Autor: Sonia Regina de Mendonça
Coleção: Tudo é História
Páginas: 91
Editora: Brasiliense
Ano da edição: 1985
Idioma: Português
Com a queda do Império Romano do Ocidente em 47 6 d.C., a Europa se encontrava esfacelada e dividida pelas invasões bárbaras. Para reunificá-la e centralizar novamente o poder, Carlos Magno fundou no século VIII o Império Carolíngio. Mas sem finanças estáveis, sem um exército permanente e imerso numa sociedade baseada em juramentos e obrigações pessoais, seu esforço não prosperou. Serviu, isto sim, como fator importante que influenciou o surgimento de um novo sistema social, político e econômico: o Feudalismo.
Sonia Regina de Mendonça concluiu o doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo em 1990. Ingressou como professora da Universidade Federal Fluminense em maio de 1975. Aposentada em 1999, desde então é Docente do Programa de Pós-graduação em História (PPGH).
MENDONÇA, Sonia Regina de. O Mundo Carolíngio. São Paulo: Brasiliense, 1985.
O Mundo Carolíngio é uma obra sobre o Reino Franco, que ocupou a antiga província romana da Gália no final do século 5, após a queda do Império Romano, e que deu origem ao Reino da França. Essa obra trata do período que vai da sua criação, com a conversão de Clóvis em 481, até o Tratado de Verdun em 843. Embora o título da obra faça referência a dinastia dos Carolíngios (r.751-987), várias páginas também são dedicadas a dinastia dos Merovíngios (r.481-751).
Essa obra não apresenta a história dos eventos políticos desse período. O objetivo é expor dados básicos sobre as estruturas econômicas, políticas e sociais dessa sociedade. É um livro pequeno e de leitura rápida. Eu li a obra em apenas dois dias sem maiores problemas.
Infelizmente, mesmo sendo uma obra curta e de caráter introdutório, ela peca pelo linguajar desnecessariamente complicado. Mas ao longo do livro o texto vai se tornando mais digerível, e a leitura se torna mais agradável. A seguir farei um resumo dos dois capítulos da obra e depois terminarei com minhas conclusões sobre o livro:
Há três temas principais nesse capítulo: a Economia, a Sociedade e o Cristianismo. Na parte de economia a autora fala sobre o funcionamento dos domínios (o modelo agrícola franco) e sobre o comércio na região. O tal domínio não é um sinônimo de feudalismo, aquilo que viria a se tornar o feudalismo, estava nessa época dando seus primeiros passos.
Primeiro a autora foca muito em dois pontos: a baixa produtividade desse novo sistema e as vantagens do servo sobre o escravo. Depois faz alguns comentários sobre o comércio, nada muito especial, apenas dados meio óbvios e a já comum contestação a tese de Henri Pirenne, que parece estar em todos os livros que tratam desse período.
A tese de Pirenne, defendida na obra 'Maomé e Carlos Magno', defende que o que causou o fechamento econômico da Europa e o suposto fim do comércio, não foram as invasões bárbaras do século 5, mas a conquista do Mediterrâneo pelos muçulmanos e o domínio dos piratas árabes sobre a região, o que só ocorreu no século 8.
No texto sobre Sociedade, a autora dá destaque para as contradições da política centralizadora dos francos (baseada na descentralização) e sobre a nivelização dos trabalhadores rurais. O trecho sobre cristianismo fala da situação da Igreja após a queda de Roma, a aliança com os francos e a obra religiosa de Carlos Magno.
Esse capítulo já é mais interessante do que o outro, que é um pouco arrastado. São três temas: O Reino Merovíngio, o Reino Carolíngio e a Cultura do Renascimento Carolíngio. Na parte sobre os Merovíngios a autora destaca o estranho ideal por trás do "Estado" franco, que na realidade não passava de uma grande propriedade privada do rei e dos nobres. A perda do poder do rei (descentralização) já demonstrava força nesse momento e a ascensão dos Carolíngios nada mais foi que a tomada do poder pelos duques da Austrásia.
No trecho sobre o Estado Carolíngio a autora expõe o funcionamento do governo na época de Carlos Magno, destacando a luta contra as forças descentralizadoras e definindo a expansão militar como uma tentativa de solucionar esse problema. Além disso outros mecanismos também foram adotados para tentar conter essa perda de poder, mas no fim as forças centrífugas eram muito fortes e, após a morte de Carlos Magno, a descentralização foi inevitável, devido as próprias contradições internas do Estado franco. A autora define o Império Carolíngio como um “ídolo de pés de barro”: uma construção Estatal fadada ao fracasso
Na parte sobre a cultura ela cita rapidamente as reformas da Renascença Carolíngia, em especial o incentivo a escrita e a educação.
O ponto principal do livro são as contradições do Estado franco, que, para impedir a sua perda de poder adotou medidas que, a longo prazo, levaram ao seu fim. Diante da incapacidade de montar uma grande máquina administrativa, os reis delegaram os seus poderes para os nobres através da concessão de um beneficium, que nessa época se fundiu com o costume da vassalagem. Esse benefício incluía o direito do uso das terras, mas também o poder para recolher as taxas e impostos da região, além de ministrar a justiça. Dessa forma os nobres acabaram virando verdadeiros reis em seus domínios.
Para conter essa perda de poder, e de renda, os reis carolíngios eram obrigados a expandir seu reino através da conquista militar, dessa forma sendo capaz de conceder novos benefícios, ganhando assim os favores dos nobres, pelo menos por uma geração. Com o tempo o rei franco se distanciou cada vez mais da população, os benefícios acabaram se tornaram hereditários e, posteriormente as invasões externas e os conflitos entre nobres acabaram contribuindo para tornar o Estado franco uma mera ficção. Mesmo assim a autora destaca a importância desse império e a influência que ele teve para a formação da Europa.
Essa é uma boa obra de caráter introdutório, mas o livro mostra algumas ideias interressantes sobre as razões da decadência do império Carolíngio e traz dados úteis sobre as ações de Carlos Magno na questão religiosa, e seu papel para o fortalecimento da Igreja. Nos demais temas (sociedade e cultura) não há nada de muito novo. Por ser uma leitura rápida é uma obra que vale a pena ser conferida.
Para mais informações sobre o livro leia minhas anotações de leitura e as fotos da obra. Os links estão acima dessa análise.
Resenha escrita em 30/09/2020.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.
Sobre a crise econômica a partir do século 3
(...) à medida que as pressões das tribos germânicas sobre as fronteiras aumentaram, acentuou-se a militarização do império e seu precário equilíbrio viu-se em xeque. A ampliação dos contingentes militares drenava camponeses para um setor não produtivo, cujas demandas não deixaram de crescer. Ao mesmo tempo, a produção se reduzia, já que o baixo nível técnico existente não permitia compensar a diminuição da população produtiva. As condições de vida no campo se deterioravam. (p.8)
Contradições nas relações do rei carolíngo com seus nobres
Mas a manutenção da fidelidade da clientela continha em si uma contradição: quanto mais vassalos pretendesse ter o soberano, maior deveria ser o seu patrimônio, em face do oneroso sustento de seus seguidores, daí a necessidade da realização permanente de novas conquistas. Gerava-se um círculo vicioso que teve principalmente duas consequências: a mudança da essência do juramento, deslocada da lealdade ao chefe para o interesse na terra a ser obtida; e a fragmentação inevitável do reino e do poder. Como ao doar um benefício o rei cedesse, simultamente com as terras, seus direitos sobre a população local, abria-se a possibilidade de o beneficiado substituí-lo no exercício das funções que lhe eram próprias. O poder público desgastava-se lentamente. (p.32)
O motor das conquistas Carolíngias
Foi esse o motor original da construção das bases territoriais do Império de Carlos Magno. A expansão sobre a Europa, em fins do século 8, visou, antes de mais nada, a equipar com terras essa nova dinastia que disputava a supremacia política do reino franco dividido. Para impor seu predomínio, era preciso ampliar sua clientela. (p.32-33)
O problema da descentralização no período Carolíngio
Como a arrecadação fiscal fosse insuficiente, o pagamento dos servidores continuava a ser realizado mediante a doação de terras, evadindo-se, junto com elas, parcelas do próprio poder real. Estabelecia-se um círculo vicioso que bem ilustra a inviabilidade da montagem de um aparelho administrativo adequado às dimensões do império. As fontes tributárias da monarquia continuavam a ser as mesmas do período merovíngio só que complicava-se, cada vez mais, a cobrança dos impostos diretos e indiretos, reduzida pelos abusos dos agentes locais do poder. (p.72-73)