unia-se ao mar pela sua extremidade ocidental, de onde estendia-se paralelamente ao mar, desde Casio até a Palestina.
1535 - Vinte e cinco mil escudos. — Amyot. 194.531 libras e 5 s. da nossa moeda.
1536 - Veja as Observações sobre a vida de Cícero.
1537 - Na segunda.
1538 - Veja. a descrição mais detalhada deste fato nos Comentários de César. — De Bel. Civ. — L. III, cap. 24.
1539 - Da Líbia. Veja o Quadro dos Ventos nas Observações sobre o tomo XV.
1540 - O grego acrescenta: pois o tribunato subsiste, e veremos pelo que se segue que isso era necessário que se dissesse.
1541 - Eu não sei porque um sábio quer ler aqui África em. lugar de Espanha; sob o pretexto de que Antônio ainda não tinha esposado Fúlvia, quando César voltou da Espanha. Muito menos ainda tê-la-ia ele esposado antes da sua volta da África. Pois trata-se aqui da guerra contra os filhos de Pompeu, na Espanha, que seguiu à da África; e Cícero diz expressamente, na segunda Filipica, que esta viagem de Antônio teve lugar durante o tempo em que César fazia a guerra na Espanha.
1542 - Leia-se: Se Antônio estava vivo.
1543 - Augusto, que então era chamado Otávio.
1544 - Dois milhões e quatrocentos mil escudos. — Amyot. 18.675.000 libras, de nossa moeda.
1545 - Mais ou menos sete escudos e meio. — Amyot, 58 libras 7 s. 2 d. e 1/4 da nossa moeda.
1546 - Quinhentos escudo. — Amyot. 3.890 libras 12 s. e 6 d. de nossa moeda.
1547 - Êdipo Rei. v. 4.
1548 - Cento e vinte milhões de ouro. — Am yot. 933.750.000 de libras em nossa moeda.
1549 - Prateados.
1550 - Flautas, flautas campestres e cítaras. No grego não se fala nem de oboés, nem de violas, instrumentos que não eram conhecidos.
1551 - Vinha cear.
1552 - Seiscentos mil escudos. — Amyot. 4.668.750 libras de nossa moeda.
1152B - A versão utilizada aqui contava com um erro, parte dos capítulos 41 e 44 e todo o capítulo 42 e 43 estavam ausentes. Adicionei esses trechos depois de fazer a tradução do inglês que está no site LacusCurtius.
1553 - Ele não era rei. mas exercia a autoridade sob o nome de grão-sacerdote. Era filho de Aristóbulo, expulsara Hircano. que se tinha posto em seu luga r, no ano 714 de Roma. no mesmo ano em que Herodes obteve de Antônio o trono da Judéia. Antígono foi crucificado no ano 716 ou 717 de Roma.
1554 - Fraate.
1555 - Na Síria.
1556 - No grego, 8.000 estádios, 333 léguas e 1/3, sendo 24 estádios cada légua.
1557 - Suas máquinas de guerra.
1558 - Isto não está no texto grego.
1559 - No texto grego, 50 estádios, um pouco mais de duas léguas.
1560 - Leia-se: por quatro flechas, pela frente.
1561 - Cinco escudos. — Amyot. 38 libras, 1 d. e 1/2 de nossa moeda.
1562 - Bílis.
1563 - Ele dissera antes, seis mil. Este número é mais verossímil.
1564 - Leucé Come.
1565 - Em grego, o general; leia-se o exército.
1566 - Doze milhões de ouro. — Amyot, 93.373.000 libras de nossa moeda.
1567 - Acrescente-se: Dejotaro, rei dos gaiatas, como se verá mais adiante.
1568 - Cidade e promontório da Acamânia, célebre pela batalha que decidiu o império do mundo entre Augusto e Antônio.
1569 - A graça da frase não se pode exprimir-se em outra língua por causa da ambiguidade da palavra Torine, que significa uma cidade da Albânia e uma colher com a qual se tira a espuma da vasilha, como se ela dissesse, que César estava em casa, a tirar espuma de uma vasilha. — Amyot.
1570 - Não se trata de caverna, aqui, mas da entrada do porto ou do ancoradouro.
1571 - Acrescente-se: acompanhado somente por Alexandre da Síria, e por Scélio. Não sei por que Amyot omitiu estas palavras: Alexandre da Síria é o mesmo que se vai encontrar mais adiante com o nome de Alexas de Laodicéia.
1572 - Em grego, 300 estádios, 12 léguas e meia.
1573 - Golfo.
1574 - Na Atica: havia duas aldeias com esse nome.
1575 - Fazendo alusão a um certo verso de Homero, onde se lê: "Pluralidade de senhores não é boa".
1576 - Seiscentos mil escudos. — Amyot. 4.668.750 libras de nossa moeda.

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Fontes primárias

Fontes primárias de diversos períodos históricos. Sempre que encontrarmos alguma fonte iremos disponibilizá-la aqui, para que todos os interessados por História possam ter o acesso facilitado a esses documentos (essa seção se focará mais nas fontes escritas).

Vidas Paralelas: Marco Antônio, de Plutarco

Fontes primárias > Roma Antiga  |  1,7 mil visualizações  |  41395 palavras  |  76,1 páginas  |  0 comentário(s)

Busto de Marco Antônio. Museu do Vaticano, Roma.

Marco Antônio (83–30 a.C.) foi um político da República Romana nomeado cônsul por três ocasiões, em 44, 34 e 31. Antônio era aliado de Júlio César e, após o seu assassinato, se aliou a Lépido e Otávio (o futuro Augusto) formando o Segundo Triunvirato. É conhecido por, posteriormente, ter se aliado a rainha do Egito, Cleópatra, contra Roma e ter sido derrotado na batalha de Actium. A biografia de Marco Antônio faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Marco Antônio foi comparado com Demétrio, rei da Macedônia no século 3.

I. Nascimento e educação de Antônio

I. O avô de Antônio foi aquele famoso orador que Mário mandou matar, porque era do partido de Sila, e seu pai foi um outro Antônio, apelidado o Cretense1527 que não foi tão célebre,’ nem teve muito prestígio no governo das coisas públicas, mas que, afinal, foi um homem de bem e de boa índole, muito liberal, como se pode julgar por este seu ato: ele não tinha grandes posses, e por isso sua mulher não lhe permitia usar de sua liberalidade e bondade natural. Um dia, veio a ele um de seus familiares, pedindo-lhe uma certa quantia de dinheiro, de que estava precisando, e sucedeu que casualmente ele não o tinha para lho dar; ordenou por isso a um de seus servidores, que lhe trouxesse água numa bacia de prata; molhou ele então a barba como se quisesse raspá-la, depois, fez afastarem-se os criados, e deu ao amigo a bacia de prata, dizendo que podia dispor dela. Alguns dias depois, todos procuravam ansiosamente a bacia e vendo que a esposa dele muito se inquietava com o desaparecimento, e queria interrogar um por um todos os criados para saber o que havia acontecido, ele confessou que a tinha dado e rogou-lhe que o perdoasse. Sua esposa chamava-se Júlia e era da família e da descendência de. Júlio César, a qual em honestidade e seriedade nada ficava a dever a qualquer uma das mulheres cio seu tempo. Antônio foi criado e educado por ela, que se casou de novo, após a morte do seu primeiro mando, com Cornélio Lêntulo, que Cícero mandou matar por ter sido um dos que se tinham envolvido na conjuração de Catilina: isto parece ter sido o princípio e o primeiro motivo daquela ira veemente e mortal que Antônio tinha a Cícero, porque Antônio mesmo diz, que ele não lhe quisera entregar o corpo de seu padrasto para sepultá-lo, até que sua mãe não foi pedi-lo à mulher de Cícero, o que manifestamente e sem dúvida era falso: pois não houve um sequer, de todos os que Cícero fez morrer pela justiça, ao qual fosse negada a sepultura.

II. Suas relações com Clóclio e Cúrio

II. Tornando-se Antônio um belo rapaz, na flor da idade, travou relações com Cúno; ao que se diz esta amizade e conhecimento foi uma calamidade, pois era ele um homem perdido e viciado em tudo o que há de mais torpe, e para ter Antônio ao seu dispor, levou-o a fazer grandes despesas com mulheres, dando banquetes e festas, de modo que em pouco tempo ele ficou endividado; tão grande era a quantia que dificilmente ele poderia pagá-la, demasiado grande para sua idade, isto é, duzentos e cinquenta talentos1528 ; o mesmo Cúrio era o causador dessa dívida: e por isso seu pai1529, vindo a sabe-lo, afastou Antônio de junto dele e proibiu-lhe entrar em sua casa. Foi então ele buscar a companhia de Clódio, o mais temerário e o pior dos homens que então se davam ao governo das coisas públicas e por algum tempo participou da sua temeridade, que punha em grande sobressalto toda a cidade de Roma; mas afastou-se dele bem depressa, pois cansou-se e aborreceu-se com o seu furor e também porque começou a temer o poder dos que estavam contra ele.

III. Serve sob Gabínio contra os judeus

III. Partiu então da Itália e foi à Grécia, onde passou o tempo em exercícios militares e no estudo da eloquência. Usava da maneira de falar que se denomina asiática, a qual florescia e estava em grande voga naquele tempo, e tinha também grande conformidade com seus costumes, e sua maneira de viver que era vaidosa, cheia de fanfarronice e de ambição desigual e pouco comunicativa. Depois de algum tempo, Gabínio, sendo cônsul, foi à Síria1530 e quis persuadi-lo a acompanhá-lo em sua viagem, ao que respondeu ele que não iria simplesmente como um particular; por isso Gabínio confiou-lhe o comando da cavalaria e o levou consigo, mandando-o primeiramente contra Anstóbulo, que tinha feito revoltarem-se os judeus, onde ele, por primeiro, subiu ao alto da muralha da praça mais forte do lugar, e lançou Aristóbulo fora de todas as suas fortalezas, e com poucos homens que ainda tinha consigo, derrotou os judeus, que eram muitos contra um só, e os fez passar quase todos à espada e ainda prendeu Anstóbulo com o filho.

IV. Incita Gabínio a restaurar Ptolomeu no trono

IV. Depois disse Ptolomeu1531, rei do Egito, que tinha sido expulso do seu país, marchou contra Gabínio, para rogar-lhe e induzi-lo a entrar com ele no Egito, a fim de restaurá-lo em seu reino, prometendo-lhe, se ele o fizesse, a soma de dez mil talentos1532. A maior parte dos generais foi de opinião que não se deveria ir, e o mesmo Gabínio criou muitas dificuldades para entrar nessa guerra, embora a tentação dos dez mil talentos o dominasse e o prendesse fortemente, mas Antônio, que não aguardava senão o ensejo para realizar grandes coisas, e que desejava também satisfazer a Ptolomeu, em seu pedido, se pôs a persuadir a Gabínio, incitando-o a empreender a viagem. Eles temiam mais a estrada que lhes era necessário percorrer, para chegar à cidade de Pelúsio, que não o resto do perigo que poderiam correr nessa guerra, pois tinham de passar por desertos1533 e lugares onde não havia água potável, ao longo de pântanos1534, a que chamam de Sermonidas, os quais os egípcios dizem que são os orifícios por onde o gigante Tifon respira: mas parece, de verdade, que é uma variante do mar Vermelho, que se espalha por baixo da terra, no lugar em que ele se separa no seu intervalo mais estreito, do mar, do lado de cá. Antônio então para lá foi mandado, com a cavalaria, e não somente conquistou essa passagem, mas também tomou Pelúsio, que é uma cidade grande e poderosa, com todos os soldados que lá se encontravam: e, fazendo isso, tornou ao mesmo tempo fácil e seguro o caminho para o resto do exército e a esperança da vitória: os mesmos inimigos, na cidade, gozavam da sua gentileza e bondade e do desejo que linha ele de se ver honrado; pois, Ptolomeu incontinente. ao entrar na cidade pensou em passar à espada muitos dos egípcios que lá se encontravam, pelo grande ódio que nutria contra seus habitantes, nus Antônio a isso se opôs e não permitiu que ele o fizesse: e em todas as outras batalhas e escaramuças, que foram muitas, Antônio praticou muitos atos de bravura, próprios de um genial comandante: como quando ele cercou e rodeou por trás os inimigos, deu a vitória aos que combatiam de frente e por isso recebeu o prêmio e o estipêndio de honra, que era devido à sua virtude. Também tornou-se conhecida de todos a humanidade e a honestidade que ele usou para com Arquelau; pois tendo sido seu familiar e hóspede, ele lhe fez guerra, por coação de seu general, mas, depois de sua morte, fez procurar seu corpo e o honrou com pomposos funerais e obséquios dignos de um rei.

V. Costumes de Antônio

V. Por estas e outras razões ele deixou de si mesmo uma gloriosa lembrança em Alexandria, e foi julgado como uma pessoa muito gentil, pelos romanos, que estiveram nessa viagem; tinha além disso uma dignidade liberal, apresentando todo seu aspecto exterior certa beleza de porte e de atitude, linha a barba forte e espessa, a fronte larga, o nariz aqulino, e em seu rosto transparecia tal virilidade como a que se vê representada em medalhas e imagens pintadas e modeladas, como as de Hércules. Disto já se falava desde toda a antiguidade, isto é, que a família dos Antônios descendia de um Anton, filho de Hércules, do qual ele conservava o porte e o nome; esta opinião ele procurava confirmar não somente pela figura e pela forma natural do seu corpo, que era como acabamos de descrever, mas também pela maneira de se adereçar e de se vestir. Pois todas as vezes que ele devia aparecer em público e ser visto por grande multidão, usava sempre alguma veste grossa, cingida fortemente quase à altura da coxa, com uma grande espada pendurada ao lado, e por cima uma capa grossa: o que muitos, porém, julgavam aborrecido e insuportável nele, é que ordinariamente ele se vangloriava, e zombava sempre de alguém; não fazia dificuldade em beber diante de todo mundo, de sentar-se junto de soldados, quando eles comiam e de comer e de beber à sua mesa; e é de se crer como isso o fazia amado, desejado e querido deles. Ainda mais; sendo inclinado ao amor, tornava-o desejável, assim levava muitos a querer amá-lo também; pois sentia prazer em ajudar os que estavam enamorados a gozar dos seus amores, e assim não tomava a mal, quando zombassem dos seus: e com isso, sua liberalidade, pois dava tudo, sem nada poupar, aos seus guerreiros e aos amigos, foi-lhe de grande impulso para bem começar e quando se tornou grande, aumentou-lhe ainda e de muito à autoridade e o poder, que afinal o arruinavam e o perdiam por causa de inúmeras outras faltas que ele cometia ordinariamente.

VI. Sua liberalidade

VI. Citarei neste ponto um exemplo somente de sua grande largueza e generosidade: Um dia, ele ordenou àquele que dirigia ás suas finanças, que desse a um de seus familiares duzentas e cinquenta mil dracmas1535 de prata, que os romanos na sua maneira de falar chamam de Décies1536 : admirou-se o seu tesoureiro, mas trouxe à sua presença esse dinheiro, para mostrar-lhe e fazer-lhe ver que som a enorme era. Antônio então perguntou o que era aquilo: o tesoureiro respondeu-lhe que era o dinheiro que ele havia ordenado que desse ao familiar. Antônio, percebendo a malícia do homem, disse: "Eu pensava que Décies era uma soma muito maior, pois isso é ainda pouco e por isso dá-lhe ainda outro tanto". Mas isso foi depois.

VII. Toma o partido de César

VII. Estando então os romanos dividido s entre si, uns contra os outros, em duas ligas; os que defendiam a autoridade do senado aderiam a Pompeu, que estava presente, e os que tinham o partido do povo, chamavam em seu auxílio a César, que estava fazendo a guerra nas Gálias, Cúrio, amigo de Antônio, que tinha mudado de opinião, e então defendia o partido de César, do qual um pouco antes tinha sido adversário, puxou Antônio para o seu lado e, quer pelo grande prestígio e crédito que tinha entre o povo, tanto fez, por causa também de seu falar, quer, por causa da grande largueza em despender o dinheiro que César lhe dava, que Antônio foi eleito tribuno do povo, e logo depois admitido ao colégio dos sacerdotes, que pelo voo dos pássaros conhecem e predizem o futuro, aos quais os romanos chamam de augures. Isso foi de grande consequência para as atividades e manejos de César, pois logo que ele tomou posse do seu cargo, primeiramente se opôs ao que propunha naquela ocasião o cônsul Marcelo, que queria que certas legiões que já tinham sido recrutadas e organizadas, fossem entregues a Pompeu, com a comissão e o poder de recrutar ainda outras e propôs que os soldados, que estavam reunidos e agrupados, fossem enviados à Síria, como reforço a M. Bíbulo, que movia a guerra aos partos; e por fim, que se proibisse a Pompeu de recrutar mais homens e aos soldados, de obedecer-lhe. Depois, como os partidários de Pompeu impedissem que as cartas de César fossem recebidas pelo senado e lidas, tendo ele poder e garantia de sua pessoa pela santidade do tribunato, leu-as publicamente, e fez que vários outros mudassem assim de opinião, pois lhes parecia que César com suas cartas não pedia senão coisas justas e razoáveis. Finalmente, propôs-se à deliberação do senado, dois pontos: um, se o senado era de opinião que Pompeu deixasse seus exércitos; e o outro, que César; poucos senadores foram de opinião que Pompeu abandonasse as armas, mas, quanto a César, quase todos o decidiram. Antônio então, levantando-se, perguntou se lhes parecia bem que Pompeu e César, juntamente, deixassem as armas, e ambos entregassem seus exércitos: todos os senadores aprovaram unanimemente essa proposta, e louvando a Antônio com grandes aclamações, rogaram-lhe que pusesse à deliberação do senado, mas os cônsules não o quiseram permitir.

VIII. Foge com Quinto Cássio para César

VIII. Os amigos de César, então, fizeram outras propostas e pedidos, que pareciam razoáveis e úteis, aos quais, porém, Catão se opôs; e Lêntulo, um dos cônsules, fez Antônio sair à força do senado; contra ele dirigiu então o mesmo Antônio graves palavras de protesto e de crítica: depois vestiu a roupa de um escravo e correu a toda pressa para César, com Quinto Cássio, tomando uma carruagem; apenas lá chegaram, puseram-se a gritar em altas vozes, que em Roma tudo estava convulsionado, pois não era mais permitido aos tribunos do povo falar livremente, pois eram expulsos com grande perigo de suas vidas, aqueles que ousavam defender o direito e a equidade. Por isso César lançou-se imediatamente contra a Itália com seu exército; diz Cícero em suas Filípicas1537 que assim como Helena foi causa da guerra de Tróia, assim Antônio foi autor da guerra civil: o que indubitavelmente é falso: pois C. César não era* tão fácil a se deixar levar pela ira, a um mau raciocínio, se ele não tivesse há muito tempo projetado e premeditado fazer isso, não teria, no momento, deliberado empreender a guerra contra o seu país, somente porque tinha visto Antônio e Cássio mal vestidos correrem a ele numa carruagem. Mas como há muito tempo ele procurava algum motivo, este serviu-lhe de pretexto, e lhe deu a aparência de uma guerra justa. E para se dizer a verdade, o que o estimulava a fazer a guerra a todo o mundo, outra coisa não era que o mesmo, que a princípio, tinha incitado a Alexandre, e ainda antes, a Ciro, isto é, um desejo insaciável de reinar, uma ambição desmesurada de ser o primeiro e o maior homem do mundo; o que não podia conseguir, sem ter antes vencido e derrotado a Pompeu.

IX. Insolências e devassidão de Antônio, durante a ausência de César

IX. Depois que César se apoderou da cidade de Roma e expulsou Pompeu da Itália, deliberou ele passar em seguida à Espanha, contra as legiões que lá Pompeu ainda tinha, e ao mesmo tempo fazer provisão de navios e de equipagem de mar, para depois perseguir o mesmo Pompeu. Durante esse tempo ele deixou o governo da cidade a Lépido, que era pretor; e a Antônio, que era tribuno, o encargo dos soldados e da defesa da Itália. Antônio tornou-se imediatamente querido e amado por seus soldados, pois ordinariamente estava com eles, com eles comia e bebia frequentemente é dava-lhes presentes, segundo os seus meios e as suas posses. Incorreu, porém, ele na ira e na malevolência de outros homens, porque, devido ao seu descuido e pouco caso, ele não se preocupava em fazer justiça àqueles que ultrajavam e ofendiam, assaz rudemente, aos que tinham que tratar com ele, e corria a má fama de que desencaminhava e corrompia as mulheres dos outros. Em suma, os amigos de César e os que governavam com ele, eram causa de que se caluniasse e odiasse a sua dominação, embora não fosse ela nada mais que tirania, quanto a ele, pelas insolências e ultrajes que eles faziam, dentre os quais, Antônio, como o mais poderoso, e o que cometia as maiores faltas, era por isso o mais censurado. Todavia César, quando voltou da guerra da Espanha, não fez caso das queixas que lhe eram apresentadas, contra ele, mas ao contrário, sabendo-o homem valente e empreendedor, bom general, serviu-se dele em suas empresas principais, e nisso não teve, absolutamente, decepção alguma.

X. Leva auxílio a César

X. Passou depois o mar Jônico, para Brindisi, com uma pequena parte de homens, e depois fez regressar os navios nos quais havia passado o mar, e mandou a Antônio e Gabínio que o mais depressa possível embarcassem seus soldados, e os levassem à Macedônia. Gabínio teve medo de se pôr ao mar, que estava revolto, por ser já o inverno, e mandou seu exército fazer uma grande caminhada por terra. Mas Antônio, temendo que acontecesse algum acidente a César, porque estava ele rodeado de grande número de inimigos, repeliu e afastou em primeiro lugar a Libo, que estava ancorado com muitos navios mesmo diante da boca do porto de Brindisi: cercou-o de um número tão grande de barcas, chalupas e outras espécies de embarcações1538 em redor de cada galera, que ele foi obrigado a se afastar dali. Feito isto, embarcou em seus navios vinte mil homens de infantaria e oitocentos cavalos; com essa tropa se pôs a navegar e lançou-se em pleno mar. Logo que os inimigos o perceberam, puseram-se a persegui-lo, e ele venceu este perigo, porque o vento do sul começou a soprar furiosamente, suscitando terrível tempestade no Oceano, e as ondas impediram que as galeras dos inimigos o pudessem alcançar. Foi ele então ter com toda a sua esquadra a uma costa rochosa, onde o mar era muito alto, de modo que não tinha mais esperanças de se poder salvar; mas a boa fortuna repentinamente fez mudar a direção do vento, que soprou de Lebeche1539, a qual está entre o sul e o oeste e sopra da costa do golfo, impelindo as ondas do rio para dentro do mar alto. Assim Antônio, deixando a terra atrás de si e singrando com segurança à vontade, viu logo depois a costa cheia de náufragos: pois a força e violência do vento lá arremessara as galeras que o perseguiam, várias das quais foram partidas e perderam-se, e Antônio fez um grande número de prisioneiros, arrecadou uma grande soma de dinheiro, tomou além disso a cidade de Lisso e trouxe a César grande conforto e segurança, por ter chegado bem a tempo e com tal poder.

XI. Comanda a ala esquerda do exército de César na batalha de Farsalia

XI. Travavam-se então frequentemente ásperas escaramuças e combates renhidos nos quais Antônio comportava-se tão valentemente que levava a palma a todos os outros, especialmente, por duas vezes, quando os soldados de César se retiravam, e fugiam apressadamente: ele se pôs à frente deles e os obrigou a voltar ao combate, de tal modo, que por fim a vitória lhes sorriu. Tinha ele então no campo de batalha, entre os soldados, a segunda autoridade e a César só se falava dele, o qual também mostrou a sua opinião a seu respeito, quando na última batalha de Farsália, a que devia decidir o final e dar o império do mundo ao vencedor, conduziu ele a ponta direita do seu exército e entregou a esquerda a Antônio, para que a dirigisse, como o mais valente e mais entendido em fato de guerra de todos os que estavam em sua companhia.

XII. Resiste abertamente a Dolabela que propunha a abolição universal das dívidas

XII. Ganha a vitória, César foi criado ditador e se pôs a seguir as pegadas de Pompeu: antes, porém, nomeou Antônio chefe da cavalaria e o enviou a Roma, pois o chefe da cavalaria é o segundo magistrado, quando o ditador está na cidade, mas quando não está, é o primeiro e, talvez mesmo, o único1540, pois suprimem-se todos os oficiais e magistrados, desde que há um ditador eleito. Todavia, sendo então Dolabela tribuno do povo, jovem que pedia somente renovações, propunha o que os romanos chamam novas tábulas, isto é, uma rescisão de todas as obrigações, e abolição geral de qualquer espécie de dívida, e chamava novas tabelas, porque era então necessário fazer novos bilhetes de crédito e de receita, e persuadia a Antônio que era seu amigo, e que não desejava senão os meios de agradar e comprazer ao povo, ajudá-lo a levar adiante esse projeto: ao contrário, Trebélio e Asímo procuravam dissuadi-lo e afastá-lo disso, o mais possível. Aconteceu casualmente que Antônio começou a ter ciúmes de Dolabela e a suspeitar que ele se encontrava com sua mulher, e levou isso a tal ponto que a expulsou de casa; ela era sua prima-irmã, filha de C. Antônio, que tinha sido companheiro de Cícero no consulado, e unindo-se a Asínio resistiu a Dolabela, até a combatêlo: Dolabela tinha-se apoderado da praça onde se faziam as assembleias do povo, e aí havia colocado homens armados, com intenção de fazer passar e ratificar pelo povo, à força, o seu edito. Antônio por ordem do mesmo senado, que lhe tinha outorgado o poder de recrutar homens para resistir com armas a Dolabela, foi contra ele, e combateu com tanto ardor que houve homens mortos na praça de lado a lado: isto fez que ele incorresse de um lado, na malevolência do povo por esse ato, e por outro lado ele não agradava aos homens de bem e honrados, por causa dá sua vida desonesta e dissoluta, como diz Cícero, mas era odiado por eles, porque eles abominavam os banquetes e as libações a que ele se entregava ordinariamente, em horas impróprias, seus gastos exagerados, e o fato de estar continuamente entre mulheres de vida fácil, e depois durante o dia, ele dormia, ou andava embriagado para digerir o vinho bebido durante a noite.

XIII. Indecências e licenciosidades da vida de Antônio

XIII. Em sua casa só ha via festas, danças e momices; ele passava o tempo assistindo à representação de farsas, ou às núpcias de farsistas, charlatães, palhaços e outros indivíduos semelhantes. A este propósito, conta-se que nas núpcias de um seu amigo palhaço, chamado Híppias, ele bebeu tanto durante a noite, que depois, na manhã seguinte, quando foi falar perante o povo reunido na praça, que o havia chamado, tendo ainda o estômago cheio de vinho e de carne, foi obrigado a vomitar na presença de todos, e um de seus amigos teve de estender-lhe a capa por cima do vomito. Ele era ainda amigo de outro comediante de nome Sérgio, que era o maior de todos os seus companheiros, e que de maior prestígio e crédito gozava junto dele, e de uma mulher chamada Citendes, da mesma profissão, dá qual ele se tinha enamorado; ele a levava por todas as cidades para onde se dirigia, dentro de uma liteira; e não havia menos servidores e acompanhamento junto da liteira dessa comediante do que da sua própria mãe. Isso desgostava imensamente às pessoas de bem, por verem que quando ele ia para o campo levava em pós de si grande quantidade de vasilhas de ouro e prata, à vista de todos, como se fosse a demonstração de um triunfo; muitas vezes no meio do caminho ele fazia erguer suas tendas, à beira de alguma floresta verdejante, ou ao longo de algum fresco regato, e aí servia-se suntuosamente o seu jantar; às vezes fazia atrelar leões ao seu carro, para que o levassem; obrigava, pelas cidades por onde passava que em casas de gente honesta fossem hospedados pecadoras públicas, meretrizes e comediantes: causava-lhes grande desgosto ver que César estava fora da Itália, perseguindo os restos de seus inimigos, para pôr um fim à guerra, com tantos perigos e sofrendo toda a sorte de incômodos, ao passo que outros, que estavam sob sua autoridade e seu nome, cometiam estas injúrias e estes ultrajes aos mesmos cidadãos. Isso parece-me, ter sido a causa de que a rebelião contra César fosse crescendo cada vez mais: e de que se soltasse o freio aos soldados, que então tiveram a ousadia de cometer várias extorsões, violências e furtos. César, tendo voltado, perdoou a Dolabela, e tendo sido criado cônsul pela terceira vez, não escolheu mais a Antônio, mas preferiu Lépido, para seu companheiro. Depois, quando foi posta à venda a casa de Pompeu, Antônio a comprou; mas quando lhe pediram o dinheiro, ele achou-o estranho e irritou-se com isso; escreveu ele mesmo que não queria ir com César à guerra da África, porque não tinha sido bem recompensado pelos grandes serviços que havia prestado anteriormente.

XIV. Casa-se com Fúlvia

XIV. César conteve uma parte da sua insolência e de suas loucuras, não deixando mais passar levemente suas faltas, fingindo não vê-las; por isso deixou ele a sua maneira dissoluta de viver e casou-se com Fúlvia, que antes fora esposa de Clódio; não tinha ela um coração tão humilde de não pensar senão em fiar ou cuidar de sua casa, e não se contentava em governar seu marido em casa, mas queria dominá-lo, mesmo como magistrado e dar-lhe ordens, quando ele comandava as mesmas legiões e tropas, de modo que Cleópatra devia a esta Fúlvia a aprendizagem da obediência que Antônio prestava às mulheres, pois ela lho entregara bem instruído e acostumado a fazer a vontade de suas mulheres: sendo ela de natureza grave e severa, Antônio pensou em torná-la um pouco mais jovial, fazendo em sua honra alguma pequena festa e organizando jogos para seu divertimento, como ele fez quando César voltou vitorioso pela última vez, da Espanha1541 ; todos acorreram a ele, Antônio, também; mas imediatamente espalhou-se a voz por toda a Itália, que César tinha morrido e que seus adversários voltavam, com armas; regressou apressadamente a Roma, tomando as vestes de um servo, e assim disfarçado foi durante a noite, para sua casa, dizendo que trazia, para Fúlvia, cartas de Antônio: fizeram-no entrar e o levaram a ela; ele estava com o rosto encoberto, para que não o reconhecessem: toda assustada, antes de tomar as cartas, perguntou-lhe ela se Antônio estava passando bem1542 ; Antônio apresentou-lhe as cartas sem dizer palavra alguma; depois que ela as abriu e começou a lê-las, ele saltou-lhe ao pescoço e a beijou. Quisemos narrar este fato, somente a título de exemplo, pois poderíamos citar ainda outros.

XV. Honras que César lhe confere, desprezando-o

XV. Ao regresso da última guerra que César fizera na Espanha, todos os grandes personagens e os mais importantes da cidade foram recebê-lo até bem longe, mesmo fora de Roma e aí César prestou grandes honras a Antônio, mais que a qualquer outro que lá estava também: fêlo subir ao seu carro, e o levou junto de si, deixando atrás a Bruto, Albino e Otaviano1543, filho e sua sobrinha, que depois também foi chamado César, e teve o império de Roma por mui to tempo. E depois, quando César foi eleito cônsul pela quinta vez, ele escolheu imediatamente a Antônio, para seu companheiro, e quis, deixando o consulado, pô-lo nas mãos de Dolabela, como substituto em seu lugar: e já o tinha proposto ao senado, mas Antônio a isso se opôs obstinadamente, e disse contra Dolabela as maiores ofensas e injúrias, em pleno senado. Dolabela pagou-lho na mesma moeda: César tendo vergonha de tal escândalo, desistiu. Ainda outra vez, quando César quis que Dolabela o substituísse no consulado, Antônio se pôs a gritar que os presságios dos pássaros não o permitiam; tanto que, por fim, César foi obrigado a ceder e a abandonar Dolabela, que com isso ficou muito despeitado. Pouco ele estimava assim a ambos: diz-se até que uma vez ele respondeu a alguém que lhe veio falar deles e os queria tornar suspeitos, que não era daqueles peralvilhos, tão bem nutridos e pintados, que ele tinha receio: "Mas, — disse — eu temeria mais todos os pálidos e magros", entendendo falar de Bruto e Cássio, que ao depois conspiraram contra ele e o mataram. E Antônio, não pensando neles, nem cuidando fazê-lo, deu, porém, a isso uma honesta ocasião, assim:

XVI. Oferece o diadema a César na festa das Lupercais

XVI. Os romanos celebravam a festa e a solenidade a quem chamam de Lupercália, e César, coberto com um manto triunfal, estava na tribuna, na qual se costumavam fazer os discursos ao povo, e de lá contemplava o movimento dos que corriam. Nesse dia, é costume que muitos jovens de famílias nobres e mesmo os que desempenham nesses anos os mais altos cargos da magistratura, corram nus, pela cidade, untados com azeite de oliva, e batam por brincadeira nos que encontram pelo caminho, com correias de couro branco que têm nas mãos. Antônio era um dos que devia correr: deixou, porém, as antigas cerimônias e costumes daquela solenidade e sem mais correu para a tribuna onde César estava sentado, tendo nas mãos uma coroa de louros, em redor da qual estava presa uma faixa, a que chamam de diadema, e era antigamente o sinal dos reis. Chegou bem perto dele e se fez levantar por uns dos que com ele corriam e tentou pôr a. coroa sobre a cabeça de César, querendo dizer que ele merecia ser rei. César fingindo não vê-lo voltou o rosto e com isso todo o povo se rejubilou e aplaudiu com muitas palmas. Antônio novamente tentou aproximá-la de sua cabeça e de novo César desviou-a, e assim estiveram alguns minutos em tentativas, um e outro; todas as vezes que Antônio tentava fazê-lo receber essa coroa de louros, um pequeno número de seus sequazes aplaudia, e todas as vezes que César a recusava, todo o povo unanimemente batia palmas: era isto uma coisa realmente notável, que aqueles que tinham experimentado o que fazem os reis aos seus súditos, detestavam e aborreciam o mesmo nome de rei como a abolição e a destruição de sua liberdade. Pelo que César, perturbado levantou-se e descobrindo seu pescoço, apresentou-o, dizendo alto que lhe cortassem a cabeça se quisessem. Esta coroa foi ao depois colocada sobre a cabeça de uma das estátuas de César, mas alguns tribunos do povo a arrancaram, e por isso o povo muito os louvou, e os acompanhou com grande séquito até suas casas, para lhes prestar uma homenagem, batendo, ao mesmo tempo, muitas palmas.
 César, porém, os destituiu do seu cargo.

XVII. Procedimento de Antônio depois da morte de César

XVII. Este fato deu coragem e ânimo a Bruto e a Cássio, para conspirarem e determinarem sua morte; aliciaram ainda para o seu grêmio outros falsos amigos, para executar o seu plano, mas duvidaram se o deviam manifestar também a Antônio; todos concordaram com esse alvitre, menos Trebônio: pois disse ele, que quando foram ter com César, após a sua volta da última guerra da Espanha, tinham sempre cavalgado juntos pelos campos, e alojado sempre juntos, e que então, de longe e disfarçadamente tinha observado o seu proceder; e que Antônio compreendera muito bem onde ele queria chegar, mas não lhe quisera prestar ouvido, e, no entretanto, jamais tinha manifestado a César o desígnio que nutriam, mas o tinha fielmente calado. Deliberaram também depois disso, se deviam matar também a Antônio, com César: Bruto não o quis, e procurou impedi-lo, dizendo que era necessário que tal empreendimento a que se arriscavam para a defesa das leis e da justiça, fosse puro e limpo de toda iniquidade. Todavia, temendo a força e a dignidade de magistrado de Antônio, eles determinaram a alguns dos conjurados, que o detivessem fora da sala, quando César entrasse no senado, sob o pretexto de lhe falar de certos negócios. Foram propostas e projetadas estas coisas, e assim igualmente levadas a cabo, e César foi morto em pleno senado; Antônio ficou muito amedrontado, vestiu-se como um escravo, e escondeu-se: mas depois quando ele soube que aqueles que o haviam matado, a ninguém mais atacavam, e se tinham retirado ao Capitólio, mandou dizer-lhes que descessem sem temor sob sua palavra, e mandou-lhes seu filho como refém; naquele mesmo dia, serviu um jantar a Cássio, Lépido e Bruto. No dia seguinte mandou reunir o senado e ele mesmo propôs que se esquecesse o passado, e que se desse alguma província a Cássio e a Bruto: o senado autorizou e confirmou essa proposta e ainda mais, ordenou que nada seria mudado daquilo que César tinha feito ou determinado. Assim saiu Antônio do senado ainda mais estimado do que qualquer outro, e com os melhores louvores que jamais se havia prestado a homem algum, pois parecia a todos, que ele tinha eliminado todo motivo de guerra civil e tirado assim a ocasião de um movimento rebelde, mostrando ser um homem sensato e inteligente, e muito entendido em assuntos de governo, pois soubera tão prudentemente deslindar as coisas e apaziguar os ânimos, quando parecia que muitas e enormes dificuldades estavam para surgir.

XVIII. Profere a oração fúnebre de César

XVIII. Mas a opinião que ele concebeu de si mesmo, depois de ter ouvido a voz do povo e sondado a sua vontade, com a esperança, que prometia a si mesmo, que ele seria com certeza o primeiro homem do mundo, quando tivesse vencido a Bruto, afastou-lhe logo da mente estes primeiros discursos. No dia em que se levava o corpo para a sepultura, ele fez um elogio fúnebre em plena praça, exaltando a César, como era costume, antigamente, louvar os grandes personagens por ocasião de seus funerais; vendo que o povo sentia com isso muita satisfação, e se exaltava, ouvindo falar de César e engrandecer os seus feitos, ele entremeou na sua oração palavras de comiseração e tocou em coisas que movem o coração à piedade e à compaixão, aumentando e exagerando os fatos. Quando chegou ao término do discurso, ele distendeu à vista do povo as vestes do falecido, ainda ensanguentadas e rasgadas pelos golpes de espada, que ele tinha recebido, chamando àqueles que haviam praticado o crime, de assassinos, de homens malditos e condenados; de tal modo então o povo se enfureceu, que tomaram o corpo de César, e o queimaram na praça com os bancos e as mesas dos cambistas, que reuniram de todos os lados: depois tomaram tições, quando o fogo estava alto e correram às casas dos que o haviam matado, para incendiá-las e obrigá-los a lutar. Por isso, Bruto e seus cúmplices, para garantir as suas vidas, foram obrigados a sair da cidade: então os amigos de César foram ter com Antônio e sua mulher Calpúrnia, confiando nele, fê-lo ir à sua casa e pôs em suas mãos grande parte do seu dinheiro, que podia elevar-se a quatro mil talentos1544, e tomou ainda todos os papéis de César, entre os quais estavam os registros e as memórias de tudo o que ele havia feito e determinado. Antônio acrescentava a isso todos os dias o que lhe parecia bem, e assim criava novos oficiais, novos senadores, fazia voltar os que estavam exilados e restituía aos seus cargos a outros, libertava os que estavam prisioneiros; e depois dizia que tudo aquilo tinha sido ordenado e determinado por César. Por isso os romanos zombando daqueles que assim tinham sido promovidos, chamavam-nos de Caronitas, porque quando eles se convencessem da própria nomeação, não teriam outra prova disso senão dizer que assim se tinha encontrado escrito nos papéis de César e nos seus registros, o qual tinha viajado na barca de Caron e morrera. Do mesmo modo nas outras coisas, usava Antônio de poder absoluto, pois era cônsul, um de seus irmãos, Caio, era pretor, e um outro, Lúcio, tribuno do povo.

XIX. Otávio pede-lhe a sucessão de César

XIX. Quando estas coisas se passavam em Roma, chegou o jovem César, o qual era filho da sobrinha de Júlio César, como já dissemos antes, e tinha sido constituído por testamento seu herdeiro universal, e que estava em Apolônia quando seu tio fora assassinado. Logo à chegada foi cumprimentar a Antônio, como um dos amigos do seu tio César, que o tinha adotado por testamento; fez-lhe incontinente menção do dinheiro e de outras coisas que tinham sido confiadas em depósito a ele mesmo, pois César, por testamento, tinha legado ao povo romano setenta e cinco dracmas de prata1545, por cabeça, das quais ele era tido como herdeiro universal. Antônio a princípio votou-lhe certo desprezo, e não se incomodou, pois ele era muito jovem, dizia que ele não era sensato, mas destituído de inteligência e de bons amigos, se é que determinara carregar sobre seus ombros tão grande e pesado fardo, como o de querer passar por herdeiro de César. Como ele, porém, não se deixou levar por essas palavras, mas continuava a lhe pedir os seus bens e o dinheiro, Antônio começou a dizer e a fazer várias coisas, injuriando a sua pessoa, com seu grande prejuízo; em primeiro lugar impediu-lhe a eleição de tribuno do povo, e quando ele quis tratar da dedicação da cátedra de ouro, que tinha sido ordenada pelo senado em honra de César, ele o ameaçou de prender, se não desistisse de incitar o povo à rebelião.

XX. Otávio, ajudado por Cícero faz declarar Antônio inimigo da pátria

XX. Vendo isto, o jovem César foi se juntar com Cícero e com outros que queriam mal a Antônio, por meio dos quais ele se insinuava nas graças do senado: e por sua vez ia conquistando a benevolência do povo por todos os meios, reunindo e exercitando velhos soldados de César, que andavam esparsos cá e lá pelas cidades: Antônio muito se admirou com isso e falou com ele no Capitólio, onde se reuniram para conferenciar. Mas, naquela mesma noite, Antônio, dormindo, teve uma visão muito esquisita: pois lhe fora manifestado que um raio caíra sobre ele e lhe queimara a mão direita. Poucos dias depois disseram-lhe que César preparava-lhe uma emboscada e o vigiava para mandar matá-lo. César defendeu-se e justificou-se perante ele, dizendo que não era nada; mas Antônio não lhe deu crédito. A inimizade entre eles recomeçou, mais áspera que antes e ambos correram toda a Itália, para reunir e preparar os velhos soldados que já se tinham retirado das atividades e se haviam estabelecido nas cidades, fazendo-lhes grandes e tentadoras promessas; cada qual do seu lado se esforçava para organizar as legiões que ainda estavam em armas. Por outra parte, Cícero, que então era o maior homem da cidade em autoridade e reputação, incitava e amotinava todo o povo contra Antônio, de tal modo que, por fim, o senado acabou por declará-lo inimigo da causa pública e decretou, para o jovem César, homens que levariam as machadinhas diante dele e outros sinais da magistratura e da dignidade pretorial, e enviou Hircio e Pansa, que então eram cônsules, com dois exércitos, para expulsar Antônio de toda a Itália. Estes dois cônsules, juntamente com César que também tinha um exército, foram atacar Antônio, no cerco, diante da cidade de Módena, e aí derrotaram-no: mas os dois cônsules morreram.

XXI. Corajosa paciência de Antônio na sua adversidade

XXI. Antônio fugindo dessa derrota encontrou-se em muitas dificuldades e aperturas de uma vez, das quais a mais triste foi a fome; mas ele tinha da natureza esta boa qualidade: vencia-se a si mesmo em paciência e em virtude, quando se encontrava na adversidade e mais a sorte o atormentava, mais ele se tornava semelhante a um homem verdadeiramente virtuoso. É coisa comum aos que se encontram em contingências difíceis, escutar e atender o que exigem então o dever e a virtude: mas, bem poucos têm a coragem de, em tais dificuldades e estremecimentos da fortuna, fazer e imitar o que eles louvam e pensam, ou fugir ao que eles censuram e repreendem, mas, muito ao contrário, deixam-se levar pelo costume que têm, de viver segundo a própria vontade e por fraqueza e frouxidão de alma, dobram-se e mudam suas primeiras palavras. Era este um exemplo maravilhoso para os soldados, ver Antônio que estava acostumado a viver no meio das delícias e em tão grande abundância de tudo, beber sem rebuços água fétida e corrompida, comer frutas e raízes selvagens; diz-se ainda mais que eles comeram cascas de árvores e animais que nunca antes os homens haviam comido, quando passaram os Alpes.

XXII. O exército de Lépido entrega-se a ele

XXII. Era sua intenção ir reunir-se às legiões que estavam além dos montes sob o comando de Lépido, o qual Antônio pensava que era seu amigo, porque por meio dele tinha recebido muitos benefícios e muitas vantagens da parte de César. Quando ele chegou onde Lépido se encontrava, foi alojar-se bem perto dele; mas vendo que ninguém aparecia, que lhe desse alguma esperança, ele deliberou apresentar-se em pessoa. Tinha deixado crescer a barba, depois da derrota não mais a cortara, de modo que estava já bem longa, os cabelos também, sem penteá-los; além disso trajava uma veste negra de luto e neste estado ele aproximou-se das trincheiras do campo de Lépido, onde se pôs a falar; a muitos soldados ele comoveu, por verem-no tão mal vestido e naquela triste situação; outros comoveram-se por suas palavras, tanto que Lépido teve medo e então mandou que tocassem as trombetas todas ao mesmo tempo, a fim de que assim se impedisse aos soldados ouvir o que ele dizia: eles tiveram, porém, ainda mais pena, e falaram-lhe secretamente por meio de Clódio e Cého, que lhe mandaram disfarçados em vestes de raparigas, e aconselharam-no a que se esforçasse por penetrar dentro do campo pois lá havia um número bem grande de soldados que o receberiam, e ainda matariam a Lépido, se ele quisesse. Antônio jamais quis permitir que fizessem algum mal a Lépido, mas no dia seguinte, com seu exército ele veio tentar o vau de um pequeno rio que estava entre eles, e por primeiro entrou na água para alcançar a outra margem, vendo já a vários do campo de Lépido que lhe estendiam as mãos, e que arrancavam os paus e removiam as traves da entrada para lhe dar passagem. Quando se pilhou lá dentro e podia contar com suas forças, procedeu muito humanamente para com ele; pois, abraçando-o, chamou-o de pai, e embora, segundo a verdade, ele tudo fez e tudo passou para o seu domínio, ele sempre conservou-lhe a honra e o nome de general: isto foi causa de que Munácio Planco, que estava acampado perto dali com um exército, viesse também unir-se a ele. Assim Antônio tendo-se refeito e tornando-se novamente grande e poderoso, voltou a passar os Alpes, levando para a Itália, com ele, dezessete legiões, e dez mil cavaleiros, além de seis legiões que ele deixou para defender as Gálias, sob o comando de Vário, um de seus familiares, com quem costumava beber e por isso era apelidado por gracejo de Cotilon, como significando copeiro.

XXIII. Triunvirato

XXIII. César então não quis mais aderir a Cícero, vendo que ele trabalhava única e totalmente para restaurar as coisas públicas na sua primitiva liberdade e não tinha outra vontade e intenção, e mandou por meio de seus amigos convidar a Antônio para um encontro e para que se reunissem os três, César, Antônio e Lépido, em uma pequena ilha, cercada por um riacho, onde estiveram de fato por três dias. Quanto a todas as outras coisas facilmente se puseram de acordo e repartiram entre si o império romano, como se o tivessem recebido por herança paterna: tiveram, porém, grande dificuldade em concordar a respeito dos que deveriam fazer morrer, pois cada qual queria eliminar seus inimigos, e salvar os parentes e amigos; contudo, por fim, pelo grande desejo que tinham de se vingar de seus adversários, colocaram de lado e mesmo espezinharam a reverência à consanguinidade e à santidade da amizade: César cedeu Cícero a Antônio e Antônio abandonou-lhe Lúcio César, que era seu tio, irmão de sua mãe: e ambos permitiram a Lépido fazer morrer seu próprio irmão Paulo. Todavia alguns dizem que foram eles quem o pediram e que Lépido o eliminou. Eu penso que jamais houve coisa mais horrível, mais desumana, nem mais cruel do que estas permutações; pois trocando assim, morte por morte, eles matavam também aos que deixavam ao outro, como os que os outros lhes entregavam; eram, porém, muito mais injustos para com os amigos, pois, os faziam morrer sem que houvesse motivo para isso e sem odiá-los. Depois que tudo se passou, os soldados que estavam nos arredores quiseram que eles ‘garantissem ainda mais essa amizade, pela aliança de casamento, e que César desposasse Cláudia, filha de Fúlvia, mulher de Antônio; tendo isto sido deliberado, eles condenaram a morrer, por proscrição, trezentos dos principais cidadãos de Roma, e Antônio ordenou aos que disso estavam encarregados, depois que haviam matado a Cícero, que lhe amputassem a cabeça e a mão direita, com a qual ele tinha escrito as orações Antomanas, contra ele. Quando lhe trouxeram esses pobres membros decepados, ele contemplou-os longamente, com alegria, rindo-se muito alto, e várias vezes, pelo grande prazer que sentia. Depois de ter bastante saciado o seu coração contemplando-os, ele mandou colocá-los no lugar mais eminente da praça, sobre a cátedra pública, onde durante sua vida ele costumava falar ao povo, como se isso fosse uma injúria ao que ele acabara de mandar matar, e não a sua própria fortuna, mostrando-se, para sua grande vergonha, e tão cruelmente, indigno do poder que possuía. Seu tio Lúcio César, quando o procuravam e o perseguiam por toda parte, para matá-lo, fugiu para a casa de sua irmã; queriam os assassinos penetrar aí, a todo custo; ela então, veio à porta, com os braços abertos, gritando em altas vozes e várias vezes: "Vós não matareis a Lúcio César, sem antes me terdes matado a mim, que embalei o vosso general". E assim ela salvou a vida de seu irmão.

XXIV. A ira principal cai sobre Antônio

XXIV. O domínio desses três personagens ficou sendo chamado triunvirato, para muitas coisas odiosas e raiva dos romanos; mas disso dava-se a maior parte da censura a Antônio, pois ele era mais velho do que César, e mais poderoso do que Lépido, e porque voltara a viver dissoluta e luxusosamente, como antes, logo que se viu fora de suas incumbências: e além da má fama de que gozava por causa da sua intemperança, ele era ainda muito odiado por causa da residência onde morava, que tinha sido do grande Pompeu, personagem não menos estimado e afamado pela sua temperança e por sempre ter vivido honestamente e com simplicidade do que pelos seus triunfos; fazia-lhes muito mal vê-la sempre fechada aos generais e oficiais, aos magistrados e mesmo aos embaixadores de nações estrangeiras, que às vezes eram repelidos grosseiramente e mesmo levados injuriosamente até à porta, e ao invés, sempre cheia de comediantes, farsistas, prestidigitadores, palhaços, beberrões, aos quais ele tratava com toda a cordialidade, esbanjando com eles o dinheiro, em grandes somas, dinheiro por vezes extorquido, com violências e pilhagens o que é impossível de se dizer, pois não somente vendiam em leilão muitos bens dos que tinham sido proscritos, defraudando caluniosamente as pobres viúvas e seus infelizes orfãozinhos, e impunham toda sorte de impostos, subsídios e multas: mas tendo sido notificados de que as religiosas vestais tinham também algumas importâncias te dinheiro depositado e guardado em suas mãos, tanto dos de fora como da cidade, foram arrebatá-lo à força.

XXV. Vai com Otávio fazer guerra a Bruto e a Cássio

XXV. César, vendo que não havia mais dinheiro suficiente para Antônio, quis repartir as finanças com ele, e dividiram também o exército para irem ambos à Macedônia, fazer a guerra contra Bruto e Cássio e deixaram, no momento, o governo de Roma a Lépido. Depois de terem atravessado o mar começaram a guerra, estando acampados perto do inimigo, isto é, Antônio contra Cássio e César contra Bruto, César nada conseguia; coisa diferente, porém, passava-se com Antônio que vencia sempre, e fazia tudo: na primeira batalha César foi derrotado por Bruto, e perdeu o campo, de modo que com dificuldade se pede salvar, fugindo rapidamente e escapar aos. que o perseguiam; todavia, ele escreve em seus Comentários, que ele se havia retirado antes que a carga tivesse começado, por uma visão que tivera em sonho um de seus familiares: Antônio derrotou Cássio, embora alguns tenham escrito que ele não estivera presente ao combate, mas lá chegou depois da derrota, quando seus homens já perseguiam o inimigo. Cássio foi morto por sua grande instância e pedido, por um de seus servos, um fiel homem de nome Píndaro, ao qual ele tinha dado liberdade, e isto, porque ele não fora advertido em tempo, que Bruto tinha vencido, do seu lado. Poucos dias, combateram eles de novo, outra vez, e bruto foi, então, derrotado e ele mesmo ao depois, suicidou-se: Antônio teve a principal glória da vitória, considerando-se que então, mesmo César estava enfermo. Tendo encontrado o corpo de Bruto, disse-lhe algumas injúrias, reprovando-lhe a morte de seu irmão Caio que ele tinha feito morrer na Macedônia, como vingança pela cruel morte de Cícero: mas no entretanto ele disse que culpava mais a Hortênsio que não ele; e por isso fê-lo morrer sobre o túmulo de seu irmão: e ao contrário, lançou sua cota de armas sobre o corpo de Bruto; esta era muito rica; depois ele deu ordem a um de seus servos libertos, que cuidasse da sua sepultura; tendo ao depois sabido que o servo não fizera queimar a cota de armas juntamente com o corpo, porque valia muito dinheiro, e que ele tinha desviado muito da soma destinada aos funerais e à sepultura, mandou matá-lo.

XXVI. Viagem de Antônio à Grécia

XXVI. Depois disto César voltou a Roma e não se esperava que ele sobrevivesse muito tempo ainda, nem escapasse à enfermidade que o torturava. Antônio partiu para as províncias e regiões do Oriente para exigir e resgatar as importâncias devidas, passando primeiro pela Grécia, levando consigo um número enorme de soldados. Tinham prometido a cada soldado1546 cinco mil dracmas de prata, era portanto necessário impor pesados impostos e fazer contínuas e pesadas arrecadações. Não foi, porém, importuno, logo à sua chegada à Grécia, nem molesto aos seus habitantes, umas ao invés, divertia-se com prazer ouvindo as discussões dos sábios, os jogos, assistindo aos sacrifícios dos gregos, às suas cerimonias, fazendo justiça a todos com grande senso de equidade; gostava de se ouvir saudar e chamar de Filelen, isto é, amigo dos gregos, e mesmo dos atenienses, aos quais fez muitos benefícios. Os megarenses, à porfia, com os atenienses, cuidando apresentar-lhe também algo de belo, rogaram-no que viesse ver seu palácio, onde se reunia o senado e se realizava o conselho. Ele foi: depois de ter bem observado, perguntaram-lhe: "Senhor, que vos parece esta sala?" — "Ela parece-me, respondeu ele, pequena, e prestes a cair em ruínas". Depois mandou tomar medida do templo de Apoio Pítio, prometendo ao senado fazer terminá-lo.

XXVII. Insolência de seu proceder na Ásia

XXVII. Mas, depois de ter passado à Ásia, deixando a Lúcio Censorino como governador da Grécia e de ter experimentado um pouco as riquezas e as delícias do Oriente, vendo que reis e príncipes, senhores e nobres vinham esperá-lo à porta de seu aposento para fazer-lhe a corte, que as rainhas e princesas, à porfia, faziam-lhe belos e ricos presentes, prestando-lhe outrossim homenagem, cuidadosas em se enfeitar e fazendo tudo o que podiam para serem tidas como formosas e mais ainda conquistar as suas graças enquanto César, em Roma, esgotava-se de alma e corpo em guerras e sedições civis, ele estava em bonançosa paz e quase na ociosidade, não pôde então deixar de voltar ao antigo hábito de viver voluptuosamente: foi então que um certo Anaxanor, tocador de citara, Xoutos, tocador de flauta, Metrodoro, palhaço, uma chusma de músicos e mestres da volúpia da Ásia, que sobrepujavam em adulação e humorismo a todos os que ele tinha levado consigo da Itália, penetraram na sua corte e aí dominaram completamente e, então, nada mais pôde ir bem e satisfatoriamente. Pois todos se puseram a combater toda sorte de sem-vergonhice, quando viram que isso agradava e toda a Ásia era como a cidade de que fala Sófocles, numa de suas tragédias1547 :

plena de cânticos, perfumes, incensações, de choros também e de gemidos.

Na cidade de Éfeso as mulheres compareceram diante dele trajadas de sacerdotisas de Baco, os homens e as crianças, de faunos e de sátiros, e nada mais se via pela cidade senão heras e flechas enfeitadas de heras, saltérios, flautas e oboés. Em seus cânticos eles chamavam a Antônio de Baco, pai da alegria, doce e benigno; assim era ele para alguns, mas para a maior parte, era cruel e desumano; pois tirava os bens dos nobres e de homens de qualidade, para dá-los aos aduladores e aos velhacos, os quais lhe pediam muitas vezes as riquezas daqueles que ainda viviam, como se eles tivessem morrido e introduziam-se à força em suas residências: ele deu a casa de um ancião da Magnésia a um cozinheiro, porque segundo dizem lhe tinha preparado um ótimo jantar.

XXVIII. Considerações que lhe faz Hibreas sobre a imposição exorbitante que ele exigia da Ásia

XXVIII. Por fim, dobrou as contribuições, e impôs uma segunda taxa sobre a Ásia; então, Hibreas, o Orador, comissionado e enviado pelos estados para lhe ir dar informações sobre o país, teve a ousadia de lhe dizer: "Se queres ter o poder de nos impor duas contribuições, num mesmo ano, é preciso também que tenhas o poder de nos dar dois verões e dois outonos, duas ceifas e duas vindimas. Isto lhe foi dito com graça e delicadeza, e muito ao gosto do humor de Antônio, mas ele acrescentou pouco depois, que foi dito com muito atrevimento e mais vivamente endereçado ao fim para servir: "A Ásia pagou-te duzentos mil talentos1548, toda esta soma de dinheiro não chegou aos teus cofres, pede conta aos que ta tiraram; mas se a recebeste, e não tens mais nada, nós estamos destruídos e perdidos". Estas palavras de Hibreas cor moveram e alertaram bem a Antônio: ele não sabia de muita roubalheira que se fazia em seus negócios e nas finanças, sob sua autoridade, não tanto por seu descaso, como porque ele confiava demasiado e para tudo em seus auxiliares, com uma grande simplicidade; ele era grosseiro e pouco sutil, de natureza, e muito mais tarde percebia as faltas que se cometiam, mas também quando delas tinha ciência, muito se exasperava, e as confessava claramente àqueles, aos quais sob sua autoridade se tinha feito mal; tinha o coração grande, tanto para castigar os erros, como para recompensar os benefícios; mas, no entretanto, parece que ele se excedia mais na medida, dando excessivamente, do que castigando.

XXIX. Gosto de Antônio pela zombaria. A liberdade com que ele permite os gracejos contra ele mesmo, ajudava a ou ganha-lo

XXIX. Quanto àquele modo insolente de escarnecer, de que mui frequentemente usava zombando e caçoando dos outros, ele trazia consigo o seu remédio; pois era lícito de se lhe retribuir do mesmo modo, em troca, zombando também dele, e assim era fácil ser alvo de chacotas, como também chacotear aos outros: e era isto que tudo punha a perder, o mais das vezes. Pois julgando que aqueles que lhe diziam tão bem a verdade e lhe falavam com tanta franqueza, não o adulariam jamais, em se tratando de coisas de importância, e falando com sabedoria, ele se deixava facilmente enganar pelos louvores que lhe atribuíam, não percebendo que aqueles aduladores misturavam aquela maneira de falar francamente a ele, com suas bajulações, como o expediente para disfarçar e diferençar as iguarias com um molho picante, para evitar, por esta liberdade de gracejar e de divertir-se com ele francamente à mesa, que ele se aborrecesse com suas adulações ordinárias e contínuas, como acontece com as coisas de que a gente se serve frequentemente, e que eles empregavam sutilmente aí, quando em matéria de importância eles cederiam e satisfariam ao seu desejo, que não parecesse que eles o faziam para comprazê-lo, mas por não serem tão bem compreendidos, nem tão bem prevenidos como ele.

XXX. Manda ordem a Cleópatra de lhe vir prestar contas de seu procedimento

XXX. Sendo então Antônio de tal natureza, o último e o maior de todos os seus males, foi o amor de Cleópatra, o qual veio despertar e excitar vários vícios que ainda se encontravam ocultos nele, e até então não se haviam manifestado: e se algum vestígio de bem havia ficado e alguma esperança de renovação, ela o destruiu totalmente, e deturpou-o ainda mais do que antes. Isso passou-se assim: tendo partido para fazer a guerra aos partos, ele mandou intimar Cleópatra a comparecer em pessoa à sua presença, quando ele estivesse na Cilícia, para responder às acusações e imputações que se faziam contra ela, isto é, que ela tinha ajudado e animado a Cássio e Bruto na guerra que haviam travado contra ele. A ela foi mandado um certo Délio, para marcar-lhe esse encontro; este, depois de ter observado atentamente e considerado a sua beleza, a grande graça e a força atraente da sua linguagem, pensou incontinente, que Antônio evitaria fazer algum mal a essa dama, mas, ao contrário, ela em pouco tempo teria conseguido grande favor e prestígio perante ele: começou então a cercá-la de muita deferência, convidando-a a vir à Olícia, usando das melhores vestes e séquito que lhe fosse possível, e que não duvidasse de Antônio nem se amedrontasse por causa dele, que era o mais gentil e o mais humano dos homens, como ainda ela não tinha visto outro. Ela, por seu lado, acreditando no que Délio lhe dizia e conjeturando pelo prestígio e pelo fácil acesso de que gozara perante Júlio César e Cneu Pompeu, filho do grande Pompeu, somente por sua beleza, sentiu-se esperançosa, de que mais facilmente ainda poderia conquistar a Antônio, pois aqueles a haviam conhecido quando ela era ainda mocinha e não sabia o que era o mundo, mas agora ela ia ter com Antônio numa idade em que as mulheres estão no auge da beleza e no vigor de seu entendimento.

XXXI. Comitiva na qual Cleópatra chega a Antônio

XXXI. Muniu-se de muitos dons e presentes, de muito ouro e prata, de riquezas e belos ornamentos, como se poderia obter de tão grande personagem, de um palácio tão opulento e um reino tão rico como o do Egito. Não levou, porém, com ela, absolutamente nada, pois tinha toda a esperança e confiança em si mesma, nos seus encantos e na magia da sua beleza e de sua graça. Por isso, embora fosse intimada por várias cartas de Antônio e de seus amigos, ela pouco se incomodou e zombou ainda dele, pois apresentou-se navegando pelo rio Cidno em um barco, cuja popa era de ouro, as velas, de púrpura, os remos1549, de prata, sendo manejados ao som e à cadência de uma música de flautas1550, de oboés, de cítaras e violas e outros instrumentos que se tocavam com arte e maestria dentro dele. Ela, porém, estava deitada, sob uma tenda de tecido de ouro, vestida e adornada como se costuma representar Vênus, tendo aos lados umas crianças lindas, trajadas também como os pintores costumam representar os Amores, com leques nas mãos, que eles agitavam lentamente. Suas damas e companheiras, do mesmo modo, as mais belas, estavam vestidas como Ninfas Nereidas, que são as fadas das águas, e como as graças, umas apoiadas no leme, outras nas cordas e cabos da barca, da qual emanavam suaves e inebriantes ondas de perfume, que se difundiam pelas margens do rio, repletas de espectadores: uns acompanhavam a barca pela margem, outros acorriam da cidade para ver o que se passava, e reuniu-se assim uma grande multidão de povo, tão grande que finalmente Antônio estando na praça no seu trono imperial, a dar audiências, aí ficou sozinho, e corria a voz entre o povo que a deusa Vênus estava se aproximando1551 para ser hóspede do deus Baco, a fim de prodigalizar o bem universal de toda a Ásia.

XXXII. Entrevista de Antônio e Cleópatra

XXXII. Ela desceu em terra e Antônio convidou-a a cear em sua casa; ela, porém, mandou-lhe dizer que seria muito melhor se ele fosse à casa dela. Quis então mostrar-se deferente, à sua chegada, ele acedeu e foi; lá encontrou tal luxo e fausto que não é possível imaginar nem exprimir: entre outras coisas, porém, o que mais admiração lhe causou foi o número de lanternas e tochas suspensas no ar e alumiando todos os aposentos, tão engenhosamente dispostos e arrumados, uns redondos, outros quadrados, o que constituía uma das coisas mais belas e mais singulares para se ver, e que os olhos jamais poderiam ter escolhido como deleite, de que se faz menção nos livros. No dia seguinte, Antônio a homenageou por sua vez, procurando sobrepujar em magnificência e em fausto o seu festim; mas foi superado em ambos, de tal modo que ele por primeiro começou a se rir da grosseria e da imperfeição do serviço de sua casa. comparado com a suntuosidade, limpeza, asseio e elegância do de Cleópatra. Ela vendo que os gracejos e as conversas de Antônio eram muito grosseiros, e que estavam a ouvir seus soldados, de boca cheia, começou corajosamente a bocejar, e a censurá-lo sem nada temer; pois sua beleza unicamente, ao que se diz, era incomparável, de modo que não era mesmo possível que houvesse outras mais belas do que ela, porque conquistava imediatamente todos os que a contemplavam: mas sua conversação era tão amável, que era impossível não se ficar preso e com sua beleza, a graça insinuante, a doçura e gentileza do seu natural, que tudo encantava, tanto seus gestos como suas palavras, era um aguilhão que feria ao vivo; além disso sua voz era tão suave e maviosa que causava intenso prazer, suas palavras eram como um instrumento musical de vários sons e registros, que ela manejava com maestria, como lhe agradava, de modo que ela falava a poucas nações bárbaras, por meio de intérprete, mas dava ela mesma as respostas, pelo menos à maioria, como aos etíopes, árabes, trogloditas, hebreus, sírios, medas e partos e a muitos outros ainda, cuja língua aprendera quando muitos dos seus predecessores, reis do Egito, dificilmente tinham podido aprender somente o egípcio e alguns até esqueceram a da Macedônia.

XXXIII. Maneira de viver de Antônio e Cleópatra

XXXIII. E assim ela surpreendeu de tal modo a Antônio com o seu amor, que embora sua mulher Fúlvia estivesse em Roma, em guerra difícil contra César pelos seus mesmos interesses e o exército dos partas, do qual os lugar-tenentes do rei tinham dado o comando principal a Labieno, estivesse todo reunido na Mesopotâmia prestes a entrar na Síria, no entretanto como se tudo isso não lhe importasse absolutamente nada, ele se deixou levar por ela a Alexandria, onde perdeu, em brinquedo de criança, por assim dizer, e em passatempos inúteis, a coisa mais cara e mais preciosa que se poderia desperdiçar, como diz Antífon, isto é, o tempo. Organizaram entre eles um grupo a que chamaram de Animetobion, isto é, a vida não igual, que outros não saberiam imitar, festejando-se uns aos outros, por vez, gastando nisso uma importância que excedia a todos os limites e a todas as medidas da razão. A este propósito ouvi meu avô Lamprino narrar há muito tempo, que Filotas, médico, natural da cidade de Anfissa, contara-lhe, que naquele tempo ele estava em Alexandria, estudando medicina, e que um dos chefes de cozinha de Antônio, que ele conhecia, levou-o um dia, a título de curiosidade, para mostrar-lhe as grandes aparelhagens e a suntuosidade de uma só ceia. Quando ele entrou na cozinha, viu uma quantidade enorme e variadíssima de carnes e iguarias, e dentre outras coisas, oito javalis, inteiros, que estavam sendo assados, o que muito o pasmou, dizendo que devia haver um grande número de convivas, àquela ceia. O cozinheiro se pôs a rir, e respondeu-lhe que não havia muita gente, mas unicamente umas doze pessoas: mas era preciso que tudo o que era posto sobre a mesa fosse preparado e servido na hora, e que não serviria mais se passasse do momento; e Antônio poderia talvez querer cear àquela hora, ou um pouco mais tarde, ou possivelmente adiaria ainda a hora da ceia, por ter bebido à tardinha ou por estar ainda ocupado nalguma longa entrevista: e por esse motivo, preparava-se não somente uma ceia, um jantar, mas vários, pois não se poderia adivinhar a hora em que ele viria à mesa.

XXXIV Presentes magníficos feitos pelo filho de Antônio ao médico Pilotai

XXXIV. Filotas narrava isto a meu avô e dizia ainda mais: que algum tempo depois, ele esteve a serviço do filho mais velho de Antônio, o qual ele tivera de Fúlvia, e que comia à sua mesa com outros familiares todas as vezes que não o fazia com seu pai: um dia viera também um médico, que fazia maravilhas em citar e em arguir, tanto que quebrava a cabeça a todos que estavam à mesa; para fechar-lhe a boca, Filotas dirigiu-lhe este argumento sofistico: é bom dar-se de beber água fria a um doente, que tem febre de alguma maneira: ora, todo aquele que tem febre, a tem de alguma maneira: segue-se então que é bom dar água fria a todo doente que tem febre. O médico ficou mudo e tão admirado, que não soube o que dizer. Por isso o jovem se pôs a rir, e ficou tão satisfeito que lhe disse: Filotas, eu te dou tudo aquilo! E mostrou-lhe um armário cheio de grandes vasos de ouro e de prata. Filotas agradeceu-lhe e disse-lhe que se sentia muito comovido por tanta liberalidade: mas jamais pensara que ele tinha a licença de poder dar tantas coisas e de tão grande valor: todavia, ficou ainda mais admirado, quando pouco depois um dos servos da casa trouxe-lhe dentro de uma corbelha todos os vasos mencionados, dizendo-lhe que o fizera marcar com o seu sinal e os entregava. Filotas fez o portador voltar, temendo ser censurado se os aceitasse: então o jovem lhe disse: "Como, pobre como és, por que fazes dificuldade em aceitá-los? Não sabes que é o filho de Antônio quem tos dá e que ele tem o poder de fazê-lo? Todavia acredita em mim, e se preferes, recebe de minha parte o dinheiro que eles podem valer, pois meu pai poderia pedilos, pois são antigos e muito apreciados pela excelência do trabalho". Eu ouvi meu avô contar estes fatos muitas vezes.

XXXV. Habilidade de Cleopatra para cativar Antônio

XXXV. Mas, voltando a Cleópatra, Platão escreve que a arte e a ciência de adular é tratada de quatro modos; todavia ela inventou muitas* outras maneiras para isso: pois, quer por divertimento, quer em assunto de relevo, ela achava sempre alguma nova modalidade de prazer, pela qual conservava Antônio em seu poder e o dominava, não o abandonando absolutamente, nunca perdendo-o de vista, nem de dia, nem de noite: às vezes divertia-se jogando dados com ele ou bebiam juntos, ou caçavam: ela estava sempre presente quando ele se dava a exercícios físicos: quando ele então se disfarçava em servo, para, durante a noite, andar pela cidade e divertir-se pelas portas das tavernas e nas vizinhanças das mesmas com homens do povo, discutindo e gracejando com os que lá estavam, ela disfarçava-se também em camareira ou mulher do povo e ia em seu seguimento pelas ruas; de onde ele voltava sempre com algum escárnio e, bem frequentemente, com pancadas, que lhe davam; e embora isso desagradasse à maior parte, todavia comumente os de Alexandria apreciavam muito essa jovialidade, e a- tomavam em bom sentido, dizendo elegante e engenhosamente que Antônio lhes apresentava um rosto cômico, isto é, jovial, e, para os romanos, trágico, isto é, austero. Seria muito grande simplicidade querer reunir e narrar todos os passatempos a que eles se entregaram, divertindo-se: contarei, porém, apenas um, dentre tantos.

XXXVI. Gracejo que ela lhe faz em uma pescaria

XXXVI. Certa vez ele se pôs a pescar com o anzol e vendo que nada podia apanhar, ficou muito aborrecido porque Cleópatra estava presente. Ordenou então ocultamente a um dos pescadores, que quando ele lançasse a linha, ele se atirasse imediatamente à água e prendesse no seu anzol algum peixe que já havia sido pescado antes e assim pôde apanhar uns dois ou três. Cleópatra percebeu-o incontinente; todavia, fingiu nada ter notado, e mostrou-se admirada de como ele pescava tão bem: mas depois, à parte, contou o fato aos seus íntimos, e disse-lhes que no dia seguinte eles se encontrassem também à margem do rio, para o espetáculo. Lá foram eles todos, em grande número, e se puseram nas barcas, como os pescadores; Antônio também lançou a linha e então Cleópatra mandou a um dos seus servos que mergulhasse logo, antes do pescador contratado por Antônio, e que atasse ao anzol um peixe velho, já salgado, como os que se trazem do Ponto: feito isto, Antônio pensando ter apanhado um peixe, puxou logo o anzol: e então, como bem se pode imaginar, os presentes desataram numa estrondosa gargalhada e Cleópatra, rindo-se com eles, disse: "Deixe, senhor, deixe para nós, egípcios, habitantes de Faro e de Canobo, a linha e o anzol, não é o seu ofício: sua pescaria é tomar e conquistar cidades e reinos, países e nações".

XXXVII. Antônio parte para a Itália

XXXVII. Enquanto Antônio assim se divertia tão louca e insensatamente, chegaram-lhe más notícias de ambas as partes: de Roma, diziam que Lúcio, seu irmão, e Fúlvia, sua mulher, haviam se desavindo entre si, primeiramente, e depois tinham-se declarado em guerra aberta contra César, e tinham posto tudo a perder, tanto que haviam sido obrigados a fugir da Itália: a outra, que não era melhor do que esta, era que Labieno, com o exército dos partos, submetia e conquistava toda a Ásia, desde o rio Eufrates e desde a Síria até a Líbia e Jônia. Começou então ele a despertar um pouco, como quem esteve adormecido, por assim dizer, a restabelecer-se de uma grande embriaguez. Quis partir antes contra os partos, e chegou até a Fenícia, mas lá recebeu cartas de Fúlvia cheias de lamurias e de queixas; daí voltou-se então para a Itália, com duzentos navios e pelo caminho recolheu todos os seus amigos, que da Itália fugiam para ele, os quais o informaram de que unicamente Fúlvia era a causa dessa guerra, a qual, sendo de uma natureza importuna, perversa e temerária, tinha provocado todo esse tumulto na Itália, com a esperança de afastá-lo assim de Cleópatra.

XXXVIII. Sua reconciliação com Otávio

XXXVIII. Aconteceu, felizmente, que Fúlvia indo ter com Antônio, morreu de doença na cidade de Sicíone, e por isso foi mais fácil o entendimento entre ele e César, pois quando chegou à Itália e viu que César nada lhe perguntava, com relação a ele mesmo, e que Antônio, por seu lado, negava tudo o que se lhe imputava a respeito de sua mulher Fúlvia, os amigos de um e de outro não quiseram que eles continuassem em altercação, nem em indagação, para se averiguar quem tinha ou não razão e quem era causador de todo aquele movimento, de medo de que as coisas piorassem, mas os puseram de acordo e dividiram entre si o império de Roma, marcando o mar Jônico como limite da divisão: todas as províncias do Levante tocaram a Antônio, e as do Ocidente, a César, deixando a Lépido a África e determinaram que um depois do outro fariam cônsules aos próprios amigos, quando não quisessem sê-lo, eles mesmos. Isso parecia ser muito sensato, porquanto então era maior a necessidade de um liame mais estreito e de maior segurança e do qual a fortuna apresentou o meio. Ainda vivia Otávia, irmã mais velha de César, não, porém, da mesma mãe, pois nascera de Ancária e ele de Áctia. Ele amava muito esta irmã e na verdade ela era muito digna; ficara viúva de seu primeiro marido, Caio Marcelo, que havia morrido há pouco; Antônio também estava viúvo, depois da morte de Fúlvia: ele não negava que tinha Cleópatra, mas também não confessava que a tinha por mulher; ao contrário, debatia-se ainda sua razão contra o amor da egípcia. Todos queriam este casamento, esperando que Otávia, que tinha a graça, a honestidade e a prudência unidas a uma rara beleza, depois de se ter unido a Antônio, sendo amada e estimada, como a razão queria que o fosse uma tal senhora a qual certamente seria causa de paz e amizade entre eles. Puseram-se então ambos de acordo e foram depois a Roma, para o casamento, embora a lei proibisse que uma viúva se tornasse a casar antes de dez meses da morte do primeiro mando; mas o senado dispensou-a disso e assim realizou-se o casamento.

XXXIX. Congraçamento de Otávio e Antônio com Sexto Pompeu

XXXIX. Sexto Pompeu, então, ocupava a Sicília e de lá coma toda a Itália saqueando-a, com um grande número de barcos e navios corsários, que conduziam Menas e Menecrates, dois piratas que assolavam todo o mar, de tal modo que ninguém mais ousava na vegar; e ainda mais, Sexto Pompeu tinha procedido honestamente para com Antônio, pois recebera caridosamente sua mãe, que fugira da Itália com Fúlvia; por isso todos pensaram que era necessário entrevistar-se com ele. Encontraram-se perto do monte Misene, sobre uma elevação que se lança para dentro do mar, tendo Pompeu a frota de suas embarcações ancoradas perto, e Antônio e César seus exércitos à beira do mar nas proximidades: depois de terem determinado que Pompeu teria a Sicília e a Sardenha, com a condição de que ele limpasse o mar de todos os salteadores e piratas, corsários e ladrões, e o tornasse seguro e navegável, mandaria ainda certa quantidade de trigo a Roma, combinaram tomar juntos a refeição e tiraram a sorte para ver quem por primeiro ofereceria o festim. A sorte caiu primeiro sobre Pompeu: por isso Antônio perguntou-lhe: "E onde cearemos nós?" — Lá! respondeu ele, mostrando a sua galera capitania, que tinha seis ordens de remos: pois foi a única casa paterna que me deixaram". Isso ele dizia para provocar a Antônio, porque ele possuía a casa de Pompeu, o Grande, seu pai: lançaram ao mar outras muitas âncoras para firmar bem a galera e construíram uma ponte de madeira, para se passar desde Misene até o navio, onde ele os recebeu e homenageou cordialmente: mas no meio do festim, quando começavam a se esquentar e a se divertir com o amor de Antônio por Cleópatra, Menas, o Corsário, aproximou-se de Pompeu e lhe disse baixinho ao ouvido: "Queres que eu corte as cordas das âncoras e que eu te faça senhor, não somente da Sicília e da Sardenha, mas também de todo o império de Roma?" Pompeu depois de ter pensado um pouco respondeu: "Tu o deverias ter feito sem me avisar, por agora contentemo-nos com o que já temos; quanto a mim, não aprendi a faltar à minha palavra e aos meus compromissos, nem a cometer uma traição". Os outros dois também depois, o homenagearam cada qual em seu campo. Mais tarde ele regressou à Sicília.

XL. Antônio parte para a Grécia

XL. Antônio, depois que tudo assim ficou resolvido, mandou antes, à Ásia, um certo Ventídio para deter os partos e impedir que avançassem mais: ele, entretanto, para agradecer a César consentiu em ser eleito sacerdote e sacrificador de Júlio César e trataram assim amigavelmente de várias coisas importantes concernentes ao governo do império; mas em todos os divertimentos em que às vezes ambos se entretinham, Antônio perdia sempre e levava a pior, e com isso muito se aborrecia; ele tinha consigo um adivinho do Egito, daqueles que se dedicam a adivinhar e a julgar o nascimento e a predizer os acontecimentos dos homens, considerando a hora do nascimento, o qual, quer para agradar a Cleópatra, quer porque exercitava assim a sua arte, dizia francamente a Antônio, "que sua fortuna, que era por si muito ilustre e muito grande desaparecia e se apagava diante da de César", e por isso aconselhava-o a se afastar o mais possível desse senhor: "Pois teu demônio, dizia ele, isto é, o bom anjo e o espírito que te guarda, teme e receia o dele, e sendo corajoso e altivo, quando está sozinho, longe dele, torna-se temeroso e medroso quando se aproxima do outro". Como quer que fosse, os acontecimentos provaram o que o egípcio afirmava. Diz-se que todas as vezes que eles tiravam a sorte por brincadeira, para ver quem teria alguma coisa, ou quando jogavam dados, Antônio perdia sempre. Quando às Vezes por passatempo organizavam brigas de galo ou de codornizes, que lutavam também, as de César venciam sempre. Tudo isso aborrecia muito a Antônio e o deixava impressionado embora exteriormente ele não o demonstrasse e por isso cada vez mais acreditava no egípcio, tanto que por fim entregou os negócios de sua casa a César e partiu da Itália, com Otávia, sua mulher, que levou à Grécia; dela, tinha já uma filha.

XLI. Antônio volta a Atenas

XLI. Passando o inverno em Atenas, chegaram-lhe notícias das vitórias de Ventídio, que derrotara os partos em grandes batalhas, nas quais haviam morrido Labieno e Farnabates, o melhor general que teve o rei Orodes. Por causa destas boas notícias, ele deu uma festa pública, reuniu uma assembleia geral de todos os gregos, houve jogos e exibição de lutas em Atenas, nas quais ele mesmo quis ser o juiz. Deixando então seus aposentos, sua guarda, suas machadinhas e as insígnias do seu império, ele veio ao lugar onde se realizavam os mesmos jogos e os espetáculos, com uma longa veste, calçando chinelas à maneira dos gregos; levavase diante dele o bastão que se costuma levar diante dos juízes; ele mesmo separava os lutadores, retirando-os, pelo pescoço, quando já tinham lutado suficientemente.

XLII. Vitória de Ventídio, lugar-tenente de Antônio, contra os partos

XLII. Depois, quando deliberou partir, para então iniciar a guerra, tomou uma coroa da oliveira santa e levou consigo um vaso cheio de água da fonte de Clepsidra, porque um oráculo assim lhe havia ordenado que fizesse. No entretanto Ventídio numa batalha travada na região de Cirrestica venceu outra vez a Pácoro, filho do rei dos partos, que então, novamente para ali tinha vindo com um grande exército para invadir e ocupar a Síria, em cuja refrega morreram muitíssimos partos, dentre outros o mesmo Pácoro. Este feito de armas, glorioso por todos os motivos, deu aos romanos plena e inteira satisfação pela vergonha e pelas perdas recebidas à morte de Marco Crasso; fez os partos retirarem-se, conservando-se dentro dos limites da Mesopotâmia e da Média, depois de terem sido derrotados por três vezes em duras batalhas: Ventídio, porém, não teve coragem de persegui-los além, porque temia ser vítima da inveja de Antônio e cair-lhe na antipatia; levou então seu exército contra os que se haviam rebelado e os reconquistou, cercando a Antíoco, rei da Comagena, o qual oferecia mil talentos1552 para que lhe perdoassem a rebelião, e prometia de ora em diante cumprir as determinações de Antônio:1152B Ventídio ordenou-lhe que enviasse sua proposta a Antônio, que agora avançara para a vizinhança e não permitiria que Ventídio fizesse as pazes com Antíoco. Ele insistiu que pelo menos essa façanha deveria ter seu próprio nome, e que nem todos os sucessos deveriam ser devidos a Ventídio. Mas o cerco foi prolongado, e os sitiados, por não ter esperança de chegar a um acordo, partiram para uma defesa vigorosa. Antônio, portanto, nada pôde realizar e, sentindo-se envergonhado e arrependido, ficou feliz em fazer as pazes com Antíoco por seu pagamento de trezentos talentos. Depois de resolver alguns assuntos triviais na Síria, ele voltou a Atenas e mandou Ventídio para casa, com grandes honras, para desfrutar de seu triunfo.

Ventídio é o único homem até o momento que já celebrou um triunfo sobre os partas. Ele era um homem de origem humilde, mas sua amizade com Antônio rendeu frutos para ele nas oportunidades de realizar grandes feitos. Destas oportunidades, ele fez o melhor uso, e assim confirmou o que geralmente se dizia de Antônio e César, a saber, que eles eram mais bem-sucedidos em campanhas conduzidas por outros do que por eles próprios. Já que Sossius, o general de Antônio, efetuou muito na Síria, e Canidius, que foi deixado por Antônio na Armênia, conquistou aquele povo, assim como os reis dos ibéricos e albaneses, e avançou até o Cáucaso. Conseqüentemente, o nome e a fama do poder de Antônio se tornaram grandes entre os bárbaros.

XLIII. Antônio desavém-se com Otávio. Otávia os faz reconciliarem-se

XLIII. Mas o próprio Antônio, mais uma vez irritado com César por certas calúnias, partiu com trezentos navios para a Itália; e quando o povo de Brundísio não quis receber seu armamento, ele marchou até Tarento. Aqui ele enviou Octavia, que havia navegado com ele da Grécia, a seu próprio pedido, para seu irmão. Ela estava grávida e já dera duas filhas a Antônio. Otávia encontrou César no caminho e, depois de conquistar seus amigos Agripa e Mecenas, instou-o com muitas orações e muitas súplicas a não permitir que ela, depois de ser muito feliz, se tornasse uma mulher miserável. Por enquanto, disse ela, os olhos de todos os homens eram atraídos para ela como a esposa de um imperador e irmã de outro: "Ora, se (o que não queira Deus) se tomar o pior conselho e se desencadear a guerra, vós dois não sabeis e é incerto, ao qual os deuses farão vencedor ou vencido: quanto a mim, porém, de qualquer lado surja a vitória, minha condição será sempre infeliz". Estas palavras de Otávia comoveram o coração de César, tanto que ele se dirigiu pacificamente a Tarento; foi um espetáculo agradável assaz aos olhos dos que o presenciaram, isto é, ver um grande exército acampado em terra, sem se mover, e inúmeros navios flutuando no porto, em paz e segurança: e além disso a cordialidade dos amigos que se abraçavam reciprocamente. Antônio por primeiro homenageou a César, por amor à sua irmã: depois eles combinaram que César daria a Antônio duas legiões para que ele combatesse os partos e Antônio deu a César cem galeras armadas de esporões de cobre na proa. Mas além disso, Otávia obteve de seu marido, para seu irmão, vinte bergantins e de seu irmão para seu marido, mil soldados a mais.

XLIV. Antônio prende-se novamente nas cadeias de Cleopatra

XLIV. Depois que se separaram, César partiu imediatamente para fazer guerra a Sexto Pompeu, e conquistar a Sicília; Antônio deixou com ele sua esposa Otávia e seus filhos, dela, bem como os de Fúlvia, e partiu para a Ásia: o grave e pestífero mal, que era o amor de Cleópatra, o qual por tanto tempo estivera adormecido e parecia mesmo ter-se de todo dissipado e dado lugar a melhores e mais bondosos sentimentos, começou a despertar e novamente a retomar a sua força, à medida que Antônio se aproximava da Síria: e por fim, esse cavalo da alma, tão difícil de ser domado, como diz Platão, isto é, a concupiscência desenfreada, ergueu-se violentamente e desbaratou todos os pensamentos honestos e salutares; ele mandou Fontéio Capito para ir buscar Cleópatra e traze-la à Síria, à qual, pela sua vinda, ele fez não poucas concessões, muito além do que estava em seu poder, acrescentando-lhe províncias da Fenícia, da baixa Síria, a ilha de Chipre, uma grande parte da Cilícia, e a região da Judéia, que tem o verdadeiro bálsamo, a parte da Arábia onde residem os nabateanos, que se estende para o Oceano. Estas doações muito desagradaram aos romanos.

E embora ele desse facilmente senhorias e reinos de grandes e poderosas nações a alguns homens particulares, e tirasse a outros reis de sucessão verdadeira, os seus, como a Antígono1553, rei dos judeus, que mandou decapitar publicamente, embora jamais um rei tivesse sido punido dessa maneira, nada, porém, ofendia e desgostava os corações dos homens como as honras exageradas que ele prestava a Cleópatra: a raiva e as murmurações contra ele aumentaram ainda mais, quando deu os nomes de Alexandre e Cleópatra a dois filhos gêmeos que teve da mesma Cleópatra, apelidando a um de Sol e à outra de Lua. Ele, porém, sabia disfarçar e encobrir com palavras bonitas os atos vergonhosos e reprováveis que praticava, dizendo que a grandeza do império romano e a sua magnificência se manifestavam, não pelo que os romanos conquistavam, mas pelo que eles doavam, e que a nobreza se dilatava e se multiplicava entre os homens, pela posteridade dos reis, quando eles deixavam sua semente em vários lugares, e que, por esse meio, seu primeiro antepassado e tronco de sua raça tinha sido oriundo de Hércules, o qual não tinha posto a esperança da continuação de sua linhagem e de sua posteridade no ventre de nenhuma mulher, temendo as leis de Sólon, ou tendo em consideração as determinações que os homens fizeram com relação à procriação dos filhos, mas tinha querido dar à natureza e estabelecer os fundamentos de várias raças nobres e famílias, em diversos lugares.

XLV. Empreende a guerra contra Fraortes, rei dos partos

XLV. Depois que Fraortes1554 matou seu pai Orodes e ocupou o reino, vários gentis-homens dos partos deixaram-no e fugiram, entre os quais estava Moneses, homem nobre e de grande autoridade que recorreu a Antônio; este recebeu-o e comparou sua fortuna à de Temístocles e sua opulência e magnificência à dos reis da Pérsia; pois ele lhe dera três cidades1555 Ladissa, Aretusa e Hierápolis, que ao depois se chamou Bambicé: mas o rei dos partos, pouco tempo depois, mandou chamá-lo, sob sua palavra de honra, e Antônio sentiu-se satisfeito de lhe dar permissão para voltar, esperando assim apanhar Fraortes desprevenido: mandou dizer-lhe que seriam bons amigos, e haveria paz entre eles, se ele lhe quisesse restituir os estandartes e as insígnias dos romanos, que os partos haviam conquistado na batalha, em que Marco Crasso tinha sido morto e também os homens que ainda estavam prisioneiros depois daquela derrota. Mandou nesse ínterim Cleópatra ao Egito e tomou o caminho da Arábia e da Armênia, onde passou em revista todo seu exército, reunido juntamente com os dos reis seus confederados, que tinham vindo por sua ordem ajudá-lo em grande número; o principal destes era Artabàso, rei da Armênia, que lhe fornecera seis mil cavaleiros e sete mil infantes, e ainda havia dos romanos, seiscentos mil homens de infantaria e cavalaria, espanhóis e gauleses, que eram contados como romanos, até mais ou menos dez mil e de outras nações, trinta mil homens, inclusive soldados de infantaria, ligeiramente armados.

XLVI. Imprudente precipitação de Antônio

XLVI. Tão grande potência e aparato de guerra, que espantou os mesmos indianos os quais habitam além da região bactriana e que fez tremer toda a Ásia, se lhe tornou completamente inútil e de nada lhe serviu, por causa do amor de Cleópatra, pois o desejo que ele tinha de passar o inverno com ela, fê-lo começar a guerra antes da estação, fora do tempo e precipitar todas as coisas, apressadamente, porque ele estava com sua mente perturbada e de tal modo encantado com o veneno do amor, que não pensava em outra coisa senão nela, e de como poderia logo voltar, mais do que de como poderia vencer seus inimigos: era-lhe pois necessário primeiramente acampar na Armênia para descansar e retemperar suas tropas, que estavam fatigadas pela longa caminhada de mais de quinhentas léguas1556 e depois, no começo da nova estação, invadiria a Média, antes que os partos se tivessem retirado de suas casas e de suas fortalezas: ele não teve paciência de esperar o tempo, mas levou-as incontinente para a província de Atropatena, deixando a Armênia à esquerda, e devastou toda a planície da região. Além disso, pela grande pressa que ele tinha deixou atrás suas máquinas de guerra, as quais eram transportadas em 300 carros, entre as quais havia um carneiro de oitenta pés de comprimento, de que ele tinha muitíssima necessidade, e que não podia em tempo suficiente substituir, se porventura viesse a perdê-lo, porque aquelas altas províncias da Ásia não têm árvores tão altas, tão longas, nem tão fortes e direitas, para com elas se fazerem tais máquinas de guerra: e no entretanto as deixou atrás como um empecilho, para levar a efeito o que havia empreendido, reservando apenas alguns homens para guardá-las e confiando o encargo disso a um certo Taciano; depois foi sitiar Fraata, a cidade principal e a maior, do rei da Média, na qual estavam sua mulher e seus filhos.

XLVII. Seu lugar-tenente Taciano é cortado em pedaços com dez mil homens

XLVII. Viu logo, pela necessidade, a grande falta que elas lhe faziam e o erro cometido, deixando atrás as máquinas de artilharia1557 : como não tinha com que abrir brechas para que seus homens pudessem combater corpo-a-corpo contra os que defendiam a muralha, ele fez levantar uma montanha de terra bem junto dos muros da cidade, pela qual subiam pouco a pouco, com grande dificuldade e trabalho. No entretanto o rei Fraortes veio-lhe ao encontro com grande poder e tendo ainda sabido que Antônio havia deixado no caminho suas máquinas de guerra, enviou contra ele um número muito grande de soldados de cavalaria, que envolveram Taciano com todos os seus carros, mataram-no e ainda uns dez mil homens que estavam com ele. Feito isso, os bárbaros tomaram as máquinas e as queimaram, fazendo ainda muitos prisioneiros, entre os quais estava o rei Polemon. Esta infelicidade, como bem se pode crer, convulsionou grandemente todo o exército de Antônio, por terem sofrido tão grande perda logo no começo da empresa, contra sua esperança, de tal modo que Artabaso, rei dos armênios, perdendo a confiança nos romanos, retirou-se com seus homens, embora tivesse sido ele o principal incentivador desta guerra.

XLVIII. Inútil vitória de Antônio sobre os partos

XLVIII. Por outro lado, os partos aproximaram-se corajosamente do campo de Antônio, que estava no cerco1558, diante da sua cidade real e fizeram-lhe ferozes e ultrajosas ameaças. Temendo, porém, que, se ele se movesse sem nada fazer, seus homens com isso viessem a perder o ânimo, e se intimidassem cada vez mais, ele tomou dez legiões com três coortes pretorianas, que são as companhias de apoio, ordenadas para guarda do comandante, e toda a sua cavalaria e os levou para saquear, esperando, por esse meio, poder atrair facilmente os partos a um combate aberto; mas, quando havia já marchado e se afastado, mais ou menos um dia do seu campo, ele viu os partos que se espalhavam em redor dele, para atacá-lo e dar-lhe combate, quando ele pensasse em se pôr a caminho: por isso ele então fez expor o sinal da batalha e mandou então recolher as tendas e retirar as bagagens, como se não quisesse combater, mas apenas retirar seus homens: depois foi passar diante do exército dos bárbaros, que estava disposto em forma de lua crescente e encarregou à cavalaria, que o mais depressa possível, quando lhes parecesse que as legiões estavam bastante próximas do inimigo, para poder atacar por primeiro, que corressem a toda brida, e iniciassem o ataque. Os partos, então, preparados para a batalha, contemplavam os romanos, a passar; pareciam-lhes soldados armados, ao vê-los desfilar com tanta ordem, que não seria possível melhor; em marcha, eles viam suas fileiras igualmente bem distantes umas das outras, com muita ordem, agitando seus dardos sem nada dizer: mas quando começou a soar o alarme, os cavaleiros voltaram-se imediatamente, com grandes gritos correram em círculo contra os partos, que os esperaram e detiveram, no princípio, pois eles estavam bastante perto, mais ou menos um tiro de arco; mas quando os legionários vieram reunir-se a eles, e se aproximaram com grandes gritos, brandindo suas armas, os cavalos dos partos de tal modo se assustaram e eles também, que se puseram a fugir antes de se iniciar o combate corpo-a-corpo. Antônio então continuou a persegui-los, com grande esperança de ter ganho com esta vitória toda, ou pelo menos, metade desta guerra: mas, depois que os soldados de infantaria tinham caminhado bem três1559 léguas grandes, e a cavalaria três vezes isso, eles constataram que em tudo e por tudo não tinham aprisionado senão trinta homens e mais ou menos uns oitenta mortos; isso os levou a grande desânimo e desespero, quando se puseram a considerar que, tendo obtido a vitória haviam matado um número pequeno de seus inimigos e, ao invés, tendo sido vencidos, haviam perdido tantos soldados, como acontecera quando na derrota todos os seus carros haviam sido tomados e destruídos.

XLIX. Levanta-se o cerco de Fraortes

XLIX. No dia seguinte reuniram suas bagagens e se dispuseram a voltar ao campo; de regresso encontraram os partos, primeiro, em número reduzido, depois, continuando a caminhar, encontraram ainda mais outros, e por fim, quando todos estavam reunidos, vieram eles dizer-lhes palavras ofensivas, e provocá-los de todos os modos, e tão dispostos, como se não tivessem sido dispersados, de tal modo que, com grande dificuldade puderam os romanos chegar, com segurança, até seu próprio campo. Por outro lado, os medas, que estavam sitiados em sua capital, fizeram uma arremetida contra os que ocupavam a elevação que se havia colocado contra a muralha da cidade e os obrigaram a abandonar o posto, levados pelo medo; Antônio, com isso ficou tão enfurecido que usou da antiga punição militar que se chamava dizimação: dividiu-os em grupos de dez e fez matar um, dos dez, sobre o qual caía a sorte e aos outros dava pão de cevada em vez de trigo para comer.

L. Estratagema de Fraortes para surpreender Antônio, inspirando-lhe confiança

L. E assim esta guerra era vergonhosa para ambas as partes, e a expectativa do fim, mais espantosa ainda, porque Antônio por seu lado outra coisa não podia esperar senão a fome; porque não podia mais ir saquear nem mandar procurar víveres, sem que se ferissem ou morressem muitos dos homens: e por outro lado, Fraortes bem sabia que nada havia que os partos não fizessem, menos conservar-se no campo e ficar fora de abrigo, durante o inverno, e por isso, ele temia que se os romanos se obstinassem em conservar o cerco, e persistissem em continuar a lhes fazer guerra, durante todo o inverno, seus homens o abandonassem, pois que a estação começava a passar e o ar a engrossar e esfriar depois do equinócio do outono; por isso então usou ele deste estratagema: mandou que os mais conhecidos e os mais nobres dentre os partos, todas as vezes que encontrassem os romanos fora de seu campo, quando saíam para algum saque, para dar de beber aos cavalos ou para obter provisão, que não lhes fizessem algum mal, mas que os deixassem tomar e levar o que quisessem louvando ainda a sua virtude e sua coragem, como a de homens muito valentes, e dissessem que seu rei tinha por eles grande estima e admiração e não sem motivo. Depois destas primeiras aproximações, eles começaram pouco a pouco a se chegar e a parlamentar com eles a cavalo, censurando acremente a teimosia de Antônio, que não dava a Fraortes, o qual nada mais desejava senão poupar e salvar tantos jovens valorosos e nobres, o meio de fazer uma paz honrosa, mas teimava loucamente em esperar dois dos maiores inimigos, os mais temíveis que podia haver, isto é, o inverno e a fome, dos quais seria bem difícil que ele se pudesse salvar, ainda que os partos se dispusessem a acompanhá-los e a ajudá-los.

LI. Antônio prepara-se para voltar pelo caminho pelo qual tinha vindo

LI. Estas palavras foram referidas a Antônio várias vezes, e despertaram-lhe um pouco a esperança de sua volta; todavia não quis mandar embaixada alguma ao rei dos partos, sem primeiramente mandar investigar sobre aqueles bárbaros que falavam com tanta gentileza aos seus homens, se o que eles diziam partia do seu senhor; e como asseveravam que sim, e o advertiam que não duvidasse deles nem suspeitasse, Antônio enviou alguns de seus amigos ao rei, para lhe pedir as insígnias e os prisioneiros dos romanos, que ele ainda tinha em seu poder, depois da derrota de Crasso, a fim de que não parecesse que, se ele nada pedisse, que estava resignado a se retirar facilmente para se salvar, e escapar do perigo em que se encontrava. O rei dos partos respondeu-lhe que, quanto às insígnias e aos prisioneiros, ele não se daria a trabalho algum, mas que se ele se quisesse retirar incontinente e sem delongas, poderia fazê-lo em harmonia e sem perigo. Por isso Antônio preparou em poucos dias a sua bagagem e levantou acampamento pondo-se em retirada: embora ele tivesse o comando das tropas e sempre houvesse usado de sua autoridade em todos os movimentos, todavia, de vergonha e confusão, não quis dar a ordem de movimento; confiou a retirada a Domício Enobarbo, por não querer falar com os soldados: alguns tomaram este seu proceder como despeito ou desprezo para com eles, mas a maior parte compreendeu muito bem a verdadeira causa e também sentiu-se envergonhada: e por isso pensaram que deviam continuar a dedicar-lhe todo o respeito como seu comandante, como ele também os respeitava e continuaram também a obedecer-lhe. Antônio tinha deliberado voltar pelo mesmo caminho pelo qual viera, isto é, pelas planícies rasas, sem bosques nem moitas.

LII. Um mareio vem avisá-lo das emboscadas que os partos lhe preparavam

LII. Veio então ter com ele um soldado, natural da região dos márcios, o qual, pelo longo contacto que tivera com os partos, conhecia muito bem sua maneira de agir, e já tivera provas da sua lealdade para com os romanos, na jornada em que os carros e a artilharia tinham sido aniquilados. Ele veio adverti-lo, de que cuidasse bem em não seguir aquele caminho e não expor o seu exército pesado e carregado de armaduras, a um número tão grande de cavaleiros e arqueiros em pleno campo, onde nada haveria que lhes impedisse de poder correr e dar voltas em redor dele e que era a causa pela qual Fraortes lhe havia dado ocasião de se retirar, depois de palavras tão amáveis e tranquilizadoras, para fazê-lo levantar acampamento e atacá-lo em campo raso; mas que, se ele quisesse, poderia guiá-lo por um outro caminho, à direita, através de uma região montanhosa e coberta de moitas, mais curto ainda, e por onde ele encontraria grande quantidade de tudo o que ele necessitaria para seus homens. Ouvindo isto Antônio reuniu seu conselho; ele não queria, depois de ter tratado com os partos, dar-lhes a entender que desconfiava deles, e passar por lugares bem habitados, onde poderia obter todas as coisas necessárias: por isso perguntou que garantias lhe poderia dar esse mardiano de tudo o que lhe prometia. O homem ofereceu-se para ser amarrado fortemente até que o exército estivesse acampado na Armênia.

LIII. Aparecem os partos. Escaramuças de parte a parte

LIII. Assim atado, guiou e dirigiu o exército dois dias sem algum embaraço nem impedimento. No terceiro dia, pensando Antônio que os partos já não os seguiam, deixou que seus homens marchassem em desordem, à vontade; o mardiano, vendo que tinham tranquilamente passado o curso de um rio, que lhes era necessário atravessar, e que as águas estavam fora do leito, inundando todo o caminho, por onde eles deveriam passar, suspeitou que os partos tinham feito semelhante coisa: que tinham feito o rio transbordar, para detê-los e impedir que continuassem a jornada: avisou a Antônio que cuidasse de sua pessoa, e disse-lhe que os inimigos estavam perto dele. Logo que dispôs seus homens em ordem, alinhando os atiradores de dardos e os que lutavam com fundas, para fazer recuar os inimigos, avistaram os partos, que giravam em redor do exército para envolvê-lo de todos os lados e pô-lo em desordem: mas os soldados, que estavam armados ligeiramente, correram sobre eles e assim depois de ter ferido com dardos vários romanos, e de ter sido também atingidos por eles a golpes de flechas e de chumbadas, retiraram-se um pouco, para depois desferir novo ataque, até que os cavaleiros gauleses voltaram seus cavalos e correram velozmente contra eles e os afastaram bastante, de modo que não se puderam mais reunir naquele dia. Pelo que Antônio, avisado do que tinha que fazer, reforçou não somente a retaguarda do exército, mas também os flancos, dos dois lados, com muitos homens atiradores de flechas e de fundas, e mandou marchar em quadrado, ordenando à cavalaria que, quando os inimigos viessem atacá-los, que os repelisse, mas não os perseguisse por muito tempo; desse modo, nos quatro dias seguintes, os partos, vendo que não podiam mais causar dano aos romanos, sem receber igualmente, eles, também, muitos prejuízos, não foram mais tão violentos, como tinham determinado, e desculpando-se com o inverno, que os castigava, deliberaram voltar atrás.

LIV. Vantagem considerável que os partos levam por causa da temeridade de Flávio Gallo

LIV. No quinto dia, Flávio Gallo, guerreiro valente e corajoso, que tinha um alto cargo no exército, veio ter com Antônio e lhe pediu que lhe desse alguns soldados ligeiramente armados e alguns cavaleiros, daqueles que estavam na retaguarda e destes, na vanguarda, pois com eles esperava realizar uma grande empresa: Antônio concedeu-lhe tudo e quando os inimigos vieram, como de costume, provocar e instigar os últimos das fileiras dos romanos, ele os repeliu corajosamente, não porém, como haviam feito anteriormente, retirando-se incontinente, e voltando a alcançar o exército: pois ele afastava-se para combater a pé muito temerariamente. Os oficiais que comandavam a retaguarda, vendo que ele se afastava demasiado do exército, mandaram dizer-lhe que voltasse, mas ele jamais o quis fazer: e diz-se que Tício, o Questor, tomou ele mesmo as insígnias e esforçou-se por fazer voltar atrás os que as levavam, dizendo injúrias a Gallo, porque pela sua temeridade e obstinação, ele fazia matar e ferir, sem aparência de motivo, muitos e valentes soldados. Gallo, por sua vez, injuriou-o também e ordenou aos seus homens que parassem: por isso Tício voltou ao exército e Gallo atacando sempre os que encontrava pela frente, não cuidou de que estava sendo envolvido: vendo-se depois cercado de todos os lados, mandou dizer-lhes que o fossem socorrer, e então os que conduziam as legiões, dentre os quais estava Canídio, que gozava de muito crédito perante Antônio, cometeram graves faltas: pois, sendo necessário fazer voltar todo o exército, eles lhe mandaram auxílio apenas com algumas poucas tropas e depois, quando estas haviam sido derrotadas, mandaram-lhe ainda outras, do mesmo modo: e assim por sua inépcia eles causariam a ruína e a dispersão de todo o exército se Antônio não tivesse voltado da frente de batalha com a terceira legião, passando entre os fugitivos, até enfrentar os inimigos, deteve-os, não permitindo que passassem além, mas nesta refrega morreram mais de três mil pessoas, tendo ficado no campo, ainda, cinco mil feridos, entre os quais Gallo que tinha o corpo atravessado1560 por feridas de flecha s em quatro lugares, e por isso veio a morrer.

LV. Elogio do proceder de Antônio depois deste fato

LV. Antônio passava pelas tendas, visitando e encorajando os feridos, com muito sentimento, a ponto de não poder deixar de chorar, e eles mostravam-se satisfeitos, apertando-lhe a mão, e rogando-lhe que também fosse tratar da própria saúde, que não se afligisse por causa deles, chamando-o ainda com grande reverência, de seu comandante e imperador e que quanto a eles, estavam sãos e salvos, mas, que ele também se conservasse com saúde. Para se dizer mesmo tudo, segundo a verdade, não houve naquele tempo imperador ou general que houvesse reunido tão luzidio e poderoso exército, tanto pela força, pela flor da juventude, como também pela paciência e coragem em todos os reveses e dificuldades: havia, porém, ainda mais: a obediência e a reverência que eles prestavam ao seu comandante, com a benevolência e verdadeira amizade, era tão grande, e tão geral, tanto grandes como pequenos, nobres e plebeus, oficiais e soldados, tão afeiçoados e devotados, que preferiam as boas graças e a estima de Antônio, à própria vida e segurança, que nesta parte da disciplina militar os antigos romanos não saberiam fazer mais: e disto várias eram as causas, como já dissemos antes, a nobreza de Antônio, a antiguidade de sua descendência, sua eloquência, sua simplicidade natural, sua liberalidade e magnificência, sua simplicidade em tomar parte nas amizades de inferiores, e ainda o gesto que muito comovera a todos, de ter ele visitado e consolado pessoalmente aos feridos e enfermos, dando a cada qual tudo o de que necessitava, teve tanta eficácia que fez com que os que estavam doentes e feridos, se lhe ficassem ainda mais agradecidos e afeiçoados, e mais dispostos a servi-lo, do que os que estavam sãos e restabelecidos.

LVI. Tornam a aparecer os partos

LVI. Esta vitória aumentou tanto a coragem dos inimigos, os quais antes haviam desacoroçoado e desistido da perseguição, que então durante toda a noite ficaram rondando o acampamento de Antônio, julgando que os romanos acabariam por abandoná-lo e pôr-se em fuga, e assim eles poderiam saquear e depredar suas posições. Ao amanhecer do dia eles eram muito mais numerosos do que antes: diz-se que havia mais de quarenta mil cavalos, porque o rei havia mandado até os que pertenciam à sua guarda, tendo quase certeza da vitória e considerando-a ganha, para que todos pudessem participar do saque e da pilhagem; ele mesmo, porém, jamais havia tomado parte em batalha alguma. Antônio, querendo admoestar seus homens, pediu uma veste preta, como se estivesse de l uto, para que ao vê-lo, todos fossem tomados de compaixão, mas seus amigos fizeram-no desistir desse propósito; vestiu-se ele com sua cota de guerreiro, como imperador e assim trajado dirigiu aos seus soldados um longo discurso, ao qual louvou entusiasticamente os feitos brilhantes dos que tinham vencido e dispersado o inimigo, censurando, também os que tinham voltado as costas e fugido covardemente, de modo que os vencedores mesmos procuraram infundir-lhe coragem: os outros, arrependidos, querendo redimir-se da falta, ofereceram-se voluntariamente para serem dizimados, se isso lhe parecesse bem, aceitando, outrossim, qualquer espécie de punição; contanto que ele esquecesse o passado e a vergonha que lhe haviam causado e voltasse às boas graças com eles. Vendo isto, Antônio levantou as mãos ao céu e agradeceu aos deuses, rogando-lhes ao mesmo tempo, que se algum mal ainda estava para acontecer, como uma espécie de compensação, pelas grandes vitórias, que eles o fizessem cair somente sobre ele e dessem a vitória a todo o exército.

LVII. São repelidos

LVII. No dia seguinte, organizaram melhor todas as posições do exército para batalha e puseram-se a caminho de sorte que, quando os partos pensaram em voltar para atacá-los, eles os encontraram bem diferentes do que pensavam, pois não esperavam um combate, mas vinham para dar-se ao saque, mas foram recebidos a golpes de dardos e de flechas, e outros projéteis que os romanos lhes lançaram fortemente, mostrando-se fortes e decididos para a luta, o que eles não esperavam absolutamente: por isso começaram novamente a intimidar-se; no entretanto, aproveitaram-se de uma inclinação no flanco da montanha, para atacarem violentamente os romanos, que não podiam descer senão devagar e passo a passo. Os legionários, então, que traziam grandes pavêses, voltaram-se e encerraram no meio deles os que estavam ligeiramente armados, puseram um joelho em terra, depois atiraram diante de si seus pavêses, os da segunda fila cobriram-nos também com os seus, os da terceira fizeram o mesmo com os da segunda, e assim por diante, todos os demais, e dessa maneira pareciam como telhas sobre o telhado de uma casa, ou como degraus, ou assentos de um teatro, formando um abrigo seguro contra os dardos e flechas que vinham para cima deles. Quando os partos viram este movimento dos legionários romanos, que tinham um joelho em terra, pensaram que eles tinham desistido da luta e deixando imediatamente seus arcos, tomaram as lanças e avançaram para o combate corpo-a-corpo. Os romanos então, de repente, levantaram-se todos, e com seus dardos mataram os que vinham logo à frente, e puseram os demais em fuga, fazendo o mesmo nos dias seguintes.

LVIII. A fome penetra no exército de Antônio

LVIII. Por causa destas escaramuças o exército de Antônio não podia fazer longas caminhadas num dia, e por esse motivo a fome começou a atormentá-los, porque não podiam obter senão uma pequena quantidade de trigo, e era preciso todos os dias lutar para consegui-lo, além de que não tinham os instrumentos necessários para moê-lo e fazer pão, porque haviam deixado uma grande parte de sua bagagem e porque tinham morrido os animais que as traziam, ou eram usados para transportar os feridos e os enfermos; grande foi a fome que os assaltou, tanto que a oitava parte de um alqueire de trigo era vendida por cinquenta dracmas1561 e o pão de cevada era vendido a peso de prata. Foram por fim obrigados a comer ervas e raízes, mas bem poucas eram as que se encontravam, próprias para a alimentação, e assim eram ainda obrigados a experimentar aquelas que não conheciam e não sabiam se eram destinadas para esse uso, pois nunca se haviam comido tais raízes e ervas; dentre estas uma, depois de ingerida os fazia desmaiar, e deixava com a razão ofuscada, aquele que a comia, o qual depois não se lembrava mais de nada, nem percebia o que se passava, mas punha-se somente a remover as pedras que encontrava de um lugar para outro, como se isso fosse uma coisa de importância e necessária, e que exigisse grande urgência. Só se viam no meio do campo, homens curvados para a terra, abaixados ao solo, que remexiam e removiam pedras de um lugar para outro; por fim vomitavam grande quantidade de cólera1562, e morriam repentinamente pois o mesmo vinho que era o remédio soberano para tais doenças, lhes faltava. Encontra-se escrito que Antônio, vendo que cada dia morria um grande número de soldados, e que os partos não se retiravam e não os deixavam em paz, exclamava em altas vozes suspirando: "Ó dez mil!" — tanta era a sua admiração pela virtude dos dez mil gregos que Xenofonte conduziu depois da derrota de Ciro, porque haviam percorrido mais caminho, vindos de Babilônia e tinham combatido contra inimigos que eram muitas vezes mais numerosos do que eles e no entretanto se haviam retirado em ordem e com segurança.

LIX. Novo estratagema dos partos para enganar Antônio

LIX. Os partos, vendo que não lhes era possível desorganizar e romper as linhas romanas, mas ao contrário, eles mesmos já tinham várias vezes sido batidos, vencidos e postos em fuga, recorreram novamente ao ardil dos enganos; quando encontravam algum romano afastado e isolado dos outros, para qualquer trabalho, como saque, ou procurando trigo, ou outros víveres, aproximavam-se dele, como se fossem amigos, mostrando-lhes seus arcos afrouxados, dizendo que voltavam para suas casas, e que não os perseguiam mais, mas que apenas alguns médios os seguiriam ainda por alguns dias, um ou dois no máximo, para vigiar, que eles não causassem prejuízos às aldeias, que estavam à margem da estrada, e depois os saudavam cortêsmente, afastando-se deles com mostras de cordialidade, de modo que os romanos ficavam bem tranquilos.

LX. Mitrídates o adverte sobre isso

LX. Antônio, tendo ouvido isto, com a boa vontade que tinha, deliberou tomar o caminho plano e descer aos campos, mesmo porque, segundo diziam, nas montanhas eles não encontrariam água: quando estava disposto a fazer isso, chegou ao seu exército um gentil-homem de nome Mitrídates, do campo inimigo, que era primo de Monezes, o que tinha fugido para Antônio, e ao qual Antônio havia dado três cidades. Quando ele chegou, pediu que o levassem a alguém que soubesse a língua parta ou síria: levaram-no a um certo Alexandre Antíoco, amigo de Antônio; o gentil-homem então declarou quem ele era e que Monezes o enviava para tributar a Antônio a mesma honra e o mesmo bem que ele lhe havia feito. Depois desta introdução, ele perguntou a Alexandre se ele via as altas montanhas, que lhes apontava com o dedo, diante dele, bem longe. Alexandre respondeu que sim. "Os partos — disse ele — estão escondidos ao pé dessas montanhas, abaixo das quais há grandes planícies e vastos campos; os partos pensam que vó s, enganados por suas palavras falsas e hipócritas, deixareis o caminho das montanhas e passareis pela planície. Quanto ao outro caminho, é muito mais difícil, por aí sofrereis grande cansaço e muita sede, ao que, porém, já estais acostumados: mas se Antônio tomar o caminho por baixo, que tenha como certo o mesmo fim que teve também Marco Crasso". Disse isto e foi-se embora. Antônio ficou muito admirado quando ouviu estas declarações, reuniu todos os seus amigos para deliberar e também o mardiano que lhes servia de guia, o qual declarou que jamais havia pensado no que lhes dissera o gentil-homem: "Pois ainda — dizia ele — não houve na planície nenhuma emboscada de inimigos, porque a região é áspera e o caminho cheio de curvas e difícil para se percorrer, ao passo que o caminho da montanha rude e cheio de moitas não tem outra dificuldade, senão que será necessário caminhar um dia inteiro sem encontrar água". Assim Antônio, deixou a sua primeira deliberação, moveu-se durante a noite, tomando o caminho da montanha, ordenando que cada qual levasse a sua provisão de água: a maior parte, porém, tinha falta de vasilhas para levá-la; pelo que alguns eram obrigados a levá-la nos capacetes, e gorros, outros em peles de cabras.

LXI. Os partos perseguem o exército romano

LXI. Depois que eles haviam partido, foram notificar aos partos que eles se haviam afastado: estes então puseram-se em seu seguimento, naquela mesma noite, contra seu costume, de tal modo que ao despontar do dia alcançaram a retaguarda do exército dos romanos, que estavam abatidos, cansados, esgotados, quer pela marcha, quer pela falta de descanso, sem dormir, não podiam mais: naquela noite haviam caminhado quinze léguas, e causava-lhes grande desespero ver o que lhes estava acontecendo naquele momento, que contra sua esperança, o inimigo estava ao seu encalço; além de que o combate aumentava-lhes a sede, porque eram obrigados a combater andando, para afastar o inimigo, percorrendo assim, também, pouco a pouco o seu caminho. Os que estavam na vanguarda do exército, encontraram casualmente um regato que tinha água clara e fresca, mas era salgada e venenosa: pois aqueles que a haviam bebido sentiram logo os intestinos apertados, aumentando-lhes ainda mais a sede, e causando eólicas dolorosas; embora o mardiano os houvesse prevenido, todavia eles, levados pela força da sede, não obedeciam aos que os queriam impedir de bebê-la. Mas Antônio, andando de um lado para outro, rogava-lhes que não bebessem, que tivessem um pouco mais de paciência, que suportassem a sede por mais um pouco, pois havia bem perto um outro riacho, cuja água era potável, e muito boa para se beber, e que dali por diante o caminho era tão difícil para a cavalaria que os inimigos não mais os poderiam seguir: dizendo isto, fez tocar a retirada, para reunir os que combatiam, mandou armar as tendas e os pavilhões, para que pelo menos os soldados tivessem um pouco de sombra para se refrescar. Levantadas as tendas, e tendo os partos se retirado como de costume, o mesmo Mitrídates de que falamos, voltou novamente e foi ter com Alexandre, seu intérprete; aconselhou, depois, quando o exército já estava um pouco mais descansado, que os romanos se movimentassem imediatamente, procurando ganhar rápidos a margem do riacho, porque os partos não passariam além, pois haviam deliberado persegui-los asperamente até ali. Alexandre tudo referiu a Antônio, que lhe deu muitos vasos de ouro com que recompensar Mitrídates, o qual escondeu a quantos pôde, nas próprias vestes, e foi-se embora de novo.

LXII. Tumulto no exército de Antônio

LXII. Antônio começou a mover-se quando ainda era dia claro, pondo todo o exército em marcha, sem que os partos lhe fizessem obstáculo algum; eles mesmos, porém, causaram a si próprios a pior noite, a mais espantosa que jamais haviam tido antes; pois alguns malfeitores cortaram a garganta aos que eles sabiam que possuíam ouro e prata, e roubaram tudo o que se levava nos animais, e por fim apoderaram-se ainda dos jumentos que levavam as bagagens e os haveres de Antônio, quebraram em pedaços belas placas e vasos riquíssimos, que disputavam entre si; todo o acampamento ficou convulsionado. pelo medo e pelo tumulto, porque todos pensavam que eram os partos quem os haviam assaltado, pondo o exército em polvorosa; Antônio então chamou um dos seus servos libertos, de nome Ramno, que era também um dos seus guardas, e fê-lo prometer, sob juramento, que ele lhe atravessaria a espada sobre o seu corpo, quando ele o ordenasse e depois cortar-lhe-ia a cabeça, para que não fosse apanhado vivo pelos inimigos, nem reconhecido depois de morto, pelo que todos os seus amigos e familiares começaram a chorar de compaixão: mas o mardiano o animou, e garantiu-lhe que o no ao qual eles se dirigiam, estava já bastante perto dali, o que ele deduzia por um vento suave e úmido que soprava, e pelo ar que estava mais fresco que de costume, pois respiravam mais à vontade e também porque depois que tivessem partido, podiam, com pouco mais, terminar o caminho que haviam empreendido, pois lhes restava pouco da noite; por outro lado vieram avisá-lo de que aquela confusão e tumulto não fora causada pelos inimigos, mas pela ambição e maldade de alguns soldados.

LXIII. O exército passa um rio e os partos se retiram

LXIII. Pelo que Antônio, querendo pôr o exército em ordem, acalmar os ânimos e dissipar ainda restos do tumulto, mandou soar as trombetas, para a partida. Começava já o dia a despontar e o exército movia-se em ordem, e tudo voltava à calma, quando os partos aproximaram-se; as flechas que atiravam haviam alcançado os da retaguarda do exército. Deu-se então o sinal de batalha, para os soldados ligeiramente armados e os legionários cobriram-se como antes, com seus pavêses, com os quais resistiam aos golpes de setas dos partos, que não ousavam atacá-los mais de perto: desta maneira, os que estavam na frente, na primeira linha, esgueirando-se aos poucos, alcançaram a margem do riacho, e aí Antônio ordenou que seus homens se dispusessem sobre a areia, para resistir aos inimigos e depois, repeli-los; fez passar, porém, o riacho os que estavam doentes e feridos, e depois também os outros. Mas aqueles mesmos que tinham ficado para combater, puderam beber à vontade e com segurança; apenas os partos viram o riacho soltaram seus arcos, e disseram aos romanos que passassem sem medo, louvando ao depois o seu valor e a sua coragem. Depois que passaram o riacho, com vagar e comodamente, retomaram um pouco de coragem, pondo-se em seguida a caminho novamente, não confiando, porém, absolutamente nos partos.

LXIV. Como Antônio perdeu o mundo nessa expedição

LXIV. No sexto dia, depois desta última batalha, chegaram ao rio Araxe, o qual separa a Armênia da Média, e pareceu-lhes, tanto pela profundidade, como pelo volume das águas, muito perigoso para se vadear. E além disso corria a voz pelo acampamento que os partos estavam de emboscada nos arredores, e que viriam atacá-los quando eles estivessem ocupados em atravessar o rio: mas depois que eles o haviam passado sem perigo algum e já haviam alcançado a outra margem, na província da Armênia, então saudaram e adoraram aquela terra, como se fosse a primeira que eles haviam pisado, depois de uma longa e perigosa viagem por mar, tendo chegado ao porto da salvação: caíam-lhes as lágrimas dos olhos, e dominados pela alegria abraçavam-se reciprocam ente; mas, ao depois, percorrendo os campos da região, rica e abundante de todos os bens, depois de terem suportado tão grande privação, eles se encheram tanto, comeram em tal quantidade carne e outras iguarias, em excesso, que vários adoeceram de disenteria, inchação e hidropisia. Antônio, passando revista aos seus exércitos, constatou que havia perdido vinte mil homens de infantaria, e quatro mil de cavalaria, dos quais nem todos haviam sido mortos pelo inimigo: mais da metade havia morrido de doenças, tendo gastado em viagem desde a cidade de Fraata até a Armênia mais ou menos vinte e sete dias e tendo vencido os partos em dezoito batalhas.

LXV. Leva Artabase em triunfo a Alexandria

LXV. Estas vitórias, porém, não tinham sido nem completas, nem inteira s, pois que não os repeliam para longe; podia-se facilmente então deduzir que fora Artabaso, o rei dos armênios, quem tinha impedido a Antônio de levar a termo esta guerra. Pois se os dezesseis1563 mil homens de cavalaria que ele trouxera consigo da Média tivessem participado daquelas batalhas, estando armados e equipados quase todos à mesma maneira dos partos e acostumados a combater contra eles, quando os romanos tivessem vencido e posto em fuga os que os queriam enfrentar, estes armênios tivessem perseguido os fugitivos, eles não teriam tido coragem de voltar e nem a ousadia de voltar ao combate, tão frequentemente, depois de terem sido dispersados uma vez: por isso todos os que tinham certo crédito no exército solicitavam a Antônio e o incitavam a vingar-se desse armênio; ele, porém, usando mais da razão do que da paixão, não lhe reprovou a traição, nem lhe mostrou animosidade, nem menos honra da que lhe prestara antes, porque sabia que seu exercício estava muito enfraquecido e necessitava de inúmeras coisas. Depois, porém, voltou de novo com grande poder à Armênia, e tanto fez com belas promessas, solicitações e mensagens, que Artabaso veio entregar-se a ele: conservou-o então prisioneiro, e o levou em triunfo na cidade de Alexandria. Isto ofendeu muitíssimo aos romanos e foi motivo para que muitos se afastassem dele, quando viram que, por amor de Cleópatra, ele sacrificava a própria honra e a principal glória de sua pátria, para favorecer e engrandecer aos egípcios.

LXVI. Impaciência de Antônio, para se unir a Cleopatra

LXVI. Isso sucedeu algum tempo depois, mas pela grande ânsia que ele tinha de se encontrar com Cleópatra, sobrecarregou tanto seus soldados, fazendo-os permanecer no acampamento, no coração do inverno, quando nevava incessantemente, que perdeu na caminhada bem uns oito mil homens, e depois, desceu com um número reduzido a uma certa região que se denomina Blancburgo1564, que está situada entre as cidades de Berito e Sidon, onde Cleópatra o esperava. E como ela ainda demorasse para chegar, ele enlanguescia de amor, e perdia a paciência, a ponto de não saber o que fazer; punha-se então a beber e a divertir-se para matar o enfado; mas ele estava tão dominado pelo amor que não podia permanecer à mesa com seus convivas, pois levantava-se frequentemente, antes mesmo de terminar o banquete, e corria para a amurada, fixando suas vistas sobre o mar, para ver se ela vinha. Por fim, depois de longa expectativa, Cleópatra chegou trazendo grande abundância de vestidos e dinheiro para dar aos soldados; contudo, outros dizem que ela trouxera muitos vestidos, quanto ao dinheiro, porém, dizem que ele tomou do seu e o fez distribuir aos soldados em nome dela, como se fosse ela mesma quem lhos dava.

LXVII. Novos projetos de Antônio para lev ar a guerra, contra os partos

LXVII. Nesse ínterim, aconteceu que o rei dos medos e Fraortes, rei dos partos, desavieram-se gravemente, um contra o outro: começou a querela, por causa dos despojos dos romanos e tomou tal proporção que causou ao rei dos medos grande apreensão e temor do perigo de perder o seu reino: ele mandou então pedir a Antônio que fizesse a guerra aos partos prometendo-lhe que o ajudaria o mais possível. Isso veio dar a Antônio grande esperança, pois sabia que a única coisa que ainda lhe havia faltado, a fim de que pudesse ter derrotado os partos, era uma cavalaria suficiente e muitos guerreiros de dardos, lhe era inesperadamente oferecida e de tal modo, que lhe causava mais prazer em aceitar do que lho poderiam causar, oferecendo-lha: por esse motivo começou a se preparar para fazer novamente a viagem à Armênia e recomeçar mais forte do que nunca, a guerra contra os partos, depois de ter parlamentado com o rei dos medos, à margem do rio Araxe.

LXVIII. Otávio embarca para ir se encontrar com Antônio

LXVIII. Nesse meio tempo, Otávia, sua mulher, que ele havia deixado em Roma, quis pôr-se ao mar para ir ter com ele: o que César, seu irmão, lhe permitiu, não tanto para agradá-la e fazer-lhe a vontade, como a maior parte dos autores o afirma, como porque a injustiça que lhe faria Antônio e o pouco caso que mostrava fosse motivo para lhe fazer a guerra. Mas quando ela chegou a Atenas, recebeu cartas dele, pelas quais lhe mandava que o esperasse lá, e lhe comunicava o empreendimento da viagem; sabendo disso, embora muito se constasse, por ter sabido da denota, no entretanto, pelas cartas que lhe tornou a escrever depois, dizia onde queria que deixasse as coisas que lhe havia trazido, isto é, muitas vestes para soldados, muitos cavalos, dinheiro e presentes para seus amigos e para os oficiais, e além disso, dois mil soldados, ainda, todos soldados de elite, bem armados e equipados, nada mais, nada menos como os guerreiros das coortes pretorianas.

LXIX. Manejos de Cleopatra para prender ainda mais a Antônio

LXIX. Quando Niger, um dos amigos íntimos de Antônio, que ele para lá havia mandado, lhe trouxe estas notícias da parte de Otávia, e juntamente a louvou, como bem ela merecia, Cleópatra, sabendo quanto ela fazia para lhe arrebatar Antônio e temendo que com sua virtude e honestidade, juntamente com a potência de César, seu irmão, ela se servia também dos atrativos e carícias do amor para atrair seu marido, não se sentiu muito senhora de si, e pensou que acabaria por ser preterida: começou então a fingir que enlanguescia de amor, para com Antônio, emagrecendo seu corpo por falta de suficiente alimento, fazendo gestos exagerados para prender a Antônio, revirando os olhos, em êxtase, na sua presença, derramando lágrimas à sua partida., mostrando-se inconsolável com sua ausência, e fazendo de modo que Antônio sempre a encontrasse chorando, enxugando os olhos molhados e voltando o rosto, para que Antônio não a visse chorar. Todas estas coisas aconteciam quando ele ia partir para a Sicília a fim de se encontrar e parlamentar com o rei dos medas: os bajuladores que secundavam a vontade de Cleópatra, censuravam a Antônio, como homem sem coração, desumano, e de pouco afeto, que assim atormentava e afligia aquela pobre mulher, a qual não vivia senão para ele. Pois Otávia, diziam, tinha-se casado com ele, à força, porque os negócios assim o exigiam, por causa de seu irmão, tinha a honra de ser chamada de esposa legítima e mulher de Antônio: e Cleópatra, tendo nascido rainha de milhares de homens, era somente chamada de amiga de Antônio e no entretanto não recusava nem desdenhava tal nome, contanto que pudesse sempre gozar da sua presença e viver com ele: mas se fosse algum dia, afastada dele, ser-lhe-ia então impossível continuar a viver.

LXX. O proceder de Antônio para com Otávio torna-o odioso

LXX. Em suma, com suas bajulações encomendadas, conseguiram comover e convencer Antônio a permanecer; de medo que ela morresse, ele transferiu a sua expedição, voltou a Alexandria, despediu o rei dos medas, adiando a guerra para o ano seguinte, embora soubesse que os partos estavam em lutas consigo mesmos: todavia depois foi fazer aliança com ele: pois ele casara sua filha, que era ainda muito jovem, com um dos filhos que Cleópatra tivera dele: depois voltou, tendo já na mente e no propósito a guerra civil, porque quando Otávia voltara de Atenas para Roma, César lhe ordenara que deixasse a casa de Antônio, e que se conservasse sozinha em sua casa, porque ele lhe havia feito uma injúria: ela, porém, respondeu que jamais abandonaria a casa de seu marido, e que se ele não tinha outra ocasião de lhe fazer guerra, ela rogava-lhe que não se inquietasse por causa dela, pois seria coisa muito censurada, que dois imperadores tão grandes e tão poderosos, tivessem lançado os romanos numa guerra civil, um por amor de uma mulher, o outro pelo ciúme de uma outra.

Ora, se ela lhe dizia estas palavras, muito mais ainda e melhor o fazia com fatos: pois ficou na casa de Antônio, como se lá ele estivesse presente, e cuidava honesta e honradamente de seus filhos, não somente dos que eram mesmo dela, mas também dos que ele tivera de Fúlvia. E quando Antônio mandava algum de seus familiares a Roma, para conseguir algum ofício ou cargo público da magistratura, ou para outro qualquer assunto, ela o recebia e tanto fazia que obtinha de seu irmão o que lhe pedia: mas fazendo isso, sem pensá-lo, causava grande mal a Antônio: pois isso acarretava-lhe o ódio de todos, quando viam que ele tratava tão mal uma mulher tão bondosa e tão honesta, mas foi ainda mais odiado por uma repartição que ele fez entre seus filhos, na cidade de Alexandria: também, para se dizer a verdade, era ele igualmente muito soberbo e muito insolente, pois quase o fizera por despeito e por desprezo para com os romanos.

LXXI. Reinos divididos por Antônio e Cleopatra e a seus filhos

LXXI. Pois mandou ele reunir todo o povo no parque, onde as crianças e os moços se exercitam em ginástica e jogos de educação física, e sobre uma tribuna coberta de prata, mandou colocar duas cadeiras de ouro, uma para ele, o utra para Cleópatra, e outras mais abaixo para seus filhos: depois declarou publicamente diante de todos os presentes, que, por primeiro, ele criava Cleópatra, rainha do Egito, de Chipre, da Lídia e da baixa Síria, e igualmente Cesário, rei dos mesmos reinos: este Cesáno era considerado filho de Júlio César, que tinha deixado Cleópatra grávida. Em segundo lugar, aos seus filhos e dela, chamou de reis dos reis e deu como partilha a Alexandre, a Armênia, a Média e os partos, quando ele os tivesse subjugado e conquistado, e a Ptolomeu, a Fenícia, a Síria e a Cilícia: depois fez aparecerem em público a Alexandre, trajando uma longa veste à maneira dos medos, com um chapéu alto e pontudo na cabeça, cuja extremidade era reta, como o usam os reis medas e armênios, e a Ptolomeu, coberto com um manto à Macedônia, com pantufas nos pés, e um chapéu largo cingido de uma faixa real, pois era assim que costumavam trajar os reis sucessores de Alexandre, o Grande. Assim, depois que seus filhos lhes prestaram homenagem, curvando-se diante deles e beijando o pai e a mãe, imediatamente uma tropa de guardas armênios, organizada expressamente, cercou um, e uma tropa de macedônios, o outro. Cleópatra, porém, não somente então, mas sempre que saía em público, diante do povo, vestia-se de trajes sagrados, como a deusa Ísis, e dava audiência aos seus súditos, como uma nova Ísis.

LXXII. Começo do rompimento entre Otávio e Antônio

LXXII. César, referindo estas coisas ao senado e acusando-o muitas vezes diante de todo o povo romano, tanto fez que irritou a todos, atirando-os contra ele. Antônio, por outro lado, mandou a Roma mensageiros, para contra-acusá-lo também; os principais pontos das acusações eram: tendo ele despojado Sexto Pompeu da Sicília, não lhe havia dado a sua parte na ilha: em segundo lugar, que não lhe entregava os navios e os barcos que lhe tinha pedido emprestado para essa guerra: em terceiro lugar, que ele, tendo alijado a Lépido, seu companheiro no triunvirato, da sua parte no império, e tendo-o privado de todas as honras, ele conservava para si, a pessoa1565, as terras e os rendimentos das mesmas, que lhe tinham sido destinadas como sua parte, e finalmente, que ele tinha quase distribuído aos seus homens toda a Itália e nada tinha deixado aos dele. César respondeu-lhe que, quanto a Lépido, realmente, o havia deposto e privado da sua parte no império, porque ele abusava ultrajosa mente: quanto ao que ele havia conquistado pelas armas, dana de boamente parte a Antônio, contanto que ele também lhe fizesse o mesmo da Armênia. Quanto aos seus soldados, eles nada deveriam pretender na Itália, pois possuíam a Média e a terra dos partos, que haviam anexado ao império romano, combatendo valentemente com seu imperador.

LXXIII. Antônio parte para a guerra com Cleopatra

LXXIII. Antônio recebeu estas notícias quando ainda estava na América: ordenou então a Canídio que rumasse incontinente para a costa do mar, com as dezesseis legiões que ele tinha, e ele com Cleópatra, partiu para a cidade de Êfeso, onde se reuniram suas galeras e navios, de todos os lados, que eram mais ou menos oitocentos, contando-se também os grandes navios de carga, dos quais Cleópatra fornecia uns duzentos e vinte mil talentos1566 e víveres para alimentar todo o exército durante essa guerra. Depois, Antônio determinou que Cleópatra voltasse ao Egito, a conselho de Domício, esperando o início das operações: ela, porém, temendo que Antônio voltasse às boas graças com César por intermédio de Otávia, tanto fez, a peso de ouro, com Canídio que falou por ela, e disse a Antônio que não era razoável afastar e eliminar desta guerra, aquela que sustentava e custeava uma grande parte da mesma, nem proveitoso, porque isso desencorajava os egípcios, que eram a principal força do exército, por mar, além de que não havia rei dentre todos os aliados seus, aos quais Cleópatra fosse inferior em prudência, nem em bom senso, pois que antes já ela tinha por muito tempo sabiamente governado um tão grande reino como o Egito, e além disso, tinha convivido com ele por tanto tempo, e tinha por isso aprendido como se devia tratar os seus negócios mais importantes. Estas belas demonstrações e razões venceram-no; ele era predestinado e era de mister que o governo de todo o mundo estivesse todo e unicamente sob o poder de César.

LXXIV. Seu proceder a caminho

LXXIV. E assim, tendo reunido todas as forças, rumaram para a ilha de Samos, onde se entregaram a todos os prazeres e divertimentos; do mesmo modo que ele antes havia ordenado a todos os reis, príncipes, potentados, comunidades, povos e cidades, desde a Síria até os mares meótidas, e desde os armênios até os ilírios, que são os eslavos, que levassem ou mandassem munições e todo o necessário para a guerra, assim também convidou a todos os farsantes, artistas, palhaços e músicos que se dirigissem à ilha de Samos: e assim quando em quase toda a terra habitada havia choro e lágrimas, suspiros e pranto, naquela ilha somente e durante vários dias, não se ouviam senão cantos, risos, músicas de instrumentos, e os teatros estavam cheios de espectadores, bem como de comediantes, artistas e músicos de toda a espécie: além disso, cada cidade devia mandar um boi para o sacrifício e os reis porfiavam uns com os outros para ver quem daria o mais suntuoso festim, e lhe enviavam os mais ricos presentes, a ponto de cada qual dizer: "Que poderão eles fazer, se ganharem a batalha em regozijo pela vitória, pois que fazem tão suntuosas festas quando se preparam para a guerra?"

Depois que tudo isso se passou, ele deu como residência, durante a guerra aos músicos e aos demais a cidade de Pnene, e em seguida partiu para Atenas e lá se deu novamente à vida de divertimentos, pelos teatros e pelos salões de banquetes: por outro lado, Cleópatra, ciumenta das honras que Otávia havia recebido nessa cidade, onde tinha deveras sido muito amada e honrada pelos atenienses, para se insinuar na benevolência do povo ateniense, fez-lhe grandes benefícios: eles, por sua vez, concederam-lhe grandes honras, determinando vários embaixadores, para lhe levar o decreto ao seu aposento, dos quais um foi Antônio como cidadão de Atenas, o qual lhe dirigiu então a palavra, e fez o discurso em nome da cidade: depois mandou, em Roma, expulsar Otávia de sua casa, a qual, como se diz, saiu com todos os filhos de Antônio, menos o mais velho dos de Fúlvia, que estava com o pai, chorando e lastimando a sua infelicidade, que o tinha levado a tal proceder, que ela fosse considerada como uma das causas dessa guerra civil. Os romanos tinham piedade dela, mas, ainda mais, de Antônio, mesmo aqueles que haviam visto Cleópatra, a qual não superava a Otávia nem em beleza, nem em mocidade.

LXXV. Falta que Antônio comete dando a Otávio o tempo de se preparar para a guerra

LXXV. César, avisado da grandeza e da urgente preparação de Antônio, ficou bastante perturbado, temendo ser obrigado a combater nesse primeiro verão, porque várias coisas ainda necessárias lhe faltavam e as violentas extorsões e cobranças de dinheiro que exigiam, sobrecarregavam excessivamente o povo: pois todas as outras espécies de pessoas eram obrigadas a contribuir com a quarta parte de seus frutos e de suas rendas e os que se chamam de libertos, isto é, aqueles dos quais os pais haviam sido outrora servos, a oitava parte de seus bens, paga uma vez: levantou-se assim um grande clamor e toda a Itália estava convulsionada e em grande efervescência, de modo que se contam entre as maiores faltas que jamais Antônio cometeu, o adiamento e a dilação da batalha. Porque ele deu a César a oportunidade de fazer seus preparativos e de acalmar as queixas e lamentações dos povos; pois quando se lhes pedia tanto dinheiro, eles se irritavam e se rebelavam, mas depois de ter pago, não se lembravam mais disso.

LXXVI. Queixas espalhadas contra Antônio. Seus amigos o deixam

LXXVI. Ademais Tício e Planco, principais amigos de Antônio, homens consulares, pela grande injustiça e pelo mal que Cleópatra lhes fazia, porque tinham obstado com todo o seu poder que ela viesse a essa guerra, foram entregar-se a César, se lhe disseram onde estava o testamento que Antônio tinha feito, sabendo muito bem o que ele continha. Estava ele nas mãos das virgens sagradas, as Vestais, às quais César o pediu. Elas responderam que não lho entregariam: mas que se ele quisesse que o fosse buscar, pois não o impediriam, também. Por isso César foi, e tendo-o lido em particular, anotou algumas passagens reprováveis, mandou depois reunir todo o senado, e leu-o publicamente, com o que vários não ficaram contentes: pois lhes parecia estranho que um homem, ainda vivo, sofresse a pena daquilo que ele determinava fosse feito depois de sua morte. César atacava primeiramente o que ele determinava que se fizesse com relação à sua sepultura: ele queria que seu corpo, embora ele morresse em Roma, passasse em cortejo fúnebre pelo meio da praça, e fosse enviado a Alexandria, a Cleópatra. Ademais, Calvísio, um dos amigos de César, dentre outros encargos e incumbências que Antônio lhe havia dado por amor a Cleópatra, censurava ter-lhe ele dado como mero presente as livrarias da cidade real de Pérgamo, nas quais havia duzentos mil volumes simples: e que em um banquete onde havia várias pessoas à mesa, ele lhe pisou no pé, e levantou-se repentinamente da mesa para uma citação e conjuração que tinham combinado: que ele tinha permitido, estando ele presente, que os efésios chamassem a Cleópatra de sua senhora: que muitas vezes estando em seu tribunal, em conferência com reis e príncipes, ele tinha recebido dela, cartas de amor, escritas em tabuazinhas de cornalina ou cristal, e as tinha lido sentado em seu trono imperial: que um dia, quando Fúrmo, homem de grande autoridade e o mais eloquente de todos os romanos, defendia uma causa perante ele, por acaso Cleópatra passou em sua liteira, pelo lugar onde se fazia a ação judicial; Antônio levantou-se imediatamente, e deixou a audiência para seguir a liteira. Todavia julgou-se que Calvísio tinha inventado a maior parte de tudo isso: contudo aqueles que queriam bem a Antônio rogavam o povo por ele, mandaram um tal, chamado Gemínio, a Antônio rogá-lo que não tolerasse, que por seu descaso lhe arrebatassem o império e o tivessem por inimigo do povo romano. Gemínio mesmo, tendo chegado à Grécia, por mar, despertou imediatamente as desconfianças de Cleópatra, porque ela pensou que ele tinha vindo só para falar em favor de Otávia: e por isso deu-lhe por várias vezes demonstrações de pouco caso: durante todo o jantar não deixou de o motejar e de lhe dirigir indiretas: para mostrar-lhe mais despeito ainda ela o fez sentar-se à mesa nos lugares menos honrosos: tudo ele suportou pacientemente, esperando a ocasião de falar com Antônio. Mas, tendo Antônio durante o jantar pedido a ele que dissesse a razão da sua vinda, ele respondeu que não era um assunto a ser discutido à mesa, e que o diria no dia seguinte de manha: mas, nessa circunstância, quer estivesse ele em seu juízo, ou estivesse embriagado, estava certo de uma coisa, que tudo jamais iria bem, se não se fizesse Cleópatra voltar para o Egito. Antônio tomou a mal estas palavras e Cleópatra respondeu-lhe: "Procedeste sabiamente, Gemínio, confessando a verdade, antes que fosses obrigado a fazê-lo à força de torturas". Pouco depois Gemínio fugiu para Roma. E os aduladores para agradar a Cleópatra fizeram expulsar vários outros dos melhores servidores e amigos de Antônio, os quais já não podiam tolerar as injúrias e as contundias que se lhe dirigiam, dentre os quais estavam também Marco Silano e Délio, o Historiador, o qual escreveu que ele fugira porque fora avisado pelo médico Glauco que Cleópatra o vigiava para mandar matá-lo. Ele tinha incorrido na sua inimizade porque um dia, jantando, dissera que lhe serviam vinho azedo, e que Sarmento, em Roma, bebia o vinho de Falerno. Este Sarmento era um jovem muito insinuante, daqueles que os senhores de Roma costumavam ter consigo para fazê-los passar o tempo, e aos quais chamavam de suas delícias, e era de César.

LXXVII. Presságios funestos para Antônio

LXXVII. Depois que César terminou seus preparativos, decretou publicamente a guerra contra Cleópatra e destituiu a Antônio do poder do império, pois ele já o tinha antecedentemente cedido a uma mulher. E dizia ainda César que Antônio não era senhor de si, porque Cleópatra, por meio de seus encantos e de seus venenos amorosos, o havia privado de seu bom senso e que lhes fariam guerra, um Mardion que era eunuco, um Fotino, uma Iras, sua criada de quarto de Cleópatra, que lhe penteava o cabelo, e um Charmion, que dirigiam os principais assuntos e negócios do império de Antônio. Antes desta guerra, como se diz, aconteceram estes sinais e prodígios: primeiro, a cidade de Pisauro, que tinha sido repovoada por Antônio, à margem do mar Adriático, por um violento tremor de terra foi tragada pela terra e desapareceu no abismo. Uma das estátuas de pedra que tinham sido erguidas em honra de Antônio na cidade de Alba, suou por vários dias: e embora alguém a enxugasse, ela não deixava de suar. Na cidade de Patras, durante o tempo em que Antônio lá estava, o templo de Hércules foi destruído pelo raio que sobre ele caiu, e em Atenas num lugar, onde havia a guerra dos gigantes contra os deuses representada em estátuas, a de Baco, foi arrancada e lançada no teatro por um turbilhão de vento. Antônio dizia-se proveniente da raça de Hércules, como já dissemos também anteriormente, e na sua maneira de viver imitava a Baco, por essa razão era chamado de novo Baco. A mesma tempestade abateu os colossos, isto é, imagens excessivamente grandes, muito além do natural, feitas em honra de Eumenes e de Átalo, os quais eram chamados de Antoníanos. E não causou mal aos outros, embora houvesse havido vários. Na galera capitania de Cleópatra, chamada Antoniada, aconteceu uma coisa de presságio sinistro: as andorinhas tinham feito seu ninho debaixo da popa: vieram outras pouco depois, que afugentaram estas primeiras e destruíram seus ninhos.

LXXVIII. Forças de Antônio e Otávio, respectivamente

LXXVIII. Quando tudo estava pronto e preparado e que se aproximaram, para combater constatou-se que Antônio não tinha menos de quinhentos navios de guerra, entre os quais havia várias galeras de oito e dez ordens de remos, que tinham sido preparadas e equipadas soberbamente, não tanto para o combate como para o triunfo, cem mil homens de infantaria, com doze mil cavaleiros, e tinha ainda com ele, para seu socorro os reis, seus súditos e vassalos, que seguem: Boco, rei dos líbios, Tarcondemo, da alta Cilícia, Arquelau, da Capadócia, Filadelfo, rei da Paflagônia, Mitrídates, rei de Comagena, Adallas, da Trácia, que estavam em pessoa, com ele. Os que estavam ausentes mandaram seus exércitos, como Polémon, rei do Ponto, Manco, da Arábia, Herodes, rei dos judeus, e além desses, Amintas, dos licaônios e1567 dos gaiatas: tinha ainda o auxílio que lhe mandava o rei dos medas. Quanto a César tinha duzentos e cinquenta navios de guerra para o combate, oitenta mil homens de infantaria e cavalaria mais ou menos tantos quantos o seu inimigo: e Antônio tinha sob sua obediência, de um lado toda a terra que está além da Armênia e o rio Eufrates até o mar Jônico e a Eslavônia e César por seu lado tudo o que resta em nosso hemisfério desde a Eslavônia até o Oceano no poente, e depois tudo o que está além do Oceano até o mar da Sicília e da África, tudo o que está do lado oposto da Itália, das Gálias e da Espanha: o que estava além da província da Cirenaica até a Etiópia, estava sob Antônio, o qual estava tão dominado pela vontade de uma mulher que embora ele fosse muito mais forte por terra, quis no entretanto que a empresa se realizasse por um combate no mar, por amor a Cleópatra, embora ele visse com seus olhos que, por falta de forçados, suas capitanias tiravam e levavam da pobre Grécia, à força, todos os jovens que se podiam encontrar pelos campos, viajantes, almocreves, ceifadores, rapazes de serviço e ainda que não podiam fornecer o suficiente para encher as galeras, de modo que ainda uma grande parte estava vazia e -não podia vogar, porque não tinha número suficiente de braços para movê-la. Mas, ao contrário, as de César não estavam equipadas com tanta pompa e grandeza, para uma ostentação de magnificência, mas estavam bastante leves, ligeiras e fáceis de se manejar, armadas e guarnecidas de forçados, como era de mister, as quais ele conservava prontas nos portos de Tarento e de Brindisi.

LXXIX. Desafios de Antônio e de Otávio

LXXIX. Mandou então dizer a Antônio que não recuasse mais perdendo tempo e que viesse com seu exército para a Itália que ele lhe dana portos e ancoradouros para poder em segurança e sem obstáculos descer em terra, e que retrocederia com seu exército para trás do mar, na Itália, quanto se pode estender a corrida de um cavalo, até que tivesse colocado seu exército em terra, e tivesse ele mesmo se preparado. Antônio ao contrário, mostrando-se corajoso, mandou dizer-lhe que o desafiava a combater a sós em campo fechado embora ele fosse mais velho, e que se ele evitava este combate que ele o combateria em pugna organizada nos campos de Farsália, como haviam feito antes Júlio César e Pompeu.

LXXX. Domício deixa Antônio, para passar para o lado de Otávio

LXXX. Enquanto Antônio estava ancorado, sem nada fazer ao abrigo do chefe de Áctio1568 no lugar onde hoje está a cidade de Nicópolis, César atravessou o mar Jônico e ocupou o lugar que se denomina Torine sem que Antônio tivesse notícias da sua partida: e por isso seus homens muito se espantaram, porque seu exército de terra ficou para trás. Mas Cleópatra zombando, disse: "Bem, que perigo há se César está acampado em Torine1569 ?" No dia seguinte, pela manhã, os inimigos puseram-se em movimento, navegando para dar-lhes combate: Antônio teve receio de que viessem a chocar-se e lhe tomassem e levassem os navios que estavam desprovidos de homens: organizou então os forçados, deu-lhes armas e os alinhou na amurada dos navios, depois fez levantar todos os remos no ar, tanto de um lado como do outro, com a proa voltada para os inimigos, à entrada da caverna1570 que começa na ponta de Áctio e os teve assim em ordem de batalha, como se eles estivessem armados e equipados, tanto de forçados como de soldados aptos para o combate. César enganado por este ardil retirou-se: e com isso Antônio cortou-lhe a água, sutil e engenhosamente: pois sabendo que os lugares circunvizinhos onde ele havia descido à terra tinham pouca água e muito ruim, ele os encerrou entre trincheiras e fortes, que construiu nos arredores, para impedi-lo de sair à. vontade e ir buscá-la mais longe: fez a Domício, mesmo contra a vontade de Cleópatra, um ato de gentileza, pois como ele tivesse ido em uma pequena barca para o campo de César, preso de grande agitação, Antônio ficou imensamente pesaroso: mas no entretanto, mandou após dele, toda sua bagagem, seus pertences e seus homens: por ter sido descoberta sua traição, morreu imediatamente. Também alguns reis o deixaram e passaram para o lado de César, como Amintas e Dejotaro.

LXXXI. Canídio aconselha Antônio a combater por terra

LXXXI. O que e mais, porem, seus navios, sempre infelizes, não estavam prontos para o serviço, obrigaram-no novamente a mudar a sua deliberação e a tentar a batalha por terra; Canídio que tinha o comando do exército de terra, quando chegou o momento de pôr mãos à obra, começou também a mudar de opinião, aconselhando a Antônio que mandasse embora Cleópatra, que ele se dirigisse à Macedônia para combater por terra, pois que Dicome, rei dos getas, prometia-lhe vir em seu auxílio, com grande poder, e que não lhe seria absolutamente vergonha alguma ceder o mar a César, pois ele, se tinha exercitado e seus soldados também em combates marítimos, durante a guerra da Sicília contra Sexto Pompeu: mas, que, ao invés, seria coisa fora de todo bom senso, se ele, que tinha tanta experiência em combates por terra, não se servisse da força e da coragem, bem como da perícia de seus soldados, da valentia de todos seus homens de infantaria que estavam todos prontos, mas fosse enfraquecendo seu exército dividindo-o e distribuindo-o pelos navios.

LXXXII. Cleópatra o move a preferir uma batalha naval

LXXXII. Não obstante todas estas razões e motivos, Cleópatra obrigou-o a entregar tudo ao sabor de uma batalha naval, imaginando, porém, desde então, como poderia fugir, e dispondo seus negócios, não para ajudar a conquistar a vitória, mas para mais rapidamente escapar quando tudo estivesse perdido. Havia desde o campo de Antônio até o lugar onde estavam ancorados seus navios, um caminho longo que muito antes tinha sido preparado, como lançado por sobre o mar, pelo qual ele ia e vinha frequentemente sem suspeitar de coisa alguma. Um dos homens de César percebeu-o e foi avisar seu senhor, dizendo que seria muito fácil surpreender e prender a Antônio, quando ele percorresse aquele trecho do caminho; César então para lá enviou alguns homens que se puseram de emboscada para vigiá-lo, e pouco faltou que não o agarrassem, tendo apanhado o que ia diante dele, porque se levantaram do esconderijo um pouco antes do tempo e ele pode com dificuldade, porém, escapar rapidamente. Depois que estava determinado que se combateria por mar, ele mandou queimar todas as outras naus, exceto umas sessenta egípcias, conservando apenas as melhores, as maiores galeras de três ordens de remos, até dez, sobre as quais colocou vinte e dois mil combatentes, com dois mil arqueiros: mas enquanto ele preparava seus soldados para a batalha, um chefe de um grupo de homens, corajoso e valente, que se tinha encontrado várias vezes sob seu comando em várias empresas, tanto que tinha o corpo cheio de cicatrizes, quando Antônio passava perto dele, gritou em voz alta: "Sir Imperador! Como põe sua esperança nestes frágeis e míseros barcos? Desconfia talvez destas minhas cicatrizes e desta espada? Deixe os egípcios e os fenícios que combatam por mar, e vamos nós para terra firme, onde estamos acostumados a vencer, ou a morrer de pé!" Antônio continuou o caminho, sem nada responder, somente acenou-lhe com a mão e com a cabeça, como querendo dizer-lhe que ele tinha coragem e valor, todavia, ele mesmo não tinha grandes esperanças: como os pilotos e comandantes das galeras quisessem soltar as velas, ele ordenou que atacassem, dizendo com seu gesto, que não devia escapar nem sequer um dos inimigos.

LXXXIII. Enfrentam-se os exércitos

LXXXIII. Durante todo esse dia e os três seguintes, o mar esteve tão forte e tão borrascoso, batido de ventos impetuosos, que a batalha foi adiada. No quinto dia o vento acalmou-se, e o mar tornou-se sereno, e então navegaram à força de remos, um contra o outro, na expectativa da batalha, Antônio levando a ponta direita com Publícola e Célio a esquerda, Marco Otávio e Marco Insteio, o centro. Do outro lado César tinha posto na extrema-esquerda de seu exército a Agripa e tinha conservado a direita para ele. Quanto aos exércitos de terra, Canídio tinha o supremo comando do de Antônio, e Tauro, o de César, os quais se puseram em posição de combate, um diante do outro, à margem do mar, sem se chocarem. Quanto aos dois soberanos chefes, Antônio estava numa das fragatas, navegando como se estivesse com todo seu exército, encorajando seus homens a combater como se estivessem em terra firme, por causa do peso e da firmeza de seus navios, ordenando aos pilotos e comandantes das galeras, que sem se mover, como se estivessem ancorados, sustentassem o primeiro choque dos inimigos e não abandonassem a entrada da caverna. César, no dia seguinte cedo, quando saía de sua tenda para vir visitar seus navios, encontrou um homem que tocava um jumento diante de si; perguntou-lhe quem ele era e qual o seu nome. Eu me chamo, disse o bom homem, Eutico, que quer dizer, muito feliz: e meu jumento chama-se Nicon, isto é, vencedor: por isso César depois de ter ganho a batalha, adornando o lugar com esporões dos navios e das galeras aprisionadas, como uma marca da vitória ali fez também erguer a estátua de um homem e de um burro, de bronze. Quando depois visitou bem todo o seu exército, inspecionando-o fez-se transportar numa barca para a ponta direita e muito se maravilhou por ver que seus inimigos conservavam-se imóveis dentro do estreito: pois ao vê-los de longe ter-se-ia dito que os navios estavam ancorados e por muito tempo ele pensou assim: conservou então suas galeras longe do inimigo mais ou menos uma meia légua.

LXXXIV. Trava-se o combate

LXXXIV. Chegando o meio-dia, começou a soprar uma leve brisa e então os soldados de Antônio, impacientes de tão longa demora, e confiando na força e no poder de seus navios, como se fossem totalmente inexpugnáveis, começaram a avançar pela ponta-esquerda: vendo isso, César ficou muito contente, e começou a retroceder um pouco e recuar a ponta direita, querendo atraí-los mais para fora do estreito, e da embocadura do porto, a fim de que pudesse com seus navios que eram leves e bem guarnecidos de forçados, rodear e cercar as galeras dos inimigos, que eram pesadas e vazias, tanto pelo grande volume como também porque tinham falta de remadores. Quando começou a refrega e eles já combatiam corpo-a-corpo, não houve violência na luta, nem os navios se chocaram, fortemente, uns contra os outros, como se faz ordinariamente, nos combates navais, porque, de um lado os navios de Antônio pelo seu peso não podiam ter a velocidade nem a rapidez, que torna os golpes de ponta violentos e eficazes, e por outro lado, os navios de César evitavam, não somente chocar-se e enfrentar os de Antônio, que tinham a proa revestida de pontas de cobre: não ousavam ainda nem mesmo atacá-los pelos flancos, porque suas pontas se quebravam facilmente de qualquer lado que eles sustivessem a violência dessas naus, que eram feitas de grandes pedaços de madeira quadrada, ligadas juntamente por tiras de ferro de modo que a batalha era quase como um combate terrestre, ou melhor, o assalto de uma cidade, pois umas três ou quatro das de César sempre rodeavam as de Antônio, e os soldados combatiam a golpes de lanças, de alabardas e lançavam potes e lanças incandescentes: e os de Antônio com balestras e máquinas de atirar, lançavam também flechas do alto das torres de madeira de seus navios.

LXXXV. Cleópatra foge. Antônio segue-a

LXXXV. Ora, Publicola vendo Agripa estender e alargar a ponta-esquerda do exército de César para cercar Antônio, que combatia, foi também obrigado a passar para o largo, e assim pondose um pouco para o lado, afastou os que estavam no meio da batalha, os quais se assustaram: pois estavam já bastante oprimidos por Arúncio: todavia o combate ainda estava equilibrado, e a vitória pendia duvidosa, sem se inclinar mais para um lado do que para outro, quando repentinamente as sessenta naves de Cleópatra levantaram os mastros e desfraldaram as velas para a fuga: passaram através das que combatiam, pois tinham sido colocados atrás dos grandes na vios, e puseram as outras em grandes dificuldades, porque os mesmos inimigos se maravilharam muito de vê-las singrar de velas estendidas para o Peloponeso: foi quando Antônio mostrou mesmo que tinha perdido o bom senso e a coragem não somente de imperador mas também de um homem virtuoso, e que tinha a mente ofuscada, e que isso era verdade,. nós o sabemos, pois um ancião disse gracejando: "Que a alma de um amante vive no corpo de outrem, não no próprio", tanto ele se deixou dominar por essa mulher, como se estivesse colado a ela, e que ela não se soubesse mover sem movê-lo também com ela. Pois logo que ele viu partir o seu navio, esqueceu, abandonou e traiu os que combatiam e se deixavam matar por ele, e lançou-se1571 em uma galera de cinco ordens de remos para seguir àquela que já começava a ser a causa de sua ruína, e que deveria ainda acabar por destruí-lo.

LXXXVI. Ceia com ela

LXXXVI. Quando ela percebeu de longe aquela galera, mandou tirar da popa do seu navio um escudo e assim Antônio aproximou-se e depois passou ao navio e foi onde estava Cleópatra, mas não a viu nem ela a ele; foi Antônio sentar-se sozinho, em silêncio, na proa do navio, com a cabeça entre as mãos: e no entretanto alguns navios de César, que o perseguiam, aproximaram-se: Antônio imediatamente fez voltar a proa da nau, e obrigou os outros a se afastar, menos o de um certo Euricles Lacedemônio, que sempre o perseguia, com muita insistência, brandindo um dardo que tinha na mão, do alto da proa, como se o quisesse lançar contra Antônio: ele veio postar-se no castelo da frente e perguntou: "Quem é este que persegue Antônio?" — "Eu sou, respondeu ele, Euricles, filho de Laçares, que por meio da boa sorte de César procuro vingar a morte de meu pai". Pois Laçares tinha sido acusado de furto, e Antônio o tinha feito decapitar: contudo Euricles evitou atacar o navio onde estava Antônio, mas deu à outra capitania, pois havia duas, tão grande golpe de ponta, que era de cobre, grande e reforçada, que o fez revirar, e apoderou-se de toda a carga, a qual consistia em grande quantidade de móveis muito ricos e preciosos. Depois que ele se retirou, Antônio voltou ao mesmo lugar, e colocou-se na mesma atitude, como antes, em profundo silêncio, e assim passou três dias sem falar com ninguém até que chegaram a Tenaro, onde as damas de Cleópatra os fizeram falar um com o outro, e depois, cearam e foram dormir juntos.

LXXXVII. Ordena a Canidio de voltar à Ásia, pela Macedônia

LXXXVll. Já começavam a se reunir a eles grande número de navios mercantes, e alguns familiares que tinham escapado à derrota, os quais traziam notícias de que o exército de mar estava perdido, mas que pensavam que as forças de terra ainda existiam: então Antônio mandou a Canídio que voltasse com seu exército pela Macedônia, à Ásia. Ele, porém, pensava em dirigir-se à África -tomou então uma de suas caravelas, cheias de ouro e prata e de várias outras coisas preciosas e a deu aos seus amigos, mandando-lhes que repartissem entre si, e que procurassem salvar-se. Eles, porém, responderam chorando, que não o fariam e que jamais o abandonariam. Então Antônio os animou, com palavras comovidas e muito afetuosas, rogando-lhes que se retirassem; escreveu a Teófilo, governador de Corinto, que lhes desse os meios de se porem em segurança, e que os escondesse em algum lugar secreto até que eles tivessem se avistado com César. Teófilo era pai de Hiparco, que gozara de grande crédito perante Antônio; foi ele o primeiro de todos os seus libertos, que se voltou e se reuniu a César, e logo depois foi residir em Corinto. Eis como ele foi ter com Antônio.

LXXXVIII. Bela resistência de seu exército por mar e por terra

LXXXVIII. A sua esquadra, que combatia diante de Áctio, pôde resistir por muito tempo, e nada lhe causou tão grande prejuízo, como um vento forte que se levantou por diante, na proa; foi, porém, ao depois, com grande dificuldade, destruída às cinco horas da tarde. Morreram mais de cinco mil homens, e foram ainda aprisionados uns trezentos navios, como César mesmo o diz em seus Comentários. Muitos tinham mesmo visto Antônio fugir, e no entretanto, custavam a acreditá-lo, que ele, que tinha ainda dezenove legiões intactas e doze mil soldados de cavalaria, à beira do mar, os tivesse abandonado, e fugido tão covardemente, como, se ele nunca tivesse experimentado uma e outra vicissitudes: e que não estivesse habituado às várias alternativas da batalha e no entretanto ainda o desejavam seus homens, e esperavam sempre que ele voltasse de alguma parte: e se mostravam tão fiéis e leais para com ele, que ainda que tivessem certeza da sua fuga, permaneceram sete dias inteiros, não prestando atenção aos embaixadores que César lhes enviava todos os dias. Finalmente, seu chefe, Canídio, lugar-tenente de Antônio, também fugiu de noite e saiu do acampamento; quando se viram abandonados por seus chefes, então entregaram-se ao mais forte.

LXXXIX. Esgotamento a que Antônio tinha reduzido a Grécia

LXXXIX. Depois disto César navegou p ara a cidade de Atenas, onde teve uma entrevista com os gregos, e distribuiu o que restava do trigo que se tinha reunido para o exército de Antônio, às cidades e aldeias da Grécia, as quais estavam reduzidas à extrema pobreza e miséria, esgotadas de dinheiro, de servos, de cavalos, de outros animais de carga e de carro: de tal modo que o meu bisavô Nicarco contava que então os cidadãos da nossa cidade, sem excetuar-se um só, foram obrigados a levar eles mesmos sobre seus ombros uma certa quantidade de trigo até a costa do mar, que está diante da ilha de Anticira e ainda eram açoitados com golpes de chibata. Desse modo, porém, levaram-no somente uma vez, pois na segunda viagem, quando deviam levar de novo outra quantidade, e as cargas já estavam quase todas divididas, chegaram notícias de que Antônio tinha perdido a batalha, o que foi a salvação da nossa pobre cidade: pois os comissários de homens de armas de Antônio fugiram imediatamente e os cidadãos repartiram o trigo entre eles.

XC. Desespero de Antônio

XC. Antônio, tendo chegado à Líbia, mandou adiante Cleópatr a ao Egito, da cidade de Paretônio e ficou sozinho em grande solidão, tendo por companheiros apenas dois familiares, com os quais errava cá e lá: ambos eram retóricos, um grego, Aristócrates e o outro, romano, Lucílio; deles já escrevemos em outro lugar: como quando Bruto foi derrotado perto da cidade de Filipes, ele veio espontaneamente entregar-se nas mãos dos que perseguiam a Bruto, dizendo que era ele, a fim de que Bruto, entretanto, tivesse ocasião de se salvar e depois porque Antônio lhe salvou a vida, ele ficou em sua companhia e manteve-lhe fidelidade e lealdade de amizade até o fim de seus dias. Mas quando Antônio foi notificado de que aquele ao qual ele havia confiado o governo da Líbia e ao qual tinha dado o comando do exército, que ainda existia, tinha passado para o lado de César, ficou tão desgostoso que quis se matar, e o teria feito, se seus amigos o não tivessem impedido. Foi para Alexandria onde encontrou Cleópatra entregue a uma empresa grandiosa e que dela exigia muita coragem e ousadia: há entre o mar Vermelho e o que banha as costas do Egito um pequeno espaço de terra que separa os dois mares, e divide a África da Ásia, e que se localiza bem no ponto em que os dois mares se apertam e se restringem o mais possível, e que mede de largura mais ou menos dezoito léguas1572 e meia. Cleópatra tencionava fazer tirar seus navios de um mar e fazê-los transportar até o outro, pelo estreito, e depois que eles estivessem colocados nessa caverna1573, da Arábia, transportar então todo o seu ouro e sua prata, e partir com um grande séquito de seus amigos, para residir em alguma terra do Oceano, longe do Mediterrâneo, para fugir ao perigo dessa guerra e da escravidão: mas, porque os árabes que estão nos arredores da cidade de Petra, queimaram os primeiros navios que para lá se haviam levado, e Antônio pensava que seu exército de terra, que estava perto de Áctio, ainda existia, ela desistiu dessa empresa, e mandou guardar os portos, passagens e saídas de seu reino. Antônio, então, por sua vez, deixou a cidade e a companhia dos amigos, e mandou construir uma casa dentro do mar, perto da ilha de Faros, sobre bases que mandou colocar no meio das águas, e lá vivia com alguns homens, afastado dos demais, dizendo que queria levar uma vida como a de Timon, porque havia acontecido a ele a mesma coisa, pela ingratidão e pela grande injustiça que os outros haviam cometido contra ele, máxime aqueles aos quais havia feito muitos benefícios, e considerava como amigos, ele desconfiava de todos os demais e os desprezava.

XCI. Digressão sobre Timon, o Misantropo

XCI. Timon era um cidadão de Atenas que vivera no tempo, mais ou menos, da guerra do Peloponeso, como se pode deduzir das comédias de Platão e de Aristófanes, nas quais ele é criticado como inimigo do gênero humano, por recusar e evitar toda e qualquer companhia e comunicação com os demais homens, exceto Alcibíades, jovem, ousado e insolente, ao qual ele dava mostras de amizade, abraçando e beijando de boamente, e por isso Apemanto se irritava, e perguntava-lhe qual o motivo, pelo qual tanto queria assim a um homem como ele, e unicamente a ele, e desprezava a todos os outros: "Eu o amo, respondeu ele, porque eu bem sei e estou certo de que um dia ele será causa de grandes males aos atenienses". Timon tinha recebido algumas vezes a Apemanto e com ele conversara, porque mais ou menos tinha a mesma natureza e os mesmos hábitos que ele, e porque imitava muito a sua maneira de viver.

Um dia, quando se celebrava em Atenas a solenidade a que chamam de Choe, isto é, a festa dos Mortos e se fazem sacrifícios e libações pelos mortos, eles juntos, festejavam a data, sozinhos, quando Apemanto começou a dizer: "Eis aqui um belo banquete, Timon"; e Timon respondeu: "Sim, muito belo, se tu não estivesses aqui". Diz-se que um dia quando o povo estava reunido na praça para o ajuste de algum negócio, ele subiu à tribuna, como faziam ordinariamente os oradores, quando queriam falar ao povo: fez-se logo grande silêncio, e cada qual estava atento para escutar o que ele iria dizer, pois era coisa desusada e uma novidade estranha vê-lo na tribuna; começou então a dizer: "Senhores atenienses, tenho em minha casa um lugarzinho, onde há uma figueira, onde vários já se enforcaram: e como eu quero construir nesse lugar, eu quis antes advertir-vos, antes de cortar a figueira, para que se alguém ainda quiser se enforcar, que se apresse". Ele morreu na cidade de Hales1574 e foi sepultado à beira-mar. Aconteceu que em redor de sua sepultura o mar transbordou de modo que alcançou as proximidades do túmulo, e impedia que alguém dele se aproximasse, sobre o qual estavam gravadas estas estrofes:

Tendo terminado minha vida miseravelmente, neste lugar me sepultaram:
Morrei, malvados, de morte desastrada, sem perguntar como eu me chamava.

Diz-se que ele mesmo ainda vivo fez este belo epitáfio, pois aquele que a ele se atribui comumente, não lhe pertence, mas é do poeta Calímaco:

Aqui tenho para sempre a minha morada, Timon, odiando ainda os homens; passa, leitor, dando-me uma hora má, passa somente, e vai maldizendo-me.

Poderíamos ainda escrever outras coisas do mesmo Timon, mas o pouco que dissemos é bastante, por hora.

XCII. Encontro de Antônio com Cleópatra. Luxo e delícias de sua vida

XCII. Voltando então a Antônio, o mesmo Canídio lhe veio trazer notícias, que ele tinha perdido o seu exército de terra perto de Áctio. Por outro lado, ele também foi notificado, que Herodes, o rei dos judeus, que tinha com ele algumas coortes e algumas legiões, tinha passado para o lado de César, e todos os outros reis haviam feito o mesmo, de modo que, fora os que estavam junto da sua pessoa, nada mais havia que estivesse com ele. No entretanto nada de tudo aquilo o perturbou, e parecia até que ele estava bem contente de deixar toda esperança, a fim de poder desobrigar-se também de todo o peso dos negócios públicos: saiu então daquela moradia que ele havia feito construir dentro do mar, e à qual ele chamava a mansão timoniana, e o recebeu Cleópatra em seu palácio real. Logo que ele lá chegou, toda a cidade se pôs a dar-lhe banquetes, e festas se organizaram, por sua iniciativa também: pois ele fez inscrever, segundo o costume romano, o filho de Júlio César e de Cleópatra, no número dos jovens, e deu a veste viril, que era veste longa, imaculada, sem bordados nem adornos de púrpura, a Antilo, seu filho primogênito, que tivera de Fúlvia; por estes fatos houve durante vários dias em Alexandria, festas e divertimentos, jogos e danças, banquetes e festins. É verdade que eles aboliram aquela primeira agremiação a que chamavam de grupo da vida inimitável: mas organizaram uma outra, a que denominaram de Sinapotanumenon, isto é, o grupo daqueles que querem morrer juntos, que em suntuosidade, gastos e prazeres nada ficava a dever à primeira: pois seus amigos alistando-se nesta agremiação de co-moribundos, assim viviam sempre alegres, porque cada qual, por sua vez, procurava tornar festiva a reunião.

XCIII. Experiência que Cleópatra faz com diversos venenos

XCIII. Entretanto Cleópatra fazia uma lista de todos os venenos que têm o poder de matar os homens: e para conhecer os que faziam morrer com o mínimo de dor, ela os experimentava nos criminosos de morte que estavam nas prisões: mas, quando ela viu, que aqueles que eram rápidos, traziam logo a morte com dores e tormentos atrozes, e ao contrário, os mais suaves não tinham a força de causar a morte imediatamente, ela se pôs a experimentar as mordidas de serpentes, e fazia diante dela várias provas, aplicando a uns e outros os mais variados venenos: e embora fizesse todos os dias novas experiências, não encontrou nenhum, de todos os que experimentou, mais próprio do que a morde-dura de uma serpente, que sem gemido ou estertor, causa somente um peso na cabeça e uma grande vontade de dormir, com um pouco de suor no rosto; e pouco a pouco amortece os sentidos, sem que os pacientes sintam grandes dores, pois ficam quase fora de si, como adormecidos, ou atordoados, como quem desperta do sono, e ainda tem grande vontade de novamente dormir.

XCIV. Negociações entre Antônio e Cleópatra na presença de Otávio

XCIV. Não obstante eles enviaram embaixadores a César, na Ásia, ela pedindo o reino do Egito para seus filhos, e ele rogando que o deixasse viver em Atenas, como um particular, se César não quisesse que ele residisse no Egito. E como eles não tivessem junto de si pessoas de destaque, porque alguns tinham fugido e eles não confiavam muito nos outros, foram obrigados a mandar para lá a Eufrônio, o preceptor de seus filhos. Pois Alexas Laodicense, que tinha sido introduzido na casa e na amizade de Antônio por Timagenes e depois tinha conquistado mais crédito e favor que nenhum outro grego, porque tinha sido sempre um dos instrumentos e ministro de Cleópatra para ganhar Antônio, e para desfazer todas as suas deliberações de regressar para junto de Otávia, Antônio o havia mandado a Herodes, rei dos judeus, para tentar conservá-lo na sua amizade, e impedir que o abandonasse: mas ele ficou lá e traiu a Antônio pois em vez de converter o outro, ele o aconselhou a abandoná-lo e teve ainda a ousadia de se apresentar a César, entregando-se a Herodes. Contudo Herodes de nada lhe serviu, pois ele foi imediatamente preso e levado sob ferros ao seu país, onde por ordem de César, foi morto. Eis como Alexas foi castigado pela sua traição, pelo inimigo mesmo de Antônio, e pela deslealdade de que havia usado para com ele.

XCV. Suspeitas de Antônio contra Cleópatra

XCV. Finalmente César não quis ouvir os rogos e pedidos de Antônio; quanto a Cleópatra, porém, ele respondeu-lhe que nada lhe recusaria que fosse justo e equitativo, contanto que ela fizesse morrer ou expulsasse de seu país, a Antônio, e enviou logo um de seus servidores, chamado Tireu, homem ilustre e sensato, que, levando carta de crédito de um jovem senhor a uma senhora orgulhosa, que muito se comprazia de sua beleza e nela confiava, tê-la-ia, por sua eloquência facilmente podido movê-la. Este homem falava-lhe mais tempo que os outros e prestava-lhe a rainha grande honra, de modo que despertou suspeitas e desconfianças em Antônio: assim foi que este o mandou açoitar e depois o mandou assim a César, como notificando-o de que ele o havia irritado, porque fazia pouco caso dele, mostrando-se soberbo e o tinha desprezado, naquela contingência, principalmente, quando ele estava se consumindo na miséria em que se encontrava: "Em suma, se achas que ele é mau (disse ele), tens junto de ti, um de meus libertos Hiparco, toma-o, se queres, e açoita-o à vontade, para que sejamos iguais". De então em diante, Cleópatra, para se desculpar das acusações que se lhe faziam, e das suspeitas que se levantavam contra ela, entre-tinha-o e o acariciava mais que de costume; agora ela celebrava o dia do seu nascimento, com pouca solenidade e modestamente, como convinha à sua situação e fortuna presente, e ao contrário, celebrava o dia do seu nascimento de tal sorte, que ultrapassava os limites da suntuosidade e da magnificência de modo que muitos dos convidados ao festim, que haviam chegado pobres, voltavam ricos.

XCVI. Cleópatra manda levar todas as suas riquezas a um túmulo

XCVI. Enquanto estas coisas se passavam, Agripa por várias cartas sucessivas, ordenava a César que regressasse a Roma, porque os negócios exigiam a sua presença indispensavelmente, pelo que a guerra foi diferida para o ano seguinte; apenas o inverno passou, porém, ele voltou novamente contra Antônio, pela Síria, e os seus outros generais pela costa da África. Ora, como a cidade de Pelúsio tivesse sido tomada, correu uma voz pela cidade, que Selêuco a tinha entregue com o consentimento de Cleópatra; mas, para mostrar que não, ela entregou nas mãos de Antônio sua mulher e seus filhos, para que se vingasse segundo a sua vontade. Ademais, ela tinha há muito mandado fazer sepulturas e monumentos suntuosos, tanto em beleza de obra como em altura e grandeza de construção, perto do templo de Ísis: para lá mandou levar tudo o que possuía de riquezas e de preciosidades dos antigos reis, seus predecessores, ouro, prata, pedras preciosas, esmeraldas, pérolas, ébano, marfim, cinamomo e outras coisas, muitas tochas, lenha, estopa, de modo que César receando que tantos bens se perdessem e que essa mulher por desespero incendiasse tudo e queimasse tão grande riqueza, mandava-lhe sempre alguém que lhe dizia uma boa palavra, para manterlhe sempre a esperança, enquanto ele se aproximava da cidade com o exército.

XCVII. Otávio sitia Alexandria

XCVII. E aproximou-se tanto que chegou a pôr o seu acampamento bem perto da cidade, dentro do campo onde se costumavam domar os cavalos e tratá-los; Antônio atacou-o e combateu valentemente, tanto que conseguiu afastar a cavalaria de César, e os perseguiu sob as armas até dentro do seu acampamento e depois voltou ao palácio, engrandecendo-se por essa vitória, beijou Cleópatra ainda vestido como estava de regresso do combate, elogiando ele um de seus homens, que naquela escaramuça havia combatido com valor e feito seu dever e ela para louvar sua virtude, deu-lhe uma pequena couraça e um elmo de ouro: mas o homem depois que recebeu esse presente, riquíssimo, deveras, de noite, se foi entregar a César. E Antônio mandou outra vez desafiar a César e apresentar-lhe combate homem contra homem. César respondeu-lhe que tinha outros modos de morrer que não aquele. Pelo que Antônio vendo que não lhe restava outro meio de morrer valentemente senão combatendo, deliberou fazer um último esforço, tanto por mar como por terra; e ceando, segundo se diz, ordenou aos seus servidores, à mesa, que lhe dessem de beber, e o tratassem do melhor modo possível, porque, disse ele "não sabeis se me podereis fazer amanhã o mesmo que agora, ou se servireis a outros senhores, e talvez nada mais exista de minha pessoa, senão um corpo morto e inerte". Todavia, vendo que seus servidores e amigos choravam, ouvindo estas palavras, para corrigir o que havia dito, acrescentou que não os levaria a um combate do qual não tivesse antes certeza de voltar, seguramente com a vitória, do que lá morrer valentemente e com glória.

XCVIII. Antônio vencido e traído

XCVIII. Finalmente, naquela mesma noite, pela meia-noite, mais ou menos, estando toda a cidade envolta em profundo silêncio, temor e tristeza, pela expectativa dessa guerra, diz-se que de repente ouviram-se harmonias de sons que brotavam de toda espécie de instrumentos, com os clamores de uma grande multidão, como se muitos dançassem e cantassem, tal como se costuma fazer nas festas de Baco, com movimentos e bailados satíricos: e parecia que essa dança percorria a cidade inteira, vindo da porta que correspondia ao campo dos inimigos, e que também por aquela porta toda a tropa cujo rumor se ouvia, saía para fora da cidade. Foi esta uma advertência aos que com razão procuravam a interpretação desse prodígio, que era o deus, ao qual Antônio tinha singular devoção em imitar e afeto em se lhe assemelhar, que os, deixava. No dia seguinte ao despontar do dia foi reunir os poucos soldados que ainda tinha, no outeiro que está em frente da cidade, e de lá observavam suas galeras que partiam do porto e vogavam contra as dos inimigos: permaneceram imóveis esperando alguma façanha de seus soldados, que estavam dentro: mas imediatamente, levados pela força dos remos, apenas se aproximaram, saudaram antes os de César e os de César retribuiram-lhes a saudação e das duas se fez uma só armada, e em seguida navegaram para a cidade. Apenas estas coisas aconteceram, os cavaleiros de Antônio também se entregaram a César, abandonando-o, também, quando seus soldados de infantaria foram derrotados e dispersos: ele então retirou-se para dentro da cidade, clamando que Cleópatra o havia traído, em favor daqueles mesmos, contra os quais ele movera a guerra, por amor a ela.

XCIX. Atravessa-se com sua espada

XCIX. Então, ela, temendo o seu furor e o seu desespero, fugiu para dentro daquele túmulo que tinha feito construir, e mandou fechar as portas e abaixar as grades que eram presas com grandes fechaduras e barreiras resistentes e mandou dizer a Antônio que ela tinha morrido. Ele acreditou sem mais e disse a si mesmo: "Que mais esperas, Antônio, quando a fortuna inimiga tirou-te a única coisa que te restava, pela qual ainda desejadas viver?" Depois de ter dito estas palavras, entrou no quarto, despiu a couraça e estando despido se pôs a dizer: "Ó Cleópatra, não estou sentido por estar separado de ti e privado de tua companhia, pois eu me dirigiria logo para junto de ti; mas estou atônito, pois tendo sido um grande general e um grande imperador, estou com efeito convencido de ser menos magnânimo e menos corajoso que uma mulher". Ele tinha um servo de nome Eros, em quem ele confiava, e ao qual ele havia já há muito tempo feito jurar que o mataria quando ele o tivesse ordenado: ordenou-lhe então que cumprisse a sua promessa: o servo, então, desembainhou sua espada, e a empunhou para feri-lo, mas voltando o rosto para um outro lado, ele atravessou-se a si mesmo com a arma, e caiu morto aos pés de seu senhor: então disse Antônio: "Ó, gentil Eros, eu te conheço muito bem, e fizeste-o virtuosamente a ti mesmo, aquilo, que, mostrando-me, eu deveria fazer a mim também, o que não pudeste fazer em meu lugar". E então dizendo estas palavras, atravessou o ventre com sua espada e deitou-se num pequeno leito: o golpe não era mortal, e por isso a efusão do sangue diminuiu um tanto, quando ele se deitou, e depois de ter-se rearmado um pouco, pediu aos que ali estavam que o acabassem de matar: mas eles todos fugiram do quarto e o deixaram gritando de desespero até que um seu secretário, de nome Diomedes, veio ter com ele, o qual tinha o encargo de levá-lo onde estava Cleópatra, ao túmulo.

C. Paz que o levem ao túmulo onde Cleópatra estava encerrada. Sua morte

C. Quando ele soube que ela ainda vivia, mandou com grande afeto aos seus que o levassem para lá: eles, então, tomaram-no nos braços e assim chegaram até a entrada do mesmo. Cleópatra, porém, não queria abrir as portas, aparecendo, todavia numa das; janelas ao alto, atirou para baixo algumas cordas, às quais amarraram Antônio, e ela com duas outras mulheres, que ela permitira em sua companhia dentro do sepulcro, o puxou para cima. Os que estavam presentes a esse espetáculo dizem que jamais se presenciou coisa mais piedosa, pois levantavam aquele pobre homem todo banhado em sangue, nas vascas da morte, que estendia a s mãos para Cleópatra, e se sustinha como podia. Era coisa difícil suspendê-lo, principalmente tratando-se de mulheres; todavia, Cleópatra com grande esforço, empregando todas as suas energias, inclinando a cabeça para baixo, sem soltar as cordas, tanto fez que finalmente conseguiu fazê-lo chegar até junto dela, e com o auxílio das outras, animada pelos que estavam embaixo, que lhe procuravam também dar coragem, sofrendo tanto quanto ela naquela dolorosa expectativa. Depositou-o em seguida num leito, desatando suas vestes, batendo e esfregando-lhe o peito, friccionando o rosto e o estômago; enxugou-lhe o sangue, que lhe banhava o rosto, chamando-o seu senhor, seu marido e seu imperador, esquecendo quase sua miséria e sua própria infelicidade, pela compaixão e pena de quanto presenciava.

Antônio fê-la terminar as lamentações, pediu vinho para beber, quer porque tinha sede, de verdade, quer porque assim esperava morrer logo e mais depressa. Depois de ter bebido, aconselhou-a a salvar a própria vida, se pudesse fazê-lo, sem desonra e sem vergonha, e que confiasse principalmente em Proculeio mais que em qualquer outro de todos os que tinham prestígio perante César: quanto a ele, que ela não o lamentasse pela miserável mudança de fortuna, no fim dos seus dias, mas que o julgasse muito feliz, pelos seus triunfos, e honras que havia recebido no passado: pois tinha ele sido durante sua vida o mais glorioso, o maior triunfador e o mais poderoso dos homens sobre a terra, e que então ele tinha sido vencido, não covardemente, mas com muito valor e coragem, ele que era. romano, por um outro, também romano. No momento mesmo de exalar o último suspiro, Proculeio chegou, mandado por César: porque depois que Antônio se ferira, e quando o levavam para a sepultura de Cleópatra, um de seus guardas, chamado Derceteo, tomou a espada com a qual ele se havia ferido e a escondeu: depois, roubou-a secretamente e foi o primeiro que levou a notícia da sua morte a César, mostrando-lhe ainda a espada tinta de sangue.

CI. Otávio envia Proculeio para se apoderar da pessoa de Cleópatra

Cl. César, tendo ouvido estas notícias, retirou-se ao mais íntimo da sua tenda, e se pôs a chorar de pena e a lamentar sua miserável fortuna, como a daquele que tinha sido seu aliado, seu cunhado e seu igual no império, e companheiro em vários feitos de armas e grandes empresas; depois chamou todos os seus amigos e mostrou-lhes as cartas que lhe tinha escrito e respondido durante suas diversas altercaçoes e como em todas as coisas justas e razoáveis que ele lhe escrevia, o outro lhe respondia altiva e arrogantemente. Feito isto, mandou Proculeio, ordenando-lhe que tudo fizesse para ap anhar viva a Cleópatra, se possível, porque ele temia que o seu tesouro fosse perdido e ainda mais, porque julgava que seria ela um grande ornamento para o seu triunfo, se ele a pudesse levar viva a Roma. Mas ela não se entregou nas mãos de Proculeio, embora tivessem falado com ele quando Proculeio aproximou-se das portas que eram muito grandes e fortes, e estavam fechadas com toda a segurança. Havia, porém, algumas fendas por onde a voz podia passar e ouvia-se que ela pedia o reino do Egito para seus filhos, e que Proculeio lhe respondia que tivesse toda esperança disso e que não duvidasse de se entregar à boa vontade de César.

CII. Entra no túmulo, agarra-a e a desarma

CII. Tendo depois observado e considerado bem o lugar, ele veio relatar a César tudo o que acontecera; este mandou novamente a Gallo para parlamentar ainda uma vez com ela. Manifestou-lhe expressamente a sua vontade, insistindo, enquanto Proculeio preparava uma escada bem alta junto da janela, pela qual Antônio havia passado, pela qual entrou no túmulo com dois homens, junto da porta onde Cleópatra estava, escutando o que Gallo lhe dizia. Uma das mulheres que estava lá encerrada com ela, por acaso viu Proculeio quando ele descia, e se pôs a gritar: "Pobre Cleópatra! Estás presa!" Voltando-se, viu Proculeio por trás dela; procurou então servir-se de uma pequena espada que usava sempre à cintura; mas o oficial avançou de repente, agarrou-a e disse: "Cleópatra, cometerás um gr ande erro contra ti mesma e contra César também, privando-o da ocasião de pôr em evidência toda a sua magnanimidade e clemência, dando aos que o querem mal, motivo de caluniar o mais humano dos príncipes que jamais existiu, como se fosse pessoa sem misericórdia, e no qual não se tivesse absolutamente confiança". Dizendo isto, tirou-lhe a espada que ela trazia, sacudiu-lhe as vestes temendo que ela tivesse algum venen o escondido.

CHI. Honra que Otávio presta ao filósofo Arrio

CIII. Depois, César mandou um de seus libertos, chamado Epafrodita, ao qual ordenou expressamente que a guardasse, com cuidado e segurança, e que impedisse, absolutamente, que ela se matasse, e por fim, que a tratasse o mais gentilmente possível. Ele, por sua vez, entrou na cidade de Alexandria, entretendo-se com o filósofo Arrio, tomando-o pela mão, para que os cidadãos o tivessem em grande reverência, vendo que César o honrava tão altamente. Foi depois ao parque dos exercícios e subiu a uma cátedra elevada, que lhe haviam preparado diante da qual estava reunido por sua ordem, todo o povo de Alexandria, tremendo de medo, de joelhos!, por terra diante dele, pedindo misericórdia. César mandou-o levantar-se, e declarou publicamente que ele absolvia o povo, e lhe perdoava a ofensa e a traição que haviam cometido durante aquela guerra, primeiramente, por causa do fundador da cidade, Alexandre, o Grande: em segundo lugar, pela sua beleza, que ele apreciava e admirava muito: em terceiro lugar, pela amizade que dedicava ao seu amigo Arrio. Tal honra prestou César a ele, que lhe pediu perdão e intercedeu por vários outros, dentre os quais Filóstrato, o mais eloquente e o mais erudito de todos os sofistas e retóricos do seu tempo, por falar sempre e de improviso, mas que se dizia filósofo acadêmico com insígnias falsas: César, porém, que odiava sua natureza e seus costumes, não queria ouvir os seus rogos, por isso, então, ele deixou crescer uma longa barba branca e seguia a Arrio passo a passo, vestido de uma longa túnica preta, repetindo-lhe sempre um verso grego, mais ou menos assim: "Homens de saber, os sábios vão salvando. Ou eles mesmos não são sábios". César sabendo disto e querendo não tanto livrar Filóstrato do medo que ele tinha, como também evitar a Arrio o ódio e a inveja que poderiam ser suscitados contra ele, acabou por perdoá-lo.

CIV. Sepultamento de Antônio

CIV. Quanto aos filhos de Antônio, Anti-lo, o filho mais velho de Fúlvia, foi morto, porque Teodoro, seu preceptor, o en tregou aos soldados, que lhe cortaram a cabeça, e tirou-lhe ainda uma pedra preciosa de grande valor que ele trazia ao pescoço, que ele coseu ao seu cinto, e depois negou tê-lo tirado, mas a pedra foi encontrada e por isso César o fez crucificar. Os de Cleópatra eram guardados com seus preceptores, e os que tinham o encargo de suas pessoas os alimentavam honrosamente. Quanto a Cesário, que se dizia ser filho de Júlio César, sua mãe o havia mandado às índias, pela Etiópia, com uma grande soma de dinheiro: mas um outro seu preceptor, chamado Rodon, semelhante a Teodoro persuadiu-o a voltar, porque César o chamava para lhe entregar o reino de sua mãe: e como César deliberava o que se deveria fazer, Arrio lhe disse:

Pluralidade de Césares não é boa1575.

Pelo que César ao depois o fez morrer, após a morte de Cleópatra. Vários príncipes, generais e reis pediram a César o corpo de Antônio, para sepultá-lo: mas ele não o quis tirar a Cleópatra e foi sepultado com pompa real e magnificamente pelas mãos dela mesma, à qual foi permitido tomar tudo o que quisesse para empregar no seu funeral.

CV. Cleópatra propõe ao seu médico ajudá-la a se livrar da vida

CV. Estava ela torturada pela tris teza e pela melancolia, e ao mesmo tempo pela dor, porque tanto tinha batido no peito por angústia, que tinha o seio todo ferido e em vários lugares chagado, com inflamação, de modo que lhe sobreveio a febre: com isso ela muito se alegrou, porque lhe seria motivo para não se alimentar, e assim pensava acabar seus dias e extinguir sua vida sem obstáculo. Ela tinha um médico chamado Olimpo, ao qual ela se manifestou e contou toda a verdade, a fim de que a ajudasse a partir desta vida, como o mesmo Olimpo deixou escrito, o qual escreveu e. publicou uma história destas coisas: mas César desconfiou de tudo, por algumas notícias que teve e intimidou-a, ameaçando-a de fazer morrer seus filhos vergonhosamente: ante tais ameaças ela se rendeu incontinente, como se tivesse sido atacada por golpes de baterias e depois deixou-se medicar e alimentar como era de mister.

CVI. Visita de Otávio a Cleópatra

CVI. Poucos dias depois César mesmo em pessoa foi visitá-la para falar-lhe e confortá-la. Ela estava deitada em um pequeno leito em estado deplorável. Quando o viu entrar, porém, em seu quarto, levantou-se imediatamente, e foi lançar-se vestida somente de camisa aos seus pés, muito desfigurada, quer por causa dos cabelos desgrenhados, quer pelo rosto que tinha dilacerado com suas unhas; tinha a voz fra ca e tremula, os olhos fundos por causa das lágrimas, que corriam continuamente, e podia-se ver grande parte de seu ventre dilacerado e ferido. Todo seu corpo estava tão abatido quanto seu espírito: entretanto sua graça, o vigor e a força da sua beleza não se haviam extinguido completamente, mas ainda que ela estivesse em tão piedoso estado, quase transparecia do íntimo e se manifestava nos movimentos do rosto. Depois que César fê-la novamente deitar-se e sentou-se perto dela, começou a apresentar a sua defesa, suas justificações, desculpando-se do que havia feito e atribuindo tudo ao temor e ao receio de Antônio. César, ao contrário, a convencia em cada ponto e motivo; pelo que ela então começou a lhe pedir perdão e implorar dele a misericórdia, como se ela tivesse grande medo de morrer e grande vontade de viver. Finalmente, ela lhe entregou uma lista das joias e dos tesouros que possuía, Por acaso ali se encontrava um dos seus tesoureiros, chamado Selêuco, que veio à presença de César, declarando, como bom servo, que ela ali não havia posto tudo, e que escondia secretamente outras coisas; com isso ela foi tomada de tal sentimento de cólera e de impaciência, que o agarrou pelos cabelos e lhe deu vários socos no rosto. César se pôs a rir, e fê-la acalmar-se. "Ora, César, — disse ela — não é uma grande indignidade, que tenhas tido o trabalho de vir até mim e me tenhas concedido a honra de falar comigo, neste estado, tão mesquinha e miserável e ainda meus servidores me venham acusar porque eu quis reservar alguma coisa dos meus haveres, joias, próprias de uma mulher, ai! não para me enfeitar, infelizmente, mas com a intenção de dar alguns presentes a Otávia e a Lívia, para que por sua intercessão e por seu intermédio fosses mais benigno para comigo e mais indulgente?" César ficou muito satisfeito com essa declaração, persuadindo-se de que ela desejava muito garantir a sua vida: respondeu-lhe que ele lhe dava não somente o que ela havia conservado, para lhe ser absolutamente agradável, mas que além disso, ele a trataria mais liberalmente e mais magnificamente do que ela poderia esperá-lo: e assim despediu-se dela, e foi-se embora, pensando tê-la enganado, mas estando bem enganado ele também.

CVII. Ofertas fúnebres de Cleópatra sobre o túmulo de Antônio

CVII. Um jovem de nome Cornélio Dola bela, que era um dos mais íntimos de César, não era dos menos afeiçoados a Cleópatra: ele mandou-lhe secretamente, como ela lhe havia pedido, dizer que César tinha deliberado retomar o caminho pela Síria, e que dentro de três dias ele a mandaria adiante com seus filhos. Quando ela soube dessa deliberação, pediu a César que se dignasse consentir-lhe oferecer as últimas oblações aos mortos, pela alma de Antônio: foi-lhe isto permitido, e ela se fez conduzir ao lugar da sepultura, e lá, de joelhos, abraçando o túmulo com suas mulheres de companhia, disse, com lágrimas, nos olhos: "Caro senhor Antônio, eu te sepultei sendo ainda livre, e agora apresento-te estas ofertas e libações fúnebres como prisioneira e escrava, e me proíbem rasgar e estraçalhar o meu corpo escravo, que é cuidadosamente conservado, apenas para o triunfo sobre ti, não esperes, pois, outras honras, ofertas, nem sacrifícios da minha parte: estas são as últimas que Cleópatra te pode ofertar, pois a levam cativa. Enquanto vivemos nada nos pôde separar, mas agora à nossa morte, eu duvido de que nos façam trocar o lugar do nosso nascimento: e como tu, romano, estás sepultado aqui no Egito, assim eu, infeliz egípcia, serei sepultada na Itália, o que será o único bem que terei recebido do teu país. Se pois os deuses de lá, onde tu estás presentemente, têm algum poder e autoridade, pois que os cá da terra nos abandonaram, não permitam que levem viva a tua amiga, e não suportem que em mim triunfem sobre ti, mas recebe-me contigo, e sepulta-me num mesmo túmulo, pois, embora os meus males sejam infinitos, não houve um só que me tivesse sido tão duro de suportar, como o pouco tempo que fui obrigada a viver sem ti".

CVIII. Sua morte

CVIII. Depois destas lamentações e preces, ela cobriu o túmulo de flores, grinaldas e festões, que tinha preparado carinhosamente, e ordenou que lhe preparassem um banho: depois de se ter banhado e lavado pôs-se à mesa, onde foi servida magnificamente. Enquanto ceava, chegou um camponês que trazia um cestinho: os guardas imediatamente lhe perguntaram o que ele trazia dentro: ele abriu o cestinho, tirou as folhas de figueira que estavam por cima, e mostrou-lhes alguns figos. Ficaram todos admirados pela beleza e tamanho das frutas. O camponês se pôs a rir, e disse-lhes que tirassem se quisessem: eles pensaram que o homem dizia a verdade e lhe disseram que os levasse para dentro. Depois de Cleópatra ter ceado, ela mandou a César tabuazinhas escritas e seladas, e ordenou que todos os outros saíssem da sepultura, onde ela estava, exceto as duas mulheres: depois fechou as portas. Quando César leu as lamentações e as súplicas, compreendeu como Cleópatra queria que ele a deixasse ser sepultada com Antônio, ele entendeu logo o que ela queria dizer: foi então ele mesmo para lá: mas mandou antes alguém para que indagasse do que se passava. A morte foi rápida: os enviados de César apressaram-se, e encontraram os guardas que de nada sabiam, e não tinham percebido a morte da rainha. Quando abriram as portas, encontraram Cleópatra morta sobre seu leito de ouro, vestida de hábitos reais, e uma das mulheres, a que se chamava Iras, morta também aos seus pés: a outra, Charmion, quase morta, na agonia, mas ainda ajustando o diadema que ela tinha em redor da cabeça. Alguém lhe disse então naquele momento: "Isto é belo, Charmion?" Muito belo! — respondeu ela — e muito conveniente a uma senhora da raça de tantos reis". Dizendo isto caiu por terra e morreu perto do leito de Cleópatra.

CIX. Divergências na narração da sua morte

CIX. Alguns dizem que lhe trouxeram a serpente dentro do cesto de figos, e que ela havia ordenado que a ocultassem nas folhas da figueira, a fim de que pensassem que ela fora picada pela serpente, quando comia os figos, sem que ela o tivesse, antes, percebido: mas, quando ela quis tirar as folhas para tomar as frutas!, ela a percebeu e disse: "Então estás aqui?" E lhe estendeu o braço nu para ser mordida. Outros dizem que ela a conservava dentro de um arbusto, e que a provocou e irritou com um fuso de ouro de tal modo que a serpente raivosa saiu e mordeu-lhe o braço: ninguém, porém, sabe de fato a verdade. Pois se diz mesmo que ela tinha veneno escondido numa pequena lima ou raspador oco que tinha oculto entre os cabelos, e no entretanto, não se encontrou nenhum vestígio no seu corpo, nem se percebeu por sinal algum que ela tinha sido envenenada. Nem, por outro lado, jamais se encontrou dentro do túmulo tal serpente, somente diz-se, que dela se viram alguns vestígios e rastos à beira-mar, onde se via este sepulcro do mesmo lado das portas. Outros dizem que se encontraram duas picadas em um dos seus braços, muito pequenas e que quase não se percebiam. Pelo que, parece que César mesmo prestou fé a esta ocorrência, porque no seu triunfo mandou levar uma imagem de Cleópatra, na qual se via uma cobra mordendo-lhe o braço. Eis como se diz que este fato aconteceu. Quanto a César, embora estivesse bastante emocionado com a morte dessa mulher, tinha ele muita admiração pela grandeza e nobreza da sua coragem, e ordenou que ela fosse sepultada real e magnífica mente, ficando seu corpo com o de Antônio e querendo também que as duas mulheres tivessem igual honra fúnebre. Cleópatra morreu na idade de trinta e oito anos, depois de ter reinado vinte e dois e de ter governado com Antônio, mais de quatorze.

CX. O que foram os filhos de Antônio depois dele

CX. De Antônio uns dizem que ele tinha cinquenta e três anos, e outros, cinquenta e seis: mas todas suas estátuas, imagens e medalhas foram abatidas e as de Cleópatra permaneceram em seus lugares;, com a condição que Arquibio, um de seus amigos, desse a César mil talentos1576 para que não se lhes fizesse o mesmo que com as de Antônio. Ele deixou sete filhos de três mulheres, dos quais César mandou matar somente o mais velho de Fúlvia, chamado Antilo. Otávia tomou todos os; outros e os fez criar com os seus, e deu em casamento Cleópatra, filha de Antônio, ao rei Juba, príncipe muito formoso e gracioso: Antônio, filho de Fúlvia, foi tão grande que, depois de Agripa, que tinha o primeiro lugar e grau de honra junto de César, e depois dos filhos de Lívia, que tinham o segundo, ele estava no terceiro: e ainda, tendo Otávia tido duas filhas do seu primeiro marido Marcelo, e um filho chamado também Marcelo, César deu a este filho, sua filha em casamento: e pelo mesmo meio adotou-o por seu filho: e Otávia deu em casamento uma de suas filhas a Agripa. Depois que Marcelo morreu, pouco tempo depois de se ter casado, vendo que César, ser irmão, estava impedido de escolher dentre seus amigos algum no qual ele confiasse para fazer dele seu genro, ele lhe disse que seria bem que Agripa esposasse sua filha, viúva de Marcelo, deixando a sua, dela: César a princípio concordou, e depois, também Agripa, e por isso ela retirou sua filha e" a casou com Antônio, e Agripa desposou Júlia, filha de César. Restavam ainda os dois filhos de Otávia e de Antônio. Domício Enobarbo casou-se com uma, e a outra, a jovem Antônia, senhora muito afamada, pela sua singular beleza, e por sua pudicícia, casou-se com Drusio, filho de Lívia, e enteado de César, de cujo casamento nasceram Germânico e Clódio, tendo este último sido ao depois, imperador; dos filhos de Germânico, um que se chamou Caio, o foi também, e depois de ter reinado desordenadamente, por algum tempo, foi morto com sua mulher e sua filha: e Agripina tendo um filho, Lúcio Domício, de seu primeiro marido Enobarbo, tornou a se casar com Clódio, que adotou seu filho e o chamou Nero Germânico, o qual teve o império desde o nosso tempo e fez morrer sua mãe e pouco faltou que ele não arruinasse o império dos romanos por sua maldade e furiosa loucura, sendo o quinto sucessor do império depois de Antônio.

Mais fontes de Júlio César

Comentários, de Júlio César - Livro 2

Vidas Paralelas: Bruto, de Plutarco

Vidas Paralelas: Pompeu, de Plutarco

Comentários, de Júlio César - Livro 3

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